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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 44

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 328 a 334:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XLIV

Acordo com a União

Foi em meio dessas questões que o Governo Federal baixou o decreto n. 7.758, de 4 de outubro de 1909, contendo o acordo que vinha negociando e, afinal, realizou com a empresa, sobre os pontos em litígio.

Seu preâmbulo dizia assim:

O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo à necessidade de estabelecer as bases para a prestação das contas do tráfego do cais de Santos, de modo a ficarem claramente discriminados o capital, a receita, a despesa e a renda líquida para os efeitos da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, e contratos referentes àquela obra; e considerando que a aplicação do regime estabelecido para verificação da contabilidade de outros portos da República assegura a melhor fiscalização por parte do Governo e simplifica as relações deste com as empresas fiscalizadas, decreta:

Artigo único – Ficam aprovadas as cláusulas que com este baixam, assinadas pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas, para o fim da prestação das contas do tráfego do cais de Santos.

Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1909, 88º da Independência e 21º da República. – Nilo Peçanha. – Francisco Sá.

As cláusulas eram estas:

I – Será considerada renda bruta da Companhia Docas de Santos a soma de todas as rendas ordinárias e extraordinárias, eventuais ou acessórias, que forem por ela recebidas.

II – Será considerada despesa da mesma Companhia a soma de todas as despesas com a sua administração e custeio de todos os serviços, compreendendo a conservação e reparação de todas as obras, aparelhos, maquinismos, material fixo, rodante e flutuante, a dragagem do porto nos termos do decreto n. 2.411, de 23 de dezembro de 1896, a iluminação das faixas do cais, dos armazéns e edifícios e das ruas abertas em terrenos da mesma Companhia, a conservação dos calçamentos dessas ruas, o suprimento de água aos navios, a conservação e custeio das obras e serviços para a produção e suo da energia elétrica e quaisquer outras despesas ordinárias ou extraordinárias, eventuais ou acessórias, inclusive a contribuição para as despesas de fiscalização do contrato por parte do Governo.

III – Fica fixada a quota de 40% da renda bruta definida na cláusula I para as despesas especificadas na cláusula II, e a quota de 60% da mesma renda bruta, como representativa da renda líquida da Companhia, para a remuneração do capital empregado pela mesma, nos termos da cláusula V, até o limite máximo marcado no § 5º do art. 1º do decreto n. 1.746, de 13 de outubro de 1869.

IV – As despesas com obras novas, que forem autorizadas pelo Governo, serão incorporadas ao capital da Companhia e bem assim as de reconstrução ou de consolidação quando, a juízo do Governo, não sejam motivadas por defeitos de construção primitiva ou por falta de conservação.

Este capital terá direito à remuneração em cada semestre, à proporção que for sendo efetivamente empregado em obras realizadas no semestre, comprovadas pela Companhia e aceitas pela fiscalização por parte do Governo as respectivas despesas, de acordo com os orçamentos aprovados e preços de unidade neles estabelecidos.

V – O capital da Companhia é a soma dos orçamentos aprovados até esta data, que estiverem representados pelas respectivas obras, de conformidade com os projetos e tabelas de preço a que se referem os mencionados orçamentos e a ele será aditado o valor de outras obras que forem executadas até o dia 7 de novembro de 1912, de conformidade com os planos, orçamentos e preços de unidade que forem aprovados pelo Governo até essa data.

Deste capital será deduzido, na conformidade das cláusulas III e IV do decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888, o produto da venda, feita de acordo com o Governo, dos terrenos aterrados que não forem necessários ao serviço da Companhia.

VI – A Companhia obriga-se a apresentar ao Governo, até o fim do mês de março de cada ano, o balancete da renda bruta do ano anterior.

VII – Ficam em vigor as cláusulas dos decretos anteriores, não modificadas pelas presentes.

Transigia o Governo, não executando a sentença judicial de exibição de livros, e ainda considerando como capital da construção a soma dos orçamentos aprovados. Transigia a empresa, aceitando, antes de terminadas as obras, a aprovação definitiva dos trechos prontos e se comprometendo a apresentar, até o fim de março de cada ano, o balancete da renda bruta do anterior. Fixava-se, enfim, o que era renda bruta e renda líquida da Companhia, para os efeitos de seus contratos.

Estava Candido Gaffrée inteiro nesse acordo. Sob pressão, não cedia o que conciliadoramente podia aceitar. Esse lado de seu temperamento explica, um pouco, as vicissitudes da Companhia, as resistências que levantou, as dificuldades que venceu. No relatório da Diretoria, espelho de tal feição de ser e de agir, ficou, melhor do que em qualquer outro papel, explicado o caso. Lê-se ali, depois da história por alto dos antecedentes da luta (1910):

Armado com a sentença judicial, o Governo não a executou. Preferiu propor o acordo a que nos referimos em nosso relatório do ano passado.

A diretoria aceitou, com prazer, esta solução, que dirimia todas as dúvidas e procurava regular definitivamente os direitos e obrigações resultantes do contrato de concessão. Explicados de mútuo acordo os pontos contestados deste contrato, cessariam as divergências que tantos entraves trouxeram à execução das obras e ao serviço do porto de Santos e tamanhos prejuízos acarretaram à nossa empresa.

O Governo comissionou o distinto e competente engenheiro Francisco de Paula Bicalho, honrado diretor técnico das obras do porto do Rio de Janeiro, para que, com o presidente da nossa Companhia, estabelecesse as bases do acordo, cujas cláusulas se deviam considerar partes integrantes daquele contrato.

Depois de repetidas e demoradas conferências, aquele ilustrado engenheiro apresentou, em 11 de junho de 1909, ao sr. ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, minuciosa exposição com as cláusulas do acordo ajustadas com a Companhia.

Propôs o Governo? A questão ia debater-se depois. Fazendo público, pela primeira vez, declaração relevante que só particularmente se conhecia, concluiu:

Devemos dizer-vos que se recusamos exibir os nossos livros comerciais ante ameaças e injúrias, não hesitamos em por à disposição do digno comissário do Governo todos os elementos, ainda os mais íntimos e reservados, para que fosse verificada a renda bruta da nossa empresa desde o ano de 1892, quando se inauguraram os primeiros metros de cais, até 1908.

Ao próprio Governo, mais de uma vez, declaramos que amigavelmente teria todas as informações e os próprios livros; no que de modo algum consentiríamos era na entrega dos livros comerciais, da correspondência, do arquivo da nossa Companhia, a indivíduos dispostos a devassarem os nossos negócios alheios ao fim da concessão.

Franqueando todos os lançamentos ao honrado comissário do Governo, o nosso empenho era que as bases do acordo fossem consideradas, como realmente foram, à vista de dados positivos, reais, certos.

Tinha havido favor à empresa? A mesma diretoria o negava:

Como vedes, srs. acionistas, a Companhia não foi beneficiada com favores. Ao contrário, transigiu em pontos importantes, no intuito de terminar o dissídio, para o qual, aliás, não concorrera.

É certo que, no ajuste, o Governo declarou que o capital da empresa, para todos os efeitos do contrato (redução de tarifas, amortização e resgate) era a soma dos orçamentos aprovados, mas nenhum obséquio nos fez com a declaração, porque isso estava escrito clara e expressamente em nada menos de dezoito contratos solenes entre ele e a nossa Companhia. Respeitar direito alheio não é favor, mas obrigação.

É ainda exato que se fixou em 40% da renda bruta a quota destinada para as despesas com a administração da empresa e custeio de todos os serviços. Aqui, também, não há benefício. O forfait tanto pode aproveitar à Companhia como ao Governo, sendo que todas as probabilidades estão do lado deste. O texto do decreto n. 7.578, que deixamos acima transcrito, bem o mostra.

O honrado dr. Bicalho justifica brilhantemente o quantum daquela quota na sua exposição de 11 de junho e a cláusula II do aludido decreto n. 7.578 arrola a extensa série de serviços aos quais ela se destina.

Entretanto, valia a pena o entendimento, em bem da harmonia que se restabelecia:

Se o Governo, nas duas principais bases do acordo, nenhum favor fez à nossa Companhia, ao contrário, a diretoria desta, autorizada pelo artigo 5º, § 1º, dos Estatutos, transigiu:

1º - Admitindo como definitivo o tráfego do cais á medida da construção das obras, obrigando-se a prestar contas deste tráfego antes da completa conclusão das obras planejadas;

2º - Considerando como renda bruta da empresa a soma de todas as rendas, ordinárias ou extraordinárias, eventuais ou acessórias;

3º - Aceitando a quota de 60% sobre a renda bruta, como representativa da renda líquida da empresa, para a remuneração do capital empregado nas obras, renda que não pode exceder do limite máximo fixado no § 5º do artigo 1º da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869.

Tudo isso, entretanto, compensava e compensou o restabelecimento da harmonia com o Governo, não só em bem do comércio e da navegação do porto de Santos, como em nosso próprio interesse.

Tudo quanto consta desse acordo o Governo teria obtido se, em vez de expor a nossa Companhia à fúria dos despeitados e maldizentes, começasse respeitando os nossos direitos. O que não podíamos deixar sem protesto e resistência legal eram os ataques a esses direitos.

É bem de ver que esse decreto não passaria sem oposição. Seria uma nova e violenta campanha. No jornalismo verberou-se, de um lado, o "patronato escandaloso", enquanto, de outro, não se deixou de louvar o "alcance indiscutível". Assim, nos primeiros, o Correio da Manhã (9 de outubro):

Não há que ocultar a péssima impressão produzida pelo decreto com que o presidente da República resolveu a famosa questão das Docas de Santos. O decreto firmado pelo sr. Nilo Peçanha, em 4 do corrente, equivale bem a um ato de humilhação do Governo diante do poder excepcionalmente discricionário de Gaffrée & Guinle, os potentados que, sobre o Estado de São Paulo, estenderam as mãos vorazes, como tentáculos de enorme e faminto polvo.

Nos segundos, a Gazeta de Noticias (10 de outubro):

Nas mais ardentes campanhas contra essa empresa tomaram parte adversários que, depois, pouco a pouco reconheceram a injustiça da agressão, tão grande é a força da verdade sobre os espíritos despidos de preconceitos.

O Governo passado levou a todos os extremos o seu sentimento de agressão; mas em dado momento – tão grande é a força da justiça -, pôs de lado o ânimo destruidor que o inspirava e fez de um dos mestres da nossa engenharia, por assim dizer, o árbitro entre a hostilidade que parecia não ter paradeiro e a resistência serena, tranquila e firme que a empresa opunha, numa luta que seria absolutamente desigual se ela não se sentisse amparada pelo esteio indestrutível a consciência de seus direitos.

O Jornal do Commercio (7 de outubro):

Ficou assim terminada a campanha que o Governo passado iniciou e levou até à violência contra os direitos claramente expressos nos contratos da Companhia Docas de Santos, querendo obrigá-la à exibição de seus livros comerciais, tendo o atual Governo sabido obter por acordo o que essa Companhia não cedeu à pressão, isto é, o início da época em que deverão ser contados os períodos de cinco anos em que serão revistas as taxas que, pelos contratos, só poderiam ser contados da data da terminação das obras.

Por último, A Noticia (7 de outubro):

Está publicado o decreto estabelecendo as bases para a prestação de contas do tráfego do cais de Santos; e assim foi posto termo à inglória obra de perseguição feita desde os primeiros dias do Governo passado à empresa nacional que explora aquele importantíssimo serviço.

Felizmente que assim é, porquanto manifestações de prepotência, como as que se deram, prejudicam menos um direito atacado, e que afinal fica a salvo pela condição intrínseca da sua própria força, do que o prestígio da autoridade pública, que não se pode apoiar nem em violências, nem em paixões, nem em caprichos.

Manda, aliás, a justiça reconhecer que o próprio Governo anterior, depois que confinou o estudo dessa questão a um dos nossos mais eminentes profissionais, reconheceu as urzes do caminho ingrato que percorria, e deixou nesse estudo as bases de uma combinação a que jamais se oporia a grande empresa, porque ninguém pode confundir a resistência na defesa de direitos com a oposição à outrance a acordos que, por isso mesmo que são acordos, saem da esfera irritante das imposições indébitas e pressupõem recíproca aquiescência
[145].

No Senado, a postos Alfredo Ellis, correspondendo na Câmara uma voz nova, representante também de São Paulo, Palmeira Ripper. Se ali o defensor foi o mesmo, Victorino Monteiro, já agora secundado desde 1908 por Severino Vieira, na Câmara foi outra igualmente a palavra de defesa, Raul Fernandes, sobre cujos ombros recairia, quase um quarto de século depois, a sucessão de Carvalho de Mendonça. Na acusação senatorial, esse fim de ano excedeu todos os anteriores, com tal violência que igual raramente se ouviu antes e aconteceu depois. Visando a Companhia, a campanha foi contra o chefe da Nação [146].

Na Câmara, argumento novo não houve. Ao contrário, evocou-se, por alto e em bloco, a argumentação desenvolvida no Senado pelo representante paulista
[147]. Laços de parentesco não valiam, mas razões de São Paulo, pelo menos da zona representada (7 de outubro de 1909):

O SR. PALMEIRA RIPPER – São Paulo protesta – não sei se falo em nome de todos os meus companheiros de bancada, mas creio que posso dizer ao menos em nome da zona que aqui represento – protesta contra o decreto de ontem, que deu solução à questão há quatro anos intentada na outra Casa do Congresso pelo honrado senador Alfredo Ellis, com relação à Companhia Docas de Santos.

O SR. JOÃO DE SIQUEIRA – O sr. ministro da Agricultura é representante de São Paulo.

O SR. PALMEIRA RIPPER – Já declarei que estava falando em nome da zona que represento. Inda que esteja ligado por laços de parentesco ao ilustrado senador Alfredo Ellis, iniciador dessa campanha, o que talvez deturpe a minha ação perante os meus companheiros de bancada…

O SR. ALBERTO SARMENTO – Não apoiado.

O SR. PALMEIRA RIPPER - … todavia, abstraindo da circunstância de ser eu genro de meu sogro, posso assegurar que pela minha voz não fala meu sogro. Fala São Paulo.

Em cinco sentenças, disse o orador, ficou evidente a obrigação da Companhia de exibir os livros. Era uma ação preparatória, para obrigar as Docas de Santos a declararem, em benefício do contribuinte, o dinheiro definitivamente despendido; e não merecia protesto o ato que anulava tudo isso?

Contraditando a opinião de jornais, que citou, elevando-se contra os 40% para despesas de custeio, "negação absoluta, completa, formal, daquilo que se teve em vista quando se levantou aquela questão na outra Casa do Congresso", onde tudo se debatia "por patriotismo e não por interesses mesquinhos de um partidarismo político ou regional ou de uma situação" [148], concluiu:

O SR. PALMEIRA RIPPER – Este decreto, que veio ontem publicado no Diario Official e há de ter sua análise minuciosa, que eu poderia fazer agora mas não quero, pois só estou fazendo agora estas considerações, porquanto aquele representante de São Paulo não se acha no Rio de Janeiro, este decreto há de ser descarnado, há de ser escalpelado, minuciosamente; e oxalá, sr. presidente, e desejo ardentemente como republicano que, como última consequência dessa análise, já não digo anatômica, porque a anatomia trata de um fato sob o ponto de vista geral, em grosso, ressalte bem nítida, bem clara, bem pura uma intenção, tal como desejo, que seja nobre e digna, porquanto o fato do sr. presidente da República expedir este decreto vem única e exclusivamente provar o desejo de levar-nos a um bem comum.

A réplica de Raul Fernandes foi curta, mas precisa. Argumentação própria, não houvera da parte contrária, tanto mais quanto a campanha, a que se referia e em que se apoiava a acusação, era anterior ao decreto (7 de outubro):

O SR. RAUL FERNANDES – A deliberação tomada pelo Governo teve exatamente por fim dar execução a uma cláusula do contrato que não estava regida por disposição regulamentar expressa; isto é, o modo de tomar as contas de receita e despesa do cais, instituindo providência nova, de que não cogitavam os contratos anteriores.

O Governo não fez mais do que aplicar àquela concessão o regime adotado para as concessões posteriores, relativas à construção dos demais portos da República.

Não há como fundamentar a censura ao ato do Governo com as increpações feitas no Senado, porque essas foram anteriores à existência do mesmo ato, e visaram coisa substancialmente diversa.

Adiante:

O SR. RAUL FERNANDES – O Governo, em virtude de sentença do Poder Judiciário ficou investido na faculdade de pedir a exibição de livros. O Governo tinha o direito de pedir a exibição de livros, mas não estava na obrigação de fazê-lo, porque a exibição de livros era um expediente, um trâmite, um meio tendente a tomar contas à Companhia e o Governo resolveu adotar uma providência que o tornava escusado, qual a de fixar em uma quota certa sobre a renda a importância, o montante das despesas feitas com o custeio, regime este que, por ser mais cômodo, menos vexatório, tanto para o Governo como para a empresa…

O SR. PALMEIRA RIPPER – Que há de vexatório para uma empresa que recebe favores do Governo, que tem de prestar contas…

O SR. RAUL FERNANDES – Atenda-me o nobre deputado.

O SR. PALMEIRA RIPPER - … na exibição de seus livros?

O SR. RAUL FERNANDES – O Governo resolveu…

O SR. PALMEIRA RIPPER – Vexatória é a sonegação desses livros.

O SR. RAUL FERNANDES - … adotar um expediente mais cômodo, mais eficaz e menos vexatório, tanto para ele, como para a empresa, qual foi o de fixar uma quota certa sobre a receita bruta, o montante das despesas feitas com o custeio da Companhia. Este regime, reconhecidamente melhor, e que menos se presta a erro ou fraude, foi justamente o adotado pelo Governo com relação aos portos de Bahia, Rio Grande do Sul, Pará e Manaus.

Não havia no decreto coisa que não tivesse sido preparada pelo Governo anterior:

O SR. RAUL FERNANDES – Não há uma só das cláusulas adotadas pelo Governo, no recente decreto, que já não tivesse sido objeto de resolução do Governo passado.

O SR. PALMEIRA RIPPER – Protesto!

O SR. EDUARDO SOCRATES – Encontrou esboçado.

O SR. RAUL FERNANDES – Engana-se o nobre deputado por Goiás. O Governo encontrou o acordo preparado, os papéis estudados.

UM SR. DEPUTADO – O atual Governo encontrou uma proposta.

O SR. RAUL FERNANDES – Não encontrou proposta, mas sim os papéis processados no Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, consignando o acordo que ia ser assinado com a Companhia nos termos em que o Governo fez recentemente.

O SR. EDUARDO SOCRATES – Era um esboço.

O SR. RAUL FERNANDES – Não senhor, eram as cláusulas definitivas, assentadas entre o Governo e a parte interessada, faltando apenas a assinatura, quando se deu o falecimento do sr. Affonso Penna. Quero dizer que o Governo atual não fez mais do que dar corpo, tornar realidade prática, tornar eficiente uma medida administrativa, que já estava elaborada e a quase ultimada pelo Governo passado.

Imagem: reprodução parcial da página 328


[145] Ainda a Imprensa: "Pelo exemplo, que acaba de dar, de reconhecimento da seriedade de fatos solenes, que, por mais incrível que pareça, até há pouco eram estranhamente desconhecidos; pelo ânimo desprevenido e resoluto, como se requer nos verdadeiros estadistas; pela elevação e facilidade com que resolve tão importante problema, a que se emprestara feição de um caso intrincado, apresentamos parabéns ao sr. presidente da República, que patenteou, mais uma vez, na firmeza deste ato, notável alcance e significação, as suas raras qualidades de homem público". 7 de outubro de 1909.

[146] Falou primeiro Palmeira Ripper (ausente Alfredo Ellis em São Paulo) a 7 de outubro. Foi desse mesmo dia a réplica de Raul Fernandes. Mas o grosso da impugnação foi do senador por São Paulo que iniciou a 1º do mesmo mês de outubro seus ataques, só terminando a 28 de dezembro seguinte, assim mesmo por findar a sessão legislativa e prometendo voltar à tribuna no ano seguinte (18, 19, 20, 21, 22, 29 de outubro, 1, 5, 10, 13, 17 de novembro; e 23 e 28 de dezembro). Victorino Monteiro falou a 18 e 28 de outubro. Severino Vieira a 4 e 11 de novembro de 9109.

[147] Veio a discussão o empréstimo de 1908. Só a Sul America havia subscrito mil e cem contos. Donde este diálogo (Câmara, 9 de outubro de 1909):

"O sr. Palmeira Ripper – Acho que o possuidor de debêntures tem preferência. Mas o fato é que o negócio se fez em família, e eu mesmo desejaria que v. excia. me apontasse outros subscritores além da Sul America.

"O sr. Raul Fernandes – V. excia. está fazendo acusação e, assim, tem o dever de dar as provas. A Companhia Docas de Santos tem os seus títulos cotados com 50% de ágio. As conjecturas do nobre deputado são um pouco temerárias".

[148] Citada no debate e retrucando ao orador, a quem chamou de "inimigo por afinidade das Docas de Santos", escreveu a Imprensa que nem o decreto foi "a primeira infração do programa de "paz e amor" de Nilo Peçanha, nem devia haver descontentamento "por se haver conseguido com esse decreto, resolver todas as questões que, por estarem sem solução, há quatro anos, levam infatigavelmente aquele representante de São Paulo à tribuna do Senado".

A referência ao parentesco fez voltar à tribuna Palmeira Ripper, para, falando em "rabos de palha", alegar que, em tempo, Alcindo Guanabara havia oferecido seus serviços contra as Docas, o que este contestou.

Houve exibição de dois telegramas de Alfredo Ellis, um sobre grande cópia de documentos que se poriam à sua disposição, outro rezando: "É verdade haver Alcindo prometido sustentar campanha contra Docas. Lembrando essa promessa posteriormente, declarou não o fazia por não ter jornal, tendo deixado nessa ocasião O Paiz. Reiterou mais tarde promessa escrever sobre assunto. Mudou de opinião, mas a verdade é essa…"

Foi resposta da Imprensa: "O redator desta folha nunca se comprometeu a fazer essa campanha de imprensa: comprometeu-se a estudar o assunto… para se despedir do sr. Ellis, quando s. excia. fazia o favor de reeditar, na rua, os discursos que proferia, ou ia proferir no Senado. Quanto aos tais documentos, que o redator desta folha lhe teria enviado, por intermédio do sr. Ripper, confessamos que ardíamos em curiosidade de saber quais podiam ser, desde que em toda essa campanha, nenhum foi citado nunca, que o saibamos. O telegrama do sr. senador Ellis esclarece este tenebroso ponto de história: o documento que mais impressionou a s. excia., o documento que s. excia. ainda possui, é a Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas! Ora, somos um seu criado! Havia de ser com provas deste jaez que Torquemada distribuía justiça…" Imprensa, 17 de outubro de 1909.

Alfredo Ellis diria, por sua vez, referindo-se ao redator da Imprensa: "S. excia. contesta a afirmativa que fiz, a propósito do apoio que me havia prometido nesta questão das Docas de Santos. Nada mais tenho a acrescentar, nada mais tenho a dizer senão que, prestando sempre culto à verdade, nem para salvar a própria vida eu a falsearia, eu a deturparia". Senado, 20 de outubro de 1909.