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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 39

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 293 a 300:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXXIX

Governo e Justiça

Conhecida a sentença, foi imediata a repercussão. De um lado, publicou-se em Santos o teor de um telegrama à Associação Comercial da cidade, levando a grande nova [120]; de outro, e na própria Capital Federal, iluminou também em arco um diário (Correio da Manhã, 28 de agosto de 1908):

Mas de outras vezes a Companhia tem tido topete e sorte. Desta, mercê de Deus, está a gritar porque perdeu, porque foi estrondosamente vencida, porque o seu capricho foi valentemente esmagado. Pode bramar à vontade. O exame de livros tem de ser feito. É o que vale.

Falar-se-ia de pressão governamental. Outro jornal escreveria (A Tribuna, Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1908):

Nesta questão todos sabem que a política não interveio. Os juízes não tinham assim a menor preocupação de serem desagradáveis ao Governo, reconhecendo as razões alegadas pelo eminente jurisconsulto Carvalho de Mendonça, na defesa dos interesses das Docas de Santos.

Atribuir de resto aos juízes que votaram contra a empresa-polvo o espírito de lisonjear o arbítrio governamental, alheando-se do estudo do feito, é uma impertinência tão grande como seria, da parte dos que aplaudem a exigência do ministro, emprestar aos dois ilustres e integérrimos magistrados favoráveis às Docas o intento de por essa forma cortejarem o poderio milionário da empresa. É-nos lícito discordar das doutrinas vencedoras no Tribunal, mas todos devemos respeitar a competência, o escrúpulo, a dignidade dos julgadores. Os juízes que tomaram parte na votação estavam perfeitamente a par da questão.

Já em debate público, a questão poria em causa, mais que em 1896, o chefe da Nação. Trechos de jornais na Capital da República, no dia imediato ao julgamento, diziam melhor do que quaisquer comentários. Assim, acima de todos, o Jornal do Commercio:

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu ontem, contra os votos dos srs. ministros Espínola e Ribeiro de Almeida, negar provimento ao agravo da Companhia Docas de Santos na questão da exibição de seus livros.

A discussão, sentimos dizê-lo,não foi luminosa, como merecia essa questão melindrosa. O sr. Oliveira Ribeiro disse que os concessionários eram muito ricos, que havia dezenas de quilômetros de cais e outras coisas iguais. E o ilustre jurisconsulto sr. Amaro Cavalcanti citou a Alemanha como devendo decidir desta matéria de contrato escrito de uma empresa abrasileira.

Como aprouve ao sr. Oliveira Ribeiro referir-se ao Jornal e estanhar que ele quisesse ou queira influir no ânimo dos ilustres juízes, precisamos assegurar a s. excia. que não tivemos nem teremos a pretensão de convencer a juízes que vão para o primeiro tribunal do país sem ao menos o espírito de juízes e que em vez de estudarem as questões discutem os meios pecuniários das partes. Estamos vencidos, mas não absolutamente convencidos.

A Gazeta de Notícias:

Não é indignação o que esta decisão causa; é tristeza. O sr. ministro Oliveira Ribeiro profligou ontem com grande veemência a imprensa, notadamente o Jornal do Commercio, porque a imprensa se permite emitir opinião sobre causas que estão sub-judice… Para este ministro a imprensa só pode discutir causas… depois da decisão, isto é, quando a discussão não aproveita! A doutrina é curiosa, mas é menos desembaraçada do que o desembaraço com que s. excia. atribuiu ao advogado da causa opiniões que ele nunca emitira, a tal ponto que o advogado teve de protestar com risco de provocar providências do ilustre presidente do Tribunal – mas a impassibilidade tem também os seus limites.

A Imprensa:

A acintosa e apaixonada intervenção nos debates do sr. Oliveira Ribeiro, procurador da República, demonstrou à evidência que falta ao Supremo Tribunal um presidente capaz de garantir a ordem e de assegurar os interesses da justiça.

A natureza do recurso não admitia a intervenção das partes. O advogado da Companhia Docas de Santos não podia falar. É claro que também não o poderia o procurador geral da República, advogado da União Federal, que era a parte adversa. Entretanto, o sr. Pindahyba de Mattos permitiu que o procurador geral da República falasse cinco vezes, arrastando, com a sua eloquência troante de tribuno da praça pública, a convicção dos demais srs. ministros.

Nos arroubos da sua conhecida eloquência, o sr. procurador da República chegou até a injuriar o tribunal, alegando que "ali estava para impedir o sacrifício dos direitos sagrados da Nação". Ea uma questão nacional, e ele, procurador, "não podia de forma alguma admitir que o poder público viesse a ser sacrificado pelo tribunal", insulto que motivou um protesto do sr. juiz Ribeiro de Almeida. A decisão do Tribunal foi, assim, uma decisão política.

Havia referido um dos jornais ao escasso tempo (três dias) que tiveram os juízes para o estudo da questão. A Noticia, sem deixar de notá-lo, escreveu:

Foi ontem decidido pelo Supremo Tribunal o caso da exibição de livros comerciais. O sr. Oliveira Ribeiro ficou muito zangado com o Jornal por ter escrito uma vária sobre assunto que dependia de decisão da justiça; o sr. Amaro Cavalcanti fez uma descrição das Docas no tom em que as Mil e uma Noites descreviam tesouros. E o Tribunal votou a exibição dos livros. Ora, nem a bisbilhotice da imprensa que o sr. Oliveira Ribeiro tanto condenou, nem a fortuna de concessionários nos parece fundamento inatacável para uma exibição de livros comerciais; e como a sentença já está dada, não incorreremos nas iras do sr. Oliveira Ribeiro emitindo aqui o douto parecer destes Pequenos Ecos que são a omni-sabedoria condensada em uma seção de jornal.

Não decorrera, com efeito, em paz, o julgamento. De um lado, havia o procurador da República trazido a debate a abastança dos empresários de Santos, os acionistas da empresa, os quilômetros de cais em construção; de outro, protestou J. X. Carvalho de Mendonça contra citação de uma de suas obas, aplicada pela União ao caso; e viu-se ameaçado de ter que deixar a sala. Recebeu o mesmo Jornal do Commercio no dia imediato este comunicado (28 de agosto de 1908):

O Jornal se equivocou afirmando que o ilustre procurador da República dissera que a Companhia das Docas tinha dezenas de quilômetros de cais; o que todos ouviram foi centenas de quilômetros, o que sugeriu um português que assistia à sessão apartear baixinho: "Desse modo chega breve a Lisboa".

Talvez seja interessante ao Jornal saber que a Companhia das Docas tem mais de 300 acionistas em vez de três ou quatro que o sr. Oliveira Ribeiro disse ter: de fato estava presente no Tribunal um dos seus maiores acionistas, o sr. dr. Americo Firmiano de Moraes, conhecido capitalista nesta praça.

Era inevitável, à vista desse e de outros comentários, que não emudecesse, na tribuna do Senado, a mesma voz que a ocupava, desde 1906, contra a empresa. Alfredo Ellis ali falou a 27, estranhando os ataques ao juiz singular e aos do tribunal. "Louvado seja Deus. Ainda vive o Rei!" fora dito num momento difícil do Império, perante a Câmara dos Deputados. "Louvado seja Deus,. Ainda vive o Congresso", tal o desabafo de outro representante, quando, no princípio da República, pareceu esta soçobrar. "Louvado seja Deus. Ainda vive a Justiça", diria s. excia. agora.

E rematou: "A questão, ontem julgada em recurso de agravo pelo Supremo Tribunal Federal, foi iniciada nesta tribuna. Pode-se dizer que aqui teve o seu prólogo; justo é, portanto, que eu venha dizer algumas palavras sobre o seu epílogo, hoje que ela está terminada". Estranho era que atacassem juízes íntegros e pobres; ao do Distrito Federal rendia homenagem:

S. excia. deve até estar satisfeito, porque as letras dessa sentença foram douradas pelo brilhante apoio, quase que unânime, do Supremo Tribunal, transformando-a em um florão de glória, para a sua fé de ofício de magistrado honesto e digno.

Bem sei que o juiz precisa de estoicismo, da abnegação dos antigos mártires, quando desciam ao circo romano, para enfrentar as feras propositadamente guardadas, a fim de lhes acirrarem a fome e a ferocidade. A esse nobilíssimo juiz os meus aplausos, o aplauso de uma consciência que nunca tergiversou, reta, firme e austera.

Sua estranheza era tanto maior quanto o Jornal do Commercio – que representava entre nós o que o Times era na Inglaterra – havia feito coro com tais ataques. A taxa de capatazia sobre o café voltou à cena:

Imagine-se, nesta crise terrível, que tem empobrecido a lavoura de café, se porventura o que se vai fazer agora já tivesse sido feito, pelos governos passados, era ou não era possível, uma grande redução de taxas? Podia ou não esse benefício ser levado à conta de nosso principal produto de exportação?

Calcule-se o benéfico efeito que produziria no ânimo do lavrador, exausto, esmagado por uma crise de dez anos, o fato de poder ficar livre dessa iníqua e desumana taxa de 450 réis paga para que a saca de café transite pelas Docas de Santos?

Orçamento prévio ou despesa efetivamente satisfeita? A questão não morrera:

O SR. ALFREDO ELLIS – Todos sabem o que é orçamento e o que é despesa efetivamente feita. Pelo fato de se ter feito um orçamento, não quer dizer que toda a sua importância tenha sido efetivamente empregada.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Na administração da União é sempre o que se dá; o orçamento é excedido. V. excia. tem experiência disso.

O SR. ALFREDO ELLIS – Creio que v. excia. tem muito mais do que eu.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Todos nós devemos ter. Aí estão os créditos suplementares, extraordinários e especiais.

O SR. ALFREDO ELLIS – Mas v. excia. ainda mais, porque, além de ex-ministro é ex-governador, tendo tido à sua disposição os recursos do Tesouro, facilitados por uma Câmara, que naturalmente lhe era favorável e amiga.

Atacando:

O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, a alvura deslumbrante da neve produz nos alpinistas e exploradores árticos um fenômeno singular na vista – miragens e deslumbramentos.

O fenômeno é passageiro, é transitório; desaparece desde que cesse a causa. Há um fenômeno semelhante que se dá com os que visitam as casas-fortes dos bancos e que se aproximam dessas montanhas de ouro que se chamam Rockfeller, Gould, Schovaeder etc.; o fenômeno produz uma moléstia – uma amaurose – não da vista, mas da consciência. O primeiro mal é passageiro, a outra moléstia é irremediavelmente incurável.

Abrira-se o problema da sucessão presidencial e os indícios eram de aproximação federal com São Paulo. Enfrentar a empresa de Santos não seria agradar a certa corrente política do Estado? Apesar de apenas econômica, esta resenha histórica não pode deixar de registrar, de passagem, estes fatores fora dos arquivos.

Em 1896, quando da reação do Partido Republicano Federal, então nascente, contra Prudente de Moraes, não se poderia ter visto um desses imponderáveis que fizeram pender a balança em favor da empresa? Adversário do ministro da Viação na política da Bahia, a voz que respondia agora talvez se inspirasse um tanto nisso, quiçá sem o sentir, ao formar espontaneamente a favor da empresa. De entrada, esta foi a posição de Severino Vieira (Senado, 29 de agosto de 1908):

O SR. SEVERINO VIEIRA – S. excia. compreende, apesar do muito que respeita o honrado senador por São Paulo, apesar de não ter senão motivos de deferência para com s. excia., não pode deixar sem protesto as considerações do honrado senador visto como s. excia., em torno dos fatos que serviram de tema aos seus discursos na sessão de ontem e de hoje, tomou um rumo diferente daquele que ao orador seria dado seguir, nas apreciações dos mesmos fatos.

S. excia. tomou um rumo diametralmente oposto do que o orador tinha tomado, se dada essa divergência de sentir…

O SR. ALFREDO ELLIS – Não é de estranhar; cada cabeça, cada sentença.

O SR. SEVERINO VIEIRA – S. excia. compreende que o orador não pode deixar de protestar contra as expansões de júbilo do honrado senador por fatos que trouxeram ao seu espírito a maior tristeza.

S. excia. começou louvando a Deus, porque ainda existe justiça neste país. O orador, se tivesse de se pronunciar sobre o mesmo fato, não poderia deixar de formular uma imprecação contra os céus, porque ainda mantém ilesa a onipotência do Governo da República.

Teve então o senador baiano palavras de censura, desde a passividade política do Legislativo em contraste com o exemplo de 1891 [121], até o golpe judicial desferido contra a empresa de Santos pelo Executivo.

Primeiramente, não ia a antedata da sentença aproveitar ao Governo?

O SR. SEVERINO VIEIRA – Pois, senhores, como explicar-se que essa sentença dormisse ignorada, no cartório do escrivão, de 15 de julho a 8 de agosto, quando havia tanta alacridade em divulgá-la, como uma vitória governamental, que o próprio fiscal do Governo, junto aos trabalhos das Docas de Santos, então nesta Capital, não se conteve que não mandasse, pelo telégrafo, a notícia dela à imprensa de Santos e de São Paulo, tão depressa quanto ela chegou ao conhecimento, isto é, a 8 de agosto vigente? Se já estava ela lavrada desde 15 de julho, como se explica essa ignorância de sua existência, por parte dos prepostos do Governo?

O SR. ALFREDO ELLIS – A única pessoa que pode informar a v. excia. é o juiz.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Não preciso da informação do juiz, quando contra ele estou argumentando. Estou tirando da lógica dos fatos a evidência da verdade contra a conduta do juiz, da qual devia resultar a nulidade insanável de sua decisão.

Já vê v. excia. que a informação dele me não merece fé, porque é precisamente esta fé que estou contestando.

Depois, a pressão oficial foi indubitável:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Ninguém mais do que eu, sr. presidente, respeita a sentença do Supremo Tribunal Federal.

Estou convencido de que muitos dos honradíssimos ministros do Supremo Tribunal, que votaram, no caso, contra a boa interpretação da lei, contra a melhor doutrina de Direito, o fizeram sob a inspiração de suas consciências de magistrados integérrimos e respeitáveis, diante dos quais não sei senão curvar-me reverente, sem o necessário mas refletido exame do assunto, que, pela natureza da decisão, lhes era dado fazer, e, porventura, guiados ou influenciados por argumentos aduzidos pelos que tomaram parte nos debates e quiçá, como um movimento impulsivo de reação, em uma atmosfera de constrangimento, em que se procurou envolver a majestade do Tribunal.

Mais:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Sim, sr. presidente, o que é verdade é que, pelos trâmites rápidos do processo, pela natureza da decisão proferida pelo Supremo Tribunal, em recurso de agravo, em que o feito é submetido ao exame de um ministro somente, que é seu relator, e julgado sem o estudo e detido exame dos demais membros do Tribunal, esse julgamento não traz o cunho da meditação profunda dos venerandos juízes, que não tiveram para isso o tempo necessário.

O SR. ALFREDO ELLIS – Mas os juízes que votaram a favor tiveram tempo?

O SR. SEVERINO VIEIRA – A estes é que eu queria chegar, porque dos louvores tecidos pelo nobre senador aos honrados srs. Ministros, que foram votos vencedores, poderia resvalar contar aqueles uma censura que jamais os poderia atingir, por serem tão honrados como os que mais o forem. Um deles foi o relator do feito, o único que compulsou o processo, e, tipo de magistrado íntegro, conservador por índole, não tivera proferido contra o Governo, se não se houvesse convencido, no estudo da matéria, da justiça do seu voto. E aí está uma prova de fato a fortalecer as minhas afirmações. Nas suas condições quero crer que votariam, no mesmo sentido, muitos outros juízes, que não tiveram igual preparo no estudo dos autos.

Adiante:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Que a intervenção do Governo chegou ao Tribunal, depreende-se logicamente do fato de haver o seu ilustre presidente, em caso que não era permitida às partes a discussão oral, dado a palavra tão somente a uma delas; de ter consentido que falasse o representante do Governo, o procurador geral da República, que é o seu advogado; depreende-se ainda do fato de ter este, no silêncio da parte adversa, falado em sustentação da pretensão do Governo, discutindo o assunto, mais do que com interesse, com ardor, com paixão, roçando até pela inconveniência, seja-me permitida a expressão, de criar no Tribunal uma situação de constrangimento às consciências dos mais altivos e independentes dos seus venerandos ministros, quando se referiu ao fato impertinente de serem "os concessionários muito ricos".

O SR. COELHO E CAMPOS – É uma questão de forma; ele tem este modo de falar.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Não teria certamente tanto calor, se o Governo não estivesse particularmente interessado no pleito.

O SR. ALFREDO ELLIS – Ninguém mais independente do que o dr. Oliveira Ribeiro, incapaz de se curvar a qualquer ordem do Governo.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Não digo que não. O dr. Oliveira Ribeiro é independente, como juiz; não há ninguém mais independente do que ele; sinceramente o afirmo, porque lhe conheço o caráter, até um tanto arrebatado, às vezes; mas o sr. dr. Oliveira Ribeiro não era e não podia ser juiz na decisão; era, sim, representante do Governo no Tribunal; era o seu advogado, não tinha voto; como advogado, estava identificado com os interesses do Governo e identificou-se em extremo, até mais do que devia.

Por fim:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Consignando ligeiramente estes fatos, há de permitir o nobre senador que eu, na minha qualidade de aprendiz da ciência jurídica, de advogado provinciano, embora aposentado…

O SR. ALFREDO ELLIS – V. excia. maneja a ironia perfeitamente.

O SR. SEVERINO VIEIRA - …dê também o meu juízo a respeito da decisão do Supremo Tribunal que lhe mereceu tão entusiásticos louvores.

O SR. ALFREDO ELLIS – Neste caso v. excia. deve se dirigir aos jurisconsultos desta Casa e não àquele que meteu a mão em seara alheia.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Acato a decisão do Supremo Tribunal Federal, mas tenho, sem quebra do respeito que lhe devo, o direito de considerá-la injusta, iníqua e injurídica, porque a ação especial da exibição não cabia na espécie.

Dissertou então longamente o representante da Bahia, para provar que não havia comunhão, e, pois a exibição foi um atentado; e que a revisão das taxas só se podia fazer depois de integrado o capital, e este só assim estaria quando terminadas todas as obras [122]. Acentuando ser provável, mesmo certo, que tivesse a empresa concluído a parte de que lhe adviessem maiores lucros e que o restante acrescentaria grandes encargos, o que lhe reforçava a posição jurídica assumida, achou-se com tanto mais liberdade quanto nada o prendia à mesma empresa:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Se entro na apreciação do julgado que o nobre senador, pela sua palavra autorizada, trouxe ao conhecimento do Senado, faço-o, antes de tudo, por amor à Justiça, pelo culto que devo, por sentimento, por vocação e também por profissão, ao Direito; faço-o, igualmente, profligando a intervenção indébita do Governo; mas devo dizer que não sentiria nenhum constrangimento, senão muita satisfação, se das minhas palavras pudessem resultar qualquer conforto, já que outro proveito não lhes podem elas levar, aos empresários das Docas de Santos, que me merecem a mais entusiástica simpatia, que considero dignos de apreço elevado e da maior animação, porque à sua frente se acham dois brasileiros, como não contamos senão muito raros, do seu porte, os primeiros, talvez, que já tomaram a peito e têm quase levado a cabo, dentro do país, uma obra da importância e da grande utilidade da do porto de Santos, com capitais exclusivamente brasileiros, com pessoal nacional, aproveitando e aperfeiçoando a ciência e a técnica pátrias, ao ponto de pôr em evidência verdadeiras competências nacionais, como a desse notável engenheiro, sr. Weinschenck, que se fez conhecer como tal na execução desse trabalho.

Não conheço, entre os nossos patrícios, outro grupo, embora limitado, que se possa contrapor aos dois dignos, honrados e laboriosos cavalheiros que,nas obras do porto de Santos, dão aos contemporâneos e legam aos pósteros o exemplo edificante do poder da atividade na execução dos mais arrojados empreendimentos.

Se havia na empresa a fiscalização das taxas aduaneiras pela Alfândega; se as de utilização do cais se publicavam trimestralmente, desde o início do tráfego; era ou não arbítrio oficial a exibição? Outros negócios tinha a Companhia, mas não era da alçada da União devassá-los:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Além disto, a Companhia Docas de Santos tem o comércio de comissões, que não lhe é vedado exercer, tem o comércio de transporte de mercadorias; quem é que pode obrigá-la a computar e incluir os lucros destes serviços na apuração da renda máxima, cogitada no seu contrato como condição para redução daquelas taxas?

O SR. ALFREDO ELLIS – São serviços inteiramente discriminados. A empresa das Docas não pode ter absolutamente, como empresa das Docas, outro serviço.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Onde está a proibição disto? Todas estas operações estão mencionadas nos estatutos com que se organizou e fundou a Companhia, como objetivo dos seus fins sociais. Estes estatutos tiveram ampla publicação e foram mesmo editados no Diario Official; o Governo não se julgou com autoridade, nem mesmo com o direito de proibi-las; a que título pretenderia hoje vedá-las?

Não era, aliás, a primeira vez que a magistratura se via, assim, discutida na imprensa e na tribuna. Porque composta de homens e decidindo interesses avultados, é que a vida dos juízes esteve sempre ao sabor da opinião pública. Na sua mais alta expressão, o símile norte-americano era exemplo: luta contar interesses privados e luta contra interesses políticos, que o Executivo nem sempre desamparou. Não referimos isso senão de passagem, para mostrar que, acusada então de dócil ao Governo, a mais alta instituição judiciária do país já o fora de rebelde:

Na sua mensagem enviada ao Congresso, a 12 de maio, Prudente teve a infelicidade de dizer que o Supremo Tribunal só pelo fato de julgar ilegal a prisão dos autores do atentado de 5 de novembro, havia-os apoiado, deixando-se influenciar por paixões partidárias.

Em sessão de 18 do mesmo mês, Lucio leva o fato ao conhecimento do Tribunal e propõe que o mesmo envie ao presidente uma moção de protesto, dizendo-lhe que "como o mais elevado representante do Poder Judiciário, um dos órgãos da soberania nacional, voz viva da Constituição na frase de James Bryce, lera, com surpresa, a mensagem referida, documento no qual com profunda incorreção e completo desconhecimento das relações que hão de existir entre supremos agentes dos poderes públicos e flagrante violação do respeito que o chefe do Estado deve aos juízes competentes para julgá-lo", ele, presidente, lhe fizera graves imputações; e que "cônscio da altíssima função que lhe competia na nossa organização política e zeloso dela e da dignidade com que sempre exercera e exerceria, como poder político autônomo e independente, o Supremo Tribunal protestava solenemente contra a incorreção do seu ato, entregando-o ao juízo da Nação".

Posta a votos, foi a moção aprovada pelos votos de Lucio, Macedo Soares, Herminio do Espirito Santo, Manuel Murtinho e Bernardino Ferreira da Silva. Tendo figurado entre os que votaram contar, João Barbalho e Americo Lobo declararam que o haviam feito "por entender que o Tribunal não podia tomar conhecimento de uma injúria indigna e soez"
[123].

Imagem: reprodução parcial da página 293


[120] "Rio, 26. Supremo Tribunal Federal acaba de confirmar sentença proferida contra Companhia Docas de Santos obrigando-a a prestação de contas ao Governo. Triunfou assim a lei. Parabéns ao comércio ao povo de Santos. Senador Alfredo Ellis". Publicando este telegrama, comentou A Tribuna (Santos): "Ainda bem que a justiça não apodreceu neste país e que os direitos de quem quer que seja ainda podem encontrar tribunais e juízes superiores ao brilho ofuscante do ouro e à influência deletéria dos plutocratas. O comércio e o povo de Santos podem aceitar, regozijados, os parabéns do sr. Alfredo Ellis, retribuindo-os com aplausos ao ilustre senador paulista, que tem nesta formidável campanha o melhor quinhão de glória", 28 de agosto de 1908.

[121]
"E não rememoro com mágoa aquela data, sr. presidente, porque a violência que ela registra veio abrir as válvulas às mais arriscadas, e, ao mesmo tempo, às mais enérgicas manifestações de patriotismo, de civismo, de brio e pundonor nacional, que em 20 dias apenas restituíram à Constituição de 24 de fevereiro o seu vigor e integridade, reintegrando o Congresso na plenitude de suas funções constitucionais.

"Hoje, sr. presidente, seria porventura o Congresso Nacional capaz de tamanha audácia? Creio que não. O Congresso, na atualidade, não será capaz desses prodígios, não pode absolutamente se aventurar a medir forças com o Poder Executivo, encarnado em homem, cujas másculas energias têm por símbolo a larga e vigorosa envergadura de águia". Severino Vieira, Senado, 29 de agosto de 1908.

[122] "Ora, como admitir-se, antes de conclusão das obras e de aplicado todo o capital que a sua execução completa reclama, a redução das taxas quando por virtude dessa redução prévia os lucros líquidos daquele podem não atingir ao máximo da razão dos juros determinadamente estipulados como condição dessa redução? Teríamos, assim, as taxas reduzidas sem, aliás, ter sido alcançado aquele máximo, o que, em boa lógica, em bom direito, não pode ser imposto aos concessionários, sem a violação flagrante do seu contrato. É claro, sr. presidente, que essa redução antes de terminados os trabalhos que têm de ser executados não tem cabimento". Severino Vieira, Senado, 29 de agosto de 1908.

[123] Edgard e Carlos Sussekind de Mendonça. Lucio de Mendonça, Civilização Brasileira, 1935.