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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 35

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 263 a 272:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXXV

Exibição dos livros

As palavras do diário carioca feriam o ponto sobre que o juiz federal ia decidir.

Havia comunhão de interesses entre o Governo e a empresa, para que fossem os livros desta examinados por aquele? Aí a só questão concreta sobre que se pronunciaria o Poder Judiciário. É de se lembrar que a ação da União pedira apenas a exibição dos livros, como preparatória da que intentaria depois contra a empresa de Santos
[96].

Pelo artigo 18 do Código Comercial, a exibição judicial da escrituração mercantil só podia ordenar-se, a favor dos interessados, em questões de sucessão, comunhão de sociedade, administração mercantil por conta de outrem e em caso de quebra. Se algum comerciante, acrescentava o artigo 20, recusasse apresentar os livros nesses casos, quando assim fosse ordenado pela autoridade judicial, sofreria pena de prisão. Negava a Companhia Docas de Santos que fosse comerciante e que, mesmo que o fosse, a comunhão, a que se referia o Código, se limitava à existente entre cônjuges.

Restritivo, o artigo 18 não podia ampliar-se por analogia. "Os elementos do texto do artigo 18 do Código Comercial são de manifesta intuição, escreveu, de início, o advogado da empresa. Nele não figura uma só palavra sem significação exata e incontestada na técnica jurídica. A lei está redigida sem ambiguidades".

Sociedade civil, não se podia falar, quanto a ela, em livros comerciais:

A sociedade Gaffrée, Guinle & Companhia, sucessora dos concessionários mencionados nos decretos ns. 9.979, de 12 de julho de 1888 e 10.040, de 15 de setembro do mesmo ano, foi constituída depois de celebrado o contrato de concessão de 20 de julho de 1888.

Esta sociedade tomou o caráter mercantil porque um dos seus objetos era a compra e venda de materiais de construção.

A sociedade anônima Companhia Docas de Santos, sucessora de Gaffrée, Guinle & Companhia, foi organizada em 1892, e no contrato de 14 de novembro deste ano entre a autora e a ré, pelo qual o governo concedeu autorização para a transferência da concessão, está declarado que essa Companhia "assumia todas as responsabilidades e obrigações contraídas pelos concessionários individualmente".

Ora, se estes concessionários não contrataram com o Governo na qualidade de comerciantes, se a empresa das Docas de Santos não era mercantil quando se formou em virtude do contrato de concessão de 20 de julho de 1888, é claríssimo que o Governo não podia contar nem mesmo pensar em livros comerciais.

Mas, admitindo-se a hipótese, estava a lide nalgum dos quatro casos expressos do Código Comercial? Escreveu, ainda preliminarmente, J. X. Carvalho de Mendonça:

Qual dos quatro casos legais alegou o Governo para requerer a exibição judicial dos livros da escrituração comercial por inteiro a ré? Nenhum. Nenhum invocou!

As relações jurídicas entre o Governo Federal e a Companhia Docas de Santos emanam do contrato de concessão.

Por meio do contrato de concessão, o concessionário ou empresário obriga-se a executar, à sua custa e risco, a obra pública, sendo pago das despesas da construção e remunerado pelo seu capital, não com dinheiro recebido da Administração, mas com o direito que esta lhe outorga de perceber certas taxas, durante determinado tempo, daqueles que se utilizarem da obra.

A cessão temporária que a Administração outorga ao concessionário para perceber taxas é o preço da construção da obra. Para evitar desembolso imediato, para se pôr a salvo de riscos, a Administração "bat monnaie avec ses droits de puissance publique", concedendo o exercício destes ao empresário.

É justamente essa a diferença observada, em rigor, entre o contrato de empreitada e o de concessão. No primeiro, o preço da construção da obra é pago em dinheiro. No segundo, em moeda de poder público, na cessão temporária do direito de perceber certas taxas.

Ora, o contrato de concessão não é título de sucessão, nem título de comunhão ou sociedade, nem título de administração ou gestão mercantil por conta de outrem, nem sentença declaratória de falência.

Alegava a Procuradoria da República ser caso de comunhão. Assim raciocinou, depois de citar a legislação da empresa:

Nestas condições, sendo a Companhia simples usufrutuária de obras quede direito pertencem à União; estando gerido um serviço público e percebendo taxas por delegação do Governo; e, por outro lado, cabendo ao Estado não apenas o direito de intervir na parte econômica da empresa, mas ainda o dever indeclinável de proceder à redução das taxas desde que os lucros excedam a 12%, e isto em benefício do público em geral, o que importa em dizer em benefício da própria Nação, bem de ver que existe, na hipótese, entre o Governo e a Companhia, comunhão de interesses.

Ora, segundo o expresso dispositivo do artigo 18 do Código Comercial, a exibição dos livros de escrituração comercial por inteiro pode ser ordenada a favor dos interessados no caso de comunhão; e o espírito dominante nesse artigo é o da comunhão de interesses, conforme o tem sempre reconhecido a jurisprudência dos nossos tribunais.

A erudição de carvalho de Mendonça era, na causa, realmente extraordinária. A da União, nem por ser menos abundante, deixava de revelar-se. Legislação nacional e estrangeira, códigos nossos e de fora, autores em várias línguas, a tudo se fez apelo. Era, na verdade, uma pendência de grande significação, inteiramente nova nos nossos anais judiciários.

Os inspiradores do nosso Direito em Portugal, os dispositivos franceses, alemães,italianos, vieram todos a depoimento; e, tendo-os por modelo, o Código Comercial se referia apenas, segundo o advogado da Companhia, à comunhão de bens entre cônjuges. Citando dos nossos o maior:

Foi, sem dúvida, consultando as fontes que o exímio Teixeira de Freitas, no comentário ao artigo 18 do Código Comercial, apreciou a hipótese da comunhão nestes termos: "A segunda hipótese – comunhão – supõe livros, ou falecido o comerciante seu dono, ou comerciante sua dona, na posse de cônjuge sobrevivente; ou de alguém (coerdeiro ou não), demandado para inventário e partilha, ou por dependência desta; ou na posse de condomínio, cônjuge divorciado, ou outrem (ex-sócio ou não), demandado para liquidação e partilha".

Comunhão, res comunis dos romanos, direito de propriedade de duas ou mais pessoas sobre a mesma coisa: assim acontecia em Santos? A União ali seria a proprietária definitiva ao cabo do prazo da concessão; durante esta, a empresa era usufrutuária, para não dizer proprietária temporária.

Defendia-se o advogado de que, como professor, houvesse ensinado coisa diversa [97], citando, além de suas próprias lições, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (1895), quando decidiu que as empresas de estradas de ferro não tinham "simples direito pessoal e moral, mas um verdadeiro direito de propriedade" e outra do Conselho do Tribunal Civil (1902), quando julgou também que a extensão e complexidade dos direitos resultantes de contrato de concessão induziam "a propriedade temporária do concessionário sobre as obras por ele construídas, com capitais próprios e responsabilidade dos riscos, a qual se resolve, em virtude do título de sua constituição, pelo preenchimento do prazo da concessão, devolvendo-se ao Estado pelo implemento da condição resolutiva, os direitos reais por ele concedidos, como se jamais houvesse alienado de si".

A lei n. 1.746, de 1869, empregava aliás as expressões "seus estabelecimentos" como dos empresários; "propriedades da Companhia", "suas obras", como ainda dos empresários; além de exarar textualmente: "As obras e o material fixo e rodante ficarão pertencendo ao Governo findo o prazo da concessão".

Podia-se deduzir, entretanto, o usufruto do fato de explorar a empresa os serviços de capatazias e armazenagens? Ponderou Carvalho de Mendonça:

A Companhia Docas de Santos não é concessionária destes serviços; é concessionária das obras de melhoramento do porto de Santos.

O de capatazias, ela desempenha nos termos da cláusula X, 1ª alínea, do contrato de concessão, e o de armazenagem, na conformidade da mesma cláusula X, 2ª alínea.

O decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893 (regulamento da Companhia), cogitara desses serviços.

Pois bem, desse regulamento, dos regulamentos fiscais, do contrato de concessão, da natureza de tais serviços, como se deduzir comunhão de interesses entre o Governo e a Companhia, se do produto ou remuneração desses serviços o Governo não participa?

O Governo tem de fiscalizá-los, isto é, verificar se a Companhia os desempenha na forma dos regulamentos aduaneiros. Eis toda a sua intervenção.

Ainda:

Os donos dos entrepostos são obrigados a enviar balancetes das mercadorias entradas e saídas, são sujeitos à fiscalização dos inspetores das Alfândegas, que, por empregados aduaneiros, podem examinar a escrituração dos mesmos entrepostos (Nova Consolidação, artigos 232, 233, 234, 241 etc.).

A escrituração dos entrepostos da Companhia Docas de Santos sempre esteve à disposição da Alfândega de Santos, que é fiscal dos serviços de armazenagem e capatazias (contrato de 20 de julho de 1888, cláusula X).

Quanto à devassa dos livros comerciais dos trapicheiros, à prestação de contas de sua receita e despesa, à intervenção do Governo na economia deles, à sonhada comunhão de interesses,não há lei, nem podia haver, que tal absurdo impusesse ou estabelecesse.

Acresce que as taxas de capatazias não são destinadas a remunerar o capital da empresa da ré, mas unicamente o respectivo serviço. Essas taxas,portanto, nem estão sujeitas à revisão quinquenal de que trata o artigo 1, § 5º da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869
[98].

Das taxas da empresa, as de utilização de cais eram as que teriam que se rever quinquenalmente, reduzindo-se quando, depois de concluídas as obras, se elevasse o lucro além de 12%. As outras, de capatazias e armazenagens, precisava-se ainda repeti-lo? – fixavam-se pelo Governo Federal, para todas as alfândegas da República, e podiam perceber-se: as de capatazias, por particulares, mediante arrematação, e as de capatazias e armazenagem por entrepostos ou trapiches alfandegados. Porque davam déficit nos outros portos, a União confinou a de capatazias à empresa de Santos. Poderia não tê-lo feito.

Essa distinção era bastante para fazer calar a campanha contra a empresa, tanto mais quanto os armazéns desta, no aspecto aduaneiro, sempre estiveram abertos à inspeção da Alfândega; e a utilização do cais se provava com os mapas mensais, contendo o registro das entradas, saídas, arqueamento dos navios etc.

Desprezando tudo isso, formava a União com a paixão circunstante, quando,nas próprias concessões com garantia de juros e de renda, não havia obrigação de exibir senão os balancetes e documentos relativos à receita e despesa:

Confrontemos os resultados das empresas que, atualmente, têm obras em construção:
A Companhia Docas de Santos (1888)
A Manaus Harbour Company Limited (1900)
A Companhia Internacional de Docas da Bahia (1905)
A Companhia Port of Pará (1906)
A Companhia Port of Rio Grande do Sul (1906)

Não contemplamos aqui a Companhia do Porto da Vitória, à qual o governo do presidente Penna acaba de dotar com garantia de juros e de renda, pelo decreto n. 6.559, de 11 de julho de 19097, somente publicado no Diario Official de 1º de março do ano corrente, por não haver ainda iniciado as obras.

As duas primeiras empresas acima mencionadas não gozam garantia de juros ou de renda.

Nos respectivos contratos, não existe uma palavra sequer donde se infira o direito do Governo intervir na parte econômica dessas empresas.

Mais:

Por não figurar nos contratos da Companhia Docas de Santos cláusula nesse sentido foi que o Governo estabeleceu-a, arbitrariamente, pelo decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907.

As três últimas empresas gozam mais que garantia de juros, pois o Governo lhes concedeu: a) durante o período da construção, a garantia dos lucros de 6% sobre o capital semestralmente empregado nas obras; b) depois de inaugurado qualquer trecho, a garantia de uma renda não inferior a seis e sessenta avos (Rio Grande), seis e sessenta e cinco avos (Pará) e seis e setenta avos (Bahia) sobre o capital empregado.

Nos contratos dessas três empresas está expressa a intervenção do Governo na parte econômica, tendo-se obrigado as respectivas empresas:

De Belém (Pará) a exibir, sempre que for exigido pelo engenheiro fiscal, os balancetes e mais documentos concernentes à receita e custeio do porto (decreto n. 5t.978, de 16 de abril de 1906, cláusula XXV, n. 5).

Da Bahia e do Rio Grande do Sul, a exibir os balancetes e mais documentos concernentes à receita e despesa para determinação da renda bruta (note-se: renda bruta, e não renda líquida).

Era de lembrar, além disso, que o Ministério da Viação e Obras Públicas citara o próprio Carvalho de Mendonça, quanto pediu a este, no seu livro, que se moralizassem os balanços. Publicando, na sua contestação, os balanços do Banco do Brasil e das Docas de Santos, para demonstrar que este se cingia às pautas daquele, escreveu o advogado da Companhia:

O balanço geral da agravante segue o modelo legal, estabelecido no decreto n. 2.679, de 3 de novembro de 1860, para os balanços dos estabelecimentos bancários.

Dirá, como já disse, o órgão do Ministério Público que os balanços das sociedades anônimas são difíceis de entender. É uma verdade em tese; mas o balanço da Companhia Docas de Santos é simples, claro e completo.

O advogado abaixo-assinado tem sido dos que clamam pela reforma da atual organização dos balanços das sociedades anônimas, sistema aliás quasea universalmente adotado. A Companhia Docas não merece censuras e muito menos invectivas, por levantar seus balanços como todas as outras sociedades anônimas.

Concluindo:

Para que cessem as declamações vazias, estamos autorizados a declarar que a agravante organizará os balanços sob outros moldes, desde que igualmente o faça o Banco do Brasil, sociedade anônima, administrada por um presidente e mais um diretor, nomeados pelo Governo Federal.

Apresenta-se o último balanço do Banco do Brasil ao lado do último balanço da Companhia Docas de Santos, ambos encerrados em 31 de dezembro de 1907 e aprovados pelas respectivas assembleias de acionistas.

O confronto não nos faz temer. O Governo dê o exemplo. Mande o Banco do Brasil, que se pode dizer sob sua administração, organizar os balanços anuais conforme as regras aconselhadas pelo nobre órgão do Ministério Público. Depois disso, sim exija da Companhia Docas de Santos balanços tão bons e perfeitos como os que os seus mandatários tiverem levantado.

Irrisório é o Governo proceder de um modo e exigir de outros coisas diversas.

Mas não esteve por essa argumentação o juiz da causa. Em sentença de 15 de julho de 1908, desprezou Henrique Vaz Pinto Coelho a preliminar sobre a fusão dos dois processos (o proposto pela União, para exibição de livros, contra a empresa; e o intentado por esta contra aquela, para anulação do decreto n. 6.501), considerou fora de lide as outras questões, para, afinal, reconhecer uma comunhão de interesses, justificativa por si só da exibição judicial, único meio de chegar "ao conhecimento dos serviços feitos, custo das obras, lucros apurados e distribuição de dividendo".

Com relação à natureza da demanda e à referida fusão dos dois processos, estas foram as razões:

Considerando que, para dar-se competência por conexão de causas, é de mister que os negócios em litígio sejam de tal modo conexos e dependentes que o julgamento de um importe o de outro (L. 10, C. de Judic.; Hüber ad Pand. L. 1.182) ou que sejam os mesmos os fatos sobre que se abriu a discussão, o mesmo direito que se arrogam as partes e estas as mesmas (Barb. In. Duont P. 2 fin. e F. a Mendes P. 1, L. 3º, cap. 3º, n. 58);

Considerando que, das próprias conclusões das causas atuais entre a autora e a ré se evidencia a diversidade da intenção dos litigantes, pois a autora se limita a pedir a exibição de livros, enquanto que a ré conclui pela nulidade de um ato da administração e indenização de prejuízos dele decorrentes, e assim é manifestamente infundado o receio de que nos julgamentos dessas ações se profiram decisões contraditórias e comprometedoras da seriedade da justiça;

Considerando que o fato de ter começado a presente ação pela intimação da ré a exibir seus livros, não lhe dá o caráter de embargos à primeira para o efeito de assumir pela contestação o curso ordinário, visto como os dois institutos são perfeitamente distintos, tanto na aplicação como na marcha que lhes traçou a lei (Ord. L. 3º, tít. 78 e dec. n. 848, de 1890, artigos 220 e 223) e que, sendo assim, é forçada a conclusão de nulidade do feito por violação do artigo 47, da lei n. 221 de 20 de novembro de 1894.

Mais:

Considerando que, quando mesmo fosse inaplicável por exorbitante o artigo 39, P. 4ª do decreto n. 3.084, de 1898, como pretende a ré e devesse a presente ação obedecer aos princípios do Direito Civil, nada aproveitaria para elidir a intenção da autora, por isso mesmo que a ação ad exhibendum, no cível, compete em geral a quantos mostrem legítimo interesse em que lhes seja mostrada uma determinada coisa;

Dig. L. 10 tít. 4º, n. 3, § 9º, nas palavras: Sciendumest competere ad exhibendum actionem ei quoque, cujus interest rem exhibere; e Mello Freire, L. 4, tít. 6º, § 9º, nas palavras: Si actoris intersit rem, quam in judicio petiturus est, exhibere especiali actionem ad exhibendum agere protest adversus quicumque illius possessorem vel detedorem;

Considerando, entretanto que o Poder Executivo, expedindo o decreto n. 3.084 e nele consolidando o artigo 354 do regulamento 737 de 25 de novembro de 1850, não excedeu às suas atribuições, pois que o artigo 387 do decreto n. 848 manda observar como legislação subsidiária as antigas leis do processo, e o decreto n. 763, de 1890, manda aplicar às causas cíveis em geral as disposições daquele regulamento; e conseguintemente é indiscutível que no Juízo Federal rege o assunto em questão o cap. 32 do decreto n. 848 com o complemento obrigado do artigo 39, P. 4ª, do decreto n. 3.084, de 1908.

Quanto à comunhão de interesses:

Considerando que a lei de 13 de outubro de 1869, n. 1.746, artigo 1º,§ 5º conferindo à autoria a fiscalização das obras contratadas e a redução das taxas cobradas pela ré, desde que o líquido exceda de 12% do capital empregado, não se pode contestar ao Governo o direito de conhecer dos serviços feitos, custo das obras, lucros apurados e distribuição de dividendos; e, evidentemente, o único meio de chegar a este resultado é o exame dos livros da concessionária, o que tanto melhor se afirma quanto a palavra fiscalização está vinculada à ideia de exame, revista, busca, e é neste sentido que se diz: fiscalização das alfândegas, das casas de penhores etc.;

Considerando que não colhe alegação em contrário, consistente em que só depois de terminadas as obras e verificando o custo é que se faz pertinente a intervenção do Governo, pois que, a entender-se por este modo o direito de fiscalização resultaria que muitas vezes a verificação dos lucros e a consequente redução das taxas se operaria em tempo que já não aproveitasse ao público;

Considerando que a redução das taxas importa em benefício do público em suas relações com a ré, e ao mesmo tempo e por isso mesmo, à coparticipação indireta do Governo nos lucros da empresa, e o direito de intervir na sua vida econômica para dar cumprimento à exigência da lei;

Considerando que o fato de ter a ré, cláusula 2ª do contrato, o uso e gozo das obras durante um certo prazo, e a autora, extinto o prazo, a propriedade plena, não lhes tira e antes afirma a sua qualidade de cointeressada, uma vez que aquele uso e gozo está subordinado à condição de resgate das obras a arbítrio da Administração, cl. 4 do contrato;

Considerando que, tendo a autora cometido á ré o serviço de capatazias no porto de Santos, cl. 8ª do contrato, e o direito de cobrar multas às embarcações que não se quitarem com ela para obterem livre prática, decreto n. 1.286, de 1869, é irrecusável que ela exercita serviços públicos, como prepostos do Governo, e nesta qualidade deve-lhe contas de sua gestão; donde a necessidade de que os seus livros sejam examinados pela proponente para certificar-se da exatidão dos fatos, dos serviços realizados, e se foram nas condições prescritas.

Adiante:

Considerando que não aproveita à ré a consideração de que o exame dos livros de concessionários de obras públicas só é permitido quando estipulado no contrato, e só tem aplicação a empresas com garantia de juros, já porque nas leis não se vê estabelecida esta distinção, e já porque está provado dos autos que ela acudiu à concorrência e aceitou a concessão sem essa garantia, aliás compensada por outros favores, tais como: o direito de impor taxas pelos serviços prestados em seus estabelecimentos, cl. 5ª do contrato; o direito de desapropriação, artigo 1º da lei de 1869; isenção de impostos para os materiais importados, decreto n. 966, de 1900; isenção de impostos estaduais e municipais, aviso de 1º de dezembro de 1899 e 6 de julho de 1901; usufruto dos terrenos de marinha e acrescidos, decreto n. 9.979, de 1888, cl. 3ª e direito de impor multas nos termos do decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893; favores esses que lhe pareceram suficientes para estabelecer uma indenização proporcional ao custo da exploração;

Considerando que o fato de não ter a autora em um período relativamente longo exercitado o seu direito de fiscalização não perime este direito, porque em regra não se perde a coisa pelo não uso, não se abdica de um direito pelo não exercício;

Considerando que a imposição da multa estabelecida nas cláusulas 12ª e 13ª do contrato não exclui o meio legal de responsabilizar a ré pela inobservância de cláusulas contratuais e é isso que, bem ou mal, com ou sem razão, visa principalmente a autora com o preparatório da exibição.

Considerando, finalmente, que as demais alegações da ré versam sobre fatos que não estão em causa, e impertinentes que são ao assunto, excedem da defesa que única permite a lei nos processos de exibição – a falta de interesse legítimo por parte do requerente – artigo 39, p. 4º, do citado decreto n. 3.084, de 1898;

Por estes motivos e o mais dos autos, julgo procedente a ação e mando que se expeça mandado contra a ré para exibir incontinenti os seus livros, sob as penas da lei e a condeno nas custas.

Negando, no seu parecer, que fosse aplicável à empresa o artigo 18 do Código Comercial, dissera Clovis Bevilacqua: "Não há exibição forçada de livros comerciais fora dos casos previstos em lei, garante-lhe a inviolabilidade, além do Código Comercial, a Constituição Federal, artigo 72, § 18".

Negando-o também, tivera Ouro Preto estas palavras com referência ao decreto n. 6.501: "Duvido que se encontre juiz, conhecedor do seu nobre ofício, que defira o requerimento ou atenda a requisição que se baseie nesse ilegalíssimo ato".

Não estava, pois, a empresa em má companhia. Ela apelaria para o Supremo Tribunal Federal. Datada a sentença de 15 de julho de 1908, só a 18 voltaram os autos a cartório; e no 17 anterior havia reassumido o cargo de juiz efetivo, Godofredo Xavier da Cunha. Do Rio telegrafou o engenheiro fiscal para São Paulo transmitindo a "boa nova" [99]. Comentou-a o Correio da Manhã (9 de agosto de 1908):

A Companhia Docas de Santos teve ontem ocasião de verificar que há alguma coisa acima do poder e da sua arrogância. O juiz federal da 1ª Vara julgou procedente a ação em que a Fazenda Nacional pediu a exibição de livros da irritante empresa e ordenou a expedição de mandado sob as penas da lei, para a exibição requerida.

Venceu o Governo, que, não se dobrando aos caprichos das Docas, exigira, cumprindo o seu dever, a apresentação dos livros. Venceu o senador Ellis, que tão digna e energicamente atacou a recusa da Companhia. Venceu o Correio da Manhã que contra mais esse desaforo das Docas protestou.

Não era esse, contudo, o sentimento geral da imprensa, um de cujos órgãos, pondo em relevo as recentes concessões de Vitória e Rio Grande do Sul, estranhou a tese da comunhão, além da demora na publicação da sentença [100]; enquanto outro insistiu nas razões dessa demora, que também chamou de antedata [101]. Havia a empresa, no relatório desse ano, assim manifestado suas queixas contra as medidas oficiais de que era alvo:

A União Federal não despendeu um só real com as obras do porto de Santos, construídas pela nossa Companhia a seu próprio risco, pouco depois de a Província de São Paulo ter desistido da concessão, que lhe fora feita, "para não arruinar as suas finanças". A União não garantiu o juro do capital que temos empenhado nessas grandiosas obras, nem a renda suficiente para a segura amortização deste capital, como fez relativamente às outras empresas congêneres.

Dentre as empresas concessionárias de obras de melhoramento de portos, é a nossa que goza os menores favores; as suas taxas são as mais baixas. Construído o cais de Santos sem o menor auxílio ou favor pecuniário da União, a importação por este porto ficou isenta do imposto de dois por cento, ouro.

As obras que construímos, findo o prazo do nosso privilégio, reverterão, gratuitamente, para a propriedade da União.

Ainda:

Uma empresa nessas condições, única que tem o seu grande capital levantado no país, à custa de ingente esforço e muito sacrifício; que concorreu decisivamente para o saneamento do porto e cidade de Santos e, portanto, para o progresso e desenvolvimento do Estado de São Paulo; que fez centuplicar a renda aduaneira, acabando com as fraudes, contrabandos e roubos que quase inutilizaram a cidade de Santos; que vantagens sem conta prodigaliza à navegação e ao comércio, com o seu serviço célere e completo; que tem consciência de haver construído uma obra, da qual o Brasil deve gloriar-se, uma empresa dessas, parece-nos, devia merecer maior consideração do Governo Federal.

Que se levantassem contra ela os prejudicados, não poucos, com a transformação do serviço do porto de Santos, os despeitados e os invejosos de todos os tempos, compreende-se; mas que os responsáveis pela Administração Pública sea convertam em perseguidores da empresa, que tem fielmente cumprido os contratos e prestado à União, ao Estado, ao comércio, à lavoura e à indústria os mais relevantes serviços, é de surpreender, surpreender dolorosamente.

Comentando esse desabafo, fizera o Jornal do Commercio algumas apreciações, cerca de dois meses antes da sentença. Até o Banco do Brasil teve sua parte, pois, ao contrário do que o vinham descrevendo como prejudicado pela Companhia, a verdade era que os títulos mais preciosos com que se amparou em crise séria, tinham sido precisamente os das Docas de Santos (29 de abril de 1908):

É sempre lido com sumo interesse por quantos se ocupam dos progressos materiais do país o relatório anual da empresa das Docas de Santos. Foi a primeira deste gênero no Brasil; constituiu-se, no meio das maiores dificuldades, por uma sociedade brasileira, que brasileira tem continuado; suas obras, que de todos os visitantes estrangeiros e competentes, têm captado os mais sinceros louvores, foram e estão sendo delineadas e administradas por um engenheiro e ajudantes, todos brasileiros; e por fim os próprios e avultados capitais nela empregados são todos daqui mesmo.

O antigo Banco do Brasil era censurado por haver adiantado grandes somas à empresa, mas quando veio a derrocada daquele estabelecimento, os títulos mais preciosos de que lançou mão foram os debêntures das Docas de Santos. Acrescente-se a tudo isto uma administração ativa, vigorosa, moderna e vê-se que temos aqui uma empresa de que o Brasil se pode ufanar com orgulho.

Há vinte e um anos, nem a Província de São Paulo queria empreender esta obra e foi preciso todo o esforço e boa vontade do conselheiro Antonio Prado, então ministro de Estado, para se organizar, sob concorrência pública, a empresa de que a atual foi cessionária.

Não vigorava ainda naquele tempo em favor destas iniciativas a taxa de 2 por cento ouro sobre a importação; e a empresa, podemos bem imaginá-lo, lutou com ingentes embaraços para ombrear a sua tarefa.

E ela acertou. São Paulo se tem desenvolvido prodigiosamente e o seu porto galgou o segundo, e até certo ponto, o primeiro lugar de importância na União.

Concluindo:

O serviço das Docas de Santos, no consenso dos que dele se servem, é um exemplo para todos os outros de portos no Brasil e, no conceito uníssono dos que o empregam, o melhor que é praticamente possível.

Além das vantagens indiretas que o Governo aufere dos grandes serviços assim prestados a um dos principais entrepostos comerciais do nosso país, acontece que deriva das estações fiscais, ali estabelecidas, uma renda muito mais ampla, e mais fiscalizada do que antigamente, quanto a Alfândega de Santos se destacava entre todas como o centro do mais desbragado contrabando.

Tudo isto nos faz lastimar que uma empresa destas se apresente aos seus sócios formulando tantas queixas do Governo que devia auxiliá-la, e com a qual ele devia colaborar. Esta desavença não oferece decerto um espetáculo muito edificante, num país onde há tão poucas empresas nacionais.

Não fecharemos os olhos ao fato de tais empresas, quando fortes e poderosas, como a de Santos, podem querer demais; mas, confiados a elas serviços por meio de contratos, as questões simplificam-se, sendo submetidas ao Poder Judiciário.

O que o Poder Executivo não pode é a seu talante assinar e publicar decretos no Diario Official anulando ex-proprio Marte convenções contratuais tanto mais solenes quanto assinadas entre o Governo e cidadãos brasileiros, aos quais o Governo existe para proteger e defender, pelo menos tanto quanto os governos estrangeiros defenderão, pelos meios diplomáticos, os contratos dos seus súditos.

Vista do Paquetá aos Outeirinhos tirada do Monte Serrat durante a construção do cais (1910)

Foto: reprodução da página 266-a


[96] No aviso reservado, de 23 de novembro de 1907, expedido pelo ministro da Viação e Obras Públicas ao da Justiça, solicitando providências para ser requerida exibição dos livros da empresa, essa medida se anunciou "como preparatória da ação a propor por violação de cláusulas de seu contrato". O contrato, bem é de se er que não podia ser o decreto n. 6.501, de 1907, nem a violação podia estar na resistência da empresas em aceitá-lo. Para a violação de cláusulas do contrato de 1888 e aditivos posteriores, prevalecia o sistema da multa (cláusula XIII do contrato; decreto n. 9.979 de 12 de julho de 1888; cláusulas VI e VIII, do decreto n. 10.277 de 30 de julho de 1889; preâmbulo do decreto n. 966, de 7 de novembro de 1896; cláusula VII, do decreto 790, de 8 de abril de 1892; cláusula VI do decreto n. 942, de 15 de julho de 1892; e cláusula IX do decreto n. 2.411, de 23 de dezembro de 1896.

[97] "Em 1902, traçamos ligeiros apontamentos sobre esse árduo assunto, todo teórico, no O Direito, vol. 87, pág. 406 e segs., dizendo:

"A linguagem administrativa é paupérrima; a doutrina se apresenta, não de raro, como pouca segurança, perturbando ideias, que mereciam ser bem assentadas. Somente com o aperfeiçoamento da Ciência da Administração e do Direito Administrativo, que, por assim dizer, ainda se acham em formação, poderemos chegar a conclusões firmes e reais.

"Dentre os sistemas propostos, pareceu-nos mais fácil de justificar o que apregoava o concessionário como usufrutuário, mas ainda assim acrescentamos: 'O direito que tem o concessionário de fruir temporariamente as obras realizadas pode-se considerar como um usufruto, embora não seja disciplinado em todas as suas particularidades pelas regras estritas do Direito Civil, que dominam este instituto'." (O Direito, vol. cit., pág. 488).

"Observamos ainda que a União não era, no rigor jurídico, proprietária das obras, mas lhe atribuíamos, a título de depositária por conta do público, uma espécie de propriedade fiduciária. Concluímos com estas formais palavras: 'Neste sentido, a União é proprietária, o concessionário, usufrutuário'."

"Essa nossa explicação foi envenenada pelo nobre órgão do Ministério Público, que nos atribuiu o destempero da propriedade plena, absoluta, da União sobre as obras de melhoramento do porto de Santos". Exhibição judicial dos livros da Companhia Docas de Santos, cit., pág. 95.

[98] "O usufruto exclui a comunhão. O usufrutuário não é comuneiro, nem sócio, nem delegado do proprietário, nem administrador de coisas deste.

"O usufruto é um jus in re aliena; em virtude dele, tem-se o direito de gozar coisas de propriedade de outrem pelo modo por que o proprietário gozaria… O preclaro Lafayette nos diz, em admirável síntese: 'Constituído o usufruto, o proprietário e o usufrutuário se mantêm independentes um do outro, cada um dentro do círculo de seus direitos… duas ordens de direitos sobre a mesma coisa, mas distintos e separados'." (Direito das Coisas, § 96). Exibição judicial de livros, cit., pág. 111.

[99] "O dr. Felippe Nery Ewbank da Camara enviou-nos do Rio de Janeiro o seguinte telegrama: 'O juiz Vaz Pinto julgou favoravelmente ao Governo Federal a ação de exibição de livros, proposta contra a Companhia Docas de Santos, visando a redução das tarifas cobradas pela mesma empresa na exploração do porto aparelhado desse Estado'." Estado de São Paulo, 9 de agosto de 1908.

[100] "Não se pode ser mais absurdo em uma sentença, do que foi o juiz substituto que a lavrou antedatando-a para que dela pudessem surtir efeitos úteis, e conservando-a em silêncio que não pode deixar de ser estranhável, sendo proposital e tendencioso. Esse juiz converteu o Governo em sócio de bens, coisas e direitos numa casa de comércio, transformando em lide comercial uma coisa de estatuto civil; e afirmou textualmente que o 'Governo bem ou mal, com ou sem razão' pode fazer a devassa dos livros dessa casa. Esse excesso de zelo foi, como todos os excessos, contraproducente. Ao passo que um juiz da Justiça Federal da República expedia essa sentença, essa verdadeira proclamação revolucionária atentando contra os mais respeitáveis interesses da conservação social, o próprio Governo refletia ponderadamente sobre a extensão perigosa dos seus primeiros atos e tornava possível em contratos posteriores ao decreto de 6 de junho a realização de obras públicas de maior importância que seriam inexequíveis se se devessem sujeitar a essa disciplina ditatorial". Gazeta de Noticias, 25 de agosto de 1908.

[101] "Esta causa não põe em jogo o interesse exclusivo da Companhia Docas de Santos. O que ela aqui defende é um princípio capital, um direito inconcusso e o interesse legítimo de todas as empresas nacionais que exploram concessões do Governo do Brasil. Esquecendo lastimavelmente que o contrato de concessão é a lei que rege as relações entre o Governo e o concessionário, esquecendo que esse contrato é bilateral e sinalagmático perfeito, o que monta a dizer que não pode ser alterado pela vontade de uma das partes, ainda quando essa parte seja o Governo, que presume que tudo pode, o sr. presidente da República baixou o decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907, que a pretexto e sob as aparências de regulamento, alterou essencialmente cláusulas do contrato da Companhia Docas de Santos, impondo-lhe obrigações que dele não constavam. É, positivamente, em pleno rigor de direito, um ato nulo". Imprensa, 25 de agosto de 1908.