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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 12

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 81 a 89:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XII

Alfândega de S. Paulo

Iria a empresa ao Poder Judiciário. Antes disso, porém, mais de um esforço de conciliação se ensaiou.

Duas maneiras de solução confessou que tivera. Consistia a primeira num memorando apresentado ao Ministério da Fazenda (12 de novembro de 1895) contendo, na primeira parte, sugestões sobre a descarga direta para os vagões, sugestões que o diretor das Rendas reputou, em informação do mesmo mês, sem maior dificuldade, pois se achavam mais ou menos previstas nas instruções a baixar a 10 de dezembro seguinte; e na segunda, oferecendo uma solução prática para a descarga das mercadorias no cais e remessa para São Paulo, solução que o referido funcionário impugnou.

Certas providências indicadas pela Companhia, como o registro do carregamento em livro especial, antes de sua saída, e a cópia do manifesto, também integralmente a inscrever-se no livro mencionado, se comentavam como manobras astuciosas [10] tanto menos aconselháveis quanto, na opinião do diretor das Rendas, essas exigências não se continham no regulamento da Companhia, de 17 de fevereiro de 1893, o qual, no seu parecer, não tinha força contratual e era suscetível de revogar-se; e, quanto ao interno, de 7 de fevereiro de 1894, não podia violar serviços aduaneiros ou coartar a ação da administração pública:

O regulamento de 7 de fevereiro de 1894, assinado por C. Gaffrée, publicado, embora, com licença do Ministério da Fazenda, e destinado ao serviço interno de administração e polícia da Companhia das Docas, não tem força de lei, e menor ainda para violar preceitos que regem os serviços aduaneiros e coartar a ação da administração pública

O artigo 2º do regulamento anexo ao decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, bem como o artigo 18 daquele regulamento de 1894, nada têm com manifestos. Ao contrário, o primeiro obriga as Docas à legislação aduaneira, e o segundo determina positivamente essa obediência e prescreve regras a observar no regime da polícia interna dos estabelecimentos. Portanto, tudo quanto está escrito nesse regulamento interno, contrário às disposições legais, é como se não existisse. O artigo 35 desse regulamento de 7 de fevereiro de 1894, de polícia interna, é que alude a uma via de manifesto, ou relação de carga, e é escusado repetir, não é lei das Alfândegas e menos ainda da de São Paulo
[11].

Um pouco mais de tato nos órgãos de execução, vendo o problema não apenas no seu sentido técnico ou de legislação fiscal, mas julgando-o também no de uma conciliação mais alta a fazer-se, talvez houvesse dado, então, outro curso aos acontecimentos.

É a conclusão a se extrair igualmente das circunstâncias que acompanharam a apresentação da segunda proposta da empresa (23 de fevereiro de 1896), desta vez no Palácio do Governo, em São Paulo, quando Bernardino de Campos, à testa dele, reuniu, entre outras pessoas, o secretário da Fazenda do Estado, os diretores das Docas, Francisco Glycerio e os agentes das companhias de navegação Transatlantica de Hamburgo e Lamport & Holt.

Segundo esse acordo, a empresa não faria embaraço a que seguissem diretamente as mercadorias para São Paulo, uma vez que, estabelecido o tráfego mútuo entre as companhias de navegação, a São Paulo Railway e as Docas, tomassem aquelas a seu cargo o pagamento das taxas. Foi este o projeto de acordo:

O serviço da Alfândega de São Paulo, quanto às mercadorias consignadas à Alfândega de Santos, deverá ser feito de acordo com a Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas, subordinando=se portanto o regulamento de 5t de outubro de 1894 às exigências da Consolidação.

Para estas mercadorias, quando já armazenadas na Companhia Docas de Santos, as taxas devidas pela armazenagem serão cobradas pela Companhia, tendo por base o valor declarado no despacho de reexportação. Este valor será retificado pelo termo de despacho na Alfândega de São Paulo devolvido ou remetido pela parte.

Caso o Governo queira dispensar o termo de responsabilidade de reexportação, a Companhia Docas aceitará para a cobrança de armazenagem o valor declarado pela parte, sujeitando-se esta a enviar-lhe cópia definitiva do pagamento da mesma taxa.

Quanto às mercadorias que já saíram dos portos de procedência com manifesto destinado à Alfândega de São Paulo, estas seguirão para seu destino sem qualquer embaraço, sem dependências de pagamentos de taxas às Docas de Santos, desde que as empresas de transporte marítimo tomem a si o pagamento dessas taxas, estabelecendo-se assim o tráfego mútuo entre essas empresas de Estrada de Ferro, Docas e marítimas.

Era evidente que, para remessa das mercadorias do estrangeiro a uma alfândega interior, cumpria realizar-se o referido tráfego mútuo, sem o qual o despacho direto não podia se fazer. Adversário da Alfândega de São Paulo, o deputado Carlos de Carvalho ia exibir na Câmara Federal a resposta afirmativa unânime das companhias de navegação neste sentido. E era disso de que não se havia cuidado. Não somente o diretor das Rendas se opôs ao acordo, como pareceu não tomá-lo a sério.

Havia escrito a respeito o Diario de Santos. O comentário do diretor das Rendas ao ministro foi este:

Não sei se os dois agentes das companhias de navegação transatlântica foram expressamente convidados para a reunião no palácio do Governo pelo digno sr. presidente, como também se os que se reuniram em Santos, dias depois, e subscreveram o acordo que o Diario de Santos publicou, foram pelo Governo Estadual autorizados a participar dos intuitos dessa reunião, ou se por alvitre do mediador a que alude o Diario de Santos.

O que posso assegurar é que a minha responsabilidade nenhuma afinidade tem com tais reuniões e proposta, sobre a qual emiti parecer. Não vai em quanto aí digo a mais leve censura ao Governo de São Paulo, que, aliás, tenho sincero prazer em declarar, procurou sempre, com louvável patriotismo, tornar praticável o regular funcionamento da Alfândega de São Paulo.

Em todo caso, não seria justo onerar o comércio do Estado aceitando acordos e tributos estabelecidos entre a Companhia Docas de Santos e as de navegação transatlântica, todas sujeitas a favores e concessões do Governo, em bem de serviços privados da Alfândega de São Paulo, já remunerados pela legislação em vigor ou isentos de ônus aduaneiros.

Já estava ferido o amor próprio do funcionário, diante da resistência da empresa e da guerra de que era alvo na imprensa de Santos e da capital federal. Não sabia ele como chamar – protocolo, proposta ou acordo – um ato "que aliás nenhum vislumbre tem de documento oficial, sob os característicos indispensáveis ao apreço do Governo Feral, em assunto de tal ordem", resultante de uma reunião a que não assistira "nenhum representante da Alfândega de São Paulo, nem tampouco do comércio importador da capital, ou membro de sua Associação Comercial". A proposta, que evidentemente não se concluiria senão com o consenso de todas as partes, entre as quais o Governo Federal, sugeriu-lhe estes comentários ásperos:

Porventura a Companhia Docas de Santos tem competência para estabelecer, sponte sua, regras ou normas para a arrecadação de taxas de serviço aduaneiro, em contrato com companhias estrangeiras?

De onde lhe decorre esta faculdade?

Se a Companhia Docas de Santos, no serviço de simples transporte de mercadorias importadas para consumo e como tal despachadas na Alfândega de Santos, remetidas para o interior do Estado de São Paulo, ao tempo em que não havia a Alfândega terrestre da capital, careceu sujeitar à aprovação do Governo o regulamento e tabela de preços e acordo provisório celebrado com a São Paulo Railway para a condução de mercadorias já despachadas do cais da Alfândega para a estação da estrada de ferro, como é que vem no prospecto ou proposta ora em apreço, sem assinatura, sem data, sem característico legal algum, impor ao Governo alvitres desta ordem?

Acaso escapa a Companhia Docas de Santos da obediência que as leis impõem a empresas dessa natureza e que vivem do favor do Governo? No caso negativo, como é que se propõem bases e regras ao Governo para um serviço tão privado do Ministério da Fazenda, como é o de carga e descarga nos portos alfandegados do país? "As companhias de vapores de Hamburgo e Liverpool, cujos representantes se achavam presentes, declararam que aceitariam o serviço organizado nos termos acima, sujeito à confirmação das respectivas diretorias".

Não havendo lei alguma que autorize a Companhia Docas de Santos a promover e celebrar acordos desta natureza, para serviços do Ministério da Fazenda que entendem com a descarga e armazenamento das mercadorias, sujeitas a direitos de importação, máxime quando o artigo 6º do regulamento de 17 de fevereiro de 1893 deixa ao arbítrio da Inspetoria da Alfândega de Santos fazer armazenar outras mercadorias que não as da tabela H (da Consolidação das Leis das Alfândegas de 1895), cláusula IX do contrato de 12 de julho de 1888, e não sendo lícito permitir que, em serviço de privada e exclusiva competência do Ministério da Fazenda cometido à Companhia Docas de Santos, nos termos restritos dos seus contratos e favores concedidos, se sujeite o Governo ao sacrifício de prerrogativas que cabem ao Poder Público exercer, é inadmissível quanto aqui apresenta nesta meia folha de papel, sem autenticidade e respeito ao Governo quem quer que seja, por parte da Companhia Docas de Santos
[12].

A encampação: tal o remédio de que aqui e ali se procuraria lançar mão contra a Companhia. Essa medida só poderia fazer-se, de acordo com o contrato de 1888, a contar de dez anos depois de concluídas as obras. Sugeriu, contudo, o Diario Popular (15 de fevereiro de 1896):

As Docas continuam a imperar e pelo motivo, facilmente dedutível à mais simples inspeção, de que o Governo não pode coagir quem tem por si um contrato legal. Visando lembrar uma solução para o caso, pois periga a existência da nova repartição aduaneira de São Paulo, lembramos ao sr. ministro que estude o meio prático de encampar a companhia santista que nos cria embaraços.

Atenda-se ao perigo dessa empresa passar no futuro a mãos estrangeiras. Antes de escrevermos sobre o assunto, colhemos algumas informações, constando-nos então que as Docas realizaram um grande empréstimo no Banco da República, por meio de debêntures.

Ora, o Tesouro Nacional é credor do banco, podendo conseguintemente em boas condições encontrar contas. Pretendemos tão somente, lembrando esta ideia, dar andamento à solução do conflito, que todos os dias toma um caráter mais grave.

Ainda aqui o paralelo com a São Paulo Railway veio a balanço, pois com essa estrada havia a União feito acordo prévio (29 de outubro de 1894), ao passo que à empresa se impunham as instruções de 10 de dezembro. Nesse acordo, o Governo Federal providenciaria de modo que a estrada não fosse prejudicada, o que deu lugar a recriminações. Lauro Muller, de modo geral, iria dizer (24 de outubro de 1896) que "não se organizaria uma Companhia desta ordem, se não tivesse atrás de si uma legação e atrás da legação alguma coisa mais". Assim se exprimiu o Diario de Santos:

Antes da inauguração da Alfândega central, foi esta companhia inglesa procurada pelo Governo para entrar em acordo sobre o serviço aduaneiro daquela alfândega, dependente da via férrea de sua propriedade.

Em 29 de outubro de 1894 se celebrou o contrato em que foram partes a administração do Estado de São Paulo, o Governo Federal e a superintendência da referida companhia, e se estipulou que "os direitos da companhia seriam mantidos de forma que não ficasse prejudicada em seus fretes e pudesse dar cumprimento ao seu regulamento aprovado pelo decreto n. 9.923, de 11 de abril de 1888, e avisos subsequentes.

Com uma empresa estrangeira o governo do dr. Prudente de Moraes não teve coragem de entrar em conflito; não ousou modificar os seus contratos e regulamento, impondo-lhe por decreto a obrigação de transportar as mercadorias destinadas à Alfândega de São Paulo, independentemente do pagamento de fretes, recebendo-os afinal desta repartição
[13].

Teve também o Governo Federal seus propósitos de acomodação, desde que a questão deixou de limitar-se a um debate entre seu preposto em São Paulo e a Companhia em Santos. Validade do regulamento desta, contagem do início das armazenagens, que também se modificavam, desse e de outros pontos poderia acaso ceder a Companhia, mas o direito de pagamento in loco é que sentia não poder abrir mão, por constituir isso a base mesma da sua estrutura. Obstinação dos dois lados já se podia dizer que era; respeitável, é certo, mas nem por isso menos intransigente: - de São Paulo porque via anular-se a realização de uma obra em que pusera largas esperanças, e por motivos que presumia injustos senão irritantes; da empresa, porque, pronta a ceder no que não fosse esse ponto fundamental, passava como inimiga daquela aspiração.

Assim se compreende por que recusaram elas, e não somente pela consideração das despesas acrescidas, a ideia sugerida pela Associação Comercial de São Paulo, de lhe ser confiado o serviço das capatazias na nova Alfândega, bem como a proposição do próprio ministro da Fazenda, de lhe pagar "por adiantamento em Santos, em São Paulo ou no Rio de Janeiro, pela média das importâncias arrecadadas, uma soma, em que acordássemos por semana, por quinzena ou por mês e que seria compensada pelas taxas arrecadadas na Alfândega de São Paulo".

Julgava a Companhia que era devido ao pagamento antes da saída da mercadoria; ressentia-se o Governo Federal de que não fosse julgada bastante sua responsabilidade [14]. Donde uma conciliação impossível.

Em São Paulo, a impaciência já era grande. Inaugurada a 15 de novembro do ano anterior, a Alfândega não funcionava em maio de 1896. Foi quando, a 22 desse mês, num discurso moderado, apresentou o sr. Alberto Sarmento (Câmara Estadual) uma indicação assinada por todos os companheiros de bancada, aprovando-se. Foram, entre outras, suas palavras:

Eu não peço, portanto, uma coisa a realizar-se: venho sem ofensa de quem quer que seja, indivíduo ou empresa, apenas pedir o seguinte: que a lei seja executada. O Estado despendeu cerca de 600 contos para que fosse atendida a necessidade pela qual todos clamavam. A benemérita Associação Comercial, que tantos serviços tem prestado ao Estado, indo sempre ao encontro das necessidades públicas e procurando auxiliar o Governo na realização das mais justas medidas, já em 1892 reconhecia a conveniência do estabelecimento de uma alfândega nessa capital. Não é razoável que agora se pretenda inutilizar o esforço empregado por todos na obtenção deste melhoramento.

Foi esta a indicação:

Indicamos que esta Câmara, por intermédio da Mesa, represente, pelos meios mais convenientes, ao presidente da República, no sentido de ser executada a lei n. 149-A, de 20 de julho de 1893, e ao Congresso Federal, para que não seja revogada a mesma lei, que criou a Alfândega de São Paulo.

Sala das Sessões, 22 de maio de 1896. – Alberto Sarmento, Oliveira Braga, Paula Novaes, Raphael de Campos, Almeida Vergueiro, Fernando Rubião, Pereira de Queiroz, Julio de Mesquita, Francisco Malta, Eugenio Egas, Daniel Machado, Eduardo Garcia, Pereira da Rocha, Oscar de Almeida, Adolpho Barreto, Lucas de Barros.

Escrevendo que os direitos da Companhia sobrepujavam aos dos paulistas, declarou-se o Correio Paulistano, como os outros jornais da Capital, pela Alfândega. Assim (30 de abril):

E a Companhia das Docas de Santos, fundando sua resistência não na legitimidade do direito, mas na tortuosidade do sofisma, confiante na perícia, no poderio político, nos manejos estratégicos de hábeis jornalistas e de políticos proeminentes; e, por outro lado, abusando da prudência e dos escrúpulos sempre respeitáveis, se bem que excessivos do Governo Federal, pois podem comprometer o prestígio do poder, tem levado de vencida:

- a Associação Comercial de São Paulo, o comércio, a indústria, e toda a sociedade paulista, em suma, que pedem, que instam, que clamam pela execução da lei;
- o Congresso deste Estado, e o presidente de São Paulo, que promoveram, com pesados ônus para os cofres estaduais, a execução da nova lei, satisfazendo as exigências nela exaradas;
- o presidente da República, que sancionou o ato legislativo de 20 de julho de 1893;
- o Congresso Nacional, finalmente, que decretou a criação da Alfândega de São Paulo.

Pode, pois, com razão, ufanar-se a Companhia das Docas de Santos.

Uma lei, constitucionalmente decretada pelo Poder Legislativo da República, está sendo por essa Companhia revogada, suspensa, ou, pelo menos, embargada!

Tomando então posição e em tudo apoiando ao seu delegado, expediu o ministro da Fazenda, Francisco de Paula Rodrigues Alves, o decreto n. 2.291, de 28 de maio de 1896. Aprovaram-se com ele as impugnadas instruções de 10 de dezembro do ano anterior: - a Alfândega de São Paulo não daria livre trânsito às mercadorias que estivessem sujeitas a taxas de capatazias e armazenagem com as Docas de Santos, sem que estivessem quites com a empresa; o prazo de 48 horas devia contar-se para a armazenagem da hora oficial da entrada dos navios na Alfândega de Santos, excluídos os dias em que não houvesse expediente nesta Alfândega [15], e ficavam revogadas as disposições dos regulamentos de 5 de novembro de 1894 e 17 de fevereiro de 1893, que não se harmonizassem com as referidas instruções de 10 de dezembro de 1895. Este o teor do decreto:

O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo às considerações que lhe foram feitas pelo ministro dos Negócios da Fazenda e à necessidade de por termo aos embaraços que têm impedido a Alfândega de São Paulo de funcionar com regularidade,

Decreta: Artigo 1º - Ficam aprovadas as instruções de 10 de dezembro de 1895, expedidas pelo diretor das Rendas Públicas do Tesouro Federal, com autorização do ministro da Fazenda sobre o serviço de descarga no porto de Santos e o encaminhamento das mercadorias para a Alfândega de São Paulo, excetuado o parágrafo único do artigo 22.

Artigo 2º - A Alfândega de São Paulo não dará livre trânsito às mercadorias que estiverem sujeitas a taxas de capatazias e armazenagens para com as Docas de Santos, sem que as mesmas estejam quites com a Companhia.

Artigo 3º - O prazo de 48 horas de que trata o artigo 17 do regulamento aprovado pelo decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, deve ser contado da hora da entrada oficial dos navios na Alfândega de Santos, excluídos os dias em que por qualquer causa não houver expediente nessa repartição.

Artigo 4º - Ficam revogados os artigos 37 e 38 do regulamento de 5 de outubro de 1894, aprovado pelo decreto n. 1.876, de 5 de novembro do mesmo ano, os do regulamento de 17 de fevereiro de 1893 que não se harmonizarem com as instruções de 10 de dezembro de 1895 e todas as demais disposições em contrário. – Capital Federal, 28 de maio de 1896, 8º da República. – Prudente José de Moraes Barros. – Francisco de Paula Rodrigues Alves.

Esse decreto era um golpe em cheio pela Alfândega.

A exposição de motivos que o precedeu (28 de maio de 1896) constituía um requisitório severo contra a empresa. Sentia-se na redação o punho do funcionário fiscal ferido em suas prerrogativas, irritado diante de obstáculos que não podia compreender senão por motivos materiais subalternos.

Taxas excessivas, favores consecutivos, direitos contestáveis, tudo veio à tona, como em 1894. Bem se viu por exemplo que, segundo o decreto n. 1.072, de 5 de outubro de 1892, não tinha havido aumento de 50% nas taxas, mas este aumento reaparece como uma das maiores cargas da acusação
[16]. Regulamento que não era contrato [17], retenção que, a explicar-se, estaria garantida [18], tudo se passou em exame. Alegou-se, ainda mais, que se dilatou o prazo da concessão para 90 anos e omitiu-se dizer que não houve aumento de taxas, que compensasse as despesas consequentes da quintuplicação do cais.

"Grande Companhia, que muitos serviços está destinada a prestar ao Estado de São Paulo", nas suas próprias expressões, não compreendia Rodrigues Alves "que a perspectiva de uma possível, mas não provável, diminuição nos seus interesses, com a criação da Alfândega de São Paulo", tivesse determinado os embaraços com que ia impedindo o funcionamento regular dessa repartição.

"Tenho sido o mais paciente possível no modo de encarar a questão", rematou, e a saída só podia ser o decreto, que lhe pôs fim, obrigatoriamente. A empresa não podia dar, ainda desta vez, execução ao seu contrato quanto ao prazo para construção do cais até Paquetá. Seria caso de multa, nunca de caducidade. Para o ministro da Fazenda, esta, entretanto, é que se impunha:

A Alfândega de São Paulo tem uma feição especial.

Foi criada para servir aos interesses do comércio importador, que tem a sua sede, na máxima parte, naquela capital. O seu fim, portanto, foi deslocar o trabalho dos despachos e conferência que se fazia em Santos, dando ao comércio a facilidade de receber as suas mercadorias na sede dos respectivos estabelecimentos. Não podia, em tais condições, sob pena de ficarem anulados os intuitos de sua criação, subordinar-se ao regime aduaneiro existente para as alfândegas marítimas.

As instruções expedidas para regularizar o serviço procuraram atender aos grandes interesses do comércio do Estado de São Paulo, aos da Fazenda e aos da Companhia Docas de Santos. O que não é possível é que esta Companhia queira assumir a posição de árbitro dos interesses do comércio, e, o que é mais ainda, procure colocar os seus acima dos da Fazenda Pública, tornando as alfândegas do país suas subordinadas.

E tanto mais grave é para mim essa atitude quando, e para isto invoco a vossa atenção, a Companhia das Docas está fora do regime dos seus contratos, por ter esgotado o prazo para a construção das obras até Paquetá, constante do decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890 (cláusula 5ª) e 942, de 15 de setembro de 1892 (cláusula 5ª). Desde que os contratos, impondo direitos e obrigações recíprocas, não são cumpridos, em ponto substancial, por uma das partes, é lícito examinar se subsiste em benefício da parte que os infringiu a situação jurídica que criaram
[19].

Alta já era a temperatura dominante. Depois de uma série de artigos contra a Companhia, o diretor das Rendas não se viu poupado por alfinetadas e verrinas anônimas, que, aliás, a todos caberiam "Documento luminoso", na frase do jornal de Quintino Bocayuva, a exposição de 28 de maio parecia ao regional do porto um acervo de sofismas e de paixão. "Porque hesita o Governo Federal, havia inquirido de novo o Correio Paulistano, no estrito cumprimento do seu dever? Acaso receia os impropérios dos interessados? Teme os ápodos da imprensa assalariada?" (18 de maio). E ao Municipio coube exclamar:

Tão escandalosos foram os favores que receberam, tanto fizeram para desfrutarem o monopólio, que o próprio Estado de São Paulo já se afigurava pequeno para ser dominado por estes negociantes.

É um cúmulo de audácia que reflete fielmente a consciência de quem pretende ficar acima das leis e dos homens, julgando que o honrado presidente da República não seja capaz de mandar cassar os decretos escandalosos que a Companhia obteve.

Imagem: reprodução parcial da página 81


[10] "Tomando conhecimento, como me cumpria, das sugestões da Companhia Docas de Santos aí registradas, nessas duas meias folhas de papel, sem data nem assinaturas, sem vislumbre algum ou característico oficial de documento regularmente confeccionado, demonstrei cabalmente a v. ex. a argúcia com que se pretendia conquistar novos proventos à Companhia Docas de Santos, embaraçando, por todos os meios possíveis, o pronto transbordo e encaminhamento ainda mesmo das mercadorias destinadas à Alfândega de São Paulo, que por lei e pelos contratos não são sujeitas a armazenagens".- Relatorio do Diretor das Rendas Publicas, cit., Exposição, pág. 12.

[11] Idem, anexo 5, pág. 118.

[12] Idem, Anexo 6, pág. 129. – Expediente paralelo, noticiado então pelo Diario de Santos (7 de março de 1896) e republicado na Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro, em 10 seguinte -, a reunião, no porto, dos principais agentes das companhias de navegação – C. Freitas & Companhia, Société Générale de Transports Maritimes à Vapeur, Messageries Maritimes, Chargeurs Réunis, Norddeutscher Lloyd Bremen e Prince Line -, ansiosos por uma solução, mediante o pagamento de 1% às Docas, de um mês de armazenagem, não teve menor opugnação.

"Não há classificação decente para este plano de extorsão ao comércio importador de São Paulo", escreveu o diretor das Rendas. "Por mais simpática que pareça ser a causa da Companhia Docas de Santos, defendida mesmo por todos os meios e modos na imprensa diária, em diferentes seções de jornais mais lidos; em editoriais ou a pedidos, de crítica literária ou de humorismo de ruim paladar, a verdade se imporá à geral convicção dos espíritos retos e desapaixonados, desde que se ligar ao assunto a devida importância, por amor aos legítimos interesses da administração pública do país e à natureza das concessões feitas àquela Companhia".

Para a ousadia de tais empresas de navegação haverá o recurso da anulação de seus privilégios no Brasil: "Quando assim não fosse, ao Governo deste país ainda resta, felizmente, a faculdade de anular os favores e privilégios de paquetes, conferidos a tais companhias, que não têm o direito de estabelecer acordo mediante obediência às suas diretorias no exterior, sem atenção às disposições legais a que estão sujeitas, nem se diga que o fato de terem comparecido no Palácio do Governo dois representantes de companhias de navegação justificava a reunião havida em Santos, a que alude a transcrição da Gazeta de Noticias, de 10 de março último". Id., Exposição, págs. 30 e 34.

[13] A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, cit., 3ª série, pg. 21.

[14] Contestou a empresa, aliás, que existisse essa responsabilidade nas Instruções de 10 de dezembro: "O artigo 12 daquelas instruções manda a Alfândega de São Paulo cobrar as taxas de capatazias e armazenagem a que estiverem sujeitos os volumes remetidos de Santos pela Companhia Docas, correndo sob a responsabilidade dos importadores e seus despachantes e dos conferentes de saída quaisquer diferenças ou erros de cálculo; o artigo 2º do decreto n. 2.291 determinou que aquela repartição não dê livre trânsito às mercadorias sem que estejam pagas as taxas. Ora, destas disposições pode-se concluir que o Governo garantiu ou se responsabilizou pelo pagamento das taxas da Companhia? O ministro da Fazenda se limitou a converter a Alfândega de São Paulo em agência da Companhia Docas e agência sem outra responsabilidade a não ser a da restituição do dinheiro que cobrasse, ou por outra, tornou os empregados daquela repartição procuradores ou mandatários da Companhia, obrigando esta a delegar poderes que lhe são próprios.

"Mandatários, agentes especialíssimos estes, estabelecidos contra a vontade do mandante, não oferecendo nenhuma garantia para o desempenho da gestão que lhe é entregue, enfim, sem responsabilidade certa! Já se vê que tal responsabilidade ou garantia das taxas por parte do Governo, a que alude a Exposição, é coisa vaga, uma fantasia do ministro para justificar o ato violento do presidente da República e colocar a Companhia em antipática posição. O Governo nada garantiu e nem podia fazê-lo, para isso não se achava autorizado pelo Poder Legislativo". – Ver: A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 3ª série, cit., pág. 49.

[15] Segundo o contrato autorizado pelo decreto n. 74, de 21 de março de 1891, a empresa daria abrigo nos armazéns às mercadorias que transitassem pelo cais e fossem sujeitas a se deteriorar, ficando essas mercadorias isentas da taxa de armazenagem quando retiradas no prazo de 48 horas. Assim, dispôs, em consequência, o regulamento da empresa aprovado pelo decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893.

Segundo o decreto n. 2.291, de 28 de maio de 18916, esse prazo de 48 horas devia contar-se "da hora da entrada oficial dos navios na Alfândega de Santos, excluídos os dias em que por qualquer causa não houver expediente nessa repartição".

Foi contra isso que protestou a empresa: "E tanto mais injusto é o artigo 2º do decreto espoliador n. 2.291, quando vemos o artigo 594, da Consolidação das Leis das Alfândegas, dispor que a armazenagem é devida desde o dia da entrada das mercadorias nos armazéns da Alfândega; o artigo 599 da mesma Consolidação dá o prazo de três dias, contados da data da descarga, para a estadia livre das mercadorias despachadas a bordo ou sobre água e que tiverem de transitar pelos armazéns ou pontes das alfândegas; e o artigo 3º das instruções de 8 de setembro de 1891, que manda contar os três dias de estadia livre nos armazéns alfandegados, do dia da efetiva descarga do volume, qualquer que seja o número dos que formarem a partida em despacho". - A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 3ª série, cit., pág. 54.

[16] O aumento imaginário consta mesmo, na exposição de motivos, do próprio texto legal, como se do mesmo fizesse parte. "O decreto n. 1.072, de 5 de outubro de 1892, declarou que os concessionários 'pela carga e descarga de mercadorias e quaisquer gêneros no cais que possuírem, terão o direito de cobrar um e meio real por um quilograma (mais 50% sobre a taxa do contrato de 1888)'". Exposição do ministro da Fazenda, decreto n. 2.291, de 28 de maio de 1896, cit.

[17] "Decreto do Poder Executivo, expedido em virtude da faculdade constitucional que lhe pertence, o regulamento de 17 de fevereiro teve por fim regular serviços aduaneiros de carga e descarga e armazenamento de mercadorias, de que foram as Docas encarregadas, estabelecendo as relações entre elas e os empregados da Alfândega. Tendo esta feição legal, é lícito ao Governo modificá-lo no sentido de melhor garantir os serviços de caráter aduaneiro, determinando o que for mister para completar ou tornar mais eficaz a fiscalização por parte das Alfândegas que se tiverem de relacionar com a Companhia das Docas". Idem.

[18] "O artigo 15 do regulamento de 17 de fevereiro prescreve que a Alfândega não dará livre trânsito às mercadorias sem que as mesmas estejam quites com a Companhia. Compreende-se que as Docas se revoltassem com a ideia de manar entregar aos seus donos mercadorias armazenadas nos seus estabelecimentos, sem o pagamento das taxas devidas.

"Não é, porém, disto que se trata. Quando foi publicado aquele regulamento não estava criada a Alfândega de São Paulo. Instalada esta e tendo as mercadorias destinadas àquela capital de ser aí despachadas, como sujeitá-las ao pagameanto das taxas de armazenagem em Santos? Daí o processo adotado nas instruções de 10 de dezembro, artigo 11 e seguintes, que garantem eficazmente as Docas, pois as mercadorias não terão livre trânsito na Alfândega de São Paulo, enquanto não forem pagas as taxas devidas à Companhia das Docas.

"Há nestas instruções violação do artigo 15 do citado regulamento? Nâo, porque não se trata de dar livre trânsito a mercadorias, senão de removê-las para os armazéns de outra alfândega que terá de apurar o seu 'valor oficial' para base do pagamento das armazenagens, as mercadorias continuam sob a guarda e responsabilidade do Fisco, que reterá enquanto não forem pagas as taxas a que estiverem sujeitas.

"Pode a Companhia reputar-se menos garantida com a responsabilidade do Governo para pagar-lhe as taxas de capatazias e armazenagens do que com a retenção das mercadorias, direito que pensa ter quando repete que não é armazém, depósito ou trapiche alfandegado? Pode ser que a Companhia das Docas pense assim, mas isso seria uma ofensa que até agora companhia alguma nacional ou estrangeira se animou a irrogar a este país". – Idem.

[19] Cobrindo sempre seu mandatário, o ministro da Fazenda atendeu à reclamação de Santos quando arguia: "Pareceram-me justas as ponderações feitas pela Associação Comercial de Santos, quanto à parte das instruções relativas às guias que devem acompanhar mercadorias já despachadas. Não era lícito, porém, ao diretor das Rendas, deixar de considerá-las em suas instruções, porque não devia afastar-se do decreto n. 1.786, de 5 de novembro de 1894, que deu regulamento à Alfândega de São Paulo".