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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 9

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 58 a 66:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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PRIMEIRA PARTE (1886-1895)

Capítulo IX

Taxas de serviço e de retribuição do capital

Por importantes que fossem os pontos anteriores, nenhum tinha, porém, a relevância do relativo às taxas facultadas à empresa para compensação dos serviços e retribuição do capital.

O libelo do Diario Popular não foi, em 1894, de meias tintas:

Mas ainda bem não começou a obra a funcionar, ainda a Companhia de Docas de Santos não tem regularmente instalado os seus serviços, e já as disposições de seus regulamentos, já as taxas que começa a cobrar, são de tal ordem gravosas, constituem ônus tão pesados para o comércio, a lavoura e a indústria do estado de São Paulo, que não podiam deixar de provocar as mais justas queixas dos oprimidos, como está acontecendo, ao ponto de serem lembrados com saudades os tempos em que funcionava a ponte da estrada inglesa e as velhas pontes particulares.

Assim, pois, o melhoramento que todos nós esperávamos como a salvação do Estado, porque era a primeira condição para o saneamento de Santos e, portanto, para o saneamento de todo o interior, o melhoramento que vinha apagar a má fama que tem no estrangeiro o nosso grande empório marítimo, a qual muito há contribuído para encarecer os fretes marítimos para aquele porto; o melhoramento, enfim, que vinha proporcionar ao comércio, à lavoura e à indústria paulista a economia e todas as outras vantagens consequentes de meios mais aperfeiçoados de embarque e desembarque de cargas, libertando-os para sempre de tributos que faziam o desespero geral e vexavam como verdadeiras calamidades – é o próprio que vem fazer sentir aos mais interessados em seu regular funcionamento, aos que mais diretamente contavam participar de seus justos benefícios – a mais amarga desilusão, impondo cobrar-lhes com uma usura sem entranhas, a usura de Shylock, multiplicada por uma série de taxas, cada qual mais abusiva, os serviços por que todos unanimemente ansiavam!
[72]

Opressão, dualidade de taxas: soaria como um bordão essa história. E o ponto de partida terá sido essa campanha de 1894, tanto que frases dela se repetirão, às vezes, quase nos mesmos termos, dali por diante.

Compreendia bem o Governo que as taxas portuárias deveriam ser tais que, retribuindo o capital e os esforços empregados, não onerassem ao comércio. Era aquilo de André Rebouças em 1867: "O futuro dos portos do Brasil depende, em grande parte, do estabelecimento de tarifas que remunerem convenientemente os capitais que se empregarem nas obras destinadas ao seu melhoramento".

Foi esse critério que predominou na escolha da proposta de José Pinto de Oliveira e outros, a qual, como conselheiro Antonio Prado, perante a Câmara, declarou e já vimos, "não faria pesar sobre o comércio taxas insuportáveis, sendo até menores que as solicitadas pela Associação Comercial de Santos".

De fato, a taxa de atracação era inferior à indicada antes por essa Associação
[73] e as de capatazias e armazenagem não divergiam das cobradas nas demais alfândegas da República. Não seriam as taxas de Santos postas em vigor, mais tarde, noutros portos, algumas até com elevação? Vai-se ver que não se atreveriam, por longo tempo, os capitais nacionais e estrangeiros à construção de nossos portos, a começar pelo do Rio de Janeiro; motivo pelo qual, no mesmo ano de 1886, quando se publicaram os editais de que resultou a concessão Gaffrée, Guinle & Companhia, julgou acertado o Governo Imperial acenar com mais uma garantia suplementar -, o imposto adicional sobre a importação e exportação, que à Companhia docas de Santos não beneficiou e outros tiveram depois. De fato, dispôs a lei n. 3.314, de 16 de outubro de 1886, ao fixar o orçamento para o ano seguinte:

O Governo poderá estabelecer em favor das empresas que se organizarem para melhoramentos dos portos do Império, além das vantagens a que se refere a lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, uma taxa nunca maior de 2%, em referência ao valor da importação e de 1% ao da exportação de cada um dos ditos portos.

A acusação de dualidade, por sua vez, se baseou numa argumentação na aparência procedente devido à interpretação gramatical de duas ou três palavras do contrato, cuja significação, no espírito da lei de 1869 e do referido contrato, não deixava, contudo, margem a dúvidas. A Companhia teria como taxas obrigatórias as de utilização do cais, pela mercadoria e pelo navio, destinadas à retribuição do capital; e as de armazenagem e capatazias, que então se cobravam em todas as alfândegas por estas mesmas e que, em Santos, resolveu o Governo fossem entregues à empresa [74].

Conforme o Diario Popular, havia dualidade indevida, porque cobrando a empresa as segundas não podia receber as primeiras; e o fazia, elevando a taxa de 1$00 a 3$700. Seu argumento era o das taxas dos outros portos, todos sem cais, esquecendo-se de que, para construí-los, outras seriam precisas, para retribuição do capital empenhado:

Acompanhando a marcha natural das operações, que lhe são peculiares, vê-se bem que em um cais ou doca em atividade, de fato não há evolução, não há manobra, não há enfim trabalho algum que não tenha por fim a realização de uma das três funções referidas e que reproduzimos: a atracação do navio, a carga ou descarga da mercadoria e a sua armazenagem, no caso de não ser a mercadoria retirada em tempo.

Por isso mesmo é que, embora com outros nomes, há também três ordens de taxas em vigor, relativas a idênticas operações, quando desempenhadas pelas alfândegas.

Assim é que, dos navios que atracam para carregar e descarregar nas docas, pontes e cais das alfândegas e mesas de rendas, é cobrado, nos termos do artigo 574 da Consolidação das Leis das Alfândegas, o chamado imposto de doca.

Da mesma forma, cobram as alfândegas, segundo o artigo 603 da Consolidação, pelo serviço de carga e descarga de mercadorias, em suas pontes, cais e armazéns, o imposto denominado expediente de capatazias.

Finalmente, para ser completo o símile, as mercadorias depositadas nos armazéns pertencentes às alfândegas estão também sujeitas ao pagamento das armazenagens, conforme o artigo 593 da mesma Consolidação.

Divergência de interpretação, que se poderia discutir sem violência, ela transporia anos a fio, dando lugar, sob o nome de questão das capatazias, com ganho para a empresa, à mais longa das pendências judiciárias em que esta se veria empenhada. E em 1894 não passava tudo de uma "esperteza", fruto de um contrato "horrivelmente mutilado", que assim se beneficiava com 370% sobre as taxas permitidas. "Que vale mais essa extorsão? Inquiriu o dr. Adolpho Pinto. Pois não é tão rico o Estado de São Paulo" Rematando adiante: "Não é mai suma extorsão, é uma improbidade, é uma impudência" [75].

Não era, entretanto, difícil restabelecer a verdade. Bastava para isto a leitura dos textos criadores das taxas, assim tão contestadas. Quais eram eles? O edital de concorrência de 1886, o contrato de concessão de 1888 e os estudos do engenheiro Saboia e Silva, tudo de acordo com a lei n. 1.764, de 13 de outubro de 1869. Dispunha esta, com efeito, nos §§ 5º e 7º do artigo 1º:

§ 5º - Os empresários poderão perceber, pelos serviços prestados em seus estabelecimentos, taxas reguladas por uma tarifa proposta pelos empresários e aprovada pelo Governo Imperial.

Será revista esta tarifa pelo Governo Imperial de cinco em cinco anos, mas a redução geral das taxas só poderá ter lugar quando os lucros líquidos da empresa excederem a 12%.

§ 7º - O Governo poderá encarregar às companhias de docas o serviço de capatazias e de armazenagem das alfândegas.

Expedirá neste caso regulamentos e instruções para estabelecer as relações da companhia com os empregados encarregados da percepção dos direitos das alfândegas.

Bem se vê, à leitura dessas disposições, que as taxas seriam reguladas por uma tarifa especial, proposta pelos empresários e aceita pelo Governo; e que, além dessas taxas, o mesmo Governo poderia, se o quisesse, encarregar às companhias de docas o serviço de capatazias e armazenagem. Aquelas taxas seriam de retribuição do capital, prendendo-se fundamentalmente à existência da empresa; estas, compensando serviços prestados, poderiam ou não ser percebidas pela referida empresa.

Versaria, em consequência, a concorrência em Santos, e de fato versou, apenas sobre as primeiras. Foi o que preceituou o edital de 19 de outubro de 1886, a este jeito:

A concorrência versará sobre o prazo da concessão e sobre as taxas a cobrar pela atracação dos navios, carga e descarga e armazenagem das mercadorias, de conformidade com a lei de 13 de outubro de 1869, sendo as taxas de atracação dos navios calculadas por metro linear de cais ocupado, e as de carga e descarga e armazenagem por peso das mercadorias.

As outras taxas, como vimos, poderiam ser concedidas ou não à empresa arrendatária. Resolveu fazê-lo o Governo, conforme as cláusulas V., VI e VIII do contrato da concessão, nas quais ficaram definidas quais as taxas de compensação e se transferiram à empresa as de capatazias:

V – Os concessionários terão direito de cobrar pelos serviços prestados nos seus estabelecimentos, na forma da lei de 13 de outubro de 1869, as seguintes taxas:

1º - pela carga e descarga de mercadorias e quaisquer gêneros nos cais que possuírem em virtude da presente concessão, excetuados apenas os objetos de grande volume e pouco peso, 1 real por quilograma.

2º - pela carga e descarga nas mesmas condições de objetos de grande volume e pouco peso, 3 reis por quilograma;

3٥ – por dia e por metro linear de cais ocupado por navios a vapor, 700 reis;

4º - por dia e por metro linear de cais ocupado por navios que não sejam movidos por meio de vapor, 500 reis;

5º - por mês ou fração de mês e por quilograma de mercadoria ou qualquer gênero que houver sido efetivamente recolhido aos armazéns dos concessionários, 2 reis.

Parágrafo único – São isentos de pagamento de taxas:

1º - em relação à carga e descarga, os volumes que constituírem bagagem de passageiro;

2º - relativamente à atracação, os botes, escaleres e outras embarcações miúdas de qualquer sistema e as que pertencerem a navios em carga e descarga;

VI – Serão feitos gratuitamente os serviços de transporte de imigrantes do cais para a estrada de ferro, e carga e descarga das respectivas bagagens, bem como do das malas do correio.

VIII – Os concessionários obrigam-se a efetuar o serviço das capatazias de conformidade com o regulamento e instruções que o Ministério da Fazenda expedir para estabelecer as relações da empresa com os empregados da alfândega.

Chamando impropriamente as taxas de utilização do cais (pelas mercadorias, como as havia de utilização do cais pelas embarcações) de taxas de carga e descarga, dava o contrato lugar à dúvida. De fato, elas se confundiam, desse modo, no nome, com as de capatazias, correspondentes precisamente à carga e descarga. Mas só no nome, porque destas (que poderiam ser transferidas e o foram à empresa) tratava o mesmo decreto distintamente; o que, se fossem idênticas, não sucederia.

Responsável técnico pelo projeto, Saboia e Silva distinguiu as duas categorias expressamente; mas, usando da mesma terminologia, responde também pelo mesmo mal-entendido. E este era tanto mais fácil de dissipar quanto, dando ele à empresa as taxas de compensação (que chamou de atracação, carga e descarga, quando devia dizer utilização do cais), deixava com a alfândega a verdadeira carga e descarga. Suas palavras foram:

As taxas indicadas (atracação, carga e descarga) são destinadas ao pagamento do juro e cota de amortização do capital empregado no cais propriamente dito. Para o serviço de carga e descarga serviriam as taxas respectivas, cobradas pela Alfândega, à qual deve naturalmente incumbir todo o serviço do cais.

E acrescentou, esclarecendo:

Quanto aos guindastes e outros acessórios para a descarga, a Alfândega terá de adquiri-los para o seu uso próprio e poderá fornecê-los aos particulares mediante taxas módicas, com vantagem não só dos particulares, mas ainda do Estado.

Noutras palavras, as Docas de Santos podiam deixar de cobrar capatazias, se o Governo não as autorizasse; mas arbítrio não havia capaz de impedi-las de cobrar as de utilização do cais pela mercadoria e pelo navio.

Mas a impugnação não ficou aí, combatendo, não menos violentamente, a Companhia nas suas taxas de armazenagem. Pelo contrato de concessão vimos acima que a taxa era de 2 reis por mês ou fração de mês e por quilograma de mercadoria efetivamente recolhida aos armazéns. O decreto n. 1.072, de 5 de outubro de 1892, mandou adotar as tabelas da Alfândega de Santos, em idêntico serviço. O anterior, n. 74, de 21 de março de 1891, preceituara, por sua vez, que os concessionários dariam abrigo, nos seus armazéns, às mercadorias que transitassem pelo cais e fossem sujeitas a se deteriorarem, "ficando essas mercadorias isentas da taxa de armazenagem, quando retiradas dentro do prazo de 48 horas".

Por último, o decreto posterior n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, que aprovou o regulamento interno da empresa, determinou que as mercadorias descarregadas no cais e que não fossem retiradas dentro de 48 horas, seriam consideradas armazenadas e sujeitas às taxas de armazenagem
[76]. Eram todas medidas que se justificavam por si mesmas, quer protegendo a mercadoria, quer descongestionando o cais, que só em pequena parte estava em tráfego. Era, sobretudo, o que prevalecia nas Alfândegas. Mas não satisfez:

Nem se alegue, para apadrinhar semelhantes dislates, a circunstância de ser a taxa de armazenagem cobrada segundo estas mesmas bases pela Alfândega.

O caso não é o mesmo. O Fisco tem seus privilégios, e as suas próprias exorbitâncias, até certo ponto, são toleráveis em face da aplicação dos impostos que arrecada e com que provê os encargos da lista civil da Nação, de que nós todos direta ou indiretamente somos coparticipantes.

É por isto mesmo que revolta e dói que, nesta interminável derrama de graças em favor da comandita do caias, a prodigalidade do Governo tenha chegado ao extremo de conceder a uma sociedade mercantil regalias e isenções que só se legitimam pela condição de serem privilégio da coletividade ou a ela aproveitarem
[77].

Havia, porém, mais. Vimos que, segundo o contrato, os concessionários tinham o direito de cobrar, pela carga ou descarga, a taxa de 1 real por quilograma; nos volumes de grande volume e pouco peso, essa taxa seria de 3 reis por quilograma. Pelo decreto n. 1.072, de 5 de outubro de 1892, determinou-se , porém, se substituísse essa cláusula pela seguinte:

Pela carga e descarga de mercadorias e quaisquer gêneros no cais que possuírem em virtude da presente concessão, os concessionários terão o direito de cobrar um e meio reis por quilograma.

Pretendeu-se logo que havia a empresa aumentado de metade suas taxas. A alegação impressionou tanto, que passaram os anos sem desfazê-la em certa parte do espírito público. No preâmbulo do decreto lia-se que tinham os concessionários requerido a reforma, baseados na "conveniência de abreviar e facilitar o expediente das mercadorias que transitavam pelo cais e as vantagens que daí adviriam ao comércio". Segundo o libelo de 1894, este foi o comentário:

Depois de ler esta peça, ninguém dirá que a justificativa não é digna de objeto. Realmente, aumentar de 50% os preços de carga e descarga de mercadorias, sob o pretexto de fazer vantagens ao comércio, facilitando e abreviando o expediente do cais, se não é pilhéria, é tudo quanto se pode imaginar de mais estupefaciente, inaudito, é o ato pelo qual o Governo da União, aquinhoada como já se achava a empresa do cais de Santos, com toda a espécie de regalos e impunidades, ainda se lembra de lançar um novo imposto sobre o Estado de São Paulo, um novo ônus sobre o seu comércio, em benefício exclusivo dos felizes contratadores da famigerada obra [78].

Essa acusação, ainda que improcedente desde o nascedouro, ia deitar muita tinta a correr. Mais valiosa que quaisquer argumentos, era a interpretação do autor da medida, o ministro Serzedello Corrêa. Por ela vivamente atacado, defendeu-se mais de uma vez. Estas foram suas palavras na Câmara dos Deputados, dois anos depois, quando, na questão da Alfândega de São Paulo, se reeditaram os artigos do Diario Popular, e se renovaram, mais de uma vez, a este e outros propósitos, os argumentos ali estampados (29 de setembro de 1896):

Entre as acusações que me foram dirigidas, há uma que mereceu da parte do sr. Ministro da Fazenda a máxima consideração e que foi trasladada para as colunas do Diario Official, na exposição de motivos que s. ex. juntou ao decreto n. 2.291, de 28 de maio deste ano.

Segundo se lê nesse documento, s. ex. diz que pelo decreto número 1.072, de 5 de outubro de 1892, foi aumentada de 50% a taxa de carga e descarga, constituindo isso um favor por mim feito à Companhia de Docas.

A Câmara vai ver a que reduz essa acusação.

Pelo primitivo contrato das Docas, havia duas taxas de carga e descarga – uma de três reis por quilo para grandes volumes e pouco peso, outra de um real por quilo para os volumes que não estivessem compreendidos na primeira categoria.

Com essa disposição contratual, chegado um navio carregado no cais, atracado este e feita a descarga, era necessário proceder ao trabalho de classificação de seus volumes, colocando-se de um lado os que fossem grandes e tivessem pouco peso e do outro os demais volumes.

Compreende a Câmara, e perfeitamente, quanta demora no serviço aduaneiro traria semelhante operação e, ao mesmo tempo, quantas questões não se suscitariam nessa classificação sem bases fixas e definidas, porquanto as expressões – grande volume e pouco peso – sem determinação de unidade, são completamente vagas e indefinidas e o que fosse grande volume de pouco peso para a Companhia, poderia não sê-lo para o consignatário de uma mercadoria, cujo interesse estava em que todos os seus volumes pagassem a menor taxa.

Atendendo a estas dificuldades de execução dos serviços aduaneiros, tratei de adotar uma taxa uniforme e única para todos os volumes desembarcados ou embarcados naquele porto.

Tinha, portanto, de procurar uma taxa média entre as duas taxas de um real e de três reis do contrato primitivo. A taxa média aritmética entre essas duas seria a de dois reis. A verdadeira média, porém, seria a resultante da soma dos produtos, de um lado o peso dos volumes grandes de pouco peso pela taxa de três reis e de outro o dos outros volumes por um real, dividida essa soma pela de todos os volumes embarcados e desembarcados naquele porto.

Isto é claro e evidente, para quem tem noções elementares de aritmética. A determinação, porém, dos grandes volumes de pouco peso era impossível, pelas razões que expus à Câmara, porquanto esbarrava-se principalmente, diante da dificuldade de saber-se o que eram esses grandes volumes de pouco peso.
Adotei, porém, a taxa uniforme de um e meio real por quilograma de mercadoria e não a de dois reis, como pedira a Companhia, e depois de ter ouvido a Secretaria da Indústria e o Tesouro; daí concluiu o sr. ministro da Fazenda que foi aumentada de 50% a taxa primitiva.

O ministro da Fazenda seria então Rodrigues Alves, o qual, numa passagem de Mensagem (1896), ou melhor, num parêntesis dela, afirmaria esse benefício de 50%:

S. ex. podia dizer que a taxa foi, não aumentada de 50% sobre a de um real do contrato primitivo, mas diminuída de 50% sobre a de três reis daquele contrato. A base de ambas as proposições seria tão pouco verdadeira em uma como em outra dessas proposições.

O que é verdade, porém, é que s. ex. erraria em ambos os casos e enunciaria uma proposição inteiramente falsa, como enunciou em sua exposição de motivos anexa ao decreto n. 2.291 já referido. Não dei aumento algum às antigas taxas da Companhia e, para que se torne isso evidente, lançarei mão de um exemplo qualquer.

Suponhamos que sejam desembarcados 100.000 quilogramas de mercadorias, de que 30.000 sejam grandes volumes de pouco peso e 70.000 não o sejam; o preço de descarga seria, pelo contrato primitivo:

30.000 x 3 =  90$000
70.000 x 1 =  70$000
                 --------
                 160$000

Pelo novo contrato resultante do decreto n. 1.072, por mim arrendado, será:

100.000 x 1,5 = 150$000

Se, porém, em vez de 30.000 quilos de grandes volumes de pouco peso, tivesse o carregamento partes iguais de volumes de uma e outra categoria, o serviço de descarga custaria pelo contrato primitivo:

50.000 x 3 = 150$000
50.000 x 1 =  50$000
                 ---------
                 200$000

Ao passo que pelo novo contrato pagaria apenas 150$000. A proposição do sr. Ministro da Fazenda só será verdadeira para o caso em que nãohaja um único volume grande de pouco peso.

S. ex. constituiu a exceção em regra geral e daí o erro que cometeu. Creio, pois, que não fiz favor algum à Companhia Docas estabelecendo a taxa uniforme de 1,5 real para o serviço de carga e descarga. Tais são, porém, as vantagens que resultam para a União e para o Estado de São Paulo, da execução das obras do porto de Santos, levada a efeito de modo brilhantíssimo pela Companhia Docas de Santos, que ainda mesmo que tal concessão importasse em um favor, não estaria arrependido do meu ato.

Imagem: reprodução parcial da página 58


[71] (N.E.: este verbete não existe no original)

[72] Adolpho Pinto, Caes de Santos, Diario Popular, 14 de julho de 1894.

[73] Sobre a de atracação, julgada excessiva, diria depois o Diario de Santos: "A taxa de atracação que atualmente percebe a Companhia vem a ser: a) por dia e por metro linear de cais ocupado, por navios a vapor – 700 reis; b) por dia e por metro linear de cais ocupado por navios que não sejam movidos a vapor – 500 reis.

"Veja-se agora o seguinte: em representação que a Associação Comercial de Santos dirigiu a 19 de setembro de 1883 ao barão de Guajará, então presidente da Província de São Paulo,indicava que a taxa de atracação fosse para os vapores 1$000 por metro e por dia e para os navios 900 reis por metro e por dia.

"Como pode o comércio se queixar da carestia da taxa que atualmente percebe a Companhia Docas, quando em 1883, 13 anos passados, ele se dispunha a pagar muito mais?" A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 2ª série, cit., pág. 72.

[74] A autorização para a cobrança, de acordo aliás com o contrato, fora dada por outro paulista ilustre, Rodrigues Alves, que se verá censurado e louvado, como ministro da Fazenda e presidente da República, a propósito das Docas de Santos (Avisos de 14 de julho de 1892, do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e 28 de julho de 1892, do Ministério da Fazenda). Vai-se ver que, dando déficit nos outros portos, só no de Santos esse serviço tinha saldo.

[75] Adolpho Pinto, Caes de Santos, Diario Popular, 25 e 27 de junho de 1894. Reunida a Associação Comercial local (21 de julho de 1894), respondeu Candido Gaffrée, neste ponto, às observações do Diario Popular. Entre outras, foram suas palavras: "Estima ter ocasião de falar diante desta assembleia, composta de negociantes que, sendo os diretamente interessados no movimento do porto e encarregados do pagamento das taxas cobradas pela Companhia Docas de Santos, podem atestar com franqueza se ela já arrecadou outras taxas além das que se acham estabelecidas em seu regulamento e que são: quanto aos navios e incluídas no fretamento dos mesmos, as taxas de atracação e de utilização do cais; quanto à mercadoria, as taxas de capatazias e armazenagem, quando as mercadorias são efetivamente guardadas em seus estabelecimentos e mais a de carga, estiva e transporte para a estrada de fero, quando carregadas no cais". Diario de Santos, 25 de julho de 1894.

[76] Ainda aqui não faltaram razões: "Realmente, já é previsto, revidou o dr. Osorio de Almeida com vivacidade, que todas as faculdades de um indivíduo se obliterem e que só esteja em função o sentimento de ódio a uma empresa, para que se vá descobrir em uma medida proibitiva de abusos, adotada em quase todas as estradas de fero, mais uma prova de que "a sorte favorece aos audazes", representados estes pela "comandita do cais…" Bastava, porém, que o ilustre profissional refletisse por poucos minutos para ver que, sem essa espécie de multa imposta ao contribuinte, o cais se transformaria, dentro de muito pouco tempo, em simples depósito inteiramente gratuito. Se ainda refletisse mais, veria que o novo regulamento das estradas de ferro do Estado de São Paulo, em cuja confecção colaboraram naturalmente os interessados, sendo estes representados (também naturalmente) por seu pessoal de engenheiros (chefes dos escritórios centrais, inspetores gerais etc.), estabelece disposição mais ou menos semelhante a essa cláusula 17 do decreto de fevereiro de 1893. Ignorância desse novo regulamento é inadmissível em quem exerce o cargo de chefe do escritório central da Companhia Paulista". Osorio de Almeida, Caes de Santos, Estado de São Paulo, 27 de julho de 1894.

[77] Adolpho Pinto, O Caes de Santos, Diario Popular, 23 de outubro de 1894. As taxas de armazenagem no cais eram inferiores mesmo às das estradas de ferro, à frente das quais se comprazia o dr. Osorio de Almeida em colocar a Paulista. Assim, um volume de 100 quilos e de 250$000 de valor pagaria nas Docas 2$500 no primeiro mês, 5$000 no segundo, 15$000 no terceiro, 20$000 no quarto, 37$500 no quinto e 45000 no sexto, ao passo que o custo seria na Companhia Paulista de 6$000, 15$000, 24$000, 33$000, 42$000 e 51$000 respectivamente.

Concluindo: "Creio que não preciso discutir estes resultados para provar que não tendo a Companhia Paulista os "privilégios" e não podendo exigir que toleremos as "exorbitâncias" exclusivamente inerentes ao fisco, deveria ser o alvo de ataques do ilustre "defensor" dos interesses do contribuinte. "Espero, pois, que s.s., tendo tomado a si o papel de corrigir os males que andam espalhados por este imenso vale de lágrimas, venha amanhã ou depois munido de poderosa armadura, denunciar a Companhia Paulista como autora do crime e ainda maior, e muito maior, do que o que atribui à Companhia Docas de Santos". Osorio de Almeida, Caes de Santos, Estado de São Paulo, 28 de julho de 1894.

[78] Adolpho Pinto, O Caes de Santos, Diario Popular, 20 de julho de 1894. A réplica não se fez demorar: "De fato, pagando-se pelo primeiro decreto um real para mercadorias e gêneros que não tivessem grande volume e pouco peso e três reis para objetos de grande volume e pouco peso, sendo substituídas estas duas taxas, de aplicação difícil e quase impossível, por uma única igual a um e meio reais, qualquer que fosse o volume, que foi o determinado no decreto de 1892, onde se poderá achar esse aumento, esse presente feito à custa dos contribuintes? Não direi que foi na imaginação obcecada pela sede de uma concessão de cais e apenas atribuirei o engano à falta de meditação, de reflexão e o desejo de acusar a tudo quanto se fez de 15 de novembro de 1889 para cá". Osorio de Almeida, Caes de Santos, Estado de São Paulo, 10 de julho de 1894.