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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 6

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 35 a 47:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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PRIMEIRA PARTE (1886-1895)

Capítulo VI

A primeira campanha

Foi quando enfrentou a empresa a primeira campanha. Era particular, mas de inegável projeção nas seguintes, a começar pela oficial de 1896.

Motivaram-na as ampliações e reformas concedidas, em contraste com a marcha com que se construía o cais. De fato, porém, havia alguma coisa mais, a miragem dos lucros que já começavam a colher os contratantes, nas taxas outorgadas para retribuição do seu esforço e do seu capital, e nos dividendos distribuídos. Certa publicação semestral, sobre o que constituiria depois no Brasil o melhor emprego de dinheiro, agia como estimulante
[43].

Veio a lume a campanha de 1894, numa série de artigos publicados durante o mês de junho, no Diario Popular, da capital do Estado de São Paulo, pelo dr. Adolpho Pinto, chefe dos escritórios técnicos da Estrada de Ferro Paulista. Tão grande foi a ofensiva que quem lhe respondeu, outro engenheiro não menos ilustre, o dr. Osorio de Almeida, a filiou, no Estado de São Paulo, a ressentimentos oriundos da concorrência, em que saíram vitoriosos José Pinto de Oliveira e outros
[44], bem como ao desejo, diante das perspectivas financeiras que a empresa revelava, de construção de um novo cais [45]. Reconciliados os dois contendores, tarde na vida, não deixou o segundo de revidar, com a mesma ênfase, às investidas do primeiro.

Não tomava luvas o ataque. Obra de desafronta e de reivindicação
[46], enfrentou a empresa no atraso das obras, no privilégio da concessão, na ampliação do capital, no valor das taxas, na ambição de seus dirigentes.

"Favores sorrateiramente arranjados", "magia de alta escola", "ousados atentados contra a bolsa do mísero contribuinte paulista", "audácia em pedir só comparada à facilidade e prontidão do Governo em ceder", "milhares de contos de réis desviados dos cofres públicos e distribuídos de mão beijada pelos afortunados contratantes do cais", "grosso contrabando", "suprema munificência oficial, interminável derrama de graças em favor da comandita do cais", "polvo imenso", "terrível cefalópode", "ninho de escândalos", "mina que lembrava as do Potosi", tais as expressões com que se vestia.

Pouco importava que os signatários dos atos oficiais tivessem sido, até então e desde o início, Antonio Prado, Rodrigo Silva, Lourenço de Albuquerque, no Império; Francisco Glycerio, barão de Lucena, Antão de Faria, Serzedello Corrêa, Paula e Souza, na República. Ainda bem que o lado técnico se salvava, e com que depoimento:

A Companhia Docas de Santos e seus distintos engenheiros bem merecem do Estado de São Paulo pela aprimorada execução que têm dado às obras a seu cargo, as quais constituem realmente o que se pode chamar um capo lavoro da hidráulica moderna.

Infelizmente, porém, o zelo e a competência revelados pelos encarregados da direção técnica das obras estão muito longe de poder absolver a empresa das grandes responsabilidades que lhe pesam, quer pela incompreensível lentidão com que os trabalhos têm sido executados, quer em vista dos extraordinários ônus que custam seus serviços.

Pequena no momento, viu-se, depois, a repercussão que a campanha teria durante toda a vida da empresa porque, sendo as taxas as de seu contrato, iriam dizer-se, aqui e ali, ilegais; nada tendo de opressivas, ao contrário libertando, sobretudo naquele momento, o porto de despesas enormes, se chamariam agora e sempre de abusivas; e baseando-se numa concessão pública, publicamente realizada, o qualificativo que depararia intermitentemente seria o de menos lícita.

Até o próprio Diario de Santos pareceu ceder (7 de julho de 1891):

Temos sido os primeiros a reconhecer os importantíssimos serviços, tanto sob o ponto de vista comercial, como sob o ponto de vista da salubridade do porto, que as obras do cais vão prestar e já estão prestando à nossa terra. Compreendemos que a obra gigantesca deva ter uma compensação equivalente, tanto mais quanto os gastos feitos pela empresa excedem em muito o custo calculado. Isto, porém, não é motivo para se impor ao contribuinte taxas exageradas e exigir dele sacrifícios intoleráveis. Nestas condições, o cais não é um benefício, mas um verdadeiro ônus, um perfeito presente de gregos.

Ia, porém, escusar-se depois, em 1896, quando lhe lançassem em rosto a deserção:

O engenheiro Adolpho Pinto em uma série de artigos publicados em 1894 no Diario Popular, tomou como estribilhos das acusações que levantou contra a companhia "os ousados atentados que ela preparava contra a bolsa do mísero contribuinte paulista".

Fomos do número daqueles que se abalaram com esses escritos, especialmente pela fonte donde vinham e pelo tom acrimonioso, aparentando verdade, com que eram escritos.

Mais tarde lemos a refutação cabal, exata e meditada que lhe opôs o engenheiro civil Osório de Almeida, e dissiparam-se, de todo, as impressões que nos deixaram aqueles escritos, arraigando-se em nosso espírito a convicção de que muito merece aquela companhia, à qual se devem incontestavelmente o desenvolvimento comercial do Estado de São Paulo, em suas relações marítimas e internacionais, e o grande aumento das rendas federais na Alfândega de Santos. Os fatos vieram provar o contrário do que afirmara o dr. Adolpho Pinto.

Começava, então, a arguição, tantas vezes ouvida depois, sobre: o aumento do capital da empresa; a extensão do seu privilégio; a ampliação do prazo de concessão; o atraso dos trabalhos; a procedência e o valor das taxas cobradas. Nenhuma companhia, nacional ou estrangeira, de portos, estradas de ferro ou qualquer indústria, estaria, assim como essa, perenemente na berlinda.

Tal, para começar, a elevação do capital inicial. Não falemos da outra, a correspondente ao aumento gradual dele, à medida que o cais avançasse, porque impossível seria negar que, para as obras, na sua concepção total planejada, correspondessem, afinal, despesas crescentes. Estava Santos no auge de sua crise e, para resolvê-la, dispôs-se o Governo Federal a não fazer sacrifícios. Apresentou a Companhia um memorial justificativo de suas dificuldades, no qual se lia (12 de junho de 1892):

É, pois, de todo ponto justo que o serviço para ser feito em condições normais, seja o seu orçamento elevado ao dobro.

O trecho do cais entre a ponte velha da São Paulo Railway e a Capitania foi orçado pelo dr. Saboia e Silva em 5.290:373$550.

O trecho da ponte velha até o enrocamento que precede a ponte nova da São Paulo Railway foi orçado pelo dr. Weinschenck, com as mesmas bases, em 560:504$333, somando os dois 5.850:877$833, que deve ser elevado ao dobro, 11.701:755$766.

Correspondeu o governo a esse apelo, com o decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, pelo qual o capital foi elevado a 11.701:755$766, mais 2.925:438$941 pelo trabalho de noite, a que estava obrigado o pessoal, e pelo estrago do material assim posto à prova – total 14.627:194$707. Era, sem dúvida, favor, mas acarretando ônus grandes. Cobriam estes aqueles? Tal a questão. Ia pagá-la caro a empresa na oposição dos anos futuros, 1909 sobretudo, quando se chegaria a pretender que o próprio decreto, numa inversão de tudo, tivesse sido proposto, senão redigido e mandado executar, pela empresa [47]. Este diálogo foi, então, característico do tom a que chegaria o debate (Senado, 10 de novembro de 1909):

O SR. SEVERINO VIEIRA – Não importa absolutamente que, para se chegar a esse resultado, que dependia apenas de um acordo de vontades entre o Governo e os concessionários, não se tivessem percorrido todos os turnos da burocracia.

O caso era para ser ponderado e considerado em linhas gerais; e o Governo, apreciando a situação do negócio, entendeu que devia atender ou concordar com os concessionários, elevando o capital primitivo; as razões desse ato constam do próprio contrato e é muito de supor que, ao tempo em que foi publicado o contrato, ele merecesse, senão aplausos, pelo menos a aprovação da ilustrada representação de São Paulo e do próprio sr. Senador que agora se revolta…

O SR. ALFREDO ELLIS – V. ex. não pode provar isso.

O SR. SEVERINO VIEIRA - … e que, naturalmente, deixou que o decreto transitasse e corresse mundo, inteiramente isento do seu escalpelo e de suas triturações.

O SR. ALFREDO ELLIS – Peço a palavra.

O SR. SEVERINO VIEIRA – S. ex. era já então tão bom representante de seu Estado como o é hoje e é preciso dizer já que, por essa ocasião, a ilustre representação de São Paulo culminava no Governo da República, influindo diretamente sobre as deliberações do Governo, pelo grande prestígio que gozava, e, principalmente, porque em seu seio formavam os mais notáveis pro-homens do regime.

De fato, nada arguiu o a esse tempo deputado por São Paulo, ou nenhum outro, contra o ato que, então, só nas colunas do Diario Popular e pela mesma pena, se disse fruto de nímia condescendência. Ali o argumento foi este:

Ao passo que, pelo contrato primitivo, o comércio tinha de pagar, pelos serviços do cais, taxas que remunerassem o capital de 5.850:877$883 reis, as quais seriam reduzidas, quando os lucros líquidos da empresa excedessem de 12%, pelo contrato inovado terá de pagar taxas destinadas a remunerarem o capital de 14.627:194$707 reis até o mesmo juro de 12% [48].

Se prevalecia o argumento do Diario Popular, aceitando o aumento recente das tarifas ferroviárias até 40%, porque não haveria de se reconhecer situação idêntica no cais? Perguntou-se a propósito. "É sabido, escrevera o dr. Adolpho Pinto, que, por um extraordinário concurso de elementos perturbadores, atuando simultaneamente sobre a economia das nossas estradas de ferro, tiveram as respectivas companhias as suas receitas reduzidas ao ponto de serem quase completamente absorvidas pelos encargos multiplicados das despesas. Em tão grave emergência, nada mais justo do que pedirem ao Governo a elevação de suas tarifas". Ao que respondeu Osorio de Almeida:

Antes de qualquer outro assunto, cumpre-me acompanhar o sr. dr. Adolpho Pinto nos merecidos elogios que dirige ao Governo do Estado de São Paulo, no aumento que concedeu às tarifas das suas estradas de ferro, tornando-o função da taxa cambial. Realmente, seria incompreensível que, diante de uma grande elevação dos preços de todos os objetos e de todos os salários, devia especialmente à profunda depressão no valor da nossa moeda, só se conservassem fixos e invariáveis os preços dos transportes, quer de cargas, quer de passageiros. Era essa uma medida necessária e urgente; e sem sua adoção, talvez estivéssemos hoje presenciando o tristíssimo espetáculo de empresas, outrora prósperas e ricas, constituídas unicamente de capitais brasileiros, verem-se sujeitas a liquidações forçadas, serem postas em leilão e daí passarem talvez para o poder do capital estrangeiro. Nada mais natural, também, do que ligar o efeito à sua causa, isto é, estabelecer uma relação entre esse aumento e a taxa cambial, causa perturbadora de todos os orçamentos e das nossas condições econômicas. Estamos de perfeito acordo a esse respeito.

Não concordamos, porém, quando s.s., justificando plenamente esse aumento, concedido não de direito e sim graciosamente, pela baixa de câmbio, cuja taxa ínfima tende a tornar-se permanente, condene com expressões violentas a elevação autorizada do capital do cais, determinada também pelas mesmas causas acima apontadas. Mesmas causas, mesmos efeitos; se a baixa de câmbio produzindo elevação dos salários e do material obriga à elevação dos preços dos transportes, deve obrigar necessariamente à elevação do custo das obras do cais, que haviam sido orçadas em 1886, quando o nosso mercado de câmbio se achava em condições magníficas.

Tinha, de fato, a Companhia suas razões, e não eram pequenas. Aliás, o decreto as exarou no preâmbulo [49]. Numa série de artigos, a se publicarem depois (1896) no Diario de Santos e reunidos em volume [50], vieram todas à chamada.

Por alto, eram as seguintes: 1) A depressão cambial; quando as obras tinham sido orçadas, o câmbio estava a 26 dinheiros por mil réis; no ano de 1892, em pouco mais de 10, circunstância relevante, pois, com exceção de pedra e da areia, tudo vinha do estrangeiro. 2) O aumento dos salários; todo o trabalhador sem ofício recebia, em 1886, 1%600 a 2$000 por dia; em 1892, 6$000. 3) A elevação dos fretes; estes custavam, naquele ano, da Europa ou dos Estados Unidos da América para Santos, 25 a 30 (vapor) e 15 a 20 shillings (vela). A alteração tinha sido, respectivamente, para 70 a 75 e 30 a 36 shillings. 4) As dificuldades na execução das obras, pelos embaraços técnicos e a febre amarela; o cais, uma vez construído, seria o grande saneador; mas, até lá, numerosas as vítimas: 1889, 627 óbitos; 1891, 1.019; 1892, 1.823; 1893, 1.668. O Relatório da Diretoria da empresa (1894) referia, por outro lado, o que foram alguns obstáculos técnicos até então vencidos:

Devido a enormes dificuldades encontradas no subsolo, há mais de seis meses que, nesse lugar (enrocamento que precede a ponte velha da Estada de Ferro) se faz um trabalho insano de extração de grande quantidade de trilhos afundados em alguns batelões, desde muitos anos, e que, de envolta com pedras e areia do aterro e enrocamento, tornam demorada e sobremodo dispendiosa a terminação desse trecho.

Continuando o trabalho para o acabamento desse resto de muralha, entendeu o ilustrado engenheiro conveniente retirar dali as grandes e pesadas máquinas que, sobre o andaime, aceleraram a construção da mesma, passando-as para o extremo oposto a fim de dar princípio ao prolongamento da Alfândega a Paquetá, cujo serviço se começou a executar pelo difícil trabalho de arrebentação da laje submarina existente em frente ao local onde funciona a Guardamoria da Alfândega; demolição da pontes pertencentes a essa repartição e da ponte e passadiço da Companhia de Paquetes de Hamburgo.

Ninguém, porém, com mais autoridade que o ministro signatário, para explicar a decisão de Floriano Peixoto, homem de fechos duros em matéria de favores. Fê-lo Serzedello Corrêa na Câmara, dois anos depois, quando por ela censurado (23 de outubro de 1896):

O cais de Santos, concedido nos termos da lei de 1869 quando nós tínhamos o câmbio a 27,não foi um escândalo. Esta lei sábia é meditada, acauteladora dos interesses da Nação e tanto assim que ainda hoje nós procuramos construir o cais desta Capital e quem nos dera poder construir o cais do Pará, e o do Recife e os de todos os portos importantes, de acordo com os termos da referida lei.

Pois bem, foi em virtude dessa lei que se mandou proceder às obras do cais de Santos, obras que, no tempo em que eu era ministro, estavam sendo executadas demoradamente pela empresa, e que haviam sido contratadas quando o câmbio estava a 24 ou mais alto e ninguém cogitava que pudessem vir a ser executadas a câmbio de 9 ou de 10, tendo eu necessidade de obrigar a empresa a construir duas ou três vezes mais extensão de cais do que até então tinha sido construído a esse câmbio.

Quanto prejuízo não vai aí em dinheiro, em material, em salários elevados? Então os nobres deputados não vêm isto? Pois é justo que o capital de cinco mil contos fosse mantido? Pois essa obra valia então construída até o limite que determinei, apenas cinco mil contos: Cinco mil contos custou o palácio em que vai morar o sr. presidente da República! O que era, diante das grandes despesas que ia fazer a Companhia, o capital de cinco mil contos? Não era justo elevar esse capital ao duplo, quando tudo, salário, material, mão de obra, tudo havia triplicado de preço? Pois então o Governo exige despesas grandes e triplicadas, pressa, não atende à crise, não atende às dificuldades de transporte, não atende à falta de operários, não atente à peste, não atende a nada e deve manter o mesmo capital, como se a obra fosse construída ao câmbio de 27?

O mesmo decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, havia fixado a multa de 500 contos de réis, caso não concluísse a Companhia, entregando ao tráfego, dentro de seis meses, o trecho do cais contado desde o ponto em frente ao ex-Arsenal de Marinha até o enrocamento que precedia a ponte inglesa.

Entendeu a União de apelar para a empresa, com o fim de pôr cobro à terrível situação do porto, apelo que foi aceito e que se não pôde ser cumprido no prazo, o foi logo depois. Por isso, teve a Companhia que enfrentar também crítica, atenuada então, severa mais tarde. "De sorte que, acentuou o Diario Popular (15 de junho de 1894), em última análise, não só a empresa deixou de ser multada por não ter concluído as obras em tempo, como lhe foi prorrogado o prazo por mais cerca de dois anos…" Em 1896, para não ir adiante, ouvirá o Senado, a propósito da relevação de multas e do atraso nas obras (Moraes Barros, 23 de novembro):

De 1892 para cá, quanto tempo tem decorrido! As obras que deviam estar prontas em 1891, pela primeira vez, que deviam estar prontas em 1892, pela segunda vez, ainda hoje não estão inteiramente concluídas. As obras feitas estão prestando muito bom serviço, não há dúvida, mas ainda não estão concluídas. E onde estão as multas? Onde está a sanção imposta aos concessionários por esta infração do contrato? Não houve nenhuma; eles têm encontrado em todos os governos uma bonomia excessiva; de quem não exige a observância dos contratos celebrados.

A bonomia dos Governos – três deles, aliás, paulistas, uns após outros,no Palácio do Catete – não era, entretanto, a compreensão de fato de elementos de força maior, atuando na construção do cais? Assim o depoimento ainda de Serzedello Corrêa, em carta a Candido Gaffrée, muitos anos depois, pois essas e outras acusações, apesar de destruídas, viriam de vez em quando à tona. Não se podia ter quadro mais flagrante das condições do porto dois decênios antes, nem dos esforços desenvolvidos para vencê-las (1909):

Ao assumir a direção dos negócios públicos nesse departamento por ordem do marechal Floriano, já lavrava intensa aqui nesta Capital e em Santos a crise de transporte. Os prejuízos do comércio dos estados de São Paulo e Minas subiam a muitas dezenas de milhares de contos, desorganizados os serviços da Estrada de Ferro Central, entupidas as ruas de Santos com mercadorias espalhadas por toda a parte, agravando-se esta situação com reclamações estrangeiras de indenizações, algumas de caráter grave, pelos prejuízos devidos à impossibilidade de descarga e morosidade dos transportes. Em uma reclamação da Associação Comercial de Santos, se falava já em prejuízos superiores a sessenta mil contos de réis.

De relance vi a gravidade do momento e, para corresponder à confiança do marechal, que me pedia que o ajudasse e remediasse o mal, nomeei o general Souza Aguiar, então tenente-coronel, diretor da Estrada de Ferro Central, tendo o sr. dr. Passos recusado a nomeação, com carta branca para fazer tudo o que fosse necessário para normalizar a remessa das mercadorias para o interior; e parti para Santos para providenciar aí eu mesmo em pessoa. Aí reuni os sr. Speers, superintendente da Estrada Ingleza, e v. s., representante das Docas de Santos, depois de ter pessoalmente estudado a situação e examinado a extensão da crise e o volume dos prejuízos.

E desejando conjugar os esforços com a São Paulo Railway:

Não tinha a satisfação de conhecer pessoalmente nem a v. s. nem ao sr. Speers.

O superintendente da Companhia Ingleza tomou o compromisso de fazer subir quatro carros em vez de três nos planos inclinados da linha, trabalhando à noite e instalando em prazo curto a luz elétrica na linha; entregar ao tráfego mais dois vagões conforme julguei conveniente. O sr. Speers achava necessário ainda prolongar a ponte velha de descarga e isso podia fazer em seis meses, ao passo que as Docas só poderiam chegar ali dentro de três anos.

Não me pareceu isso conveniente; essa solução retardava o saneamento de Santos, trazia futuros embaraços às obras do cais, era uma medida provisória e um trabalho de mau aspecto. E, então, voltando-me para v. s., perguntei: Não pode a empresa do cais levá-lo em breve tempo ao ponto desejado? V. s. respondeu-me: Sim, se o governo nos der meios. Então acrescentei: Tenho ordens do marechal para oferecer-lhe todos e dar o que for preciso. Diga o que quer e eu resolverei imediatamente.

Nas suas próprias palavras, não regateou favores à empresa, tinha para isso fortes motivos:

1º) porque eram grandes os sacrifícios que lhe impunha para fazer em seis meses o que deveria fazer em três anos; 2º porque resolvia de vez a crise e fazia cessar prejuízos colossais para a União e para o Estado; 3º) porque resolvia desde logo o saneamento de Santos; 4º) porque fazia calar todas as reclamações estrangeiras; 5º) porque contribuía para aumentar as rendas da União, pois é sabido que as rendas da Alfândega excederam logo no primeiro mês ao dobro do que se arrecadava; 6º) porque se tratava de uma empresa nacional; 7º) porque era razoável, justo e moderado o que concedi eu à empresa; 8º) porque impus pesadíssima multa, se a empresa faltasse de um dia sequer ao que se obrigava.

A v. s. pedi que reduzisse a escrito o resultado da nossa conferência, recebendo eu então um memorial.

Sobre a relevação dessa multa, pareceu à Companhia que o nome, que a assinava, à vista das informações de sua secretaria e de documentos oferecidos, era bastante para livrá-la de suspeita: Antonio Francisco de Paula e Souza, paulista, então ministro da Viação e Obras Públicas (4 de agosto de 1893) [51].

Houve as demoras judiciais, oriundas de embargos sobre terrenos de marinha e da ponte inglesa, uma das quais só solvida quando faltavam poucos dias para a terminação do prazo de seis meses [52]. Em longa representação, confirmada por outra mais breve, seis meses depois, explicou a Companhia os motivos que lhe assistiam para obter essa relevação. O maior de todos foi a falta de braços, devida à febre amarela e às outra condições pouco sanitárias do porto. Cerca de dois mil trabalhadores provenientes da Europa e dos Estados, conseguiu ela, malgrado as dificuldades descritas adiante; mas uma vez chegados à cidade, se dispersavam em busca de melhor clima, onde os gêneros necessários à vida fossem mais baratos (17 de janeiro de 1893):

Toda a cidade de Santos é testemunha que os trabalhadores ali chegados para as obras do cais, foram trazidos dos vapores para terra nas nossas embarcações, aceitaram os nossos alojamentos e, quando chamados ao serviço, nos declaravam que não queriam ficar, que não eram escravos e, sem que houvesse mais de constatar, nem de fazê-los indenizar-nos das despesas com eles feitas até ali, seguiam para o interior ou conservavam-se ali em serviços menos penosos.

A todas estas dificuldades com o pessoal temos de acrescentar outras de todo o gênero, como sejam: - o não recebimento de máquinas pedidas por telegramas para a Alemanha, devido ao aparecimento da cólera naquele país, a impossibilidade da Companhia de Liverpool, Lamport Holt, fazer a entrega de máquinas vindas em seus vapores, em agosto, e que, por maiores esforços que empregássemos, ainda hoje não temos.

A falta de pessoal e de algumas máquinas obrigaram-nos a uma enorme aglomeração de cimento e outros materiais recebidos da Europa e dos Estados Unidos e que, se o serviço houvesse tido todo o movimento projetado, teriam imediatamente aplicação, mas devido aos casos de força maior mencionados, estão guardados, em Santos, nos barracões construídos para isso, e em armazéns particularmente alugados para depósito.

Além disso, havia a falta de operários especializados, numa obra então desconhecida no país, além das dificuldades oriundas dos embargos de posseiros, um dos quais foi levantado apenas alguns dias antes de terminados os seis meses preceituados.

A todas estas dificuldades acresceram outras técnicas, devido à má qualidade do terreno, que obrigou-nos, na construção de cem metros, a dar muito maior espessura ao maciço de concreto, atingindo esse aumento a 5,70 metros, o que elevou de mil metros cúbicos o concreto nessa extensão; a empregar fortes camadas de ferro julgadas necessárias para garantir a perfeita resistência do mesmo, além da remoção de um navio submergido nessa parte do litoral com grande quantidade de mercadorias etc.

Que, só devido à impossibilidade absoluta, deixa da Companhia de construir todo o serviço determinado no decreto n. 942; fez entretanto, com enorme dispêndio de dinheiro, e não se poupando a sacrifícios de qualquer natureza, serviço de ordem a sanear essa parte do litoral, cobrindo com aterro as infectas ruas de suas margens, canalizando os riachos existentes nesse trecho, concluindo 200 metros de muro do cais, tendo 400 metros de corrimão prontos, recebendo concreto, aprontou a cantaria necessária a todo o trecho, tendo acabado o corrimão com 200 metros e concluído o primeiro lance do n. 2, o que permitiu à Alfândega descarregar para esse armazém as mercadorias existentes em mais de cem pontões, fazendo desaparecer a necessidade desse flagelo do porto.

Apoiando-se numa declaração do comércio local, que reconhecia os esforços da empresa, juntou ela, depois, entre outras, esta argumentação (18 de julho de 1893):

Para conseguir este resultado, tem a Companhia continuado a envidar todos os esforços, trabalhando dia e noite, tanto quanto lhe permite o pessoal e máquinas de que dispõe, e, se mais não tem conseguido, é que, além das causas já expostas, outras vieram demonstrar a impossibilidade absoluta de fazer-se o serviço completo, no prazo estipulado na cláusula 2ª do decreto n. 942, de 15 de julho de 1892: o enorme aumento da dragagem que atinge hoje a mais de 250 mil metros cúbicos, já escavados, quando a cubação total do orçamento da obra é de oitenta mil metros cúbicos; o aterro correspondente a essa dragagem; a maior profundidade a que tem sido obrigada a levar o muro, por não poder concordar com a prática de encher o espaço entre a base do muro projetado e o fundo da escavação, com cascalho, como está indicado no projeto do sr. dr. Saboia.

É necessário, por conseguinte, levar-se o muro de concreto até esse fundo, pois que, de outra forma, ficaria comprometida a solidez do muro. Para prova disto, basta considerar que ao processo de escavação não oferece resistência, o deslocamento lateral desse cascalho, com que, sem dúvida, contava o autor daquele projeto.

Ocorre, ainda, a importante circunstância de que não se pode dar à construção do monólito maior celeridade do que a empregada até agora, sob pena de prejudicar-se a solidez da obra.

Descreveu um depoimento do tempo o que foi a falta de pessoal, que a febre amarela dizimava, quando não afugentou [53]:

Para cumprir exatamente o compromisso imposto pela cláusula 1ª do decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, a Companhia imediatamente encomendou para o estrangeiro as máquinas e materiais de construção de que precisava, e que não encontrou nos mercados do Rio, Santos e São Paulo.

Ao mesmo tempo, enviou agentes a diversos estados, em busca de trabalhadores oferecendo elevadíssimos salários, além de médico, remédios e alojamento gratuito, conforme fez anunciar nos jornais de maior circulação.

Ainda mais: - dava-lhes, por sua conta, passagem até Santos.

De algumas turmas conseguidas em Minas, no interior de São Paulo e Rio, nenhum só trabalhador chegou a Santos. A notícia das epidemias que nesta cidade reinavam desviava-os, em caminho, para outros serviços, especialmente da lavoura.

A Companhia procurou outros meios.

Enviou agentes aos estados do Norte. Conseguiram eles no interior das Alagoas uma turma de 400 ou 500 trabalhadores que se dirigiram a Maceió para embarcarem com destino a Santos. O governador daquele estado impediu a saída, obrigando a Companhia a perder as grandes despesas que tinha feito.

O dr. José Dias Maynard, amigo dos diretores da Companhia, ofereceu-se, graciosamente, a mandar vir de Sergipe trabalhadores para as obras do cais. Dispondo de numerosas relações naquele estado, o dr. Maynard pôde conseguir para a Companhia 600 trabalhadores, práticos em serviços de estradas de ferro. Achavam-se já em Aracaju a bordo do vapor Ondina, fretado para esse fim, quando o governador daquele estado fê-los desembarcar.

Devido à intervenção do ministro da Agricultura, então o ilustre dr. Serzedello Corrêa, consentiu o governador de Sergipe que seguissem para Santos aqueles trabalhadores, com a condição porém da Companhia tomar o compromisso de repatriá-los. Assumida esta responsabilidade, o governador não se satisfez; continuou a proibir a saía e até mandou recolher à cadeia o encarregado do embarque, em Aracaju.

Ainda não desanimou a Companhia.

Mandou agentes à Bahia, de onde vieram nos vapores do Lloyd Brasileiro, à sua custa, cerca de 300 trabalhadores. Passando pelo porto do Rio de Janeiro, em sua maior parte foram engajados para outros serviços, chegando a Santos menos de 50! Encomendou pessoal no Paraná, no Rio Grande do Sul e enviou agentes a Santa Catarina.

Destes estados e da Capital Federal, conseguiu a Companhia trazer aos seus serviços cerca de 2.000 operários, além de 500 que a Companhia Metropolitana, com autorização do ministro da Agricultura, mandara vir das obras dos portos de Lisboa e de Leixões para as do cais de Santos.

Infelizmente, entrava o verão de 1892, e sabem todos como nesse ano se desenvolveram as epidemias da febre amarela e da varíola. O pessoal dos estados do Sul e da Europa não se sujeitou ao clima de Santos, ainda agravado com aquelas epidemias.

Toda a cidade de Santos deve lembrar-se de que turmas inteiras de trabalhadores aqui chegados para as obras do cais, aceitaram os alojamentos da Companhia, e negaram-se aos serviços, seguindo para o interior em procura de outro destino, sem que a Companhia pudesse ao menos obrigá-los a indenizar as despesas que com eles fizera até Santos
[54].

São de ver, na Câmara dos Deputados e no Senado de então (1892), os protestos que as medidas de recusa, adotadas por alguns estados setentrionais, suscitaram da representação paulista, no mês de agosto. Tavares Bastos falou no segundo, em defesa de Alagoas [55], de clima magnífico, ao passo que São Paulo era "cidade pestilenta", em que os filhos do Norte encontravam morte certa pela febre amarela, "terra inabitável que só serve para os naturais".

Respondeu-lhe Campos Salles, na defesa do Estado. Parecia-lhe que o Governo de Alagoas não era tutor de seus cidadãos, para lhes impedir a saída, tanto mais quanto não havia promessas falazes em Santos [56]. E Alfredo Ellis, que se salientaria, depois, por uma campanha anual contra a empresa, que, então, supunha estrangeira, não discorreu menos, a propósito de um telegrama de Maceió (Câmara, 22 de agosto de 1892):

O SR. ALFREDO ELLIS – Não foram os lavradores de São Paulo que mandaram buscar trabalhadores, foi uma firma desta capital que arrematou o serviço do cais de Santos, a qual forçada pelo ministro da Agricultura na sua recente viagem a Santos, obrigando-a à multa de 500 contos de réis a completar a obra até dezembro; forçada pela necessidade e não encontrando trabalhadores em número suficiente, mandou agentes por toda parte em busca de pessoal necessário para dar completa a obra em dezembro, a fim de ficar aliviada da multa de 500 contos de réis que lhe é imposta, se não completar a obra nesse prazo.

Esta firma é estrangeira.

O SR. VINHAES – Não senhor, é brasileira; o sr. Gaffrée é do Rio Grande.

O SR. ALFREDO ELLIS – Ignorava esta circunstância; mas tendo absoluta necessidade de adquirir pessoal, tanto podia ir buscar a Alagoas como a qualquer outro estado.

Depois, o sr. Governador de Alagoas mostrou com isto um espírito acanhado, arbitrário, e o orador não sabe como possa ele, sendo republicano, expedir um telegrama da ordem desse a que se refere. O Estado de São Paulo não tem necessidade absolutamente alguma de ir demorar o progresso dos outros estados, tirando-lhe os trabalhadores. Pelo contrário, ainda há poucos meses, o vice-governador de São Paulo fez dois contratos de imigração, sendo um de 50 ou 40 mil imigrantes para suprir as necessidades e aumentar a prosperidade do estado de São Paulo.

Deve-se conservar o devido respeito aos estados pequenos; o orador e seus colegas desejam manter para com eles o espírito de fraternidade porque não desejam a outrem aquilo que não querem para si.

O Estado de São Paulo tem ido até ao ponto de repatriar famílias de colonos que perderam o seu chefe; não irá pôr peias ao progresso do Estado de Alagoas, deixando-o sem trabalhadores.

Sustentando que o remédio para a situação do porto estava em construir duas ou três pontes provisórias; em obrigar a São Paulo Railway a duplicar sua linha e, não podendo, em autorizar a construção de outra; e, por fim, instituir uma alfândega em São Paulo, disse ainda na Câmara Federal o mesmo deputado Alfredo Ellis (31 de maio de 1892):

A aglomeração de cargas, a acumulação de mercadorias no desprotegido porto de Santos é tão grande, sr. presidente, que navios têm ali estacionado por mais de um ano à espera de descarga.

Os fretes, sr. Presidente, são três vezes mais pesados, da Europa a Santos, do que da Europa aos antípodas!

O infeliz porto de Santos é tido em horror pela marinha mercante estrangeira, e se não tomarmos prontas e sérias providências, em breve será riscado das praças comerciais!

Para agravar esta situação calamitosa, para cúmulo de infelicidade, o estado sanitário do porto de Santos é péssimo, tanto que, segundo informações fidedignas de sessenta e cinco capitães de navios que tiveram a desdita de ali estacionar, sessenta e três sucumbiram vitimados pela maldita febre amarela. Navios há que perderam toda a sua tripulação!

Seu futuro contraditor já ensaiava também as armas, surpreso, aliás, que os construtores do cais houvessem assumido o compromisso dos seis meses (Senado, 22 de agosto de 1892):

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Os construtores do cais de Santos, pessoas bem conhecidas nesta capital, muito respeitáveis negociantes, muito honrados e honestos, aceitaram com grande sacrifício esta imposição e obrigaram-se a construir o cais até à ponte da estrada de ferro inglesa até o dia 31 de dezembro, sujeitando-se a uma multa de 500 contos de réis.

O orador não é engenheiro, mas julga que esses cidadãos foram um pouco imprudentes tomando semelhante compromisso; mas, enfim, moços corajosos, não fazendo questão de dinheiro, nem de sacrifícios, tomaram este encargo. No intuito de desempensá-lo, mandaram para todos os estados do Brasil encomendar trabalhadores, prometendo-lhes o salário de 4$000 por dia, casa, médico, botica, enfermaria etc. para os doentes.

Ora, vê o Senado que este é o maior salário que se tem dado a trabalhadores no Brasil, salvo os que se empregam na extração da borracha no Pará, que talvez possam ser melhor remunerados.

Isto não eram promessas falazes, e a melhor garantia era a honorabilidade dos construtores do cais de Santos.

Consignaria, por sua vez, a mensagem do marechal Floriano Peixoto, vice-presidente em exercício, aos 7 de maio de 1894, por ocasião da abertura da 1ª sessão ordinária da 2ª legislatura:

Infelizmente, não tem sido correspondidos os esforços empregados no intuito de se obterem os melhoramentos de que tanto carecem os portos da República para se adaptarem às necessidades do comércio. As concessões feitas nesse sentido, com exceção das obras do cais de Santos, que prosseguem em meio da crise econômica que atravessa o país, estão ainda sem resultado digno de menção, a não serem os estudos feitos.

Imagem: reprodução parcial da página 35


[43] Este, ao acaso, no Jornal do Commercio, de 3 de janeiro de 1895: "Companhia Docas de Santos. No seu escritório à Rua da Quitanda, n. 62., paga-se de hoje em diante o juro de seus debêntures correspondente ao semestre findo em 31 de dezembro último. O diretor Eduardo P. Guinle".

[44] "… o sr. Antonio da Silva Prado, que escolheu a proposta dos concessionários atuais, deixando de parte a de um cunhado do sr. Adolpho Pinto". Osorio de Almeida, Caes de Santos, resposta aos artigos do engenheiro Adolpho Pinto, no Diario Popular, São Paulo, Officinas da Companhia Impressora Paulista, 1894.

[45] "Assim sendo, pode e deve o Governo, usando mais uma vez da faculdade que lhe confere a lei de 13 de outubro de 1869, da mesma maneira porque procedeu em 1886, em relação às obras que então contratou, pôr em concurso o prolongamento do cais do Valongo. Acreditamos poder garantir que não faltará quem se proponha construir o novo cais, percebendo a terça parte das taxas cobradas pela Companhia das Docas… Governar é prever, e agir em tempo; e, com relação ao assunto, nenhuma providência será mais eficaz, nenhuma medida mais oportuna do que a que tenha por fim o prolongamento do cais do lado da estação, pelo Valongo afora, e a terraplenagem do pantanal adjacente". Adolpho Pinto, O Caes de Santos, Diario Popular, de 30 de junho de 1894. Como os artigos do dr. Osorio de Almeida (dados a lume no Estado de São Paulo, de julho e agosto seguintes, sob a assinatura de "um Apreciador do Mérito", e, depois, sob seu próprio nome), os artigos do dr. Adolpho Pinto foram reunidos em folheto no ano de 1896, depois de republicados no Paiz, com o título A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, São Paulo, Typ. do Diario Official, 1896.

[46] "Quando nos impusemos a nauseante tarefa de revolver a vasa fétida em que se alicerça o caso de Santos, não foi decerto para o fim insensato de se empestar o ambiente com as exalações impuras desse imenso pântano… O fim destes artigos não é, pois, uma obra de escândalo, é sim uma desafronta e uma reivindicação: desafronta dos soberanos princípios da moral e da justiça, ultrajados em detrimento da fortuna pública e à custa de pesadíssimos ônus lançados sobre a massa geral dos cidadãos contribuintes; reivindicação dos direitos e interesses desses mesmos cidadãos, oprimidos e sacrificados, no exercício da sua atividade, por atos ilegais e iníquos, que não podem ser mantidos sem a mais completa subversão dos fundamentos básicos sobre que pode assentar uma sociedade organizada". Adolpho Pinto, O Caes de Santos, Diario Popular, 30 de junho de 1894.

[47] "Além disto, estão de pé, o que é ainda mais importante, todas as acusações que fiz à Companhia Docas de Santos relativamente à escandalosa duplicação dos orçamentos e ao não menos escandaloso acréscimo de 25% mediante um simples memorial, que ninguém teve a coragem de assinar, que não foi despachado, nem informado, mas que foi reduzido a decreto dentro de três dias em virtude da ordem dada por um dos seus atuais diretores, o qual foi também quem minutou as cláusulas respectivas, acrescendo que, ao passo que já se achava concluído e em tráfego, quase um terço das obras, não só foi duplicado o orçamento dessas próprias obras, mas também lhe foram acrescentados 25% que, entretanto, eram destinados ao serviço que, só daí em diante, se passaria a fazer à noite". Alfredo Ellis, Senado, 23 de dezembro de 1909.

[48] Diario Popular, 15 de junho de 1894. A arguição vai se repetir por Moraes Barros (Senado, 23 de novembro de 1896): "Chamo a atenção do Senado para a importância deste favor: o capital da empresa tem de servir de base para o resgate da mesma por parte do Governo; quando quiser encampar as obras terá de pagar a importância do capital nelas despendido. O capital é também a base para o cômputo da renda, para quando a renda líquida exceder de 12% serem revistas as taxas e diminuídas. Mas obtiveram estas quase triplicação do capital".

[49] O vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo à necessidade de debelar, no menor prazo possível, a crise que atualmente afeta o serviço de embarque e desembarque das mercadorias no porto de Santos, Estado de São Paulo e considerando o estado atual do câmbio e alta dos salários, assim como o inevitável aumento de despesa que acarreta a grande rapidez à execução das obras, resolve inovar o contrato a que se refere o decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888, com os concessionários da Empresa de Melhoramentos do porto de Santos, nos termos e sob as condições que com este baixam assinadas pelo tenente-coronel dr. Innocencio Serzedello Corrêa, ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que assim o faça executar. Capital Federal, 15 de julho de 1892, 4º da República. Floriano Peixoto. Serzedello Corrêa.

[50] A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 2ª série, São Paulo, Typ. Carlos Gerke & Companhia. Agradecendo à empresa a comunicação de ter feito a ligação com a São Paulo Railway, escreveu-lhe a Associação Comercial de Santos, pelo seu presidente, A. C. da Silva Telles (10 de julho de 1893):

"Testemunhas dos grandes esforços que tendes empregado, trabalhando dia e noite com tanta proficiência e honestidade para a realização da grande obra que haveis contratado, a mais importante da América do Sul, verdadeiramente monumental e que faz honra à engenharia brasileira, tanto pela solidez como pela beleza, esta Associação congratula-se convosco pelo auspicioso acontecimento e confia que não esmorecereis no caminho até sua conclusão.

"Bem sabemos dos enormes sacrifícios que tendes feito em razão da anarquia sem igual que reina em todos os ramos de trabalho desta cidade, motivada pelas epidemias de febre amarela e varíola que não nos tem deixado, pela crise de transporte que tudo tem perturbado, pela falta de operários e pela enorme carestia dos materiais, dos salários e meios de vida, mas confiamos do vosso patriotismo que continuareis a trabalhar com o mesmo ardor, servindo-vos mais de incentivo o apoio moral do nosso comércio que vos acompanha com grande interesse e a pujança do Estado de São Paulo, que certamente fornecerá no futuro elementos para remunerar as grandes somas que despendeis".

[51] Ministério da Viação – Despacho: - Companhia Docas de Santos, pedindo a eliminação da multa de que trata a cláusula 2ª do decreto n.942, de 15 de julho de 1892. – À vista das informações e dos documentos apresentados, fica relevada a multa. Diario Official, 4 de agosto de 1893.

[52] "No ano de 1892, época em que se manifestou o período agudo da crise de transporte, todo o litoral de Santos se achava coberto de cargas, inclusive grandes depósitos de madeira, peças de máquinas, ferros, trilhos etc. O retardamento, as dificuldades que teve a Companhia em conseguir da Câmara Municipal o desatravancamento da parte do litoral onde se executavam os trabalhos, não foram pequenos.

"Do arquivo da Municipalidade constam as reclamações da Companhia, a qual, para ressalva de seus direitos, teve necessidade de protestar perante o juiz de direito de Santos e o Federal de São Paulo,, contra a demora da remoção das cargas empilhadas no litoral, que estorvavam a continuação do serviço. Quando chegaram os trabalhos ao lado da estação da estrada de ferro inglesa, esta os embargou judicialmente, alegando posse dos terrenos de marinhas, que faziam parte da concessão da Companhia Docas.

"Levado o fato ao conhecimento do ministro da Indústria, este por aviso n. 20, e 16 de dezembro de 1892, pediu ao ministro da Justiça que, por intermédio do representante da justiça federal no estado de São Paulo, fizesse levantar aquele embargo, dando posse dos terrenos à Companhia Docas, dos quais tinha usufruto por força de seus contratos, a fim de que pudesse ela prosseguir no serviço do aterro do cais, obra reputada de inadiável necessidade, não só para o movimento do porto, como para o zoneamento da cidade de Santos. Quando vieram a ser cumpridas as providências do ministro da Justiça, faltavam poucos dias para a terminação do prazo de seis meses concedido à Companhia.

"Tornou-se também necessária a demolição do prolongamento da ponte de descarga da São Paulo Railway Company, o que foi requerido pela Companhia ao Ministério da Indústria, em 14 de novembro de 1892, e por este ordenado em aviso de 28 do referido mês, sendo posteriormente, por aviso do dito Ministério de 17 de dezembro, em resposta ao ofício de 12, em que aquele chefe enviou o protesto da São Paulo Railway Company, contra a demolição determinada, declarado que o Governo não podia tomar conhecimento deste protesto, e que, em atenção aos interesses comerciais da praça de Santos, resolvia fixar o prazo improrrogável de três meses para ser levada a efeito a ordenada demolição. Só estes três meses iam muito além de 15 de janeiro de 1893, último dia do prazo que tinha a Companhia Docas para dar pronto o trecho do cais". A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 2ª série, cit., pág. 49.

[53] No lado técnico, eram grandes também as dificuldades. Baste este outro depoimento de então: "A frequência do pessoal foi regular, para as circunstâncias especiais de Santos, onde há impossibilidade de manter-se um corpo permanente de operários que, pela sua constância no serviço, se habilitem cada vez mais; essa tem sido uma das maiores dificuldades, continuando o cais a ser escola de operários que, quando começam a ser úteis, são seduzidos co oferecimentos de maiores vantagens, e abandonam os lugares que ocupam só enquanto necessitam aprender, com grande esforço e dedicação de seus chefes. Em contraposição tem a nossa Companhia podido conservar os habilitados e assíduos mestres que dirigem as diferentes repartições de serviços e que, com exceção apenas de um, são os mesmos que,há muito, os dirigem, e cuja constância e dedicação muito tem contribuído para o bom êxito dos mesmos. A média da frequência do pessoal, durante o ano, foi de 1.004 operários". Relatório da Diretoria, 1895.

[54] A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 2ª série, cit., pág. 46. Houve no Congresso Federal até projeto sobre a entrada de 2.000 liberianos para a construção. Ver no Paiz de 28 de agosto de 1893 um pedido da Câmara Municipal de Santos para que o Senado o aprovasse.

[55] "O que é verdade é que naquele estado há terras ubérrimas, o clima é magnífico, a vida é muito fácil, de modo que ali não é preciso trabalhar para viver. O governador daquele estado o que fez foi impedir que os filhos daquele estado fossem levados por promessas falazes, depois se achassem mal, porque é sabido que a vida em São Paulo é caríssima, e que, além disso, é uma cidade pestilenta, em que os filhos do Norte encontram morte certa pela febre amarela; é uma terra inabitável que só serve para os naturais.

"Sendo assim, desde que o governador tinha conhecimento do estado de salubridade daquela zona de São Paulo, procedeu perfeitamente bem, aconselhando seus patrícios a que não se iludissem por essas promessas; o que fez mais foi recomendar à imprensa e a seus amigos que abrissem os olhos daquela gente, e aconselhá-los a que, se tivessem de sair do estado, fosse por meio de contrato que obrigasse aos contratantes, para que não fossem iludidos". Tavares Bastos, Senado, 22 de agosto de 1892.

[56] "Viu em toda a imprensa desta capital os anúncios feitos pela empresa, que revela a necessidade de obter braços em toda a parte e nesses anúncios vêm indicadas as condições de pagamento, as vantagens que se oferecem a cada trabalhador que quiser contratar com a empresa e deles se vê que todas as condições são as mais remuneradoras. Isso se diz publicamente: como se quer agora dizer que vão lá com promessas falazes procurar aliciar?

"Aliciar a quem? Se se referem aos homens que estão no gozo pleno de seus direitos civis, não vê que haja autoridade alguma competente para intervir entre as partes contratantes; se se referem a menores, há na justiça do país o meio de impedi-lo e o nobre senador pelo estado de Alagoas, que é magistrado, sabe bem disto: só a autoridade judicial tem competência para intervir e impedir que os menores tenham colocação menos conveniente aos seus interesses; mas admitir que uma autoridade administrativa, como é o governador de um estado, tenha competência para intervir entre partes contratantes e obstar ao acordo feito, é o maior absurdo". Campos Salles, Senado, 22 de agosto de 1892.