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Edição 1 - 25/5/2002 

Praticagem: dilemas no ciclo negocial

Controlada pelas cooperativas regionais, a relação negocial entre contratantes dos serviços de praticagem apresenta distorções. O engenheiro Nelson Carlini aborda o assunto, apresentando sugestões para eliminar os equívocos que alteram preços na atividade, essencial à segurança e à economia nacional, sem alterar o atual sistema de trabalho. E a Confederação Nacional da Praticagem (Conapra) contesta os argumentos do engenheiro. 

Lancha da praticagem (Foto: Carlos Pimentel Mendes - Macapá - agosto de 1980)

Negociações distorcidas

Nelson Carlini (*)

Assunto recorrente na Marinha Mercante é a relação negocial com a praticagem. 

A função dos práticos é primordialmente assegurar a boa navegação de embarcações nas manobras de aproximação aos portos e na atracação aos cais de atracação, terminais de carga, áreas de fundeio, estaleiros de reparos e outras manobras que são parte da vida econômica dos navios mercantes e da segurança das embarcações de guerra. Um serviço essencial à segurança dos marítimos, das embarcações, das cargas, do meio-ambiente, dos canais de acesso aos portos e, portanto, à economia do País. Assessoram tecnicamente no desenvolvimento de projetos de novos atracadouros, terminais, melhoramentos no acesso e fundeio de embarcações de nova geração, a cada evolução do tráfego marítimo.

Este resumo não pretende ser exaustivo, mas bem retrata a importância da atividade que estes técnicos desenvolvem na área da Navegação. Estes profissionais, como outros - capitães de navio, pilotos de aviões, cirurgiões etc. -, em decorrência de sua especialização extrema, necessitam boa formação, prática profissional constante e aprimoramento contínuo para bem exercer suas atividades com qualidade e segurança.

A atividade de praticagem está relacionada a um determinado canal ou porto ou terminal ou conjunto de terminais, onde a habitualidade na operação confere ao profissional o conhecimento das dificuldades de operação, e também a atualização permanente às condições cambiantes da sua área de atuação.

Controle - Contrariamente a muitas das funções que acima citei, o acesso à carreira de prático é controlado, de modo a não habilitar profissionais em demasiado número, e assim garantir a constante prática e portanto a qualidade e segurança de operação.

Este controle e o conseqüente agrupamento e coordenação da distribuição dos trabalhos cotidianos levaram os práticos a se reunirem em cooperativas, para bem exercer uma distribuição mais eqüitativa do seu trabalho e oferecer seus serviços técnicos quando solicitados. 

As distorções negociais têm origem na coordenação, pelas cooperativas regionais, das tratativas com seus clientes armadores (ou, por procuração destes, os agentes marítimos). Aos contratantes não resta alternativa técnica ou comercial senão atingir um acordo com a cooperativa de práticos regional ou nacional.

A forma da contratação, os preços, a disponibilidade de profissionais para o serviço, a venda casada de serviços de transporte e a cobrança de adicionais encontram dificuldade extrema de flexibilização, em decorrência da monopolização de fato que existe na oferta deste serviço técnico especializado.

Ganhos - Já muito se propala os altos ganhos destes profissionais, que não seriam objeto de controvérsia se não afetassem, em muito, os custos de operação de transporte marítimo de cargas. Em alguns casos chegando a inviabilizar escalas em portos menores e transferências de cargas do modal rodoviário para o marítimo.

A interferência da Diretoria de Portos e Costas, no sentido de arbitrar os custos negociados entre práticos e armadores, quando se atinge impasses negociais, tem servido para diminuir os exageros e minimizar os abusos. Não permitem, entretanto, que a dinâmica do mercado leve os valores e formas de contratação a níveis compatíveis com a atividade de transporte marítimo de cargas e a necessidade permanente de se garantir maior eficiência e custos menores. 

A capacitação técnica dos profissionais autorizados a praticar, e o seu constante aperfeiçoamento, são tarefas precípuas da autoridade responsável pela segurança da navegação, não sendo este ponto objeto de qualquer objeção dos transportadores mercantes; a ingerência no plano negocial das relações do trabalho, no entanto, deveria ser deixada a cargo das partes contratantes.

As maiores objeções a serem ponderadas ao se adotar esta liberação negocial, caso existisse abundância de pessoal e descartelização das cooperativas, seriam a perda da qualidade dos profissionais pela não habitualidade da prática e a capacidade de imposição de manobras mais arriscadas.

Mudança - Uma alternativa - que viria a conciliar os interesses e preservar a segurança das pessoas, do meio-ambiente e da atividade econômica - seria a transferência da obrigação de fornecer profissionais garantidores do acesso seguro de navios, às autoridades portuárias ou administradoras de hidrovias, onde couber.

Estas organizações, sob controle da União Federal, têm por obrigação preservar as boas condições de exploração econômica do transporte aquaviário, sujeitas às leis reguladoras de proteção à vida humana, ao patrimônio e ao meio-ambiente e ao interesse das comunidades e dos usuários através dos Conselhos de Autoridade Portuária.

As administrações dos portos ou das hidrovias contratariam os profissionais em regime permanente, com salários compatíveis com a função de capitães de cabotagem ou longo curso, com curso de especialização de praticagem na área de atuação, e se ressarciriam dos custos através das taxas de acesso ao porto ou canal.

Estas taxas seriam homologadas pelos Conselhos de Autoridade Portuária ou de Usuários (no caso das hidrovias) e os serviços disponibilizados de forma permanente, 24 horas por dia e durante 365 por ano. A Marinha de Guerra, no controle da segurança da navegação, tem a responsabilidade da formação e da periódica verificação da habilitação dos profissionais. Em caso de não haver provimento dos serviços pelas autoridades portuárias/hidroviárias, por qualquer motivo, caberia à Marinha o fornecimento do serviço, com pessoal próprio ou requisitado especialmente, até que a situação normal seja restabelecida.

Com este sistema, estaríamos garantindo segurança na navegação, a preços compatíveis, atendendo aos interesses dos agentes econômicos - embarcadores, operadores portuários, armadores -, submetidos à ação das autoridades e ao sadio regime concorrencial de mercado.

(*) Nelson Carlini é engenheiro naval.

Praticagem no Amapá (Foto: Carlos Pimentel Mendes - Macapá - agosto de 1980) Praticagem no Amapá (Foto: Carlos Pimentel Mendes - Macapá - agosto de 1980)

Redução e ônus assumidos

Roberto dos Santos Belotti (*)

O serviço de praticagem certamente antecedeu e provocou a inclusão, no código de leis de Hamurabi, de penalidades impostas ao prático, em casos de acidente ou perda de navio, ao mesmo tempo em que fixava o preço do serviço, tornando-o imune às pressões dos que exploravam comercialmente a atividade da navegação.

Quarenta séculos após, a execução do serviço ainda é mundialmente reconhecida como essencial, com importância diretamente proporcional ao desmesurado crescimento dos navios e ao grau de nocividade das cargas hoje transportadas.

No País há citações documentadas de atividades de práticos, em Rio Grande, desde 1737, culminando com a promulgação, em 1808, do regimento para os Pilotos Práticos do Rio de Janeiro. Desde então a atividade é regulamentada pelo Estado sob controle da Marinha.

O acesso à profissão é feito mediante concurso público, com prolongado período de treinamento, a cargo e às expensas da entidade de praticagem local, aplicado aos aprovados e classificados, já então registrados como praticantes de prático. Quando atingido um grau de adestramento satisfatório, o praticante de prático é submetido a exame para prático. O concurso e o exame são feitos por iniciativa e supervisão da autoridade marítima. Nesta formação, são incorporados o conhecimento e o uso de todos os avanços tecnológicos que interessam ao exercício da atividade - que, como o próprio nome insinua, exige prática constante.

Por isso, a atividade é exercida por quadros limitados, em números fixados pela autoridade marítima para cada ZP (Zona de Praticagem), sem qualquer interferência da praticagem local, que, por doutrina, não mais o contesta. Este número é fixado de modo que a freqüência de navios no porto permita, a cada prático, a execução de um número mínimo de manobras, fixados pela autoridade marítima. que, se não atingido, provocará a suspensão da habilitação de prático. A recuperação da habilitação exigirá que este prático acompanhe, sem remuneração, igual número de manobras de outro prático. 

O prático se identifica como um dos componentes de um braço técnico do Estado, este representado pela autoridade marítima, empregado para garantir a segurança da vida humana, dos navios, suas tripulações e cargas, dos canais de acesso e instalações em águas restritas e, com muita ênfase, a proteção do meio ambiente aquático e áreas adjacentes. E o faz aplicando suas qualificações técnicas e dotes pessoais, investindo pesado em infra-estrutura, procurando viabilizar e agilizar as trocas comercias de interesse de sua região, à qual se integra.

Cíclico - Cumpre agora registrar que na matéria que ora analisamos, movimento cíclico e repetitivo a que as praticagens já se acostumaram, é dado realce aos aspectos econômicos e de custos que, a seguir, provaremos inteiramente divorciados da realidade.

O correto entendimento exige que se considere que 95% de comércio exterior brasileiro, por via marítima, é feito por navios estrangeiros, com fretes em dólar. Assim é necessário retornar ao penúltimo movimento cíclico contra as praticagens, em 1987, quando, em efeito bola-de-neve, formou-se um grupo de pressão em que atuavam mais de vinte entidades, algumas sem qualquer proximidade com a atividade, propondo soluções idênticas às hoje propostas, sempre rejeitadas pelas potências marítimas mundiais.

Naquele ano, sob supervisão da autoridade marítima, reconhecendo poucos exageros, o Conapra negociou com as representações de tomadores do serviço, nacionais e estrangeiros, reduzindo os preços anteriormente praticados. Na época havia paridade entre o real e o dólar.

Ato contínuo, espontaneamente, as praticagens constituíram sociedades civis uniprofissionais, abdicando os práticos de direitos celetistas tais como repouso semanal remunerado, férias, 13º Salário, FGTS, adicionais noturno, sábados, domingos, feriados, insalubridade e periculosidade. Ao mesmo tempo, desoneraram os tomadores do serviço de recolhimento à Previdência da ordem de 28% dos valores acima. Em suma, a redução de custos sobre preços já reduzidos foi brutal. Em contrapartida, os práticos assumiram os ônus da atual condição de empresários-empregadores.

As novas exigências referentes à ampliação e ao aprimoramento da infra-estrutura, com aquisição de equipamentos e contratação de quadros funcionais, foram atendidas pelas praticagens, com recursos próprios, sem financiamentos a juros favorecidos ou prazos de carência, sem qualquer acréscimo nas tabelas, muito embora alguns custos sejam permanentes. 

Assim restam-nos indagações:

Como entender tentativa de alteração de um sistema que ofereceu tantas vantagens e apresenta um índice de acidentes dos menores do mundo?

Como entender um tomador de serviço que pagava US$ 1.000 em 1988 se insurgir, em 2002, contra o valor de US$ 600, quando exportadores e importadores brasileiros se queixam de fretes crescentes em dólar no período?

Como aceitar o rótulo de monopólio quando se é obrigado a tentar acordo com os usuários do serviço, sendo prevista a fixação do preço pela autoridade marítima em eventual desacordo?

Como aceitar o rótulo de monopólio se o prático é legalmente obrigado a prestar o serviço, mesmo que discorde do preço?

Como temos convicção da redução de custos que propiciamos, aos navios nacionais e estrangeiros, como identificar o "propósito oculto" deste movimento?

Por último, causa-nos estranheza que tais questionamentos ocorram em nosso País, onde, numa praticagem de longa distância, executada por dois práticos, a tabela local resulta em um custo de US$ 4 por milha náutica, aí incluída a infra-estrutura, enquanto que, em porto similar no estrangeiro, para percorrerem a quarta parte desta distância, cobram US$ 310 por milha náutica.

(*) Roberto dos Santos Belotti é diretor-presidente da Confederação Nacional da Praticagem (Conapra).