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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - AS PONTES (1)
De Martim Afonso à construção da Ponte Pênsil

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Dersa (*)

Quando, em 1532, Martim Afonso de Souza desembarcou na ilha de São Vicente, o acesso ao continente, para chegar ao Planalto, foi feito por meio de batéis e escaleres. Os povoadores que o seguiram, vindos de Portugal, e os seus descendentes, continuaram, durante quase quatro séculos, a utilizar unicamente as águas do Mar Pequeno para a travessia.

No início do século XIX, já se tornava necessária uma ligação mais rápida com o Litoral Sul. As pequenas vilas cresciam e a Praia Grande se transformara em importante centro de pesca.

Em 1904, a paisagem calma da Baía de São Vicente era alterada, aos domingos, pelas competições do Clube de Regatas Tumiaru. A travessia era feita por barcos e canoas ou pelas linhas regulares de lanchas pertencentes a Antero Hourneaux de Moura.


Construção da Ponte Pênsil em São Vicente

Pequeno o movimento, no entanto. Do lado do Japuí, cujo caminho secular e precário conduzia à Praia Grande, a rota mais importante era na direção do Litoral Sul.

Para atingir os sítios de banana de Itanhaém ou Iguape, era preciso viajar pela Praia Grande, até Itanhaém, e daí atingir Peruíbe, sempre pela praia, para afinal alcançar Iguape, costeando o mar, pela Serra dos Itatins.

No tempo do Império, os escravos carregavam seus senhores e respectivas famílias, em redes apoiadas nos ombros. Uma semana de viagem, com paradas para descanso e pousadas. Posteriormente, a viagem passou a ser feita em lombo de burro. As rochas que margeiam o caminho do Grajaú preservam ainda vestígios de pinturas e esculturas deixadas pelos escravos.

O intendente Lima Machado, que tinha uma grande fazenda na Praia de Paranapoã, faia a travessia do gado para abate a bordo de grandes barcaças, que ficavam estacionadas na Praia de São Vicente.


Armação das torres de sustentação da Ponte Pênsil em São Vicente, em 1913

A grande preocupação - Em 1905, os engenheiros encarregados de executar o plano de saneamento de Saturnino de Brito estudaram como fazer atravessar para a Praia Grande os esgotos que deviam ser lançados ao longo do morro do Itaipu. Em 1906, esse plano estava praticamente concluído, restando apenas solucionar o problema da travessia da rede de esgotos.

Os primeiros estudos davam como solução a transposição direta do emissário, apoiado sobre estacas. Prevaleceu, entretanto, a idéia de se construir uma ponte-suporte sobre o Mar Pequeno.

O trecho entre as pontas do Tumiaru e do Japuí foi o local considerado ideal para a travessia. Apresentava condições de fundação mais favoráveis, com a possibilidade da construção de apoios diretos sobre a rocha. A dificuldade estava na garganta marítima daquele ponto, que chegava a mais de 15 metros de profundidade. Por isso, acompanhando a tendência da época, recomendava-se a construção de uma ponte de grande vão, sem suportes intermediários. Era uma solução avançada para a época, quando não se falava ainda de concreto armado para a construção de pontes.


Inauguração da Ponte Pênsil em São Vicente

Uma ponte pênsil? - Em 1883 tinha sido inaugurada, em Nova York, a Ponte de Brooklin, com vão de 480 metros. Uma ponte pênsil. Em 1909, outra ponte pênsil era inaugurada nos Estados Unidos: a de Manhattan, com um vão de 442 metros. A ligação São Vicente-continente seria também uma ponte pênsil. Assim ficou decidido.

Em 1910, a Comissão de Saneamento de Santos, sob a direção do engenheiro Miguel Presgrave, contrata a elaboração de projeto da ponte, com a firma Trajano e Medeiros & Cia., em consórcio com uma firma de Dortmund, Alemanha. O engenheiro alemão Augusto Kloene é o autor do projeto que previa um vão de 180 metros entre torres, com 6,4 m de largura e 5 de altura acima da maré máxima.

Os primeiros desenhos mostram a seção transversal da ponte com duas tubulações de diâmetro inferior a 1 metro, apoiadas no tabuleiro, e, entre elas, uma passarela para pedestres (hoje há duas passarelas).

A construção dos pontilhões começa em 1911, de ambos os lados. As peças da ponte são transportadas entre 1912 e 1913, por dez navios alemães: Erlanger, Benn, Halle Grefeld, Treassry, Granhandel, Jarseberg, Anversolse, R. Argentina, Lengeise e Merineir.

A parte metálica da ponte custou, na época, 10.800 libras esterlinas, equivalentes, então, a 15.162 contos de réis. Foram gastos ainda 21.000 contos de réis com o estrado de madeira.

De início, a ponte permitira a passagem de dois veículos de 6 toneladas cada um. Para aumentar a capacidade, foram gastos 78 contos e 750 mil réis na tubulação, 250 mil réis na montagem e 14 contos de réis no assoalho.


A ponte virou cartão postal de São Vicente, já na época da inauguração

A expectativa - No dia 25 de janeiro de 1914, A Tribuna, de Santos, lançava uma edição comemorativa do aniversário da fundação de São Paulo. E noticiava: "Mais alguns meses e será franqueada ao público a grande ponte pênsil que a Comissão de Saneamento está construindo em um dos pitorescos recantos da vetusta cidade de São Vicente".

Na área das obras, os trabalhos eram árduos. Para colocar as bases, os escafandristas tinham descido as barcaças, enfrentando o mar bravo e a correnteza que retardava a execução do serviço. Em dezembro de 1913, quando os operários esticavam os cabos de aço numa barcaça, um deles caiu na água, sendo cortado ao meio por um tintureiro, espécie de tubarão que proliferava na região.


Vista da Ponte Pênsil em São Vicente, meados do século XX

A festa - 21 de maio de 1914. Manhã de sol. Vinte automóveis vindos da Capital, trazendo elegantes senhoras e senhores de polainas, chapéu-coco, gravatas pretas, descem rumo ao litoral, para participar da festa.

Entre os convidados, lá estavam Washington Luiz, prefeito da capital de São Paulo e futuro presidente da República; o presidente do Estado de São Paulo, Francisco de Paula Rodrigues Alves, e o vice, Carlos Pereira Guimarães; o prefeito de Santos, Joaquim Montenegro; o prefeito de São Vicente, Antão Alves de Moura; o pintor Benedito Calixto; o jornalista Afonso Schmidt; o sanitarista Saturnino de Brito.

Duas bandas aguardavam: a da União Portuguesa, regida por José do Patrocínio; a Colonial Portuguesa, dirigida pelo flautista Burgos.

Ocorreu então o primeiro congestionamento. O número dos que desejavam transpor a ponte era demasiado para sua capacidade. E houve o primeiro acidente: um motociclista da capital bateu na traseira de um coche e caiu, fraturando o crânio.


Vista da Ponte Pênsil em São Vicente em 2000

O presidente Rodrigues Alves corta a fita inaugural. A multidão avança. A ponte não suporta, balança. Sob o peso, os canos de esgotos se interpenetram. Os populares em pânico procuram logo alcançar terra firme e, segundo relatos antigos, alguns se atiraram ao mar, pensando que a ponte fosse ruir. Suspensa pelos cabos de aço, porém, ela resistiu firme.

No histórico publicado a 20/2/1972, A Tribuna de Santos observava que a ponte pênsil representara um marco para São Vicente: "Antes da ponte, ponto final de uma aventura de fim-de-semana do paulistano; São Vicente, depois da ponte, centro obrigatório de passagem e distribuição de tráfego para todo o Litoral Sul".

O movimento atingido na década de 1960, segundo o jornal, "deixaria surpreso o capitão Luís Hourneaux de Moura, que tinha o costume de pedalar sua bicicleta, todos os dias, da sede do CR Tumiaru, no Japuí, ao centro da cidade. Atravessava a ponte a toda velocidade, e vinha tomar uma gasosa no Bar Sport, na Praça Barão do Rio Branco. Um dia, vestido na roupa de sportman de sempre - camisa de punhos e colarinho fechados, boné e calças presas à barriga da perna, suando muito, tomou a gasosa, apanhou um resfriado e morreu".


Vista da Ponte Pênsil em São Vicente, em 2001

Em 1934, um jovem atravessou a ponte a cavalo, e galopando. Aquilo provocou discussões e protestos. E a Repartição de Saneamento de Santos dirigiu-se energicamente às autoridades do trânsito, afirmando que a trepidação provocada pelo galope do animal poderia danificar a obra.

Exagero ou não, o certo é que os cuidados, a manutenção e conservação da ponte em bom estado eram preocupação constante.

E com razão. Dois anos após a inauguração, os técnicos notaram que a Ponte Pênsil estava envelhecida. Ela foi pintada e passou a receber nova pintura a cada dois anos. Em 1932, ela chegou a ser picotada e raspada por inteiro, para receber nova dose de tinta.

Na década de 1960 e início da década de 70, os cuidados se intensificaram. Reforços nas bases, novas pinturas. Chegou-se a pensar em interdição da ponte. A idéia foi descartada, pois traria grandes prejuízos a todo o Litoral Sul, tendo em vista que nem todo o tráfego poderia ser desviado pela Rodovia Pedro Taques.

(*) Material para a imprensa preparado em novembro de 1981 pela empresa Dersa Desenvolvimento Rodoviário S.A.

Quando completou 80 anos, em 1994, a famosa ponte, tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Artístico Nacional (Condephaat), ganhou um sistema de iluminação que a destaca à noite do cenário vicentino. Em 1999, sofreu nova reforma, preparando-a para continuar suportando o tráfego de veículos no século XXI.


Ponte Pênsil, em São Vicente, 2002
Foto: Prefeitura Municipal de São Vicente

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