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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Ilha do Mudo conta suas histórias (1)

Uma ilha que, para alguns, nem ilha é, e que já teve os nomes de Ilha das Cobras e Ilha das Cabras, entre outros: assim é a Ilha Porchat, que o pesquisador J. Muniz Jr. descreve neste artigo, publicado em 17 de setembro de 1995 no jornal santista A Tribuna:


Ilha Porchat, vista do Morro dos Barbosas
Foto: Antonio Carlos Farjani, enviada a Novo Milênio em 23/7/2005

A histórica e lendária Ilha Porchat

J. Muniz Jr. (*)
Colaborador

Considerada um dos mais belos recantos da paisagem vicentina e um dos redutos históricos mais antigos da orla da praia, a Ilha Porchat já era conhecida pelos navegantes e aventureiros que percorriam o litoral brasileiro, antes da chegada do capitão-mor Martim Afonso de Souza. Sabe-se que, em época longínqua, era dotada de uma tropical vegetação, verdadeira "ilha florestal" inexpugnável, cuja espessa mata escondia as sentinelas avançadas de olho na amplidão do oceano, tentando vislumbrar os barcos piratas que bordejavam a costa atlântica, pilhando e saqueando pelo fogo e pela espada.

Devido à sua posição estratégica à entrada da Baía de São Vicente, constituía-se num ponto de referência, num marco geográfico que identificava a entrada da vila fundada pelo donatário Martim Afonso, uma vez que, num lugar impreciso, foi fixado um padrão com as Armas de Portugal. Assim é que, no início da colonização, denominava-se Ilha do Mudde, deturpada com o correr do tempo para Ilha do Mudo. Na opinião abalizada do saudoso historiador Francisco Martins dos Santos, o vocábulo árabe "Mudd" significa "Modelo, exemplo, padrão, referência" e, aplicado à ilha, em sua forma nominativa "Muddu", queria dizer que era uma referência "para os que quisessem ir à Vila de São Vicente, por terra ou por mar".

Muita coisa já foi escrita a seu respeito, existindo versões históricas de que, em época remota, foi adquirida por um colono português sem o dom da palavra, motivo pelo qual passou a chamar-se Ilha do Mudo. Depois do nome primitivo, teve a alcunha de Ilha das Cobras, isso em fins do século XVIII, quando foi vendida a Luiz Antônio de Souza. Logo após a primeira década do século XIX, passou às mãos de outro lusitano, que iniciou a criação de caprinos em suas encostas, levando os habitantes de São Vicente a chamá-la de Ilha das Cabras.

Em meados do oitocentismo, foi negociada de um religioso para um dos membros da conceituada família Porchat, que lhe passou o sobrenome. Apesar de tornar-se propriedade do cidadão Manuel Augusto de Oliveira Alfaya, em 1887, a denominação de Ilha Porchat foi mantida. No início deste século [N.E.: século XX], provavelmente tenha pertencido ao comendador Manuel Alfaya Rodrigues. Finalmente, foi alienada ao senhor Francisco Fracaroli Sobrinho em 1937, por um dos herdeiros de Manuel Augusto.

Ilha Porchat, vista da Praia do Itararé, tendo ao fundo a Ponta do Itaipu, no início do século XX
Imagem reproduzida do jornal santista A Tribuna de 17/9/1995

A partir de 1870, começaram a chegar os primeiros ocupantes: pescadores, caiçaras, até escravos forros, que levantaram rústicas moradias no seu território, surgindo daí as primeiras construções. Devido ainda ao seu pitoresco visual, recebia as famílias e forasteiros que passeavam e se divertiam nos fins de semana e temporadas de verão, desfrutando do magnífico panorama avistado do seu topo, de onde se descortina um cenário imponente.

Cantada e decantada através dos tempos, além da sua curiosa história, a ilha é envolta por fascinantes lendas, focalizando-a em épocas distantes, quando tinha uma beleza selvagem e servia de refúgio de piratas que desembarcavam no seu solo com preciosas arcas carregadas de dobrões de ouro.

A lenda da Toca do Índio revela uma suposta abertura por dentre as rochas que recebem o impacto do mar, cujo acesso só é possível com a maré baixa, através de um túnel natural que desemboca numa ampla gruta, lembrando fabuloso esconderijo da romanesca Ilha de Monte Cristo.

Já se disse que é uma península e não uma ilha, pois somente ficava cercada de água por ocasião das grandes marés, quando o mar inundava parte da praia, isolando-a completamente, transformando-se assim numa península-ilha. Antes da construção da sólida ponte ali existente, os moradores e veranistas eram transportados por cadeirinhas de rodas puxadas por robustos carregadores que faziam ponto na praia.

Nos tempos românticos do jogo, quando os cassinos atraíam muita gente envolvida pela sedução das roletas e pelos suntuosos espetáculos artísticos, o Cassino de São Vicente, que existiu na subida (do lado da Praia do Itararé) foi ponto de encontro da alta sociedade. E para lá se dirigiam grandes personalidades da Baixada Santista e da Capital, dentre capitalistas, banqueiros, empresários, políticos, ricos negociantes, pessoas abastadas, turistas e até aventureiros trajados a rigor, inclusive formosas e sedutoras mulheres, elegantemente vestidas e ostentando valiosas jóias. Era uma fascinação!

O cassino da ilha encantada (denominação da época) promovia ainda matinês dançantes aos domingos, sob os acordes musicais de renomadas orquestras, magistrais shows a cargo de astros e estrelas de renome internacional. Além das diversões diuturnas, bares e restaurantes de alto nível, balneário com cabines para banhistas, destacavam-se igualmente retumbantes bailes carnavalescos no tríduo momesco, para a alegria dos animados foliões.

Todavia, logo após o término da II Guerra Mundial, a sua fase romântica chegou ao fim, com a proibição do jogo, que resultou no fechamento dos cassinos em todo o País. Foi então loteada e vendida a particulares, surgindo belas residências de veraneio e, posteriormente, os majestosos edifícios erguidos em seu contorno. E no lugar do antigo cassino foi erigida a bela sede do tradicional Ilha Porchat Clube, que, por sua vez, tornou-se um dos pontos de encontro da sociedade local em termos modernos.

No tocante à ilha, continua encantadora, com o seu vislumbrante visual, rochas e precipícios, alamedas, modernas construções e o verde-mar, sempre atraindo a atenção dos turistas, apesar dos problemas que a envolvem, com os constantes deslizamentos em suas encostas. Mesmo assim, não deve ser esquecida, pois, além dos seus atrativos turísticos, evoca páginas e páginas históricas e lendárias do passado vicentino.

Bibliografia:

Calixto, Benedito - Capitanias Paulistas, Estab. Gráf. J. Rossetti, São Paulo, 1924;

Luís, Washington - Na Capitania de S. Vicente, Livraria Martins Editora, São Paulo, 1956;

Madre de Deus, Gaspar (Frei) - Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953;

Martins dos Santos, Francisco - A Ilha do Mudo, jornal A Tribuna, 18 de junho de 1953;

Muniz Jr., J. - Ilha Porchat: um marco histórico, jornal Cidade de Santos, 20 de janeiro de 1980.

(*) J. Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de história e autor de várias obras literárias sobre a Baixada Santista, vencedor do Prêmio Clio de História, de 1983, da Academia Paulistana da História e Ordem Nacional dos Bandeirantes.


Ilha Porchat, em foto do século XXI
Foto: Prefeitura Municipal de São Vicente

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