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TRILHOS (58c)
Bonde camarão já circulou na praia (4)
Menos de um ano e meio depois da inauguração da linha turística na praia, a alegria inicial foi substituída pelo pessimismo, e já se perguntava se novamente a linha de bonde seria desativada, como registra esta matéria publicada no jornal A Tribuna em 8 de setembro de 1985 - meses antes de o bonde, de fato, deixar de circular ali:

Apesar do abandono, bonde vende o turismo de Santos no exterior

Texto de Áureo de Carvalho e Antônio Alberto de Aguiar

A linha turística do Embaré é um museu vivo dos transportes coletivos, na opinião do escritor e jornalista Allen Morrison, de Nova Iorque, que esteve em Santos no ano passado, fotografou o elétrico e está vendendo a imagem da Cidade no exterior. Morrison se mostra preocupado com o futuro do bonde e do museu, um patrimônio de Cr$ 600 milhões que a Prefeitura não conserva adequadamente, totalmente alheia ao potencial que tem nas mãos e não sabe explorar.

A preocupação não é só do escritor norte-americano. Quem passa pela praia e vê o "46" parado no desvio, não entende o que se passa e não aceita o abandono do serviço, enquanto um caminhão-gôndola roda nas avenidas da praia, sempre lotado de crianças, que não têm opção de lazer. A tarifa do bonde, Cr$ 100, chega ao ridículo se comparada aos Cr$ 2 mil que o passeio da gôndola custa aos santistas, que nem desconfiam que a receita vai para Minas Gerais.

O bonde vai acabar? Essa pergunta é feita também por Allen Morrison, que viu o elétrico parado às segundas-feiras, sem receber qualquer tipo de manutenção, a mesma reclamada para os trilhos e rede elétrica aérea, que nunca receberam uma revisão depois de instalados.

Além do Embaré, pelas avenidas da orla da praia, em direção ao José Menino, os trilhos, escondidos sob o asfalto, esperam ser descobertos ou redescobertos, para servirem ainda aos santistas e visitantes, reconduzindo o bonde ao seu caminho predestinado de transportar gente de um lugar para outro. Como eficientemente fazia antes de 1971.

O historiador e jornalista norte-americano Allen Morrison veio a Santos, em fins do ano passado, para conhecer o Bonde 13, da linha turística do Embaré, inaugurada em 10 de junho. Estava na Cidade colhendo informações com pessoas que normalmente costumam permanecer nas proximidades do elétrico, bem como deu algumas voltas no veículo.

Allen ficou muito entusiasmado com o Bonde 13 e, baseando-se em dados colhidos aleatoriamente e também em fatos narrados por edições de A Tribuna - enviadas a ele, nos Estados Unidos, por um amigo residente em São Paulo - escreveu um artigo, no mês passado, para uma das mais conceituadas revistas de transportes da Europa, a Modern Tramway, editada na Inglaterra e lida em quase todo o Velho Continente, assim como em centenas de países que dominam a língua inglesa, espalhados pelo mundo.

Junto com duas xerox da matéria, o escritor norte-americano enviou uma carta endereçada a um dos autores da série de matérias sobre bondes, editada por este jornal de março a julho do ano passado. Diz o documento: "Eu estou historiador de transportes e vi o nome do senhor em vários artigos sobre os bondes que me enviou um amigo de São Paulo. Achei magníficos seus textos sobre os bondes do Rio de Janeiro, de Itatinga, de Santos e, naturalmente, sobre a nova linha turística do Embaré. Eu gostaria muito de conhecer o senhor.

"Eu visitei Santos no ano passado e escrevi este artigo (que veio junto com a carta) para uma revista inglesa, infelizmente publicado com grande atraso. Agora meu amigo paulista diz que a linha não funciona mais. Pode me dizer se está fechada permanentemente? Vai recomeçar? Terei imenso prazer em receber qualquer informação do senhor. Desculpe meu português primitivo... Atenciosamente, Allen Morrison, (175 West Street, New York, NY, 10011, E.U.A., 2 de agosto de 1985)".

O abandono - Durante sua estada na Cidade no ano passado, alguns meses após o início da linha turística 13, o jornalista norte-americano já se preocupava com o estado de abandono a que estava (e ainda se encontra) relegado o elétrico de número 46, que atualmente circula pelo Embaré em condições ainda mais lamentáveis. Tanto isso é verdade que em seu artigo, escrito para a revista inglesa Modern Tramway, fala da necessidade de uma cobertura para o veículo, no sentido de evitar que começasse a ser destruído pela ação do tempo (o comentário deu-se somente nesse sentido, porque ele desconhece que o Bonde 13, há tempos, não recebe manutenção adequada, já que muitas de suas peças não vêem graxa há alguns meses e os trilhos por onde circula são desobstruídos de detritos pela iniciativa de saudosistas, os quais, munidos de pedaços de paus e ferros de construção, limpam a linha, para que o elétrico não corra o perigo de descarrilar.

É lamentável esse estado de coisas. Principalmente ocorrendo em Santos, reconhecida por lei uma estância balneária e para onde vêm turistas, diariamente, de todas as partes do mundo, principalmente em fins de semana. A Cidade vive praticamente em função do turismo, que é mal explorado pela administração municipal. Até quando as autoridades vão deixar o Bonde 13 - que leva o nome de Santos a diversas partes do mundo - desintegrar-se?

Essa pergunta precisa ter rapidamente uma resposta. O prefeito Osvaldo Justo prometeu, aproveitando as obras do Aglurb que se realizam no Canal 1 com a praia, fazer um retorno para o elétrico, alongando, assim, a linha do Embaré até o José Menino, por onde, em 1871, passou a primeira linha de bondes, puxados por muares. Promessa é dívida. Os trilhos estão perfeitos, só havendo a falta da fiação aérea, a qual, com um pouco de boa vontade, pode ser colocada.

Diversas tentativas foram feitas junto à administração municipal, para que o elétrico pudesse circular por um maior trecho da linha. Os repórteres autores das matérias sobre os bondes receberam convite, inicialmente, do secretário de Turismo Álvaro Bandarra e, posteriormente, do prefeito Osvaldo Justo, para que prestassem colaboração no desenvolvimento do sistema implantado no Embaré.

Os contatos foram feitos e vieram as promessas não cumpridas até agora. As autoridades municipais receberam informações de como proceder a extensão da linha sem onerar muito os cofres públicos, nas quais se incluía um projeto de marketing. Até o administrador dos bondes de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, Manuel de Almeida Filho, disse que, se preciso fosse, viria a Santos para ajudar nos serviços.

Tudo isso foi em vão. Os ouvidos dos administradores tornaram-se surdos e parece que se esqueceram das promessas e das ajudas, sem ônus algum, que lhes foram oferecidas. Procuram desconhecer até que a CSTC possui, na Vila Matias, três ampolas retificadoras a mercúrio, as únicas existentes no mundo, as quais, se colocadas em operação com a linha turística (iriam substituir a atual subestação de trólebus estacionada na calçada do Embaré), seriam mais um grande atrativo para o Município.

Não dá para se entender como a administração municipal ignora esse potencial turístico e parece aguardar que o bonde se desintegre rapidamente para retirá-lo da praia. Tanto isto é verdade que dois fatos se sucederam recentemente: a idéia da retirada do Bonde 13 do Embaré para que as escolas de samba desfilem pela praia durante o carnaval, esquecendo-se de que o próprio elétrico animou os carnavais de Santos; e a permissão, que dizem ter sido ilegal, inicialmente, de um caminhão, estilizado em um bonde aberto mascarado de navio, puxando um reboque em formato de baleia, que percorre a praia aos sábados e domingos, levando crianças e adultos, do Aquário ao Canal 1, ao preço de Cr$ 2.000 por viagem.

Os contrários ao sistema de bondes não cansam de afirmar que o elétrico circulando pela praia se torna um estorvo para o trânsito, fato que parece até irônico, já que o veículo circula pelos trilhos e só o abalroará quem não tiver muita destreza no volante ou for bastante distraído. O atual caminhão com reboque que roda pela avenida da praia, além de trazer alto-falantes que fazem um barulho ensurdecedor, segue vagarosamente pela via, puxando uma fila enorme de veículos que não têm como ultrapassá-lo. Segundo os freqüentadores do Embaré, o trânsito fica completamente congestionado a cada volta que realiza.

Humilhação - Recolhido a seu pequeno percurso, o bonde da linha turística, importante e desamparado pelo Município, sofre a concorrência de seu pseudo-sósia. Enquanto a tarifa cobrada no bondinho 46 custa Cr$ 100, no outro veículo sai 20 vezes mais cara. Os passageiros do elétrico, que antes da concorrência eram em número de cerca de 900 nos fins de semana, passaram para pouco mais de 400. E os turistas chegam a rir da taxa ridícula cobrada no bonde, humilhado desde a sua desativação em 1971, mas que ainda consegue levar o nome da Cidade e do País para outros continentes.

São coisas que ocorrem em uma cidade turística onde a taxa de desemprego cresce assustadoramente. Isso porque as autoridades municipais mostram-se incapazes de criar novas oportunidades para a população. O abandonado Bonde 13, de prefixo 46, se bem administrado, traria novos empregos para a Cidade. Todos seriam beneficiados: o povo, o comércio e a Prefeitura, que iria ver sua arrecadação crescer. Na própria feira de Tsukuba, que se realiza no Japão, dentre as maravilhas do futuro do mundo se encontra um bonde moderno, que desliza impulsionado pelo magnetismo gerado pelos trilhos.

Modern Tramway fala do elétrico na Europa

Esta é a tradução da matéria de autoria do escritor e repórter norte-americano Allen Morrison, publicada no mês passado na revista britânica Modern Tramway, que circula por grande parte da Europa e pelos países de língua inglesa:

Notícias de Museus - Quase todos os sistemas de bondes que circulam, por enquanto, na América do Sul estão equipados com peças de segunda mão, retiradas de veículos antigos. Por isso, podem ser considerados um museu vivo. Os elétricos, históricos na região, existem em pequeno número e são administrados por entidades civis ou por prefeituras, que pensam em recriar o sistema com a utilização de carros originais.

Os Amigos del Riel, uma organização de entusiastas uruguaios, foram os pioneiros na recuperação desses veículos, em 1967, quando reativou, em Montevidéu, um percurso que se estendia por quatro quadras de linhas duplas abandonadas (veja Modern Tramway, agosto de 1968). Os bondes continuaram circulando até 1974, quando as autoridades locais resolveram asfaltar os trilhos.

Em 1978, Os Amigos del Tranvia, grupo similar formado na Argentina, trouxe para Buenos Aires um bonde adquirido em Portugal. O elétrico roda por cerca de dois quilômetros de via (veja Modern Tramway, novembro de 1981). Essa linha, recentemente, transportou o milionésimo passageiro e seus administradores adquiriram, em seguida, mais um bonde.

O Parque Taquaral, em Campinas, São Paulo, foi considerado o maior museu vivo da América do Sul. Desde 1972, em todos os fins de semana, os elétricos percorriam quatro quilômetros em volta de um lago. Porém, a mais nova adição a esse grupo de linhas que ressurgiu no Brasil se encontra na Cidade de Santos. Quase todos os trilhos do antigo sistema, que fechou em 1971, ainda estão cobertos pelo asfalto, e o prefeito Paulo Gomes Barbosa mandou desenterrar 900 metros de linha dupla na Praia do Embaré (cerca de 1,8 km de trilho).

Depois, foi colocada a fiação aérea e o bonde começou a funcionar. O elétrico, de número 46, tem rodeiro simples e nas oficinas da CSTC existe um outro, de número 40, que foi preservado por 14 anos e está passando por reformas. A linha é operada pela empresa municipal, que se utiliza de uma subestação de trólebus para fornecer energia ao veículo.

Pode ser dito que o serviço de bondes foi restaurado na Cidade, como prova o texto de uma placa de bronze existente no ponto inicial do Embaré. Uma loja de roupas fez os uniformes do condutor e do motorneiro. Certa fábrica de cervejas distribuiu refrigerantes para a população, e uma banda da Polícia Militar executou músicas para cerca de 25 mil pessoas, durante a festa de inauguração, ocorrida em um domingo, em 10 de junho de 1984.

É certo que esse sistema retornou a Santos porque a Cidade já possuía, desde o começo do século, trilhos em quase todas as ruas. A imagem do elétrico permanece viva na memória do povo, que foi privado de seus serviços desde 1971. O sistema de bondes de Santos, cujos veículos eram inicialmente puxados por animais, foi o primeiro a operar no Estado de São Paulo, em 1871, e o último a fechar no Brasil, um século depois.

Em quase toda sua existência, os elétricos vieram da Inglaterra, tendo a maioria de seus equipamentos sido construídos pela firma Hurst Nelson, sediada em Motherwell, Escócia. Santos era a única cidade da América do Sul que possuía o sistema de bondes escocês, tinha o melhor serviço do País, bem como contava com a maior frota de veículos em operação na América do Sul. À Cidade pertenciam ainda os únicos carros articulados e abertos do mundo, e as ruas eram riscadas por trilhos com bitola de 1.350 milímetros (1,35 metro).

O novo percurso é feito pela Avenida Bartolomeu de Gusmão, entre as vias Siqueira Campos e Sampaio Moreira, e o carro tem o ponto inicial em frente da Igreja de Santo Antônio do Embaré. O retorno é feito por uma ligação transversal existente no outro extremo da linha, quando o elétrico volta na mesma posição, mas com a troca do ponto de comando. Os controles do bonde 46 foram fabricados pela English Electric, porém sua carroçaria é de origem desconhecida.

A CSTC informou que o carro veio da Inglaterra em 8 de junho de 1920 (veja A Tribuna de Santos), porém a última encomenda feita a Hurst Nelson ocorreu em 1913, bem como a empresa que explorava o serviço nada adquiriu da English Electric no período de 1922 a 1924. Durante a I Guerra Mundial, os números de diversos carros foram trocados, e parece que o atual bonde 46 era o 23, que veio da Hurst Nelson em 27 de fevereiro de 1911.

Todos os elétricos de Santos eram, originalmente, abertos, porém na década de 50 apareceram alguns fechados. A restauração do segundo bonde, o 40, está no início e há planos para a extensão da linha até o José Menino, por onde passou o primeiro carro elétrico em 1909 - região considerada, na época, o centro comercial da Praia de Santos. O bonde 46 circula na linha turística 13, que era o número de antiga linha que percorria toda a extensão da orla.

A Cobrasma S.A., que constrói equipamentos de metrô para o Rio de Janeiro e São Paulo, já ofereceu projeto de um novo bonde para a Cidade. Para a conservação do veículo existente, e como não foi feita uma ligação entre o bonde 46 e a oficina da CSTC, na Vila Matias, deveria existir uma cobertura para protegê-lo na praia, evitando o seu desgaste pela ação do tempo.

O elétrico circula de terça a domingo, das 8 às 20 horas. Às segundas-feiras, roda das 16 às 20. É pequena a tarifa cobrada. Vindo de São Paulo, o turista pode pegar um trem na Estação da Luz e descer pelo plano inclinado da Serra do Mar. Depois é só tomar o trólebus 4 e chegar até a praia. Outra alternativa é vir de São Paulo, via Metrô até o Jabaquara, onde o embarque pode ser feito no ônibus que segue até a Ponta da Praia, o qual passa pelo local da linha turística 13".



Veja agora como este bonde turístico entrou no desvio da História...

Carlos Pimentel Mendes