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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS DIRIGENTES
David Capistrano da Costa Filho

De 1/1/1993 a 31/12/1996 

Nascido no Recife (PE) em 7 de julho de 1948 e prefeito de Santos de 1993 a 1996 - tendo também ocupado neste município o cargo de secretário de Saúde de 1989 a 1992 -, o médico David Capistrano Filho faleceu em 10 de novembro de 2000:


David Capistrano Filho
Foto: divulgação/PMS, publicada no jornal santista Perspectiva em 12/1992


David Capistrano, em 1992, meses antes de sua eleição para prefeito
Fotograma: captura de tela - debate eleitoral - anúncio na TV Litoral em 16/6/1992


David Capistrano Filho

Foto: Ernesto Papa, publicada no livrete Santos, Jurado: a ilha e o novo, de 1996


David Capistrano Filho e a cidade que ele governou
Foto publicada por Julinho Bittencourt em seu perfil na rede social Facebook, em 28/10/2015

No dia 7 de novembro de 2010, o jornal santista A Tribuna dedicou as páginas A-1, A-4 e A-5 ao décimo ano do falecimento de David Capistrano Filho:

Capistrano, o revolucionário gênio da Saúde

Falecido há 10 anos, o ex-prefeito de Santos David Capistrano é reconhecido internacionalmente por ter desenvolvido e participado de políticas sociais inovadoras, sobretudo em sua área de atuação, caso do Sistema Único de Saúde (SUS). Para o médico Cláudio Maierovitch, "era um gênio na área da Saúde".

 

David Capistrano ganhou sete prêmios internacionais na área da Saúde. Prefeito, teve como prioridade a habitação: conseguiu acabar com favelas e construir conjuntos habitacionais, com verbas municipais. Idealizava a reurbanização do Porto e a criação de áreas de lazer e turismo na faixa portuária - projetos tocados hoje com verbas federais. Escrevia e lia compulsivamente

 


Foto: arquivo A Tribuna

Um gênio da Saúde - David Capistrano

Há 10 anos (10.11.2000), morria David Capistrano da Costa Filho. Foi bem mais do que prefeito de Santos (1993-1996): representou a introdução de políticas sociais inovadoras no País, sobretudo na Saúde, e reconhecidas em todo o planeta

Renato Santana

Da Redação

"Um amigo leal até a morte! Deu força para a vida dos mais humildes e ao querubim que se ergue diante de Deus!"

Os versos de Friedrich Schiller (1759-1805), musicados por Ludwig Van Bethoven (1770-1827), foram uma referência para o ex-prefeito de Santos David Capistrano da Costa Filho, morto há 10 anos, em 10 de novembro de 2000, quando se recuperava de um transplante de fígado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A fusão dos talentos do poeta e do músico alemães, na Nona Sinfonia deste último, produziram a obra mais admirada por David, e se tornaram um símbolo de sua trajetória como médico sanitarista revolucionário, estadista inventivo e, sobretudo, militante político comprometido com as grandes causas do povo.

"É um cara do tamanho do Oswaldo Cruz (médico sanitarista que erradicou a varíola e a febre amarela no Rio de Janeiro, no início do século 20)", destaca o jornalista Sérgio Gomes sobre David. Juntos, eles dividiram, em 1975, uma cela nos porões do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), órgão de repressão e tortura da Ditadura Militar (1964-1985).

Em Santos, David é conhecido por seus oito anos na Prefeitura: quatro como secretário de Saúde (1989-1992) do governo Telma de Souza e outros quatro como prefeito (1993-1996). Controverso e polêmico, marcas que o acompanharam pela vida, angariou admiração e antipatia por suas políticas transformadoras e postura de provocador.

Viveu depressa. Parou aos 52 anos. David, de acordo com todos os entrevistados por A Tribuna, parecia viver assim, como se não tivesse tempo. Tudo era urgente. "Minhas divergências com ele foram de modelo de gestão. Ele faz muita falta", afirma a ex-prefeita Telma de Souza, hoje vereadora e eleita deputada estadual neste ano.

Uma revolução na Saúde - David Capistrano nasceu em Recife (PE), em 7 de julho de 1948. Um ano antes, o então presidente da República, marechal Eurico Gaspar Dutra, havia extinto o registro do Partido Comunista do Brasil (PCB). Como os pais de Davizinho - assim chamado na época -, Maria Augusta e David Capistrano, eram dirigentes comunistas e tiveram de entrar na clandestinidade, o menino veio ao mundo imerso em luta política.

"O David pai só foi ver o filho dois anos depois do nascimento. Nos primeiros anos da adolescência, Davizinho já estava envolvido com a militância e sua primeira prisão aconteceu quando tinha 16 anos", conta Geraldo Pereira, amigo da família do ex-prefeito.

Apesar de todas as dificuldades, David se formou médico no Rio de Janeiro. Dali por diante, caminhou para se tornar um dos maiores nomes da área de Saúde brasileira. Para o ex-ministro da Saúde (em 1992 e de 1995 a 1996) Adib Jatene, em artigo publicado na imprensa à época da morte de David, o sanitarista promoveu uma revolução na saúde do País.

"Não era apenas um militante político. David era um intelectual, pensava o Estado e era um profissional muito competente, além de gênio na área da Saúde", sublinha o médico e ex-secretário de Saúde de Santos, Cláudio Maierovitch.

Foto: arquivo A Tribuna

SUS nasceu na cadeia - Em 1975, David foi preso junto com o médico Ubiratan de Paula Santos, o Bira, que viria a ser secretário de Governo na Administração David Capistrano. Eles formavam um grupo de médicos no clandestino PCB, cujo objetivo era formular propostas sobre saúde pública e, por esse viés, combater a ditadura.

"Estávamos na cela David, Bira, Valdir Quadros, Emílio Bonfante de Maria e eu. Na verdade, eu comprei a vaga do David com um carcereiro - eles eram bem corruptos - para montar uma cela variada. A intenção era se organizar melhor na prisão", conta o jornalista Sérgio Gomes.

O grupo, barbaramente torturado, passou a elaborar e discutir diversas políticas, sobretudo na área da Saúde. Decidiram que quando saíssem dali montariam o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Em atividade até hoje, a organização se constituiu em um verdadeiro celeiro de propostas na área de Saúde para a Constituinte dos anos 1980.

"Escrevíamos tudo em papéis de maço de cigarros. O que veio a ser o Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu ali. As idéias todas estavam ali e David era a referência", revela Gomes. Uma das preocupações de Capistrano era que, com a volta da democracia (o que ocorreria em 1985, com a posse do vice-presidente José Sarney no lugar de Tancredo Neves), os médicos não se importassem com o público, apenas com o privado.

Preocupação que trouxe para Santos quando assumiu a Secretaria Municipal de Saúde, em 1989. Antes, entrou, junto com seu grupo de médicos, em conflito com o PCB até sair, em 1984, e filiar-se ao PT.

Um estadista em Santos - Enviados pela direção estadual do PT, David e Glauco Arbix chegaram a Santos, em 1988, para organizar a campanha Telma de Souza. David nunca mais saiu da Cidade.

A avaliação era de que a coligação de esquerda (PT-PCdoB-PSB) tinha todas as condições de ganhar, e o PT, de implementar as políticas de governo que vinha acumulando no decorrer da década de 1980.

"Ele era um estrategista incrível e veio para pensar a política do PT no governo. Não era só secretário de Saúde, mas um articulador de todas as políticas públicas", disse Suely Maia, atual secretária de Educação e vereadora nos oito anos de governo petista.

Junto com Telma de Souza, David fez uma dupla que fundia carisma junto ao povo e alta capacidade de pensar o Estado num período de graves problemas econômicos nacionais.

"A criatividade em formular políticas públicas num tempo em que não havia recursos fez do David um sujeito visionário, e de Santos, uma cidade com muitos problemas na recente redemocratização, referência nacional em muitos aspectos", frisou o arquiteto e urbanista José Marques Carriço.

Na Saúde, David assumiu que Santos era o município líder em casos de HIV no Brasil. Ao lado do médico Fábio Mesquita, combateu o problema com políticas audaciosas. "Quando decidimos distribuir seringas, o Ministério Público (MP) ameaçou o David de prisão. Anos depois, virou política nacional".

A criação das policlínicas (hoje denominadas Unidades Básicas de Saúde, a despeito de a maioria da população se referir a elas pela denominação original) e a implementação do SUS na Cidade também foram outras formulações de David. Sempre com polêmica e audácia.

"Como prefeito, mostrou o lado estadista. Para ele, em época de crise, o Estado precisava dar assistência. Chegou a iniciar a formulação de um Banco de Santos para aquecer a economia da Cidade. Recentemente ganharam um Nobel de Economia com esse tipo de formulação", ressaltou Bira, secretário de Governo de David. Ele se referiu à láurea concedida em 2006 ao economista Muhammad Yunus, de Bangladesh (Ásia), criador de um banco que empresta dinheiro a pessoas pobres sem lhes pedir garantias.

Para o tucano Edmur Mesquita, secretário de Cultura na gestão de David, ele se antecipou ao que veio depois. "Sua administração tinha preocupações que surgiram depois, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. E ele, além de tudo, era muito preocupado com a parte cultural", lembra Mesquita.


Foto: arquivo A Tribuna

Sofreram. Mas estão aqui

A enfermeira Haidê Benetti de Paula conheceu o marido David em 1976, quando ambos trabalhavam em Registro, Vale do Ribeira, pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Foram 24 anos de convivência com "um cara cujos sentimentos o guiavam para trabalhar pelos excluídos. Tudo o que fazia era para melhorar a condição de vida dos despossuídos", diz Haidê.

Com ela, David teve três filhos: David, Adélia e Augusto, que se tornaram irmãos de Marta, do primeiro casamento do médico. Haidê conta que a família padeceu com a vida atribulada do marido. "Ele acordava bem cedo e, antes de sair, já tinha lido um jornal. Se você fosse à Prefeitura às 22, 23 horas, ia encontrá-lo lá. Trabalhava muito, não sei como ele conseguia".

Profissional dedicado e pai amoroso, David tinha hábitos simples. Nas férias, por exemplo, costumava ir com a família a Caraguatatuba. Viagens para fora do País, só a trabalho. "Em Santos, David viveu o período em que menos ganhou dinheiro. A situação melhorou quando, depois de sair da Prefeitura (em 1996), ele passou a dar consultorias na área da Saúde".

Capistrano era funcionário do Estado. Depois de deixar a chefia do Executivo santista, voltou a trabalhar em São Paulo, onde desenvolveu, junto com o médico Adib Jatene, o Programa Quali - Saúde da Família. Manteve, contudo, o mesmo endereço - seguiu residindo na Cidade até sua morte.

Em 2000, foi exonerado, mas não parou. A amizade antiga com José Serra, então ministro da Saúde do Governo Fernando Henrique Cardoso e candidato derrotado à Presidência da República neste ano, o levou a ser assessor em Brasília.

"Foi David Capistrano que me convenceu a ser ministro , assim que aceitei, fui conversar com ele para saber o que tinha de ser feito", declarou posteriormente Serra. Muitas de suas políticas para o setor, como as policlínicas, saíram da cabeça de David e foram implementadas em Santos.

Haidê lembra que David passou por dificuldades. Isso acabava afetando a vida familiar: "Ele sempre conversava sobre idéias, problemas".

Mas o que mais causou mágoa foi o tratamento dado aos Capistrano. "Ouvíamos muito: 'Fora! Voltem para Bauru!' Isso realmente foi difícil. O David fez muitas coisas boas por esta Cidade".

Segundo amigos, David era profundo conhecedor da história de Santos e tinha fascínio pelo Patriarca da Independência, José Bonifácio (1763-1838). Até hoje, seus familiares vivem na Cidade.


Foto: arquivo A Tribuna

Secretariado desmente pecha de gafanhoto

Foi o ex-prefeito Oswaldo Justo (PMDB, 1984-1988) que passou a chamar os secretários de governo o próprio David Capistrano de gafanhotos. No entanto, 70% do secretariado era composto por pessoas da Cidade.

O prefeito João Paulo Papa, também peemedebista, prefere se referir a David como "uma referência em matéria de Saúde Pública, e, por este motivo, merece todo o nosso respeito". Com David prefeito, eram de fora os secretários de Saúde, Planejamento, Meio-Ambiente e Governo, além de alguns cargos de segundo e terceiro escalões.

Outra característica de David era a de ser um político incomum. "Ele não era populista, tampouco vaidoso. Não trocava seus ideais para vencer uma eleição. Não falava o que as pessoas queriam ouvir. Era diferenciado", observa Cláudio Maierovitch. Para ele, David trouxe o que havia de melhor em políticas públicas.


Foto: arquivo A Tribuna - novembro de 2000

Sonhos e idéias interrompidos

A equipe médica obteve sucesso no transplante de fígado feito em David Capistrano. Ele se recuperava e estava muito entusiasmado antes de uma infecção deixá-lo inconsciente. "Não teve tempo para perceber o que estava acontecendo", descreve Haidê Benetti de Paula.

A viúva lembra que David mantinha muitos sonhos. Um deles era de completar o projeto que trouxe de Trieste, Itália: acabar com todo tipo de detenção. "Ele fechou o manicômio Anchieta e abriu os Núcleos de Apoio Psico-social (Naps). Queria acabar com as Febens e presídios. Falava de novos modelos, novas formas".

Mesmo internado, David fez questão de falar com Telma de Souza, que disputava as eleições de 2000 contra Beto Mansur, e dizer que seria importante ela conversar com o médico Tomas Söderberg, candidato derrotado à Prefeitura, para obter seu apoio no segundo turno.

A vereadora Cassandra Maroni (PT) lembra desse período com emoção: "O David me disse ao telefone que tinha ficado sabendo da minha boa votação para a Câmara. Falou que votou em mim. O último voto dele".

Haidê assinala que David estava descontente com o PT, mas não deixaria o partido nem tentaria o Legislativo: "A única vez que ele quis foi para a Constituinte (no pleito de 1986). Ficou triste por não conseguir".


HOMENAGEM PÓSTUMA - O cartunista Laerte Coutinho, mais conhecido como Laerte, desenhou a seqüência de quadrinhos acima. A tirinha foi publicada no jornal Folha de S. Paulo m 13 de novembro de 2000. Há referência à Internacional, famoso hino socialista e uma das mais conhecidas canções do mundo

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