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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CONFRARIA
Boa Morte, uma confraria bicentenária (5)

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Nas igrejas do Carmo existe desde 15 de agosto de 1793 a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. O professor e pesquisador Francisco Carballa, que se tornou Irmão nessa entidade religiosa, enviou a Novo Milênio, em 5 de novembro de 2012, este artigo sobre as confrarias e irmandades no Brasil e especialmente a da Boa Morte:

A devoção - quem é Nossa Senhora da Boa Morte

Nossa Senhora é a Mãe de Jesus citada nos evangelhos e atos dos apóstolos. Deus - que nunca foi gerado ou criado, sendo sua origem um mistério para a Humanidade - fez questão de conceder uma mãe para seu filho.

 

Isso é motivo de inveja do arcanjo Satanahel (portador da luz de Deus - sem o Hel fica Satana ou adversário), o mesmo que, decaído, perdeu a dignidade de ter em seu nome a palavra Hel que quer dizer Senhor ou Deus. Satana, por ter Pai e não ter uma mãe, sempre magoará a mãe de Jesus para atingi-lo, e nunca contará com uma virtude que a Virgem Maria tem, o perdão, pois ela é a genitora do filho de Deus e seus exemplos devem ser de bondade e não o contrário dos ensinamentos de Cristo (diz o Cristão devoto).

Ouvi muitas vezes a passagem do Evangelho de São Lucas, sobre quando a Virgem Maria foi escolhida por sua honra e concebeu Jesus Cristo em seu ventre pelo poder do Espírito Santo, contrariando as leis da natureza em que um homem se une a uma mulher e a união dos dois gera uma nova vida. No caso da Senhora de Jerusalém não foi assim, ela gerou o filho de Deus sem ação humana, pois ele apenas se transformou em homem e regrediu de forma a se tornar o início da semente humana, por isso ela é considerada pura e sem pecados.

Sabemos que havia uma saudação colonial brasileira em que as pessoas cumprimentavam os outros dizendo: "Ave Maria puríssima!" e a resposta era "Sem pecados concebida!".

Sendo concebida sem pecado ou mancha, cumpriu sua missão de Mãe acima dos sentimentos, opiniões ou injúrias dos seres humanos; ficou ao lado de Jesus durante sua infância, adolescência, juventude, vida adulta, condenação, morte, ressurreição e ascensão ao céu; junto com os apóstolos e discípulos, durante o Pentecostes, participou no cenáculo, dando a presença de Mãe para a primeira comunidade cristã, pois todos nós gostamos da presença da mãe ao nosso lado, seja na infância, na juventude ou vida adulta. Finalmente, sem doença ou motivo, ela anunciou sua passagem para a eternidade, e foi elevada ao mais alto paraíso, por ser justa e reta perante os olhos de Deus.

Mistério da morte

Ainda hoje o ser humano - com toda a tecnologia que conseguiu alcançar - se incomoda com a questão da morte, fato que é visto como um grande evento, mesmo antes de nossos antepassados começarem a registrar sua própria história ou a desenvolver práticas religiosas das mais diversas.

Sendo muitas as culturas do mundo, criaram muitas histórias sobre o assunto morte. Por isso, existem muitas lendas justificando o final dos seres humanos. Para nós, no Brasil, prevalece a que foi contada pelos judeus e herdada pelos católicos, referindo-se sua causa ao castigo de Adão e Eva por sua desobediência.

Existe uma curiosa lenda da morte na cultura judaica-cristã, segundo contam muitos árabes ao redor das fogueiras, ou antigos galegos da Galícia (Espanha), aqui enriquecida por certos detalhes mais complicados.

No principio, quando Adão e Eva desobedeceram ao criador do universo e pegaram o que não lhes pertencia, foram condenados a vir para o mundo e assim teriam a morte como castigo, sendo decretado no céu que todos os viventes da terra deveriam ter um dia o final de sua vida. Assim, Deus chamou um arcanjo e o encarregou de decretar o fim da vida dos viventes: seu nome é Arcanjo Asrahel. Ele se submeteu à ordem divina, mas foi escolhido um segundo arcanjo que havia perdido sua dignidade e seu trono celeste, a esse anjo foi dado o nome de Morte e este, preocupado, conversou com o Altíssimo, que disse: "Tu te chamaras Morte e porás fim à vida dos viventes na terra!" Assim respondeu o anjo caído: "Mas Senhor, todos vão me culpar e odiar por isso!" Ao que afirmou o Criador: "Tu nunca levarás a culpa!”

Hoje, ouvindo essa história simples e profunda, vemos que todos os seres humanos mais cedo ou mais tarde encontram o dia de sua morte, que nunca leva a culpa do fim de uma vida, mas é uma realidade de todos os povos e que nos preocupa desde tempos e terras muito antigas.

Confraria e função

Ouvimos que por todo Brasil, existem essas associações, que na verdade são agremiações ou congregações de pessoas que têm uma mesma devoção e que, reunidas, promovem essa devoção ou sua festa religiosa com regras que manterão a união e a ordem.

Regularmente reunidas, essas pessoas cumprem sua função de devotos reunidos em um grupo e assim são instruídas no evangelho e na doutrina cristã, receberão uma sepultura destinada aos irmãos falecidos e farão suas preces pelos mesmos.

Sua função é unicamente religiosa, pois todas as irmandades e cerimônias paraliturgicas direcionam as pessoas para o verdadeiro sentido do Cristianismo, que é a devoção maior a Jesus Cristo e o oficio divino da Eucaristia, onde todos comungam do mesmo corpo e sangue do Salvador segundo sua ordem e pedido - ou seja, tudo está voltado para Deus.

Dentro de uma irmandade há uma hierarquia em que a figura principal é o seu diretor espiritual, pois é uma instituição religiosa. Assim, o padre que está nessa função será o que celebra o sacrifício da missa e distribui comunhão aos irmãos, confessa, aconselha, batiza, casa, encomenda as almas dos irmãos falecidos.

É preciso distinguir uma irmandade da outra: havia uma série de combinações de cores nas opas e musetas (espécie de capas costuradas a um capote, que os irmãos usavam nos ofícios, procissões ou enterros). No caso da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, era o capote branco com a museta roxa, tendo bordado em amarelo a sigla da confraria (CNSBM), acrescentando-se a palavra provedora/provedor para os que são eleitos para essa função, e cabendo ao eleito homem o uso da vara que o distingue como líder da confraria.

Bem conhecida como símbolo do poder, a vara do provedor tem uma origem medieval como símbolo de autoridade. No Brasil, era comum que o vereador da casa de leis ou câmara usasse uma vara, com a qual se distinguia como autoridade ou poderia bater ao chão para chamar atenção ao pedir o direito de voz. Podemos ver, na famosa pintura de Benedicto Calixto sobre a fundação da Vila de Santos, dois provedores ou vereadores com suas varas.

O uso das mesmas varas era comum ainda nos anos 60 do século XX. Na entrada das procissões do Senhor Morto na Sexta-feira Santa, no Corpus Christi e na festa de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos, ainda era comum então os provedores usarem a vara para alinhar as filas da esquerda e direita dos irmãos, que aos poucos se fechava na extremidade final e ia adentrando o templo, com o andor ou pálio com o esquife do Senhor Morto (varas negras e tecido roxo com dourado) ou Santíssimo Sacramento (varas prateadas e finas e tecido adamascado dourado).

 

Uma característica das irmandades na procissão, além da opa, era o veleiro, que teria duas cores para distinguir a mesma e uma cruz desenhada no veleiro do provedor, sendo usadas as cores características da associação - no caso de Nossa Senhora da Boa Morte era o branco no cabo e roxo no esparmacete.

Era comum que nas páginas dos jornais santistas, encontrássemos referências às irmandades em plena atividade, como no caso da procissão do Senhor dos Passos, quando as mesmas colocavam avisos em jornais locais marcando o local para se reunirem e se dirigirem para o convento do Carmo e assim, por ordem de fundação, tomarem seus lugares na procissão do Encontro, o mesmo ocorrendo com a CNSBM.

As irmandades também dão um conceito de ordem e organização para o povo, havendo nelas o tesoureiro que recolhe os aforamentos ou cobranças pela manutenção da sepultura com seu ocupante por mais um tempo, e o escrivão que registra quando foi sepultada a pessoa e quando deve ser exumada para dar lugar a outro irmão, também registrando em ata todos os fatos que ocorreram na irmandade.

Muitos ainda se recordam das cerimônias religiosas que havia em Santos, as procissões do enterro da Virgem Maria e Assunção de Nossa Senhora organizadas pela irmandade.

A cerimônia principal ocorria no dia 14 de agosto, quando se recorda a morte da Virgem: às 18 horas havia uma missa, seguida de procissão onde o esquife que levava a Senhora deitada, com lindos acolchoados adamascados, flores e o pálio roxo com laçarotes duplos com franjas douradas; depois da cerimônia paralitúrgica havia a vigília ou velório, como se a imagem da Santa fosse um corpo de verdade, por um determinado tempo, até ser recolocada de volta no altar e ser por sua vez retirada a da Virgem da Assunção.

Recomeçando com mais alegria a festa no dia 15 pela manhã, quando - em seu andor, muito adornado com flores alegres - era exposta a Virgem ressuscitada e assunta ao céu na nave da igreja, ocorrendo a missa e finalmente a procissão com seus anjos, comitiva das virgens, irmandades, clero e debaixo do pálio a relíquia do Santo Lenho. Uma dessas festas foi registrada em fotos de 1936, quando substituíram a antiga imagem de roca por uma nova, adquirida possivelmente em São Paulo, com uma estatura considerável que ainda hoje é exposta durante as festividades na igreja e guardada durante o ano no consistório da mesma.

 

Saída da procissão de Nossa Senhora da Assunção, em 15 de agosto de 1936, do Carmo, com a Irmandade da Ordem Terceira levando o andor, acompanhada pela Irmandade da Boa Morte
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

 

Temos que recordar que - desde o início do povoamento até o período do Concílio Vaticano II no Brasil - as missas e cerimônias religiosas aglomeravam muito mais cristãos devotos.

Os tempos mudaram com o aparecimento da comunicação em massa, da Internet, novas dificuldades enfrentadas pelas famílias quase destruídas em sua unidade, falta de compromisso das pessoas com sua fé, muita diversão e o esquecimento da importância das irmandades, hoje resumidas a certo abandono por parte daqueles que nada fazem para promovê-las espiritualmente ou materialmente, em uma secularização que rompe com as tradições de um povo, apenas tentando de todas as formas possíveis extingui-las, pela falta de divulgação ou simplesmente pela dissolução das mesmas, sem entender a sua verdadeira importância.

Sua importância na sociedade colonial brasileira

Trazidas de Portugal e implantadas no Brasil Colônia, tiveram a função de unir as pessoas das comunidades nascentes em torno de uma devoção comum, havendo o fato de que se houvesse algum desentendimento entre os fiéis, perante o altar ou a igreja de Cristo, esses problemas seriam deixados de lado em nome de algo maior que é a Fé.

Temos um relato do século XVI, sobre uma procissão em São Vicente. Seguia-se o costume jesuítico em que um fiel substituía no cortejo o  personagem homenageado, se faltasse a imagem correspondente. Nesse caso, a do Senhor dos Passos carregando a cruz. Ocorreu que o colono encarregado de representar o personagem preferiu ficar entre aos romanos que castigavam outro cristão nesse caso fazendo o papel de Cristo, assim fazendo na encenação para evitar o outro colono, seu desafeto.

Ocorreu que, aos olhos rígidos da igreja da época, ele foi arrolado em processo inquisidor e chamado a se explicar pela sua pouca atenção a "Jesus Cristo" e sua predileção pelos romanos: seria um marrano (judeu convertido ou cristão-novo) no meio dos cristãos?

Perante as autoridades, ele explicou que havia um desentendimento entre ele e o outro crente que fazia o papel de Jesus Cristo, preferindo agradar seus amigos a uma pessoa pela qual não nutria amizade naquele momento, argumento que foi aceito pelas autoridades religiosas.

 

As irmandades, associações de fiéis, procissões ou funções religiosas conseguiam unir as desavenças frente ao compromisso religioso, por isso o nome irmandade que quer dizer irmãos, como se fossem da mesma família, algo intimo e próximo, onde um auxilia o outro.

As irmandades já tiveram um grande papel na sociedade brasileira, onde participar de uma, além de provar que era um cristão autêntico e não marrano, significava um status social grande e garantia certa importância na sociedade, recebendo assim certos favores para conseguir postos de emprego, comércio, casamentos etc. Nessa época, havia uma cooperação em que um confrade auxiliava o outro, de forma a todos progredirem, tanto da comunidade civil quanto na vida religiosa.

Era comum que, na hora do falecimento de um confrade, toda a irmandade se reunisse para buscar o corpo preparado pela família, levado em um esquife dessa confraria para a igreja, em forma processional. Então ocorriam a missa de corpo presente e seu enterramento na nave da igreja, em frente o altar ou no lugar dentro do templo onde estivesse ereta tal irmandade. Era costume que os coveiros fossem negros destinados a essa função, muitas vezes pertencendo à própria irmandade.

Ainda hoje, em Nova Orleans, as comunidades católicas, anglicanas e protestantes se responsabilizam pelo sepultamento das pessoas que fazem parte de seu grupo, formando aqueles famosos funerais, onde começam tocando suas marchas tradicionais fúnebres e em seguida passam às musicas de jazz, quando toda a comitiva do enterro começa a dançar, recordando que sua origem é ligada a escravidão.

Outra importante função das irmandades é instruir seus fiéis na fé cristã e na devoção patrona da mesma. É a reunião para rezar o terço que aproxima o rico do pobre, o governante do governado e etnias diferentes (antigamente o senhor e o escravo) em um sentimento cristão e devoto.

Oficialização

As fundações dessas entidades são anteriores às datas de sua oficialização, existindo as mesmas no início apenas nas igrejas onde tinham sido eretas, sendo posteriormente transferidas por vários motivos para outras localidades ou sedes próprias.

Por exemplo, Nossa Senhora da Dormição ou - como foi chamada em Portugal e depois no Brasil - de Nossa Senhora da Boa Morte, tratando-se do título dado a Mãe de Deus quando adormece no Senhor e, segundo a fé cristã, é ressuscitada e levada ao céu por Jesus Cristo (por isso tendo também a Virgem Maria o título de Nossa Senhora da Assunção). Observe-se que a palavra assunção significa que foi elevada ou arrebatada ao céu, pois apenas Jesus Cristo foi para o céu por sua própria vontade e poder - daí dizer-se Ascensão do Senhor.

 

Nos tempos antigos - e ainda nos dias de hoje -, as pessoas querem ter sua hora da morte ou passamento em paz, daí a devoção, igualmente mostrando que todos os viventes morrerão, ficando apenas na eternidade Deus e os anjos que nunca provarão da morte.

Nesse momento difícil em que a maioria dos seres humanos se cerca de dúvidas e agonias quanto às perguntas sobre o Além, sem respostas convincentes, a presença da Mãe do Céu é muito reconfortante. Talvez venha daí o costume de estar em um mesmo altar a figura da Virgem Maria ressuscitada em sua Assunção que faz pendant com figura da Virgem Maria falecida, recordando a promessa da vida eterna do cristianismo, citada inclusive na oração do Credo, onde se afirma que ocorre a ressurreição do fiel após a morte (trecho do Credo: "Na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém").

Histórico

Existem vagas referências de sua origem da Irmandade ligada aos escravos, carecendo de pesquisas para comprová-las, havendo informação de que a mesma devoção era do tempo dos jesuítas e portanto os cativos seriam na verdade os indígenas escravizados e posteriormente os negros de África. O certo é que a irmandade achou abrigo no século XVIII na Ordem do Carmo, onde manteve seu acervo e história: é a partir daí que temos informações mais precisas.

Ao evangelizar os povos da mata atlântica desde o século XVI, os jesuítas trouxeram em determinada época as orações e devoções de Portugal, inclusive dos 14 Santos auxiliares, comuns na Europa, especialmente em Portugal e agora no Brasil.

Ultimo recurso quando se perdia a saúde, as Santas Casas eram o destino de todos que estavam feridos, enfermos ou moribundos, ligados aos problemas mais conhecidos da época em que muitas enfermidades eram associadas a uma fé, possivelmente seriam essas devoções usadas nos hospitais das Santas Casas do Brasil para auxiliar os pacientes, com raros médicos ou remédios e muitas mezinhas, orações e promessas. Findados todos os demais recursos devocionais, a a devoção de Nossa Senhora da Boa Morte, deitada em seu esquife, servia para garantir o socorro celeste a uma boa morte, sem muito prolongamento da agonia.

São 14 os Santos auxiliares:

01 - Santo Acácio Mártir (festa em 8 de maio) - contra as dores e demais males de cabeça.

02 – Santa Bárbara Mártir (4 de dezembro) - contra febre, morte súbita ou decorrente de tempestade.

03 – São Brás Bispo e Mártir (3 de fevereiro) - contra doenças da garganta e protetor, com Santo Antão, dos animais domésticos.

04 - Santa Catarina de Alexandria Mártir (25 de novembro) - contra morte súbita.

05 - São Cristovão Mártir (25 de julho) - contra a peste bubônica e perigos durante a viagem.

06 - São Ciríaco Mártir (8 de agosto) - contra a tentação no leito de morte.

07 - São Denis Confessor (9 de outubro) - contra as dores e demais males de cabeça.

08 - Santo Erasmo Mártir (2 de junho) - contra as enfermidades do ventre, dos intestinos e as dores de parto.

09 - Santo Eustáquio Mártir (20 de setembro) - contra a discórdia familiar.

10 - São Jorge Mártir (23 de abril) - pela saúde dos animais domésticos.

11 - Santo Egídio (1 de setembro) - contra a praga, por uma boa confissão, e pelos inválidos, mendigos e ferreiros.

12 - Santa Margarida de Antióquia (20 de julho) - contra os ataques diabólicos e por um bom parto.

13 - São Pantaleão Mártir (27 de julho) - contra o câncer (cancro) e a tuberculose e pelos médicos.

14 - São Vito Mártir (15 de junho) - contra epilepsia, morte decorrente de tempestade, e pela proteção dos animais domésticos.

Não constando oficialmente na lista, podemos adicionar o título mariano de Nossa Senhora da Boa Morte, presente possivelmente na velha Matriz e posteriormente na Santa Casa de Misericórdia de Santos, conforme se lê em uma menção antiga.de 1752, quando a mesma Confraria teria ajudado na construção da torre do Convento do Carmo.

A imagem da devoção da Virgem da Dormição ou Senhora da Boa Morte é encontrada em várias cidades, algumas das quais tive chance de conhecer:

01 – Cidade de Santos, na Igreja Conventual do Carmo, final do século XVI (quando iniciaram sua construção, segundo alguns), em um altar lateral;

Mosteiro de São Bento de Santos de 1650, que possui uma antiquíssima imagem onde a Virgem Maria está em pé, mas com as mãos postas e os olhos fechados, sem a coroa de prata que um dia deve ter adornado sua cabeça, nem as joias e os adereços próprios da época, incluindo outro manto por cima do que tem, pois isso tudo era fruto da piedade popular e graça de uma boa morte recebida dos céus. Conta inclusive com uma cartela de madeira que servia de estandarte processional, mostrando a Senhora deitada igualmente com as mãos em prece, possivelmente pertencendo devido ao seu estilo de talha aos antigos proprietários da ermida de Nossa Senhora do Desterro.

02 - Cidade de São Paulo, na igreja construída em 1810 para abrigar a irmandade do mesmo nome na região central, onde acompanhei muitas vezes a procissão do enterro de Nossa Senhora.

03 – Cidade do Rio de Janeiro, na igreja do mesmo nome; ereta em 1735, abrigando duas irmandades antigas que se fundiram na que hoje é conhecida como Venerável Ordem Terceira da Conceição e Boa Morte.

04 – Cidade de Cotia, na igreja Matriz de 1713, em um altar lateral.

05- Cidade de Itu, na igreja Matriz de 1780, em uma capela ou entrada lateral.

Todos esses lugares tiveram a ação evangelizadora (ou catequizada) dos jesuítas, difundindo a devoção da mãe de Deus sob esse titulo, sendo possível que suas irmandades ou apenas devoções passem para as igrejas após a expulsão jesuítica.

Quando foram expulsos dos domínios portugueses pelo então marquês de Pombal, no século XVIII, seus bens foram seqüestrados pelo governo. Havendo certa desconfiança das autoridades quanto a tudo que fosse jesuítico, ocorreu certo desconforto em São Paulo de Piratininga aos devotos desse título mariano, ao ponto de que os participantes da confraria de Nossa Senhora da Boa Morte serem chamados a depor sobre os papeizinhos que portavam e receberam na igreja com essa menção, comprovando-se assim que dita associação religiosa é muito antiga por lá. Ao verificarem o que continham os misteriosos papeizinhos, encontraram apenas uma oração e nada que fosse contra o governo pombalino.

A perseguição aos Santos da ordem da Companhia de Jesus foi radical, escapando apenas Jesus Cristo, os mártires e a própria Virgem Maria - entre seus títulos, o de Nossa Senhora da Boa Morte foi mantido e venerado pelos devotos.

É possível que a expulsão dos padres da Companhia de Jesus (decretada por lei em três de setembro de 1759) fosse o motivo pelo qual a confraria foi ereta de forma independente, sendo comum que logo que houvesse um número grande de devotos, surgisse uma confraria, oficializada ou não. Assim ocorreu em Santos, havendo menções da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte antes do ano de 1793 (quando foi oficializada), mas sua historia fica mais conservada e registrada quando eles se instalam na Igreja dos Carmelitas, onde está até hoje, tendo suas sepulturas (defronte do altar) cobertas pelo novo piso e assim esquecidas de sua presença e função de inumar os irmãos falecidos naqueles tempos.

Em suas atas, temos histórias muito interessantes, como:

 

1 - a da missa pelas vítimas do naufrágio do navio Sírio em 4 de agosto de 1906 (retratado em pintura muito dramática de Benedito Calixto em 1907, atualmente pertencente ao acervo do MASP);

2 - o caso de dona Patusca, que fora recusada como irmã e, falecendo, recebeu sepultura na quadra da Ordem Terceira do Carmo, ao que a confraria se desculpou afirmando que não sabiam do seu estado de saúde;

3 - a da suspensão das missas e de toda função religiosa que aglomerasse pessoas durante a epidemia de Gripe Espanhola em 1918, e a missa celebrada logo após como ação de graças aos sobreviventes na cidade de Santos;

4 - da irmã que, falecendo, deixou suas joias para se fazer um resplendor para Nossa Senhora (hoje desparecido);

5 - a da necessidade da confraria em adquirir suas próprias lanternas de procissão, visto que eram usadas as da Ordem Terceira do Carmo, e assim se fez decidindo-se numa comissão quais as melhores para as funções religiosas;

6 - a da compra, da Irmandade do Senhor dos Passos, de parte de seu terreno no jazigo dois do Paquetá, sendo esse acordo firmado em cartório;

7 - a da reforma dos jazigos um e dois situados no cemitério do Paquetá;

8 - o túmulo que ficou com um sepultamento por quase 110 anos.

A Confraria sempre tomou parte da procissão de Corpus Christi da Catedral de Santos, até que com as catastróficas medidas modernizantes dos anos 1970, puseram fim a essa imponente demonstração de fé cristã santista.

Fitas de ex-votos da Boa Morte

É comum que muitas pessoas recorram a essa devoção quanto têm um parente com muita agonia na hora da morte, pedindo o auxílio da Mãe de Deus para que Ele se compadeça do moribundo, aliviando suas dores finais. Assim, como ex-voto, levam até o altar da Senhora uma fita de qualquer cor ou largura, com a altura da pessoa e em muitos casos seu nome, como nos exemplares recolhidos. Essa é a origem das fitas coloridas que vinham intrigando muitas pessoas com a sua presença no altar, sempre atiradas ou jogadas para ficar junto da imagem de Nossa Senhora.

Missa Compromissal da Irmandade

No primeiro domingo de cada mês ocorre a missa compromissal. Os integrantes da confraria se reúnem em uma missa, inclusive registrando seus nomes em um livro-ata de presença, tomando parte na celebração geralmente feita pelo padre diretor espiritual da mesma confraria; todos comungam o Corpo e Sangue de Cristo, então são feitas preces pelos irmãos falecidos no mês e de todas as épocas.

 

Nessas ocasiões, por costume, é levada a cruz processional adiante, seguida dos irmãos usando suas opas, e demais irmãs, até o altar que fica na entrada da nave da igreja ao lado direito. É cantado o hino, que é uma jaculatória, e o sacerdote faz as preces, ajoelhado em um genuflexório. Terminado o compromisso religioso, todos em cortejo se dirigem para o consistório da irmandade, onde lhes é servido um café com biscoitos.

Geralmente em agosto ocorre a festividade da Virgem Senhora, quando a imagem adquirida em 1936 fica exposta no presbitério da igreja durante os dias da semana do tríduo no mês de agosto, recebendo a veneração dos fiéis.

Hino de Nossa Senhora da Boa Morte
 

1

Senhora da Boa Morte;
Pura Santa e Imaculada;
Guiai sempre os nossos passos;
Nesta atribulada.

Estribilho

Senhora da Boa Morte;
Pura Santa e Imaculada;
Guiai sempre os nossos passos;
Nesta atribulada.

2

Senhora da Boa Morte;
Por vosso sofrimento;
No decorrer de nossa vida;
Dai-nos forças e alento.
 

Estribilho - Senhora da Boa Morte.....

3

Senhora da Boa Morte;
Valei-nos compadecida;
Para termos boa sorte;
Gozarmos da eterna vida!
 

Estribilho - Senhora da Boa Morte.....


Bibliografia:

 

- Novo Milênio/O Bonde

- Apócrifo - Livro de São João Evangelista (O Teólogo) ou Tratado de São João o Teólogo sobre a passagem da Santa Mãe de Deus.

- Apócrifo da Passagem da Bem Aventurada Virgem Maria.

- Bíblia Sagrada 

- Ano Cristão – Padre Croiset – 1898 - Porto - tomo Nº VIII

- Atas da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte (entre 1900 e 1960).

- Pesquisas com os Irmãos

- Hemeroteca Municipal e a do jornal A Tribuna.

- No tempo dos Bandeirantes – Belmonte, S.Paulo, c.1948

- Memórias da Cidade do Rio de Janeiro – Vivaldo Coaracy – 1965 – vol. 3 – Livraria Jose Olympio Editora.

- Igrejas de São Paulo

- Devoção particular.

 

Estandarte de Nossa Senhora da Boa Morte do Mosteiro de São Bento, que manteve essa devoção, sendo usado em procissões da Ordem Beneditina em Santos com o povo. Permanece como peça do museu, é um dos últimos remanescentes desse tipo de arte devocional do século XVIII, segundo informação ali encontrada, sendo feito em madeira com pinturas e muito poucas talhas; está sem o mastro de aproximadamente metro e meio, que o sustentava na base.
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

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