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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBO
Jagunços e luta pela terra. É Santos: 1980 (2)

No Sítio do Quilombo, a força das armas era poderosa, em pleno século XX

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Quem vive na área insular de Santos talvez nem imagine quão recentes eram as disputas armadas por território dentro do município, com jagunços enfrentando posseiros numa terra sem lei - ou melhor, onde a lei era ditada pelo poder de fogo do mais forte. Uma explosão de violência, fazendo aflorar às manchetes um assunto então pouco abordado na imprensa, ocorreu em 1980 na área continental de Santos, divisa com Cubatão, sendo assim continuado o noticiário a respeito, pelo antigo jornal Cidade de Santos, na edição de 12 de novembro de 1980, na primeira e última páginas:

Imagem:

reprodução parcial

da primeira página

do jornal Cidade de Santos

 de 12 de novembro de 1980,

com a chamada da matéria

 

 

Quilombo: prazo a Salomone

 

Lúcio Salomone, um dos proprietários e inventariante do Sitio do Quilombo, onde no sábado atos de vandalismo foram praticados, após o despejo de 11 famílias, tem 24 horas para explicar ao juiz da 3ª Vara Cível de Santos todos os ocorridos, pois não havia ordem de despejo.

Já os oficiais de Justiça que estiveram no Sítio afirmam que os atos de violência não foram praticados nem por eles nem pelos policiais.

 

Quilombo: juiz dá prazo a Salomone

O juiz da 3ª Vara Cível de Santos deu um prazo improrrogável de 24 horas para que o inventariante do Sítio do Quilombo preste esclarecimentos do ocorrido com os moradores desse sítio, onde foram praticados atos bárbaros durante 12 horas no sábado. Segundo os meios forenses, os atos de vandalismo contra as 11 famílias do Sítio do Quilombo não foram praticados pelos oficiais de Justiça e nem pelos policiais militares que ali estiveram para cumprir uma determinação judicial de imissão de posse.

De acordo com o relatório dos oficiais de Justiça Adilson Peres Lucas e Antonio Vicente Rodrigues, os advogados, conforme iam recebendo as áreas desocupadas, tomaram por bem derrubar alguns casebres, o que foi constatado posteriormente pelos representantes do Poder Judicial. Alegam que no dia 8 deste mês, cumprindo determinação expedida por aquele Juízo e extraída nos autos de inventário dos bens deixados por Matilde D. da Silva, dirigiram-se à área denominada Sítio do Quilombo, após preencheram as formalidades legais, com auxílio de Força Policial, constituída de oito policiais.

Na ocasião, o inventariante Lucio Salomone estava representado pelos advogados Manoel Muniz, Paulo Roberto Teixeira e um de nome João. O trabalho teve início às 9 horas e devido à grande extensão da área e distâncias entre um casebre e outro, à medida que iam desocupando as casas, sem nenhuma violência por parte dos oficiais de Justiça e da Polícia Militar, os moradores se comportaram educadamente, saindo pacificamente.

Atos de vandalismo - Conforme informações do pessoal do local, os atos de barbarismo começaram a ser praticados logo que as casas ficaram vazias. A imobiliária Savoy havia levado empregados que foram se apossando dos equipamentos das firmas; pegaram um trator e começaram a demolir as casas. Os demais trataram de matar galinhas a paulada e os pássaros que se encontravam no viveiro não tiveram melhor sorte, sendo que arrancaram as cabeças dos pássaros, jogando estas para um lado e os corpos para outro.

Os oficiais de Justiça ressaltaram ainda que, assim que chegaram ao local, montaram um esquema de trabalho, ficando uma RP com dois policiais à entrada do Sítio, bloqueando a entrada de pessoas e caminhões que operavam na área, tudo para evitar tumulto e garantir a segurança para todos, tendo deixado somente orientação para que deixassem entrar na área os advogados das partes.

Foi então imitida a posse da área compreendida por dois portos de areia explorados por Waldemar e em seguida a região explorada por Paulino, sendo que foram desocupados ao todo seis casebres. Foram também oferecidos caminhões para o transporte de pessoas, assim como bens, utensílios e ferramentas de trabalho para lugares por eles mesmos indicados.

Amigos de Campos - Na ocasião, um certo cidadão, dizendo que ia trazer repórteres, assistente social e socorrer ao prefeito Carlos Frederico Campos, se insurgiu contra o ato judicial, sendo que o sr. Waldemar e esposa se declararam com bastante influência com o prefeito de Cubatão, já que forneciam areia à Prefeitura. "Aos berros, o casal dizia que nós íamos perder o nosso emprego, que a Justiça estava falida e que estávamos todos, sem distinção, comprados pelo poder econômico do autor da ação", afirmaram os oficiais de Justiça em seu relatório.

Alegaram ainda que o advogado Manoel Muniz, que se encontrava ao volante do seu veículo, tendo ao seu lado o seu colega Paulo Roberto Teixeira dos Santos, por muito pouco não foi agredido, chegando inclusive Waldemar a enfiar sua mão janela adentro do veículo, sendo interceptado pelos oficiais de Justiça. Tudo isso ocorreu por volta das 19 horas, ocasião em que os representantes da Justiça se retiraram do local para retornar posteriormente.

24 horas - Em vista do relatório e do noticiário da imprensa, o juiz da 3ª Vara Cível que denunciava a prática, por terceiros, de atos que extravasam os limites da ordem judicial contida no mandado de imissão de posse, determinou um prazo de 24 horas para que Lucio Salomone, inventariante e um dos proprietários do Sítio do Quilombo, prestasse esclarecimentos sobre o ocorrido, sob as penas da Lei.

Em seu despacho esclarece que "inobstante esses fatos, e à vista de tudo quanto consta do processo, a ordem judicial, na forma em que proferida, não é de ser modificada. Efetivamente, o inventariante deve estar na posse do patrimônio, e a imissão foi determinada pelo Juízo ante a renitência da ex-inventariante.

"Assim, prossegue é que Helena da Silva Santana, desde que assumiu a inventariança, não deu regular andamento ao feito, e por isso foi substituída pelo atual inventariante (Lucio Salomone), a quem a primeira se recusou a prestar contas, ou entregar a posse e administração dos bens do espólio. Chegou, até mesmo, a ser lavrado um auto de desobediência". O descumprimento generalizado, pela inventariante anterior, das determinações deste Juízo, foi por ela expressamente admitido em petição que veio a se desculpar. Seus próprios patronos, os anteriores, já lhe moveram notificação para que atendesse à determinação judicial e entregasse a administração e posse dos bens. Nada fez, ela, senão tumultuar o processo.

Não há ordem de despejo - Em sua determinação, afirma que a imissão de posse, todavia, concedida pelo Juízo ao inventariante atual, não abrangia qualquer ordem de despejo e principalmente dos herdeiros. Destinava-se, isto sim, a possibilitar, apenas e tão somente, a administração do espólio.

Desse modo, autorizou o retorno ao imóvel em questão, se dele saíram. A permanência fica exclusivamente a nele residir. Não devem e não podem praticar qualquer ato de administração. Segundo ainda informações forenses, dos cinco herdeiros que têm direito a residir no local, apenas lá reside dona Helena da Silva Santana.

Campinas quer explicação - O presidente da Câmara de Cubatão, Armando Campinas Reis (PP), disse ontem que vai oficiar ao diretor do Fórum de Santos, José Ricardo Tremura, ao secretário da Segurança, Octávio Gonzaga Júnior, e ao comandante do 21º BPMI, tenente-coronel Aderbal Lorenz, pedindo explicações a respeito das arbitrariedades ocorridas no Quilombo. Campinas acredita que "há um responsável para o fato e este responsável tem que aparecer". Ele duvida muito que "alguma autoridade tenha sido responsável por isto".

O vereador Mychajlo Halajko Júnior - líder do PMDB - tentou entrar em contato com o comandante do 21º Batalhão, ontem à tarde, mas foi informado de que ele não se encontrava no quartel. Mychajlo pretende voltar a procurar o comandante hoje, para tratar do assunto.

Promoção Social - Considerando como um ato judicial de despejo que assumiu proporções inimagináveis, causando reflexos de ordem social, a diretora da Divisão Regional da Secretaria de Estado da Promoção Social, Regina Helena Burgos Pereira, afirmou, na tarde de ontem, que "como se trata de problema registrado em outro município (Cubatão), a pasta estadual somente poderá intervir se órgãos locais de apoio não tiverem condições de solucionar, por si próprios, a questão".

Entretanto, parte do Sítio do Quilombo, onde se registrou o incidente, integra área de Santos, onde as autoridades se mantiveram em expectativa até o final da tarde, aguardando parecer do prefeito Carlos Frederico Soares de Campos, de Cubatão.

Segundo Regina Helena, a Regional da Promoção aguarda um posicionamento da chefia do Executivo cubatense, a fim de poder definir um esquema de atendimento às 11 famílias que foram violentamente retiradas de suas residências. Conforme explicou, a pasta deverá promover um levantamento das pessoas atingidas, baseado em informações fornecidas pela Promoção Social da Prefeitura de Cubatão, assim como receber informações precisas a respeito de crianças doentes e o tratamento a elas despendido: "Pretendo ainda entrar em contato com o juiz José Ricardo Tremura, da 3ª Vara Cível, pois somente dessa forma poderemos analisar a situação, e não adotarmos uma atitude baseada apenas em suposição e pareceres unilaterais".

A diretora da regional afirma que o órgão se manterá em posição de expectativa, e após a elaboração de um relatório, atuará em pontos básicos para solucionar a questão. Segundo Regina Helena, a pasta "atua na retaguarda, e tem como proposta, nesse caso, alojar provisoriamente as famílias implicadas, fornecendo-lhes alimentação". As entidades Prato de Sopa e Albergue Noturno poderão, explicou, fornecer atendimento provisório aos elementos afetados, caso não se encontre uma medida conciliatória: "Não podemos atuar em outro município, pois Cubatão conta com órgãos devidamente organizados para esse fim", ressaltou.

Imagem: reprodução parcial da última página do Cidade de Santos de 12/12/1998