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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBO
Jagunços e luta pela terra. É Santos: 1980 (1)

No Sítio do Quilombo, a força das armas era poderosa, em pleno século XX

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Quem vive na área insular de Santos talvez nem imagine quão recentes eram as disputas armadas por território dentro do município, com jagunços enfrentando posseiros numa terra sem lei - ou melhor, onde a lei era ditada pelco poder de fogo do mais forte. Uma explosão de violência, fazendo aflorar às manchetes um assunto então pouco abordado na imprensa, ocorreu em 1980 na área continental de Santos, divisa com Cubatão, sendo assim registrado pelo antigo jornal Cidade de Santos, na edição de 11 de novembro de 1980 (uma terça-feira), na primeira e última páginas:

Imagem: reprodução parcial da primeira página do Cidade de Santos de 11/11/1980

Violência no Quilombo: PM invade e destrói casebres

Policiais militares de Cubatão e representantes da Imobiliária Savoy, cerca de trinta pessoas, vinte das quais armadas, invadiram o Sítio do Quilombo, em Cubatão, despejando com muita violência as 11 famílias que moravam naquele núcleo, sem que tivessem apresentado mandado judicial.

Além disso, mataram a pauladas galinhas, patos e pássaros dos despejados e ainda roubaram objetos de pequeno valor, como relógios e ferramentas.

O prefeito Carlos Frederico Campos autorizou o socorro às vítimas, ficando chocado com os fatos, já que não respeitaram nem duas crianças que estão com pneumonia.

 

Fotos publicadas com a matéria


Vandalismo da PM no Sítio Quilombo

Atos bárbaros não admissíveis nos dias atuais foram praticados durante doze horas contra moradores do Sítio do Quilombo - quilômetro 64 da rodovia Piaçaguera-Guarujá - por policiais militares de Cubatão e representantes da Imobiliária Savoy. Eram cerca de 30 pessoas - 20 das quais armadas - que investiram contra 11 famílias, não respeitando os menores - 21 ao todo - nem duas crianças enfermas que estavam com pneumonia, mal atestado pelo Pronto Socorro de Vila Parisi.

Entre os invasores havia dois que se diziam oficiais de Justiça e que ali se encontravam para cumprir mandado judicial. Não apresentaram carteira funcional nem exibiram o mandado. Em ação conjunta, os vândalos foram retirando os pertences das famílias e jogando em caminhões; pegaram em seguida o trator que se encontrava no local e derrubaram 4 casas. Não pouparam galinhas, patos ou pássaros que se encontravam no viveiro, que foram esquartejados. Levaram as galinhas e os patos, bem como objetos de pequeno valor, como relógios e ferramentas. Até cachos de banana foram roubados.

O prefeito nomeado de Cubatão, Carlos Frederico Soares Campos, soube dos acontecimentos ainda no sábado e autorizou o socorro da Promoção Social às vítimas. Ele está chocado com o ocorrido e não acredita que a ação tenha sido autorizada por qualquer juiz. Waldemar da Silva - vítima e proprietário da área - e seu advogado - que não quer publicidade - estão à procura da Polícia Civil que tenha jurisdição no local, pois tentaram prestar queixa nas Delegacias de Santos, Cubatão e Guarujá e nada conseguiram.

Os fatos - Por volta das 9 horas, moradores do Sítio Quilombo - trabalhadores ali mantidos pelas três firmas que funcionavam no local, sob a responsabilidade do sr. Waldemar Silva - foram surpreendidos com a chegada de proprietários da imobiliária Savoy, caminhões (um deles identificado como sendo da firma Itororó que opera em Cubatão), dois veículos da Polícia Militar de Cubatão (uma viatura nº 2113 e um Tático Móvel nº 197) e um Volks conduzindo dois senhores que se apresentaram como oficiais de Justiça. Sem apresentar identificação funcional ou o mandado judicial, informaram que ali estavam para cumprir ordem judicial.

O sr. Waldemar Silva, sabendo da existência de uma imissão de posse concedida pelo juiz da 3ª Vara Cível, José Ricardo Tremura - bem como os demais moradores - não opôs qualquer resistência aos homens que ali estavam. Embora atemorizados, pediram ponderação. O sr. Waldemar informou que havia crianças doentes (duas com pneumonia), o que foi comprovado mais tarde pela Promoção Social da Prefeitura de Cubatão. Como resposta - conta - os homens iniciaram a retirada de todos os pertences das 11 famílias. As senhoras não tiveram nem chance de fazer o almoço para dar às crianças. "Graças aos favores dos vizinhos, foi possível assar um tatu pra comer", disse.

O prefeito Campos ficou chocado com a destruição dos barracos e violência às 11 famílias

Foto publicada com a matéria

Atos animalescos - As pessoas humildes que moram naqueles sítios próximos à Cosipa não estão acostumadas a presenciar tanta brutalidade. Ficaram ainda mais revoltadas por haverem policiais entre os "invasores". Enquanto que os pertences que se encontravam nas 4 casas iam sendo retirados, o sr. Waldemar foi para seu pequeno escritório. Também lá foi incomodado: "Não queriam me deixar entrar. Insisti e consentiram, mas em nenhum momento pude ficar sozinho. Sempre tinha algum policial próximo de mim".

Os atos de barbarismo começaram a ser praticados logo que as casas ficaram vazias. A imobiliária havia levado empregados que foram se apossando dos equipamentos das firmas; pegaram um trator e começaram a demolir as casas. Os demais trataram de matar galinhas "a paulada". Os pássaros que se encontravam em viveiro não tiveram melhor sorte. Os brutos satisfizeram seus instintos sádicos arrancando as cabeças dos pássaros, jogando estas para um lado e os corpos para outro.

Apesar de estarem cercadas, as vítimas procuraram fazer o que podiam para encontrar socorro. Chamaram uma ambulância do Pronto-Socorro da Vila Parisi para atender a Jandira Antunes Bartolomeu, casada, com seis filhos menores. Esta foi levada ao PS e ali permaneceu por algumas horas, até que fosse aliviando a forte tensão emocional da qual foi tomada ao assistir tantos atos de vandalismo. O atendente do PS, Luiz Carlos Almoinha, ficou impressionado ao ouvir o relato de dona Jandira. Decidiu então telefonar para a diretora do Departamento de Promoção Social da Prefeitura de Cubatão, assistente social Lea Natalina Pucciariello, pedindo instruções, alertando que se tratava de famílias residentes em áreas pertencentes a outro município. Ocorre que o sítio fica na divisa e os motoristas encarregados de retirarem do local os pertences dos "despejados" foram instruídos para que os depositassem em área de Cubatão.

Lea Natalina foi colocada pelo atendente em contato com um parente de dona Jandira, que relatou os fatos e alegou não ter recebido aviso de "despejo" por escrito. Disse-lhe também que no local se encontravam dois advogados da Savoy; uma pessoa que se dizia ser "oficial de Justiça", e que contavam com a colaboração de policiais de Cubatão (militares e investigadores) - conforme consta do relatório enviado ao prefeito.

Promoção barrada - Depois de muito custo foi possível a passagem da ambulância pela barreira formada pelos veículos da Polícia Militar. A diretora da Promoção Social ficou impedida de entrar no Sítio, embora estivesse em uma viatura oficial, da Prefeitura de Cubatão.

Ela conta como os policiais impediram sua entrada, no relatório que enviou ao prefeito: "A seguir, no Volks desta P.M.C. (a serviço da vigilância), juntamente com o sr. Macedo e o sr. Luiz (ambos funcionários da Prefeitura) fomos ao Kimombo; na entrada, fomos barrados pelos policiais militares de Cubatão, principalmente pelo sr. Reginaldo, o qual eu conheço; havia mais dois, um que disse-me chamar "Barata", e o outro não quis identificar-se; encontrava-se ali o Volks da polícia militar de Cubatão de prefixo 2113; também estavam (muito nervosos) o sr. Valdemar dos Santos e sua esposa, dona Neli Pereira da Silva, senhores Brasilino Leite e Rosalvo Dias Muniz, todos despejados e inconformados com a situação, visto que não haviam recebido anteriormente qualquer ordem de despejo oficial (por escrito), e viram seus barracos serem derrubados, sem que pudessem agir".

Imagem: reprodução parcial da última página do Cidade de Santos de 11/11/1980