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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - NA 1ª GUERRA
Santos e a Primeira Guerra Mundial (2)

A cidade comemorava também o final de uma epidemia de febre amarela, e acompanhava os tumultuados preparativos para a posse do novo presidente

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Santos acompanhou atentamente todo o desenrolar da Primeira Guerra Mundial, desde 1914 até o final em 1918, quando inúmeras manifestações de alegria foram feitas, pelo término do conflito na Europa. Ao mesmo tempo, no Brasil, o presidente Wenceslau Braz encerrava seu período de governo no dia 15/11/1918, e deveria ser substituído por Rodrigues Alves, que, doente (faleceria em 16/1/1919), nem tomou posse, sendo substituído pelo vice Delfim Moreira. Na cidade, terminava mais um surto da gripe espanhola, e este era outro destaque na imprensa.

Fundado pouco antes, em fins de 1917, eis o que publicava então o jornal vespertino santista Gazeta do Povo (ano I, número 274 - acervo de Waldir Rueda) de quarta-feira, 13 de novembro de 1918, na primeira página (ortografia atualizada nesta transcrição):

Primeira página da Gazeta do Povo de 13 de novembro de 1918

Considerações...

Chegamos, finalmente, ao epílogo da horrorosa tragédia que por mais de cinquenta meses ensanguentou o Velho Continente e os mares de todo o universo.

O orgulhoso império que para satisfazer sua ambição insaciável provocou essa carnificina horrenda, o país que não recuou ante as maiores traições, e mais vergonhosas, para garantir o seu predomínio no mundo, foi obrigado a confessar-se vencido e a aceitar todas as condições que lhe foram impostas pelos aliados para a suspensão das hostilidades.

E para que o castigo do grande criminoso não se limitasse à vergonha de fugir covardemente à luta, tendo ainda os seus exércitos, a restituir o que roubaram e a ter de resgatar, ao menos em parte, prejuízos enormes que causou, Deus, que é a suprema justiça, condenou-o ao que estamos vendo.

O kaiser foi expulso e o kronprinz saiu fugido (e consta sua morte), como vários reis e duques da federação, e o solo alemão, que só em pequenas partes foi pisado pelo inimigo, está sendo todo banhado em sangue, não sangue derramado na luta entre povos, mas luta fratricida, luta entre os filhos da mesma pátria, como já aconteceu na Áustria, na Turquia e na Bulgária.

Os assassinos de velhos, de mulheres e de crianças, os que no mar punham a pique navios mercantes e indefesos e pertencentes a nações neutras, matam-se, agora, uns aos outros, sem que qualquer das facções possa invocar, para justificar seu proceder, a defesa de nobres ideais.

Não! Os alemães batem-se uns com os outros, matam-se entre si porque veem-se expulsos dos solos estrangeiros que invadiram pela traição e não podem nos outros países continuar os seus assassínios e depredações.

Pelo que sucede na Alemanha e nos países que a acompanharam vê-se a diferença de caráter e de sentimentos entre esses povos e os da França, da Bélgica e da Itália. Esses países, quando pela traição se viam ameaçados de serem vencidos e esmagados, quando viam os seus territórios invadidos pelo inimigo e suas populações assassinadas e sujeitas às maiores brutalidades, foi quando mais se uniram e com maior altivez fizeram face aos que os queriam escravizar, conseguindo, afinal, dominá-los graças ao seu valor e ao auxílio que lhe prestaram os países que generosamente se puseram ao lado da causa do Direito e da Justiça.

Os alemães e seus cúmplices, pelo contrário, convencendo-se de que seriam derrotados, expulsaram os seus dirigentes, entregaram-se à luta intestina e curvaram-se ante os adversários externos, sujeitando-se a todas as condições que lhes impuseram.

E termina a guerra com o reerguimento da Polônia e dos outros países sufocados sob o jugo dos impérios centrais, com a entrega da Alsácia e Lorena à França e dos territórios irredentos à Itália e com o esfacelamento dos países que não recuaram ante os mais horrendos crimes para se assegurarem o predomínio do mundo.

E hoje, assinado o armistício, enquanto em todos os países aliados o povo percorre as ruas em manifestações entusiásticas, os sinos repicam festivamente e os canhões se fazem ouvir, não enviando balas e a morte, mas em salvas triunfais, nos países inimigos há lutas, assassinatos e suicídios.

E essa a Justiça e Deus, que é a suprema Justiça, pode tardar mas não falta!

A guerra e o estado de sítio

O decreto que adotou o estado de sítio fez alusões à necessidade da excepcional medida, como uma consequência da guerra.

Esta, com o armistício alemão, anteontem assinado, já passou para o domínio das coisas vencidas, pois ainda mesmo que os ex-súditos do kaiser quisessem se insurgir, já não haveria remédio, em face da entrega dos armamentos, da evacuação dos territórios, do bloqueio do império e da ocupação dos fortes.

Está, portanto, virtualmente terminada a guerra. E se está, não há motivos para a continuação do estado de sítio. Hoje realiza-se o último despacho do sr. presidente Wenceslau Braz. O sr. Rodrigues Alves, que o vai suceder e não desejava entrar o novo período de governo sob a pressão do estado de sítio, não teria porventura solicitado a revogação dessa medida excepcional? Ou preferirá o novo presidente que o sr. Delfim Moreira, na sua próxima interinidade, faça extinguir o sítio?

TELEGRAMAS

(VIA WESTERN)

O último pedido de crédito à Câmara dos Comuns

LONDRES, 13 - Na Câmara dos Comuns o ministro Bonar-Law apresentou o último pedido de crédito do ano financeiro.

Esse pedido atinge a 750 milhões esterlinos.

Nas justificativas desse pedido o sr. Bonar-Law expôs à Câmara a atual situação auspiciosa dos interesses britânicos.

A Romênia declara guerra à Alemanha

PARIS, 13 - A Gazeta de Frankfurt publica hoje telegramas afirmando que a Romênia declarou guerra à Alemanha. (N.E.: na época, a Romênia era citada como Rumânia)

A formação da República Austro-Alemã

COPENHAGUE, 13 - Acabam de chegar aqui notícias positivas de Viena comunicando que o Conselho de Estado adotou a resolução proclamando a República Austro-Alemã, formando parte integrante da República Alemã.

A indignação do kaiser e as suas iras contra o alto comando dos exércitos alemães

AMSTERDAM, 13 - De Maastricht telegrafam para esta cidade dizendo que o kaiser se resolveu a fugir, somente depois de ter conhecido as condições que eram impostas para o armistício.

Em proclamação que o governo alemão fez ao povo alemão e a todos os países, foi anunciada a abdicação do kaiser aos seus direitos da coroa, mas antes de assinar a abdicação, o ex-imperador Guilherme, sem poder conter seus gestos de indignação e o seu grande despeito, censurou amargamente o alto comando dos seus exércitos, por havê-lo enganado até a última hora.

As manifestações de alegria na cidade-luz

PARIS, 13 - Continuam aqui as grandes manifestações de entusiasmo por motivo da capitulação da Alemanha. Os boulevards (N.E.: bulevares) permanecem dia e noite quase intransitáveis, pela aglomeração de povo que está incontido nas suas mostras de viva alegria, ovacionando as principais figuras que salientaram na vitória da grande causa.

O ultimatum da Romênia à Alemanha

LONDRES, 13 - A Romênia expediu à Alemanha um ultimatum, no qual exige do governo alemão a retirada de suas tropas ainda no território romeno.

O ultimatum, que é concebido em linguagem enérgica, marca para a retirada dessas tropas o prazo improrrogável de 24 horas.

Os bávaros já regressam aos seus quartéis

AMSTERDAM, 13 - Os bávaros já abandonaram o desfiladeiro de Bremer, onde se encontravam

A revolução na Alemanha - Uma proclamação do Conselho em Berlim

AMSTERDAM, 13 - As manifestações revolucionárias na Alemanha continuam com o mesmo vigor, permanecendo ainda em Berlim o Conselho de Administração.

Este, na proclamação dirigida ao povo, declara que não existe mais a velha Alemanha de outros tempos. O militarismo, que tanto mal fez às liberdades públicas, se acha esmagado, assim como as testas coroadas se acham despojadas inteiramente do poder. A Alemanha de agora - conclui a proclamação - é uma república socialista.

Imagem: reprodução parcial da última página da edição de 13/11/1918

Câmara Municipal

A sessão de hoje é suspensa em regozijo pela assinatura do armistício

Reuniu-se a Câmara Municipal, sob a presidência do sr. Freitas Guimarães. Feita a chamada, responderam mais os srs. vereadores Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, coronel Joaquim Montenegro, dr. Benedicto de Moura Ribeiro, Benedicto Pinheiro, Guilherme Aralhe e comendador Alfaya Rodrigues. Procedida a leitura da ata da sessão anterior, que foi aprovada.

No expediente foi lido um telegrama do sr. E. Morgan, embaixador dos Estados Unidos, acusando o recebimento do ofício pelo qual foi informado da resolução da Câmara dando a denominação de Avenida Presidente Wilson a uma das avenidas da cidade de Santos.

[...]

Em seguida o vereador sr. Benedicto Pinheiro requer que, em congratulação pela assinatura do armistício e fazendo outras considerações sobre a paz, pede o levantamento da sessão.

Estando o requerimento assinado por todos os vereadores presentes, o sr. presidente dá por suspensa a sessão.

No dia 14 de novembro de 1918, uma quinta-feira, o mesmo jornal santista Gazeta do Povo (ano I, nº 275 - acervo de Waldir Rueda) voltava a noticiar na primeira página, continuando os telegramas na 4ª/última página (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da primeira página da edição de 14/11/1918

Grande manifestação patriótica, em regozijo pela vitória dos aliados

No próximo sábado, 16 do mês corrente, será levada a efeito uma grande manifestação patriótica, em regozijo pela vitória da causa dos aliados, constituindo-se uma passeata cívica que percorrerá as ruas da cidade em saudação às autoridades locais e dos países da entente.

À frente dessa iniciativa estão os srs. Saverio Angrisani, Miguel D1Anna e Antonio de Maria.

A manifestação terá um brilho excepcional, tendo em vista a organização que está sendo feita, será abrilhantada com quatro bandas de música que acompanharão os manifestantes durante todo o trajeto.

Entre o povo serão distribuídas lanternas multicores, para dar maior realce à passeata. Será observado o seguinte itinerário: sairão os manifestantes da Praça Mauá às 19 e 30 horas e seguirão pelo Largo do Rosário, Rua de Santo Antonio até a Praça Monte Alegre, onde será saudado o sr. prefeito municipal. Em seguida, os manifestantes entrarão pelas ruas de S. Bento, S. Leopoldo e 15 de Novembro, estacionando em frente ao palacete Pedro dos Santos, onde se encontram instalados diversos consulados dos países aliados, os quais serão saudados pelos manifestantes.

Depois seguirão a Rua de Santo Antonio, passando novamente pelo Largo do Rosário, indo ao consulado de Portugal que se encontra na Rua Frei Gaspar, palacete Viriato Corrêa. Em seguida descerão a Rua do Rosário e Avenida Conselheiro Nébias para saudar o consulado da França.

A volta será feita pela Rua General Câmara e Praça Mauá, para saudar a imprensa, dissolvendo-se em seguida no Largo do Rosário.

A comissão organizadora da importante passeata pede aos srs. diretores das linhas de tiro que promovam meios de ser a manifestação acompanhada pelo maior número possível desses rapazes.

Vai ser um deslumbramento. O sentimento de alegria do povo pela grande vitória, ainda não se manifestou: vai começando a se manifestar.

TELEGRAMAS

(VIA WESTERN)

As medidas do governo em Berlim

AMSTERDAM, 14 - O governo em Berlim como um dos atos complementares do armistício e preparativos para a paz a ser declarada, a fim de poder reprimir os excessos reacionários, declarou a cidade em estado de sítio, mas em compensação aboliu inteiramente a censura anteriormente estabelecida e ainda decretou a plena liberdade religiosa e estabeleceu a anistia completa a todos os políticos.

Não há notícias do kronprinz

AMSTERDAM, 14 - Continuam a correr com a mesma insistência os boatos relativamente à morte do kronprinz Frederic, afirmando uns que foi efetivamente fuzilado, outros que está ferido, outros ainda que não aceitam nem uma nem outra hipótese.

Até a meia noite era desconhecida aqui a sorte do kronprinz.

A Holanda recusa discutir a permanência do kaiser no território holandês

HAYA, 14 - Ontem, em sessão plena, a segunda câmara dos Estados Gerais rejeitou a proposta submetida à casa por um dos seus membros para discutir a permanência do kaiser no território holandês.

As esquadras aliadas passaram os Dardanelos

LONDRES, 14 - Um comunicado oficial acaba de declarar que as esquadras aliadas atravessaram ontem o estreito dos Dardanelos.

Favorecidas pelo bom tempo que reinou, as tropas britânicas que ocupam os fortes desfilaram em continência à passagem dos navios.

Grandes agitações na Espanha

MADRID, 14 - Em todo o reino começa o movimento reacionário contra as instituições dominantes.

Onde mais se acentuam as agitações populares é nos centros onde existe maior número de operariado.

Em Catalunha e Valência, os motins públicos assumiram grandes proporções.

Na capital continuam as agitações reacionárias, sendo a situação um tanto inquietadora, pois de instante a instante cresce a onda da reação.

O governo, no intuito de restabelecer a ordem, tem realizado várias prisões.

Grandes agitações em Viena

AMSTERDAM, 14 - Ontem, em Viena, verificou-se grande desordem em frente ao palácio do Parlamento.

O povo, em surtos de reação, investia contra a nova ordem de coisas, havendo necessidade de enérgica intervenção da força pública, estabelecendo-se tiroteio entre esta e os populares, havendo numerosos feridos de parte a parte.

Novo governo revolucionário alemão

LONDRES, 14 - Um radiograma que acaba de ser recebido aqui e procedente de Berlim comunica que o novo governo já foi constituído da seguinte maneira:

Ocupará as pastas do Interior e Guerra o deputado Eber; Hass, a do Exterior; para as finanças e colônias o deputado Scheldmann, o mesmo que das escadarias do Reichstag proclamou a República Socialista da Alemanha; para a pasta da Justiça e desmobilização, o sr. Dittmann, a política social ficou a cargo do sr. Barth.

Imagem: reprodução parcial da primeira página da edição de 14/11/1918

O socialismo e o nosso futuro

República socialista - é o rótulo com que já aparecem as novas repúblicas proclamadas ultimamente, nesse período de demolição que atravessa a Germânia.

Vai aos poucos se corporificando o ideal das classes proletárias, com a remodelação gradual dos governos, nessa revolução social que a queda do militarismo prussiano veio dar lugar. Vai aos poucos entrando para a organização da política dos povos, o novo influxo provocado pelo socialismo.

A Rússia, com os seus extremos, excedeu-se das raias ora trilhadas pelos povos centrais da Europa. Estes, de educação e espírito cultivado, não aceitaram as reações do bolchevismo que, como uma rajada de fogo, incendiava as instituições, torrando-as, mirrando-as no seu calor ardente, e ceifava, aos que resistiam, a vida, fazendo correr o sangue a jorros, desde os palácios às pocilgas onde não palpitasse um coração revolucionário.

A influência  sempre crescente das novas ideias socialistas vai se fazendo sentir no seio de todos os povos e não tardará a que se funde a federação universal, que certo terá saído dessas ideias, como a planta sai da sua semente...

De cérebro a cérebro, dominando-os um a um, pelo adiantado dos princípios que esposa, o socialismo expande-se e não tardará a que passe outras fronteiras e, dentro dos seus limites, consiga fruir, consiga firmar uma nova organização aos governos e uma nova orientação aos seus destinos políticos.

A França socialista, onde a Revolução de 89 criou uma nova face para o seu povo, entrará inevitavelmente com o seu contingente para as novas ideias e, após a tremenda luta que está em derradeiro estádio, aceitará as suas reformas porque não as poderá impedir, como impedir não pode o giro cotidiano da terra.

Da França passará além; virá para os lados de cá, da América, onde o campo está trabalhado para receber a semente das novas ideias, para as reformas novas.

De nós, que poderemos dizer? Que nos será reservado no grande movimentar do socialismo?

O futuro, e só ele, poderá dizer alguma coisa, mesmo sobre a maneira dele se fazer sentir no nosso grande Estado...

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