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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Crônica policial - 02
Assumiu o cargo usando falsa identidade

Só foi desmascarado quase dois meses depois, quando o verdadeiro funcionário apareceu para trabalhar...

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Este caso curioso de troca de identidade aconteceu pouco antes da Primeira Guerra Mundial, e logo numa repartição policial. A história foi publicada assim, na página 5 do jornal santista A Tribuna, edição de 28 de março de 1913 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

NA POLÍCIA MARÍTIMA

Fita tragicômica em que um foi "roubado" em... dois meses de vencimentos. O sr. capitão Anthero Moura é... bispo

Deu-se há dias, na Polícia Marítima, um fato que demonstra a audácia de certos politiqueiros.

No fim do ano passado, foi nomeado agente da Polícia Marítima deste porto o sr. Ambrozio Bernardo das Neves. Logo após a nomeação compareceu àquela repartição um indivíduo que disse ser o nomeado, apresentando uma carta do sr. Anthero de Moura, delegado de polícia da vizinha cidade de S. Vicente.

Tomou posse do cargo, exerceu as suas funções tranqüilamente, e mais tranqüilamente ainda meteu no bolso os vencimentos.

No dia 20 do corrente, se não nos enganamos, compareceu na Polícia Marítima, apresentando-se ao diretor daquela repartição, a fim de tomar posse do cargo para que fora nomeado, o sr. Ambrozio Bernardo das Neves.

O diretor ficou assombrado:

- Como! Mas o sr. Ambrozio das Neves já tomou posse e está trabalhando há mais de dois meses!

- Não sr., seu dr., o Ambrozio das Neves sou eu.

E apresentou todos os documentos comprobatórios da sua identidade.

O diretor fez chamar o outro Ambrozio.

- O sr. não se chama Ambrozio Bernardo das Neves?

- Sim, sr.

- Então apresente os seus documentos, porque este sr. diz ser ele o Ambrozio...

O Ambrozio n. 1 titubeou e, afinal, apertado de perguntas, explicou-se:

- O meu nome é Francisco Soares das Neves. Há muito tempo que os políticos de S. Vicente prometiam a minha nomeação para aqui. Como esta nunca saía e muitos dos nomeados não tomam posse, o capitão Anthero de Moura me aconselhou a apresentar-me com o nome de Ambrozio Bernardo das Neves e deu-me a carta que eu trouxe, dizendo que depois tudo se arranjaria.

O falso Ambrozio procedera de boa fé.

Chamado à inspetoria o sr. capitão Anthero de Moura, s.s. primeiro tentou negar o fato, mas depois não só o confessou como levou sua audácia ao ponto de querer convencer o diretor da repartição que não tendo comparecido o verdadeiro Ambrozio no prazo previsto pela lei, sua nomeação estava nula e o melhor seria deixar as coisas como estavam.

Felizmente, o chefe da Polícia Marítima é um caráter de rígida têmpera e não reconheceu ao sr. capitão Anthero de Moura a autoridade de bispo que este se arrogara, crismando o seu protegido para o colocar num posto que não lhe cabia. Fez revalidar a nomeação do verdadeiro Ambrozio, não o podendo, porém, indenizar dos dois meses de vencimentos com que o outro se alapardou, nem tampouco processar o falso Ambrozio, em vista da intervenção dos politiqueiros de S. Vicente, que fizeram abafar o processo.

Simplesmente vergonhoso! E dizer-se que é uma autoridade policial que se faz cúmplice de um conto do vigário!

Até onde iremos, senhor Deus!

O mesmo jornal A Tribuna, publicou no dia seguinte 29 de março de 1913, na página 5 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

NA POLÍCIA MARÍTIMA

Fita tragicômica - O sr. Anthero Moura não é bispo

Causaram grande impressão as revelações que ontem fizemos sobre o escandaloso fato de ter o indivíduo Francisco Soares das Neves servido, durante mais de dois meses, na Polícia Marítima sob o nome de Ambrozio Bernardo dos Santos (e não das Neves, como por engano saiu).

Logo que saiu o nosso jornal houve grande movimentação na repartição de Polícia Marítima, sendo chamados ali, pelo telefone, os repórteres de todos os jornais da terra. Foi uma assembléia imponente, sendo esta folha representada pelo sr. Júlio de Santiago, diretor da nossa sucursal em S. Vicente.

O sr. dr. Vieira de Campos, delegado de polícia da 2ª circunscrição, fez chamar à sua presença o falso Ambrozio e interrogou-o à vista do sr. capitão Anthero de Moura e dos representantes do 4º poder, ali congregados.

- Foi aqui o sr. Anthero de Moura que o mandou tomar conta do lugar, com o nome de Ambrosio?

- Não, senhor - respondeu ele. - O sr. Anthero de Moura me havia prometido um emprego, mas como nunca mais que vinha, eu, um dia, encontrando com o seu Plínio (seu Plínio é o escrivão dali), este me perguntou:

- Você conhece o Ambrosio Bernardo dos Santos?

- É este seu criado - respondi eu, que sabia da nomeação do outro e sabia também que ele estava fora.

- Pois então - disse o seu Plínio - vá tomar posse amanhã. E eu vim.

- É verdade - perguntou o sr. Anthero de Moura - que eu procurei sustentar aqui que você é mesmo o Ambrosio?

- Não, senhor, que eu saiba.

- Ainda um dia destes - perguntou ainda o sr. Anthero - eu não prendi você por ter furtado umas bolas de bilhar, em S. Vicente?

- Sim, senhor, é verdade.

Ficou, pois, patente, pela confissão do criminoso, que não é o sr. Anthero de Moura  o bispo que crismou o Francisco das Neves em Ambrosio dos Santos e nós folgamos em retificar nesta parte a nossa notícia, pois doía-nos que uma autoridade, e, ainda mais, um homem que tínhamos em bastante consideração, se prestasse a ser cúmplice desse conto do vigário de nova espécie.

Resta ainda, porém, um ponto obscuro nessa questão.

Por quê o sr. dr. Vieira de Campos não prendeu e nem processou Francisco Soares das Neves pelo crime gravíssimo que cometeu?

S. s. não pode, sequer, alegar que o culpado se furtara, pela fuga, ao castigo, pois ontem soube rapidamente onde encontrá-lo.

Há, portanto, um poder oculto que fez com que um indivíduo fosse recebido como funcionário numa repartição pública, sem se lhe exigir a menor prova de identidade e que, descoberto o seu crime, passeia impunemente pelas ruas de S. Vicente e de Santos.

Qual esse poder?

Eis o que havemos de descobrir.

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