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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BELMONTE - BIBLIOTECA NM
No tempo dos bandeirantes [26]

Conhecido principalmente pela atividade cartunística nos jornais paulistanos, e pelo seu personagem Juca Pato, o desenhista Benedito Bastos Barreto (nascido na capital paulista em 15/5/1896 e ali falecido em 19/4/1947), o Belmonte, foi autor de inúmeros livros, entre eles a obra No tempo dos Bandeirantes, que teve sua quarta e última edição publicada logo após a sua morte.

A edição virtual preparada por Novo Milênio objetiva resgatar esse trabalho, que, mesmo sendo baseado em pesquisas sem pleno rigor histórico, ajuda a desvendar particularidades da vida paulistana, paulista e, por conseqüência, também da Baixada Santista. Esta edição virtual é baseada na quarta edição, "revista, aumentada e definitiva", publicada pela Editora Melhoramentos, São Paulo, sem data (cerca de 1948), com 232 páginas e ilustrações do próprio Belmonte (obra no acervo do professor e pesquisador de História Francisco Carballa, de Santos/SP - ortografia atualizada nesta transcrição):

Leva para a página anterior[...]                                           NO TEMPO DOS BANDEIRANTES

[26] Os que não voltam

A endemia, o índio e o castelhano; três perigos distintos num só inimigo verdadeiro: o sertão - O fascínio da selva - Marcos humanos de uma conquista implacável - As cruzes simbólicas

os bandeirantes que morrem no sertão, vitimados pela doença ou pelos inimigos, dois são conhecidos de sobejo, tendo se tornado mesmo figuras quase lendárias: Fernão Dias Pais, "O Caçador de Esmeraldas" e Manuel Preto, "O Herói de Guairá".

O primeiro tomba para sempre, às margens do rio das Velhas, na jornada esmeraldina, mais pobre que um mendigo; e o segundo cai na áspera refrega do Guairá, "com muy buenos flechasos que le dieron los yndios contra quienes yva" - na expressão jubilosa desse heróico inimigo dos paulistas que foi o padre Simón Maceta.

Outros vultos da epopéia sertanista, nas ásperas travessias pelo sertão, vão caindo, aqui e ali, derribados pelas endemias ou chacinados pelo íncola feroz: Antônio Pires de Campos e Manuel Dias da Silva, trucidados pelos guaicurus, às margens do Taquari. Jerônimo Bueno, massacrado pelos guaranis, nas planícies do Guairá. Luís Pedroso de Barros, que morre às mãos dos serranos, no Peru. Fernão Pais de Barros que, nos sertões de Tambiú, é morto pelos espanhóis de Guairá. Por todo o imenso território da América do Sul, vão ficando corpos inanimados de desbravadores, enquanto as correntes humanas, despenhadas do planalto de Piratininga, investem para os sertões, irreprimíveis e vitoriosas "como as pororocas amazônicas"...

Quantos bandeirantes, no transcurso dessa homeríada sertaneja, terão caído para sempre dentro das selvas?

Impossível arriscar-se uma resposta. Sabe-se, contudo, pelo pouco que nos revelam os Inventários e Testamentos, que esse número terá sido grande e que não era por puro desfastio que os paulistas, antes de rumarem para o sertão, redigiam seu testamento...


Instrumento usado na mineração do ouro
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Belchior Carneiro, que parte em 1608, como chefe da bandeira de Antônio Raposo, o velho, escreve: "Eu Belchior Carneiro estando de caminho para fóra e temendo-me da morte..." O temor não é vão, porque Belchior morre, no ano seguinte, no sertão dos bilreiros [1].

Brás Gonçalves, o moço, da grande bandeira de Nicolau Barreto, morre em 1603 às margens do rio das Velhas ou, como ele próprio escreve: "neste sertão e limites que povoam os gentios temeninós..." Integram esta bandeira, segundo o padre Pastells, "207 portugueses y 3 clérigos..."

Brás Gonçalves, o velho, morre trinta e três anos depois no sertão dos Araxans. Os seus bens são logo postos em leilão, por ordem do chefe da bandeira, cap. Coutinho de Melo, e arrematados pelos bandeirantes, fiado por seis meses.

Isso porque, segundo Diogo Coutinho, estão aqueles bens em perigo, por "estarem em terra de inimigos onde facilmente os poderão levar e terem os orfans com isso perda, a falta de quem olhasse por esses bens..." [2].


Arcabuz
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Francisco de Almeida morre em 1616 no sertão de Paraupava. O chefe da bandeira, capitão Antônio Pedroso, manda o escrivão da tropa fazer o inventário dos bens. O escrivão é Pero de Araújo.

Pero de Araújo morre dezoito dias depois de arrolar o espólio de Francisco de Almeida. E o seu inventário é feito num pedaço de papel onde o bandeirante copiara quatro estâncias de "Os Lusíadas".

Pedro Sardinha inicia assim, em 1615, o seu testamento: "Neste sertão dos Carijós onde eu Pedro Sardinha ao presente estou e me acho em companhia do capitão Lazaro da Costa neste descobrimento a que veio, e por me achar mal..." E, realmente, morre um mês depois.

Custódio Gomes, que parte em 1635 na bandeira marítima de Pedro da Mota Leite, vai morrer no sertão dos Patos, já em terras de castelhanos, onde é hoje o Rio Grande do Sul. Sabe-se disso porque, em 1639, no Juízo da Ouvidoria Geral, de São Paulo, Matias Lopes, o moço, vai pedir providências para um atrapalhadíssimo negócio de índios que fizeram com Custódio, em Laguna, e que não pode resolver sozinho porque o dito Custódio Gomes morrera no sertão.

Juzarte Lopes também vai acabar seus dias no sertão dos Patos, em 1635, no tijupar de um cacique: "... por me achar muito doente neste certão em casa do principal Aracambi..."

Manuel Preto, o moço, escreve antes de morrer, em 1637, que, "estando doente neste rio de Taquari..." É um território mato-grossense, onde se encontra a grande bandeira do capitão Jerônimo Bueno, genro de Manuel Preto, o destruidor do Guairá.

Estêvão Gonçalves, dessa mesma tropa, morre aí também, no mesmo ano, "doente de doença que Deus me deu..."

Sebastião Gonçalves cai, ferido pelos índios, em 1641, às margens do Rio Grande, ou, como escreve o inventariante, "neste sertão dos goyanazes". É chefe dessa bandeira o capitão Jerônimo Pedroso.

Antônio da Silveira, da grande bandeira de Fernão Dias Pais que conta, então, 30 anos, morre "neste sertão do Rio Grande", em 1638.

João Preto, em 1637, com Manuel Preto, o moço, seu irmão, faz o seu testamento às margens do Taquari, antes de morrer "de doença que Deus foi servido dar-me".

Pascoal Neto, da bandeira que Antonio Raposo Tavares leva até os domínios dos tapes, charruas e minuanos, morre à margem da Lagoa dos Patos, em 1636, "neste sertão e logar onde chamam Jesus Maria de Ibiticaraiba, sertão dos Araxans..."

Martim Rodrigues Tenório escreve seu testamento em março de 1603 neste sertão e rio Paracatu. No inventário feito em São Paulo por ordem do juiz Bernardo de Quadros, faz-se o arrolameanto "da fazenda que se achar ser do dito Martim Rodrigues defunto por ser ido ao sertão e se dizer ser la morto". Rodrigues não é paulista, como esclarece um documento apenso ao inventário: "Martim Rodrigues agora defunto hespanhol..."


Espada de concha
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Matias de Oliveira, não se sabe ao certo em que data morre. Em 11 de março de 1643, vão os avaliadores oficiais ao sítio de Marianinha, arrolar os bens em poder da viúva. E escrevem que vão "nas casas da viuva Isabel de Góes mulher do dito defunto Mathias de Oliveira que no sertão no decurso de sete annos falleceu da vida presente conforme o affirmam e juram numero de testemunhas de experiência que bem sabem o risco e perigo do dito sertão".

Pedro de Oliveira desaparece na mesma jornada. Dele, sabe-se apenas que há sete anos foi ao sertão.

Antônio Gomes Borba morre no sertão, sem indicar o local e sem que se possa ler a data, roída pelas traças. Antônio Gomes é pouco explícito: "Declaro que vim a esta viagem donde de presente me acho..." Ou então: "Das peças que eu levar deste sertão..." É que Gomes Borba, como todos os outros, não imagina que, alguns séculos mais tarde, surja alguém para pedir contas de suas correrias pelas selvas...

Francisco Dias da Silva também não nos deixa o menor indício do local e da data em que pára, ao morrer. Presume-se, porém, que tenha falecido nos sertões do vice-reino do Prata, até onde chegou a sua bandeira. O inventário de São Paulo é feito em 1645. Dele, diz Pedro Taques que "se fez opulento de arcos cujos indios conquistou, com armas de sertão, e gostando desta guerra tornou para a mesma conquista, e no sertão dos Patos e Rio S. Francisco para o Sul até o Rio Grande de S. Pedro".

Francisco Saraspes é outro bandeirante que morre, simplesmente, no sertão, neste vasto, infinito sertão americano, em 1614. Sabe-se, apenas, que Deus o tem por ser falecido da vida presente.

Manuel de Chaves segue na caudalosa bandeira de 1603, cujo comando o capitão-mor da Capitania, Roque Barreto, entrega a seu irmão Nicolau Barreto. Vai a grande tropa até os sertões de Paracatu, apresando cerca de três mil índios e registando, em suas fileiras, grande número de mortes. Aí morre Manuel de Chaves, como escreve em seu testamento, "... doente de uma frechada que me deram os tupiães".

Luís Ianes, o moço, morre em 1628 no sertão de Ibiaguira, cabeceiras do rio Ribeira, na entrada do cap. Mateus Luís Grou. Escreve em seu testamento: "Vendo-me na idade de cincoenta e cinco annos e oito mezes estando neste sertão doente de uma enfermidade que Deus me deu..."

Fernão Dias Borges morre no sertão, em lugar desconhecido. Sabe-se que não regressa de sua entrada, devido ao inventário que se fez de seus bens, em São Paulo, "na paragem chamada Tremembé", e em que se lêem estas palavras: "...fazenda que ficou do defunto Fernão Dias Borges que ha sete annos foi ao sertão e por summario de pessôas dignas de fé e credito se provar ser fallecido da vida presente..."

Sebastião Pais de Barros, o grande bandeirante pertencente a uma das famílias de maior relevo na Capitania, filho do famoso Pedro Vaz de Barros, sobrinho de Fernão Dias e irmão de seis notáveis bandeirantes como Luís Pedroso de Barros, Antônio Pedroso de Barros, Valentim de Barros, Pedro Vaz de Barros, Fernão Pais de Barros e Jerônimo de Barros - também morre no sertão, em companhia de um filho.

Não se sabe ao certo onde morre. Como, porém, em 1674 se encontra nas cabeceiras do rio Tocantins, no Pará, onde recebe honrosa carta do príncipe regente d. Pedro, e como o seu inventário em São Paulo é feito nesse ano, presume-se que tenha falecido no Norte. A respeito de sua morte ali só se encontra este vago, mas sugestivo indício, no seu inventário: "...e outrosim mais vinte mil reis que se tiraram do montemor para se mandarem dizer missas pela alma do defunto Antonio Pedroso, filho do dito defunto que junto com seu pae falleceu no sertão..."

Outros, ainda, nessas marchas épicas do bandeirismo, vão ficando pelo caminho... João Pedroso, o moço, Francisco Ribeiro de Morais, Afonso Dias, Simão Sutil de Oliveira, Antônio Vaz... No solo pisado pelas botas rudes, cava-se uma cova. Um corpo desce e, sobre esse corpo inerte, ergue-se uma cruz - duas vezes simbólica porque ali, naquele sertão bruto, ela vale como um marco fincado no chão, a dizer que ali também é terra da Santa Cruz.


As cruzes simbólicas
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro


[1] Alfredo Elis, perfilhando uma opinião de Basílio Magalhães, situa os índios bilreiros no baixo Tocantins, o que é contestado por Taunay, com toda razão. No inventário de Bernardo Bicudo (I. e T., XV, 181) encontram-se estas linhas: "Mais se botou neste inventario meia legua de terras e matos maninhos em Capibari na estrada velha do sertão que vae para o sertão dos Bilreiros".

[2] Diogo Coutinho chefia um destacamento da grande bandeira do capitão-mor Antonio Raposo Tavares.


Polvarinho
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro


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