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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
Prece a Iemanjá

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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 12 de agosto de 1972:
 


Foto publicada com a matéria

Aqui, tudo para entender Iemanjá

Umbanda, Quimbanda, Candomblé, é tudo a mesma coisa? Não. Os umbandistas não gostam de ser confundidos com os quimbandistas. No primeiro grupo não existe a prática do mal, que é a característica marcante do segundo. Candomblé é mais folclórico, de terreiro, artístico. É um conjunto de coreografia mais para o espetáculo do que para religião, ou seja: exaltação da beleza exterior. A Umbanda nasceu no Brasil, entre os negros escravos trazidos da África. Como não entendiam o Português, e geralmente eram doutrinados no catolicismo, substituíam o nome dos santos e santas por outros como Iemanjá, Orixá, Oxalá, Xangô.

segundo os umbandistas, sua religião nunca pratica o mal, nem é responsável pelos despachos de galinha morta, vela e garrafa de pinga, muito comuns na Baixada Santista. Não praticam o feitiço, e atribuem isso aos quimbandistas.

Mas, em compensação, os umbandistas realizam também seus despachos, com outra finalidade: destruir o mal encomendado a uma pessoa, e realizado pela Quimbanda. Explicação de um umbandista para justificar o trabalho: "Quando alguém é mordido por uma cobra, recebe um remédio feito com o próprio veneno. Por isso usamos os mesmos instrumentos da Quimbanda para destruir o mal".

No momento é impossível calcular o número de adeptos do umbandismo, no Brasil. Em Santos, a religião aumentou muito nos últimos 10 anos, mas existem 1.500 tendas em toda a Baixada Santista, a maioria aqui e em Vicente de Carvalho. Em média, cada tenda reúne 300 pessoas. Somente no Estado de São Paulo, calcula-se que há 24 mil tendas.

Tudo na Umbanda gira em torno das 7 linhas, que são representadas por santos mas com nomes indígenas. Na realidade, são oito, porque a última linha é de Cosme e Damião. Pela ordem, aqui estão os santos dos umbandistas:

Iemanjá (Nossa Senhora da Glória), a rainha do mar, protetora dos lares, dos amores e dos navegantes. É o ponto-chave da religião.

Oxum (Nossa Senhora da Conceição), símbolo dos rios, protetora de todas as correntes de água doce.

Iansã (Santa Bárbara), santa das tempestades. As pessoas que incorporam Iansã são de temperamento impulsivo e nada as detém. Conseguem tudo o que querem.

Xangô (São Jerônimo), dono das cachoeiras. É o símbolo da justiça. Foi marido de Iansã (Santa Bárbara).

Oxossi (São Sebastião), protetor das florestas, dono dos caboclos. É quem mais se manifesta nos terreiros, receitando remédios baseados em ervas silvestres.

Ogum (São Jorge), muito adorado pelos umbandistas, simbolizando a vitória do Bem sobre o Mal (mata o dragão - Mal - com uma espada).

Cosme e Damião, dois jovens médicos que dedicaram toda a vida para as crianças. Depois de Iemanjá, Cosme e Damião são os mais adorados na Umbanda.

Dentro dessas sete linhas existem várias falanges (como linha do Congo, dos pretos velhos, de Angola, nagô e dos exus). O cumprimento dos umbandistas é "Saravá", cruzando os ombros, o que representa o mesmo sinal da cruz da Igreja Católica.

Oxalá é Jesus Cristo.

Programa de hoje - União Espírita Santista e Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes organizaram a VIII Noite de Iemanjá, que começa hoje às 20,30 horas e termina oficialmente à meia-noite. Um desfile de quatro carros alegóricos, saindo da Rua Dr. Carvalho de Mendonça, em direção à Praia do Gonzaga, abre a festa.

Em seguida eles cantam o hino da Umbanda, fazem uma oração e depois as tendas, representando quase todos os Estados, apresentam seus rituais. Quem tiver algum pedido a fazer, deve procurar as tendas, dizer o que quer a um pai ou mãe-de-santo. Ganhará um barquinho de papelão para atirá-lo ao mar. Se o barquinho voltar o pedido não será atendido. Mas se afundar ou seguir para alto-mar, é sinal que Iemanjá vai resolver o problema.

Eliane Pinto Antunes, uma estudante de 16 anos, vai representar Iemanjá, substituindo Solange Wesley que deixa o posto após 5 anos de rainha do mar. Ela ficará imóvel, das 20,30 até a meia-noite, em seu carro alegórico. Descerá para entrar no mar, atravessar sete ondas e atender aos pedidos dos umbandistas.

Oficialmente, a VIII Noite de Iemanjá termina à meia-noite, mas as tendas ficarão armadas até as 6 horas de amanhã. Os umbandistas oferecerão, durante a noite inteira, comidas como vatapá, caruru, sarapatel e ojó. Importante: as tendas não cobrarão nada pelos pedidos nem pela comida.

Além de tendas de quase todo o País, a União Espírita Santista e Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes estão anunciando que virão umbandistas dos Estados Unidos, Itália, Paraguai, Uruguai e Argentina.

Graciana fala de milagres

Graciana Miguel Fernandes é uma figura muito discutida nos meios umbandísticos. Alguns dizem que ela se aproveita da religião pensando na política. (É vereadora, suplente pelo Movimento Democrático Brasileiro). Ela mesma não esconde que gosta de política e diz que a única compensação pelo trabalho que realiza na Umbanda é poder representar "seus seguidores" na Câmara Municipal.

"- Não faço listas pedindo dinheiro para as Noites de Iemanjá. Às vezes até empenho jóias, mas nunca exploro ninguém. Gosto da Política, é uma das poucas satisfações pessoais que tenho além da Umbanda e nunca neguei isso", explica Graciana. Ela acha que grande parte dos umbandistas necessita de estudar o Evangelho, e aponta o espiritismo como a única saída para a Umbanda se completar. É presidenta da União Espírita Santista e anualmente percorre quase todos os Estados do País fazendo propaganda da Noite de Iemanjá.

Todas as sete Noites de Iemanjá foram organizadas por Graciana, que faz um relato desde o início das festas - em 1962 - até a do ano passado, contando alguns fatos que na sua opinião foram milagres. Seu depoimento:

"- Na I Noite de Iemanjá não aconteceram milagres mas valem por uma coisa: o sucesso que alcançamos. Cláudia fez o papel de Iemanjá e acredito que aproximadamente 50 mil pessoas assistiram à nossa festa. O que chamou mais a atenção do público foi uma chuva de pétalas de rosa jogadas de avião. A praia ficou toda colorida.

"Roseli, filha de Cláudia, foi a Iemanjá no ano seguinte. Apresentamos as 7 linhas da Umbanda. Aconteceu, então, o primeiro milagre. Uma moça desfilou representando Santa Luzia levando em uma bandeja de prata dois olhos de vidro, simbolizando a bandeira da União Espírita Santista. Um fotógrafo de Santos fez as fotos da bandeja com os dois olhos e na hora em que revelou o filme apareceu a imagem de Santa Luzia no lugar dos olhos.

"Solange Wesley, de origem norte-americana, incorporando Iemanjá, foi a principal atração na III Noite. Considero essa como a festa mais linda e a de maior repercussão. À meia-noite uma jovem paralítica desde os 3 anos foi arrastada pelas águas e saiu do mar andando. Não sei se posso chamar isso de milagre, ou se a menina - de 14 anos - recebeu um choque tão grande que acabou caminhando. Interessante é que toda a família da paralítica não era de Umbanda e sim católica.

"Ao contrário do ano anterior, a IV Noite de Iemanjá foi marcada por um tremendo temporal. No meio daquela chuva, uma senhora de Campinas aproximou-se de Iemanjá - representada por Solange - e entregou-lhe um bracelete de diamantes, fazendo o seguinte pedido: 'Meu filho está com câncer na garganta e quero que a senhora o salve'. À meia-noite, quando eu estava andando pela praia tentando agasalhar algumas pessoas, uma menina chegou perto de mim e disse: 'Dona Graciana, Iemanjá mandou este bracelete para a senhora'. Entendi na hora que o milagre seria impossível e, uma semana depois, o jovem morreu. Isso é uma prova de que nem tudo aquilo que a gente pede pode ser atendido.

"Pela primeira vez tivemos caravanas do Exterior. Isso aconteceu na V Noite de Iemanjá. Vieram tendas dos Estados Unidos, Itália e Argentina. Foi o grande impulso de que nossa festa necessitava. Os jornais, rádios e tevês fizeram grandes coberturas e a partir daí todas as portas foram abertas para a Umbanda. Outro fato curioso: esta noite foi marcada pela reconciliação de vários casais, alguns separados há dois anos.

"De novo a chuva marcou presença, agora na VI Noite de Iemanjá. Mas em compensação cumpri uma promessa: Iemanjá veio de alto-mar para a areia, em uma chata toda ornamentada. Não gosto de contar esta passagem, mas não resisto: o mar estava bravo e ninguém acreditava que aquela chata chegaria com alguém em cima. Mas, além de conseguir, por duas vezes, um grande número de umbandistas viu o rosto de Solange transformar-se no de Nossa Senhora da Glória (Iemanjá). Se apenas eu notasse isso, jamais falaria. Mas muita gente viu, e garanto que foi milagre.

"Pela última vez, Solange Wesley se apresentou como Iemanjá, na VII Noite. Agora ela está noiva e deixou o lugar para uma estudante de 15 anos. A grande novidade dessa noite foi a apresentação ao vivo das 7 linhas da Umbanda. Mesmo com chuva, o público que compareceu foi o maior de todas as festas, o mesmo acontecendo com o número de tendas, representando quase todo o País".



Festa de Iemanjá em Santos
Foto: Almanaque de Santos - 1969, de Olao Rodrigues, Santos/SP - 1969
Exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda

No dia 13 de agosto de 1972, o mesmo jornal A Tribuna publicou na primeira página esta foto-legenda:


Foto publicada com a matéria

Iemanjá, representada pela jovem estudante Eliane Pinto Antunes, chegou ontem à noite à praia do Gonzaga, onde o cortejo de carros alegóricos era esperado por cerca de 50 mil pessoas, aglomeradas nas proximidades do Posto 3, para assistir à oitava festa anual que reúne umbandistas da Baixada Santista, Interior e dos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Os carros, transportando as figuras de Oxalá, Pedro Pescador, Oxóssi e Cosme e Damião, seguidos pelas entidades da linha oriental e da linha do candomblé, os Exus e Pombas-Giras chefiados por Omulu (dono dos cemitérios) entraram pelo funil do cordão de isolamento, estacionando na areia da praia, onde tiveram início os cânticos e rituais das 7 Linhas da Umbanda, por cerca de 300 grupos organizados da seita religiosa.

Numa carreta cheia de arvoredos, representando a mata onde fazem seus trabalhos os adeptos do candomblé, estava Mãe Maria (Maria Rosa da Conceição, 127 anos de idade), que veio especialmente de Feira de Santana (Bahia) para tomar parte na VIII Noite de Yemanjá.

À meia noite, todos os figurantes, babás de terreiro, seguidores da umbanda e o povo em geral foram em direção à praia, para entregar flores e outros presentes à Rainha do Mar. O ritual, marcado pelos atabaques, prosseguiu, devendo terminar às 6 horas de hoje.



Festa de Iemanjá em Santos
Foto: Almanaque de Santos - 1969, de Olao Rodrigues, Santos/SP - 1969
Exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda

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