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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos (7)

Em 1919, o médico Guilherme Álvaro lançou em Santos o livro A campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos (edição do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo/Casa Duprat), que agora ganha pela primeira vez sua versão digital (grafia atualizada - original no acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa):

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Dr.Guilherme Álvaro


VI - 1901-1912 (cont.)
{1908}
Em 1908 a varíola voltou a sujar as estatísticas sanitárias de Santos, com epidemia mortífera começada em maio. Reinando a doença, desde fins do ano anterior, no Rio de Janeiro, procuramos desde então vacinar a população santista, que muito pouco aceitou o recurso profilático, aliás levado de casa em casa pelos inspetores sanitários. Com esforço conseguimos, até fevereiro, vacinar todas as crianças matriculadas em escolas públicas e particulares, e em março, graças à boa vontade da superintendência da Companhia Docas de Santos, vacinamos e revacinamos os 2.500 trabalhadores da referida companhia.

Temendo a importação da varíola, que já então grassava com intensidade no Rio, pedimos à Diretoria o auxílio de alguns inspetores para reforço do serviço de vacinação, chegando-nos cinco colegas para aquele fim. Apesar de muito trabalharem, pouco conseguiram aqueles dedicados auxiliares, não se chegando a fazer dois milheiros de vacinações em abril e outros tantos em maio, quando os primeiros casos de varíola surgiram, importados da Capital Federal. Removidos logo os primeiros variolosos da Rua Itororó, desinfetados rigorosamente os prédios, vacinado o maior número de pessoas nos focos e vizinhanças, continuou entretanto a doença a se repetir em outros pontos da cidade, de modo que naquele mês foram para a Filosofia 11, que deram 9 óbitos.

Em junho, ainda rendendo pouco o serviço de vacinação, foram notificados e removidos 17 variolosos, de vários pontos da cidade, falecendo 9, todos de forma hemorrágica. Em julho foram removidos 34 bexiguentos, dos quais faleceram 7; em agosto outros tantos doentes foram para o hospital da Filosofia, morrendo 16. Em setembro os 42 variolosos notificados e removidos deram 21 óbitos, fornecendo 17 os 38 isolados em outubro.

Em setembro, a população aterrorizada começou a procurar a vacina, e só neste mês foram imunizadas mais de 6.000 pessoas, número alcançado em cada um dos meses até o fim do ano. Em novembro, as remoções de variolosos baixaram a 15, ainda com 7 óbitos, descendo depois os casos a 9, em dezembro, quando ocorreram 2 mortes.

Apesar de todo o esforço empregado pelos inspetores sanitários e da notificação sistemática dos casos da doença pelos clínicos santistas, uma dúzia de variolosos conseguiu furtar-se à remoção, sendo a maioria deles conhecida por ocasião dos falecimentos.

De abril a dezembro o hospital da Filosofia recebeu 205 doentes, dos quais morreram 89, sendo para notar que nos primeiros cem casos a mortalidade excedeu de 50 por cento, naturalmente em virtude de ter predominado a forma hemorrágica. Como na epidemia anterior, de 1904, nenhuma criança freqüentadora das escolas de Santos pagou tributo à varíola, por estarem todas vacinadas, sendo, ao contrário, todos os doentes recolhidos ao hospital da Filosofia pessoas em que o recurso profilático nunca tinha sido aplicado.

A Municipalidade auxiliou bastante a Comissão Sanitária nesta emergência, abrindo em junho um posto vacínico onde foram imunizadas 600 pessoas, promovendo também a vacinação de todo o pessoal sob a sua direção e custeando metade das despesas do hospital da Filosofia, a que forneceu médico. A varíola estendeu-se à Raiz da Serra e Piaçagüera, de onde foram removidos para uma casa isolada os dois casos da doença, vacinando-se todos os empregados da Estrada de Ferro e os demais habitantes do lugar, ficando desse modo abafada a epidemia logo no seu início.

No vizinho município de S. Vicente apareceram em julho dois casos de varíola, removidos para a Filosofia. Pedimos ao prefeito a aplicação da vacina aos moradores da cidade, sendo atendido o nosso pedido. Foram vacinadas cerca de mil pessoas nesse mês e no seguinte, quando surgiram mais uma dúzia de casos da doença, isolados então na própria localidade, em hospital montado para aquele fim, com o auxílio da Comissão Sanitária. Tendo a população vicentina recebido a vacina sem dificuldades, a doença desapareceu em setembro, fechando-se o isolamento local no mês seguinte, depois de vacinadas, ao todo, 1.500 pessoas, ou metade da população da cidade.

Muito nos auxiliaram os médicos de Santos e de S. Vicente, além dos colegas inspetores sanitários, nesta campanha em que foram feitas mais de 20.000 vacinações e revacinações, mas seja-nos permitido destacar o nome do pranteado dr. Tertuliano Gonzaga que, com zelo inexcedível, depois de ter vacinado o seu distrito e auxiliado a vacinação em S. Vicente, tomou a si todo o serviço de remoção de variolosos em Santos, até o fim da epidemia, sendo em seguida nosso dedicado companheiro, na campanha contra a peste em Iguape.

Quando, em 1907, por ordem do dr. Gustavo de Godoy, secretário do Interior, foi dissolvida a Brigada contra mosquitos, por medida de economia, mostramos ao dr. Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, que as transmitiu, e reforçou com franqueza, àquele titular, os perigos a que Santos ficava exposto em virtude da febre amarela reinar ainda no Norte da República. Prevíamos então o que veio a suceder em abril de 1908, felizmente, porém, quase mês e meio depois da reorganização e do funcionamento da Brigada, em conseqüência de termos apontado o desenvolvimento dos stegomyias na cidade, principalmente nas imediações do hospital da S. Casa de Misericórdia.

Naquele mês de abril chegou a Santos, vinda do Norte da República, uma divisão da esquadra nacional em exercício de guerra. A bordo do cruzador Tamandaré começaram, três dias depois, a aparecer casos, ora de "febre gástrica", ora de "gripe", sendo os mais graves removidos para a S. Casa, onde ficaram na enfermaria reservada aos marítimos, a cargo do dr. Silvério Fontes. A evolução, porém, das referidas doenças chamou a atenção daquele colega, que chegou à conclusão de se tratar de genuína febre amarela, causadora de duas mortes. Imediatamente o fato foi trazido ao conhecimento da Comissão Sanitária, que tomou todas as medidas regulamentares a respeito, não ocorrendo caso nenhum da febre quer entre os doentes e o pessoal da S. Casa, quer nas habitações da circunvizinhança.

Neste momento, a Câmara Municipal de Santos veio em auxílio do Serviço Sanitário, votando a verba de 12 contos para custear o aumento da Brigada contra mosquitos, até quase o fim do ano, e ficou em relevo a medida tomada pela Comissão Sanitária, de ter iniciado os serviços da referida Brigada, em princípios de março, nas imediações da S. Casa, livrando-a, como a zona circundante, dos perigosos stegomyias.

Entretanto, se por esse lado a Câmara Municipal colaborava com o Governo do Estado na defesa de Santos, auxiliando eficazmente o aumento dos serviços da Brigada, por outro lado, inexplicavelmente, permitia que o contratante da limpeza pública, infringindo cláusulas básicas do seu contrato, não só deixasse grandes zonas sem beneficiamento, apesar de diárias reclamações até do público, como também perturbasse os trabalhos da mesma Brigada.

De fato, não só os carroceiros da limpeza pública despejavam lixo e vasilhas nos terrenos marginais das ruas que varriam, como entupiam, com o mesmo lixo, bueiros e bocas-de-lobo, promovendo estagnação de águas, chegando a sua audácia a depositar monturos nas valas que a Brigada vinha de beneficiar.

Constantemente pedíamos providências à Prefeitura e à Câmara Municipal, que não nos atendiam; por fim resolvemos multar o inconsciente contratante, depois de tê-lo avisado do mal que causava, das ameaças que criava à saúde pública.

Mandadas as multas ao culpado, por ele recorreu a presidência da Câmara Municipal ao dr. secretário do Interior, desculpando-o, tentando mesmo justificá-lo e acusando-nos do feio crime de violar... a Constituição do Estado. Por mais inverossímil que pareça o caso, vimos o recurso, com todos os dizeres e a assinatura do capitão presidente da Câmara.

Até o mês de novembro, nenhum caso de peste foi observado em Santos, nada se notando também em relação a mortalidades anormais de ratos na cidade. A 8 deste mês, porém, foi notificado um caso de peste na Rua Xavier da Silveira 150, em frente ao armazém nº 8 da Companhia Docas, onde se depositava alfafa platina. Tratava-se de uma criança de 11 anos, com três dias completos da doença, apresentando já bubão crural esquerdo; sendo o seu estado gravíssimo, veio o doentinho a falecer na manhã seguinte. Apuramos depois que, dias antes de adoecer, o menino, brincando com outros no quintal da residência, encontrou uma rata morta junto a um buraco, no fundo do qual existia uma ninhada de ratinhos, ainda vivos. Toda a ninhada foi morta e atiraram os cadáveres, com o da rata, no lixo.

Em 23 de novembro removemos do Hospital da Beneficência Portuguesa, para onde havia entrado na véspera, um outro pestoso, rapaz português, trabalhador da Companhia Docas, residente na mesma Rua Xavier da Silveira, cinco casas além da do primeiro doente. Era caso de média gravidade, com bubão crural direito, terminando-se pela cura, sem supuração do bubão. Este trabalhador havia, na semana anterior, descarregado fardos de alfafa, de bordo, para o armazém referido, número 8.

Como no primeiro caso de peste, o prédio de residência e as vizinhanças foram desinfetados rigorosamente com o pulverizador a vapor, ficando toda a zona sob vigilância sanitária durante o prazo regulamentar, tendo-se também procurado e obtido ratos que, examinados, nada mostraram de anormal. O número dos ratos comprados pela Comissão Sanitária durante o ano elevou-se a 32.000, sendo examinados, periodicamente, os provenientes do litoral, não se encontrando neles os germes da peste.

Fora de Santos, a peste apareceu em Iguape, onde desde fins de agosto haviam surgido casos, cada vez mais numerosos, de doenças capituladas pelos curandeiros do lugar, de caxumbas, adenites e outras, terminadas com freqüência pela morte. Não havendo médicos que pudessem dar o alarme, só em fins de outubro o Serviço Sanitário teve conhecimento daquela anormalidade sanitária, e providenciou logo para se apurar o que de real houvesse a respeito.

No primeiro vapor de novembro seguiram para lá o doutor Adolfo Lindemberg, do Instituto Bacteriológico, e o doutor Ugolino Penteado, da Comissão Sanitária de Santos, levando material para estudos e primeiras providências e verificaram tratar-se, de fato, de peste oriental.

O dr. Penteado tentou logo pôr em prática as primeiras medidas regulamentares, tratando de aproveitar o hospital da terra para isolamento dos doentes, e desinfetar os focos da doença, que apesar disso continuava a se desenvolver. No vapor seguinte partiu para Iguape o dr. Juvenal de Andrade, inspetor sanitário vindo de S. Paulo, conduzindo mais recursos, inclusive os necessários para completar o aparelhamento rigoroso do hospital de isolamento.

O meio em Iguape era então o mais hostil possível aos médicos do Serviço Sanitário, que estavam realizando ali práticas nunca vistas, fazendo exigências contrárias a velhos hábitos de desasseio e de desídia, removendo das suas moradias, péssimas aliás, doentes atacados de mal em que não se acreditava, porquanto todos os curandeiros negavam que houvesse qualquer doença contagiosa.

Em princípio de dezembro, tendo ciência de tal situação, avaliando as dificuldades com que lutavam os colegas ali destacados, partimos para Iguape levando ainda mais recursos e acompanhado pelo dr. Tertuliano Gonzaga. Ao chegar, verificamos o que temíamos que tivesse sucedido; apesar da boa vontade da Prefeitura Municipal e do delegado de Polícia, os serviços sanitários eram embaraçados vivamente pela má vontade da população, continuando a maior parte dos doentes nos domicílios, alguns ocultamente, insistindo todos em fazer o tratamento homeopata, indicado pelos curandeiros contrários à existência da peste na cidade. Não havendo médicos em Iguape, os iluminados espíritas dominavam a situação, estando o próprio destacamento policial contaminado pela doutrina reinante, a ponto de nenhum auxílio nos poder prestar.

Pedimos logo, por telegrama, remessa de outro contingente de polícia, comandado por oficial inteligente, e enquanto esperávamos a chegada dessa força terminamos a montagem do hospital de isolamento, onde foram preparados 36 leitos, e a organização dos serviços de remoções e de desinfecções.

Com a chegada da força policial, a máquina sanitária começou a funcionar com perfeita regularidade, ficando em 3 dias hospitalizados todos os pestosos, sendo desinfetados com o pulverizador a vapor todos os focos da doença e instituídos os serviços de policiamento e de vigilância sanitária na cidade inteira.

Houve então uma reviravolta na opinião pública; ninguém mais se recusou a ir para o isolamento, ou discutir as vantagens da homeopatia, reconhecendo todos a conveniência da entrada para o hospital, cujo conforto, cujo asseio, cujos recursos toda a gente proclamava.

Desde logo começaram a diminuir os casos de peste, e aproveitamos esta circunstância para fazer propaganda, entre as pessoas mais inteligentes, da vacinação antipestosa, aplicada em seguida com tal sucesso que, em poucos dias, estava esgotada a provisão de 300 doses que possuíamos.

Pedida por telegrama vacina para mais um milheiro de pessoas, foi toda ela aplicada em seguida, principalmente pelos drs. Guedes Coelho e Sant'Anna, de modo que em fins de fevereiro, estava toda a cidade de Iguape vacinada contra a doença. Sentimos deveras não ter guardado o nome do inteligente vigário da Paróquia, sacerdote progressista e humanitário, que do púlpito orientou os fiéis, sendo dos primeiros a atender ao nosso apelo, fazendo-se vacinar, juntamente com as autoridades locais.

Acreditamos que em nenhum outro lugar do Brasil foi praticada assim, em massa, a vacinação antipestosa a 1.300 pessoas, e a eficácia da medida foi comprovada pela seqüência dos acontecimentos, em cidade constituindo um meio ideal para o desenvolvimento da doença.

Logo no dia da nossa chegada a Iguape, depois de visitarmos algumas dezenas de prédios, em vários pontos da cidade, muito nos admiramos da peste não ter ali tomado as proporções duma catástrofe, dadas as condições que observamos, propícias ao seu desenvolvimento. De fato, tratava-se de povoação velha e decadente, de tipo primitivo, de ruas estreitas, bordadas de prédios ruinosos e esburacados, com aposentos escuros e úmidos, grande parte deles com o solo desprotegido e minado pelos ratos, ou com os assoalhos estragados, assentes sobre a terra. Os quintais, desasseados, tinham quase todos mato e monturos, não se fazendo a remoção do lixo da cidade com a regularidade ou o cuidado necessários.

Era o paraíso dos ratos, vítimas entretanto de epizootia intensa desde o mês de setembro, e que abundavam ainda nos armazéns e nos engenhos de beneficiar arroz. Habitada por gente em geral pobre e desconhecedora do conforto, a cidade não tinha calçamento, não possuía água canalizada, nem esgotos, sendo a sua iluminação discretamente feita com alguns lampiões de querosene, até as 22 horas.

Vimos logo que reformar tal casaria era coisa impossível, que o meio ali não comportava as obras custosas de reformas prediais, realizadas em Santos, para iluminação de aposentos e proteção do solo, e lembramo-nos, então, do recurso da vacinação, mas em massa, abrangendo toda a população.

Por um concurso de circunstâncias felizes, conseguimos realizar o nosso intento, e enquanto durava a ação protetora da vacina, fizemos desinfetar todos os prédios da cidade, e limpá-los convenientemente, até os quintais e terrenos, à espera de que a epizootia acabasse de suprimir os ratos perigosos, propagadores da peste, o que veio a suceder, ficando a cidade livre da doença desde fevereiro de 1909.

A peste foi levada de Paranaguá para Iguape em fins de julho, porquanto desde meados de agosto começaram a aparecer ratos mortos, nas proximidades dos engenhos de arroz e das praias, e nunca ao certo se saberá quantas pessoas foram atacadas por ela e quantas morreram, antes de meados de outubro. Em novembro e dezembro foram verificados 27 casos da doença, com 10 óbitos, mas antes destes meses muita gente adoeceu, calculando-se numa centena o número dos atacados, com três dezenas de óbitos, segundo informações de pessoas insuspeitas e inteligentes, dentre as quais se destacou o farmacêutico Ricardo Krone, homem criterioso e culto, que muito nos auxiliou na campanha antipestosa de Iguape. Para se ter idéia do meio local, basta saber-se que dos 401 óbitos ocorridos em 1908 em Iguape, apenas 51 puderam ter classificação na estatística demógrafo-sanitária local, figurando os restantes 350 como causados por "moléstias não especificadas, ou mal definidas".

O policiamento sanitário de Santos continuou a ser feito com o cuidado de sempre, buscando-se a reforma dos domicílios insalubres e a educação do povo nos hábitos de asseio. A Repartição de Saneamento continuava a auxiliar eficazmente o Serviço Sanitário, instalando redes de esgotos escrupulosamente aparelhadas, nos prédios novos e nos reformados, ficando todos eles, em absoluto, de acordo com a lei.

A epidemia de varíola favoreceu o serviço de vacinação e de revacinação, conseguindo-se jugular em quatro meses uma das epidemias mais graves que conhecemos, tendo sido imunizadas então, em Santos e seus arrabaldes, cerca de 25.000 pessoas. Foram feitas pelos inspetores 17.420 visitas domiciliares, expedindo-se 2.499 intimações para obras e asseio e 188 para vacinação em casas comerciais. Foram fechadas 105 casas por insalubridade e demolidos alguns casebres ruinosos, subindo a 271 o número das construções e reconstruções levantadas na cidade, onde também foram reformados 263. Neste capítulo, a Prefeitura Municipal, desde 1903, sendo intendente o dr. Malta Cardoso, auxiliou sempre a Comissão Sanitária, licenciando somente as plantas organizadas de acordo com a lei.

A Brigada contra mosquitos e moscas teve ocasião de prestar, e como já referimos, serviços de relevância, impedindo o desembarque da febre amarela, justificando deste modo a sua reorganização em Santos, com o concurso da Câmara Municipal, até fins de setembro. Durante o ano foram feitas 95.500 visitas em áreas, pátios, quintais e terrenos, petrolizados 4.500 bocas-de-lobo e hidrantes do cais, destruídos 349 focos de mosquitos, enterrados 231.383 recipientes diversos abandonados em terrenos e chácaras, roçados mais de 3 milhões de metros quadrados de terrenos baldios, limpos 84 quilômetros de valas nos arrabaldes, e gastos 250 litros de petróleo. Trabalharam 3 visitadores, 3 petrolizadores e 24 homens de enxada, auxiliados pelos seis fiscais sanitários, na zona urbana.

O Hospital de Variolosos hospedou 205 doentes e o de Isolamento, do Macuco, 12, prestando ambos os estabelecimentos, apesar de antiquados e possuidores de falhas, serviços bons à cidade, que merecia um hospital modelo, na altura do Serviço Sanitário do Estado.

Se não fosse a epidemia de varíola, com quase uma centena de óbitos, a mortalidade de Santos em 1908 teria sido bem menor do que no ano anterior. Ainda assim, a cifra mortuária de 1908 foi de 1.636, contra 1.609 em 1907. Depois da varíola, o obituário das doenças contagiosas foi o seguinte: tuberculose 215, impaludismo 41, tétano dos recém-nascidos 28, gripe 26, febre tifóide 9, sarampão 8, coqueluche 7, disenteria 3, difteria 2 e cancros 26. Foram registrados 396 casamentos e 2.366 nascimentos.


"Rua Santo Antonio em 1913"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1909}
Correu bem melhor para Santos o ano de 1909, livre de epidemias mortíferas, em franco desenvolvimento, tendo sido feitas na cidade e arrabaldes 538 construções e reconstruções regulamentares, sob todos os pontos de vista, desde a propriedade dos materiais empregados.

Apesar dos esforços da Comissão Sanitária, promovendo a reforma dos alojamentos insalubres, a tuberculose ainda foi a doença contagiosa mais freqüente no obituário de 1909, em que figura com 194 casos. A população santista não tem auxiliado a Sanitária nesta campanha; ao contrário, foi sempre freqüente a tentativa de se lhe ocultar a residência do tuberculoso, falecido ou removido para a S. Casa, a fim de ser evitada a desinfecção dos aposentos por ele anteriormente ocupados. Nunca pudemos compreender a causa deste proceder, mesmo porque a desinfecção é gratuita e feita discretamente, sem criar embaraços ou dar prejuízos de qualquer ordem.

A febre amarela permaneceu ausente de Santos e a peste aqui se manifestou em pequena epidemia de 7 casos, no fim do ano. A 17 de novembro foi removido do hospital da S. Casa o primeiro pestoso, que faleceu no dia seguinte. Tratava-se dum rapaz português, servente da Farmácia Galeno, na Praça Mauá, e que dias antes, conforme nos informou, "havia jogado foot-ball com um rato estonteado", em frente à sua residência, quando se recolhia dum passeio.

O segundo caso foi removido da Rua Amador Bueno, em 9 de dezembro; era o gerente duma grande cocheira de Vila Matias e ali adquiriu o mal de que veio a falecer pouco depois, De bordo da barca alemã Amazone, desde muito no porto, saiu o terceiro pestoso no dia 21 de dezembro. Este doente veio também a falecer, apresentando bubão crural, tendo os outros dois a forma septicêmica. Do prédio situado na vizinhança da cocheira da Rua Luíza Macuco 10, saíram em 23 de dezembro quatro doentes de peste, bubônicos todos, e que se restabeleceram em janeiro seguinte.

Mais uma vez ficou patente o papel das forragens estrangeiras no desenvolvimento da peste em Santos, já pelo aparecimento da doença coincidir com a chegada de tais forragens, depois de agosto, já pela freqüência de tal doença nas pessoas residentes nas cocheiras, ou nas proximidades desses estabelecimentos. Quanto ao doente referido no primeiro caso, ainda aqui a proximidade dum armazém contendo alfafa, duas casas além da farmácia, explica perfeitamente a contaminação do rato transmissor do mal levantino.

Durante o ano foram examinados freqüentemente os ratos comprados pelo Desinfetório para esse fim, e duas vezes foram encontrados contaminados alguns, provenientes de duas grandes cocheiras de Vila Mathias, desinfetada logo com o pulverizador a vapor e mantidas depois sob vigilância sanitária, estendida a toda a zona considerada foco.

O sarampão reinou em extensa epidemia, no inverno, causando 11 óbitos; a indiferença dos pais, diante da benignidade freqüente da doença em Santos, explica aquela mortalidade, porquanto 17 sarampentos, imigrantes todos, foram recolhidos ao Isolamento, sem que nenhum óbito ocorresse.

A gripe reinou também em Santos, causando 48 mortes. Antigamente todas as doenças de terminação intempestiva, de diagnóstico nebuloso, eram aqui capituladas de impaludismo, razão pela qual chegava-se a encontrar casos de acessos perniciosos no coração da cidade. Passados tempos, vimos dar-se a mesma coisa com a gripe, transformada em chave para a solução cômoda de difíceis problemas clínicos, de modo que ao certo é quase impossível acompanhar-se o desenvolvimento dela em Santos, onde existe como em toda a parte, mas não causa os estragos que lhe são imputados. Dos dois tuberculosos sabemos, que tiveram a referida doença como causa de morte.

Figurou um caso de escarlatina no obituário de 1909, fato de que a Sanitária só teve conhecimento dias depois, por encontrar a doença registrada, quando buscava em cartório falecimentos por tuberculose, para a desinfecção dos domicílios. Foram tomadas as providências, mas tão tardiamente que se o diagnóstico tivesse sido exato, por certo outros casos teriam aparecido em pessoas da família do doentinho, ou dos comunicantes, o que não se deu.

Até 1919, nunca observamos caso indiscutível de escarlatina em Santos, o que também tem sucedido com os clínicos locais, inclusive um que durante muitos anos residiu no Rio Grande do Sul, onde a doença é muito freqüente.

As outras doenças contagiosas figurantes no obituário de 1909 foram a coqueluche com 11 casos, a difteria com 3, o impaludismo com 20, a varíola, importada, com 1, a disenteria com 5, a febre tifóide com 10, o tétano dos recém-nascidos com 26 e os cancros com 9.

O policiamento sanitário da cidade e dos seus arrabaldes foi feito com toda a regularidade, pelos quatro inspetores, auxiliados pelos fiscais sanitários. Os médicos fizeram 13.647 visitas, vacinando e revacinando contra a varíola 1.954 pessoas, expedindo 1.927 intimações para obras e reformas, fechando, para reconstruções, 113 prédios insalubres.

Todas as obras novas foram feitas de acordo com o Código, possuindo esgotos modelares, instalados pela Comissão de Saneamento, que desde então vinha transformando Santos com a construção de belos canais de drenagem, provocando a abertura de ruas largas, bem orientadas, preparando uma cidade moderna para futuro próximo. Já ninguém podia duvidar do trabalho de Saturnino de Brito e seus companheiros, sentindo todos, ao contrário, o valor da sua obra.

Os fiscais sanitários, auxiliando a Brigada contra mosquitos, fizeram 30.943 visitas a hortas, terrenos e quintais. O Desinfetório removeu 36 contagiosos para o Isolamento, expurgou 229 prédios donde saíram contagiosos, inclusive 185 habitados anteriormente por tuberculosos, e transportou para os cemitérios 221 cadáveres provenientes do Hospital da S. Casa, além de outros 93, de vários pontos da cidade e de bordo, a pedido de autoridades policiais e federais.

Este serviço de remoção de cadáveres de indigentes e de vítimas de desastres vem sendo executado pela Comissão Sanitária desde 1897, apesar do secretário do Interior ter mandado suspendê-lo por várias vezes. Os interessados, alegando falta de meios e de material para executá-lo, têm conseguido sempre a revogação da ordem, pouco tempo depois.

A Brigada contra mosquitos e moscas levou os seus serviços ao extremo dos arrabaldes de Vila Mathias e Vila Macuco, trabalhando também em Guarujá, cuidando das zonas cortadas pelas valas, limpando 195.201 metros de valas, suprimindo 451 focos de mosquitos, limpando 510 quintais, enterrando 115.282 recipientes abandonados, petrolizando 13.491 bocas-de-lobo, 5.442 registros de hidrantes das Docas, e expedindo 529 intimações, em Santos. Em Guarujá limpou todos os terrenos baldios, enterrou 3.387 recipientes e petrolizou 576 bocas-de-lobo.

O ano de 1909 não foi mau para Santos onde, tendo ocorrido 1.544 óbitos, foram registrados 473 casamentos e 2.417 nascimentos.


"O mesmo local (Rua Santo Antonio) em 1914, vendo-se a largura antiga da rua"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1910}
A epidemia de peste começada em dezembro do ano anterior prolongou-se pelo mês de janeiro de 1910, em que foram notificados e removidos 7 doentes para o hospital do Macuco. Os dois primeiros casos entraram no dia de Ano Bom, falecendo um poucas horas depois; eram moradores na Rua Amador Bueno nº 83, do lado do qual foi removido um outro no dia 6, que também veio a morrer, de septicemia. O quarto doente foi removido no dia 7 da Rua Martim Afonso 85, sendo a seguinte remoção da Rua General Câmara 217, curando-se ambos. Da Rua 7 de Setembro números 50 e 52 saíram nos dias 13 e 14 os dois últimos pestosos, de forma bubônica, crural, que se curaram.

Daí por diante cessou a doença, tendo a Comissão Sanitária agido como sempre, fazendo o expurgo das moradias com o pulverizador a vapor, reformando-as radicalmente em seguida e mantendo as zonas contaminadas debaixo de rigorosa vigilância sanitária.

A febre amarela não apareceu em Santos, onde também a varíola não se manifestou, apesar de terem vindo dois doentes, de bordo, para o hospital da Filosofia. De sarampão foram hospitalizados 34 doentes, quase todos imigrantes de passagem para S. Paulo, e 3 diftéricos, não havendo óbito algum.

A Brigada contra moscas e mosquitos limpou três vezes durante o ano toda a rede de valas, dos arrabaldes de Vila Macuco e Vila Mathias, renovando com freqüência o beneficiamento dos trechos onde a população era mais densa, de modo que 195 quilômetros daqueles drenos foram repassados, e suprimiu 482 focos de mosquitos, fechou 16 cocheiras insalubres, limpou 435 terrenos baldios, enterrou 182.421 recipientes abandonados, petrolizou 11.942 bocas-de-lobo e 4.831 registros de hidrantes no cais e expediu 399 intimações para asseio de terrenos, aterro de brejais e fechamento de cocheiras irregulares. Em Guarujá a Brigada policiou 321 terrenos, petrolizou 421 bocas-de-lobo e enterrou 2.934 vasilhas abandonadas.

Os inspetores sanitários, nos quatro distritos da cidade, aproveitaram todas as oportunidades para a reforma dos prédios irregulares, fechando 58 insalubres, obtendo a construção, a reconstrução ou a reforma radical de 589, dotados todos eles de esgotos regulamentares, instalados pela Comissão de Saneamento. Fizeram 13.918 visitas domiciliares, expediram 1.827 intimações para obras e reformas e vacinaram e revacinaram 2.944 pessoas. Os fiscais sanitários, auxiliando os serviços da Brigada, fizeram 29.843 visitas em terrenos, quintais e chácaras dos arrabaldes.

O Desinfetório removeu 55 contagiosos para os hospitais de Isolamento, desinfetou 252 prédios de onde haviam saído portadores daquelas doenças, dos quais 185 tuberculosos e 7 pestosos, fazendo além disso as desinfecções das prisões, escolas, edifícios públicos etc.

Faleceram em Santos 1.469 pessoas, das quais 217 por tuberculose, 51 por gripe, 30 por sarampão, 1 por coqueluche, 16 por impaludismo, 5 por disenteria, 8 por febre tifóide, 19 por cancros e 20 por tétano dos recém-nascidos. Foram feitos 393 casamentos e registrados 2.565 nascimentos.

Sendo a população mínima de Santos de 75.000 habitantes, os coeficientes da natalidade e da mortalidade foram, respectivamente, de 32,2 e 19,5 por mil, indicadores da certeza da nossa avaliação.

Sendo todos os óbitos registrados, porquanto o enterramento nos cemitérios oficiais é compulsório, não sucede o mesmo para os nascimentos, cuja cifra representa sempre menos do que a realidade, e se a população santista fosse inferior à que apontamos, o referido coeficiente seria maior do que os de S. Paulo e Buenos Aires, cidades que os têm inquestionavelmente sem par na América do Sul.

Fazemos estes reparos porque a população dada oficialmente para Santos, em 1910, era de 50.000 almas, produtoras então do fantástico coeficiente de natalidade de 51 por mil para um centro exclusivamente comercial, onde os quatro quintos da população vivem nas zonas urbanas e suburbanas, que em toda a parte não são considerados como focos de intenso crescimento vegetativo.


"Rua Santo Antonio em 1919"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1911}
Em 1911, pela primeira vez, aparece no obituário de Santos a meningite cérebro-espinhal epidêmica, doença que felizmente não mais voltou a figurar nele. Em 18 de abril, a Inspetoria de Saúde do Porto pediu a remoção, para o Isolamento, de três imigrantes destinados ao Estado e que se achavam gravemente atacados de gripe, a bordo do vapor italiano Bologna. Eram sírios os doentes, e nos três reconhecemos a meningite cérebro-espinhal epidêmica, que vitimou dois, já gravemente atacados, e apesar do tratamento pelo soro de Flexner, que logo lhes foi aplicado. O terceiro doente, depois de longa convalescença, saiu curado do Isolamento, nenhum outro caso tendo surgido na cidade, ou no nosso pessoal.

A peste bubônica manifestou-se de outubro a dezembro, com 4 casos. O primeiro ocorreu no dia 10 daquele mês, num jornaleiro, residente na Travessa Jm. Apollinario; o segundo foi um marinheiro desertor de vapor inglês, removido da S. Casa no dia 18. Ambos os doentes saíram curados do Isolamento, no fim do mês seguinte.

No dia 2 de novembro foi removido da S. Casa um marinheiro do vapor inglês Crown of Canada; este tripulante havia desertado no Rio e dali fora para S. Paulo por terra, de onde chegara na véspera a Santos. Tinha a forma septicêmica, falecendo algumas horas depois de entrar para o Isolamento. O pestoso removido em dezembro residia na Rua Dr. Cochrane 35, perto do cais, e saiu curado no fim do mês. Como os dois primeiros, este doente era portador de bubão crural. Como sempre foram desinfetados com o maior rigor os lugares fornecedores dos casos de peste, e reformados os prédios de residência dos doentes, ficando os focos sob vigilância sanitária.

A varíola, em dois casos, deu um óbito. Foi uma criança recém-nascida, filha de imigrante chegada em trabalho de parto, recolhida à Maternidade da S. Casa, e que no dia seguinte se apresentou com a doença. Fizemos separar e vacinar o recém-nascido, mas em vão; adoecendo do mal materno dias depois, quando também foi para o Isolamento, veio a falecer. A variolosa restabeleceu-se. Fizemos vacinar todas as gestantes que estavam na Maternidade, não se propagando a varíola.

O sarampão reinou com certa intensidade no inverno, matando 49 crianças; esta mortalidade decorre quase toda da falta de cuidados dos pais, porquanto é crença geral em Santos que a doença é aqui muito benigna e que não demanda de grande tratamento, não sendo raro ver-se crianças sarampentas brincar nos pátios das casas.

A gripe reinou também durante o ano, causando 48 óbitos. Entretanto, esta doença, em geral benigna aqui, serve para acobertar casos de diagnóstico impreciso, tal qual servia há anos o impaludismo, de modo que, ao certo, não é possível avaliar-se os estragos que realmente faz.

A febre amarela continuou ausente de Santos, não aparecendo mesmo casos importados.

O obituário de 1911 foi maior que o do ano anterior, 1.514, contra 1.469, e não tendo havido sobressalto apreciável na saúde pública santista, só podemos encontrar a explicação do fato no aumento sensível da população, o que se verificou, no crescimento da mortalidade do Hospital da Santa Casa, procurado cada vez mais por doentes graves saídos dos municípios vizinhos, desprovidos de recursos, e, finalmente, pelo desembarque de cadáveres de bordo de navios provenientes do estrangeiro. Só o Desinfetório fez 18 dessas remoções para o Cemitério Municipal.

Com a vinda de mais um inspetor sanitário para a Comissão, a cidade foi dividida em 5 distritos, em que foram feitas 18.917 visitas domiciliares, expedindo-se 1.979 intimações para obras e reformas, de que resultaram 462 construções e reconstruções todas regulamentares, tendo sido fechados 138 prédios insalubres.

O serviço de vacinação e de revacinação contra a varíola foi sempre alvo da atenção dos inspetores sanitários, mas a população continuou a não corresponder satisfatoriamente ao nosso apelo, de modo que apenas 1.442 pessoas receberam o recurso profilático. Só a vacinação obrigatória, de fato, resolveria este problema entre nós, como resolveu quando se a pôs em execução em 1914.

O Desinfetório removeu 72 contagiosos para os hospitais de isolamento, beneficiando 117 domicílios contaminados por aqueles doentes, além de mais 98 de onde haviam saído tuberculosos. Foram desinfetadas 102 casas vazias nos diversos distritos da cidade, 35.868 bocas-de-lobo e diariamente as instalações sanitárias da Cadeia, dos quartéis e dos edifícios públicos.

A "Brigada contra mosquitos e moscas" prosseguiu nos seus trabalhos, melhorando o meio nos arrabaldes afastados, para onde a população se dirigia procurando moradias desafogadas. No centro da cidade foram petrolizados 13.253 tampões de esgotos, ralos e bocas-de-lobo e no cais 8.179 bacias dos registros de hidrantes, retentoras de águas. Nos morros de S. Bento e do Fontana foram limpos 152 terrenos e petrolizadas 104 bocas-de-lobo e enterradas 1.206 vasilhas abandonadas. Nos arrabaldes de Vila Mathias e Vila Macuco, 125 quilômetros de valas e valetas assim como de trechos de rios, foram limpos e petrolizados em vários pontos, enterrando-se 164.802 vasilhas abandonadas em 765 terrenos e quintais, que foram limpos. Foram roçados 964.671 metros quadrados de terrenos baldios, destruídos 154 focos de larvas de mosquitos e removidos ou enterrados monturos em número de 325.

Em S. Vicente e em Guarujá a Brigada trabalhou também. Ali foram limpos 6 quilômetros de valas, petrolizadas 394 bocas-de-lobo e enterradas 632 vasilhas; aqui foram removidos monturos, fechadas 2 cocheiras, limpos 3 quilômetros de valas, petrolizadas 194 bocas-de-lobo e enterradas 458 latas abandonadas, tendo os proprietários dos terrenos situados dentro da vila recebido intimações para roçá-los e limpá-los, o que fizeram.

Em Santos os fiscais sanitários, auxiliando a Brigada, fizeram 41.639 visitas em áreas, pátios, quintais e terrenos, de que resultaram 459 intimações para asseio e supressão de águas estagnadas. Continuou a cargo da Brigada, dirigida desde a sua formação pelo chefe da Comissão, a fiscalização das cocheiras, que foram sendo removidas do centro da cidade e das zonas de população densa e reformadas de acordo com a lei.

Os estábulos, sob a fiscalização da Municipalidade, mais lentamente eram beneficiados, limitando-se quase todos a sair dos centros populosos, mas se aparelhando irregularmente quase todos também. É esta uma campanha que precisa ser levada a efeito em Santos, dada a importância do capítulo sanitário com que se relaciona.

Em abril, na presença do dr. secretário do Interior e do dr. Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, foi inaugurado o edifício construído na Rua S. Antonio pela Comissão de Saneamento, para a Sanitária. No mesmo dia 11 foi lançada a pedra fundamental do novo Hospital de Isolamento no Caminho Velho da Barra, depois Rua Oswaldo Cruz. Ficaram daquele modo realizadas as duas maiores aspirações do departamento sanitário de Santos.

O edifício da Comissão Sanitária, se bem que modesto, basta perfeitamente aos seus fins, e dentro em pouco estará pago com a economia dos aluguéis que o Estado despendia. O Hospital de Isolamento, em pavilhões, dispondo de quartos e pequenas enfermarias, ficará no centro de belo parque, de mais de 60.000 metros quadrados e com a zona de proteção mais do que suficiente para pô-lo ao abrigo da mais rigorosa exigência sanitária.

O antigo Hospital do Macuco e o da Filosofia abrigaram 72 contagiosos, sendo 52 de sarampão e 3 de coqueluche provindos de habitações coletivas, 3 de meningite cérebro-espinhal epidêmica, 10 de varíola e alastrim, todos estranhos à cidade, 2 de difteria e 2 para observação. Houve 8 óbitos.

Fora de Santos, a Comissão Sanitária atendeu a serviços em S. Sebastião, Vila Bela (N.E.: atual Ilhabela) e zona da Ribeira de Iguape. Aí o trabalho foi pequeno e ultimado por colega vindo de S. Paulo, tratando-se de média explosão de impaludismo em zona pobre. Na zona da Ribeira a mesma doença reinou em grande extensão, também entre gente pobre, desprovida de recursos de qualquer natureza, obrigando o Estado a socorrê-la por todos os modos, até com roupas e alimentos, além de remédios.

Tendo chegado notícias alarmantes, em fins de abril, para lá partiu um companheiro de Santos que ficou isolado, sem poder mandar notícias. Por isso, com outro colega seguimos para lá, em julho, percorrendo toda a zona de S. Antonio de Juquiá e Prainha. Levando mais recursos de toda a espécie para distribuir pelos necessitados, fizemos a viagem em canoas pelos rios durante uma dezena de dias, vindo atingir Peruíbe pelo Rio Preto, tendo deixado na Prainha o colega para tratar dos doentes.

Não foi mau o ano de 1911 para Santos; o número dos casamentos elevou-se a 512, tendo sido registrados 2.642 nascimentos e 1.514 óbitos. A doença que maior número de mortes causou foi a tuberculose, 202, seguindo-se-lhe o sarampão com 49, a gripe com 48, a febre tifóide com 10, a coqueluche com 10, o impaludismo com 15, a disenteria com 7, a difteria com 1, a varíola com 1, o tétano dos recém-nascidos com 25, os cancros com 25.

Reformado o Serviço Sanitário do Estado em novembro de 1911, o chefe da Comissão Sanitária, até então de designação do dr. diretor geral, foi nomeado por decreto, sendo efetivado no cargo o dr. Guilherme Álvaro, que o vinha exercendo desde 1904. O número dos inspetores foi elevado a cinco, sendo os desinfetadores promovidos a melhor categoria.


"Viela existente em Santos até 1905, chamada Beco 24 de Maio. Este local foi arrasado e alargado, formando uma galeria que comunica a Rua Santo Antonio com a 24 de Maio"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1912}
Correu sem sobressaltos epidêmicos o ano de 1912, figurando a tuberculose com a maior cifra do obituário local, ainda que mais reduzida do que a do ano anterior. Das 187 mortes causadas pela doença, 95 ocorreram na S. Casa, 9 no Hospital da Beneficência Portuguesa, 81 em domicílio e 2 a bordo de embarcações surtas no porto.

A campanha empreendida contra a tuberculose pela Comissão Sanitária foi continuada com decisão, prosseguindo as desinfecções dos prédios fornecedores de doentes, as reformas dos domicílios insalubres e dos lugares de trabalho coletivo, fábricas, oficinas etc., da cidade e do município.

De acordo com a nova organização sanitária, o problema da alimentação pública foi alvo de cuidados especiais, iniciando-se rigorosa campanha sistemática para a fiscalização dos lugares de preparo, de exposição e de venda dos gêneros alimentícios, entrando armazéns, quitandas, açougues, padarias, confeitarias, restaurantes, cafés, botequins etc. em reformas detalhadas, que os tornaram, na maioria, regulamentares. Para metodização destes serviços, ficaram eles a cargo do chefe da Comissão, auxiliado por quatro fiscais sanitários.

Foi estendida a campanha também aos estábulos, ainda que estes continuassem dependentes da Prefeitura, a cargo de quem estava a fiscalização do comércio do leite. Foram fechados logo vários estabelecimentos e todos os outros intimados para a reforma, dentro do ano seguinte.

A Santa Casa de Misericórdia tinha quase terminado o pavilhão para tuberculosos, construído regulamentarmente, edifício onde aqueles doentes encontrarão o conforto não existente nas antigas enfermarias do andar térreo do velho hospital, pouco iluminadas e mal arejadas, apesar das janelas que anos antes fizemos rasgar para a rua, quando da campanha por nós iniciada no mesmo estabelecimento para modernizá-lo.

Foi de 1905 a 1908 aquele trabalho da Comissão Sanitária, que havia encontrado a S. Casa regendo-se por hábitos e praxes atrasadas de mais dum século, dispondo o hospital apenas de 4 médicos para o tratamento de 200 doentes internados. Não havia médico interno, não havia consultório para os pobres, não existia pessoal capaz nas enfermarias, onde os serventes, de tamancos e camisa de meia, faziam a limpeza diária a vassouradas, e os doentes sentados sobre as camas enrolavam ataduras de morim destinadas aos operadores, ou limpavam louças e talheres.

A luta foi árdua e longa e só depois de se conquistar muitas inimizades, de contrariar muitos interesses e caprichos, o hospital veio a ter médicos internos, sala de consultas para os doentes externos, divisão dos serviços de medicina, cirurgia e especialidades, criação de maternidade, saindo as gestantes das enfermarias gerais, aparelhamento de salas para operações e serviço farmacêutico adequado. Foram instalados banheiros para os doentes de classe, que os não tinham, e latrinas individuais, deixando de existir 2 e 3 em cada compartimento, como era uso, assegurando-se limpeza racional a todo o hospital, que principiou a florescer de acordo com a época.

A varíola, sob a forma benigna de alastrim, visitou a cidade, mas não causou óbitos. Faleceram 4 variolosos no Hospital da Filosofia, mas todos provinham de bordo de embarcações chegadas ao porto já com os doentes. Pedimos providências à Diretoria para esses imigrantes, vindos sem vacinação e portadores da doença, obtendo-se que as empresas de navegação fossem compelidas a não recebê-los a bordo sem que provassem ter sido imunizados contra a varíola, de modo a não vir o Estado a sofrer com a entrada dessa gente.

Foram feitas em Santos 5.862 vacinações e revacinações contra a varíola, inclusive 1.200 em empregados da Companhia Docas de Santos que, como sempre, nos auxiliou eficazmente, neste e em outros casos sanitários.

A peste não apareceu. No fim do ano suspeitamos dum caso, mas não tivemos elementos para firmar diagnóstico seguro; agimos entretanto como se fosse confirmado, isolando o doente, desinfetando a casa e fazendo vigilância da zona. No cais foram vistos, em novembro, ratos mortos e conseguimos examinar alguns, encontrando 2 pestosos. Prevenimos a Superintendência da Cia. Docas, fizemos o policiamento da faixa marítima da cidade e mandamos distribuir veneno em todos os armazéns do porto. A febre amarela não deu que falar de si.

Depois da tuberculose, foi a coqueluche a doença transmissível que maior número de óbitos causou, 25. A população santista não teve o menor cuidado com ela, que em geral evolui benignamente aqui, mas abandonada se complica, como em toda parte, com infecções secundárias pulmonares. A difteria, o sarampão, a febre tifóide, o impaludismo e o tétano dos recém-nascidos causaram, respectivamente, 2, 4, 5 e 32 mortes. Os cancros e a disenteria causaram 21 e 7, também respectivamente.

Nos dois hospitais de Isolamento foram tratados 129 doentes, dos quais 69 de sarampão, quase todos passageiros chegados do exterior, principalmente imigrantes, 10 variolosos, 35 de alastrim e 7 diftéricos, tendo havido 1 óbito por sarampo e 4 por varíola.

O serviço de policiamento sanitário foi feito com a meticulosidade habitual, tendo os colegas inspetores visitado 18.180 prédios nos cinco distritos em que a cidade esteve dividida, obtendo 631 reformas e construções regulamentares, decorrentes de 2.728 intimações para obras. Foram feitas 189 inspeções em prédios vazios, para alugar, e fechados 149 por insalubres. Os fiscais fizeram 31.848 inspeções de asseio em terrenos e quintais.

A Brigada contra mosquitos e moscas limpou por quatro vezes, durante o ano, a rede de valas e riachos dos arrabaldes, beneficiando-os na extensão de 197.600 metros; roçou 575 terrenos com a superfície de 3 milhões de metros e enterrou 98.719 vasilhas abandonadas, das quais 289 continham larvas de mosquitos. Foram limpos telhados e calhas de 384 casas velhas, fazendo-se o policiamento dos focos de mosquitos do cais, em tampas de barris, caçambas de descarga e 13.276 caixas de hidrantes, que foram emborcados ou petrolizados.

Os visitadores e os fiscais sanitários inspecionaram 16.605 áreas, pátios, quintais e terrenos dos arrabaldes, petrolizando as depressões onde a água podia estagnar e providenciando para seqüente nivelamento, ou impermeabilização, conforme o caso. A campanha contra as cocheiras foi continuada, removendo-se 6 dos centros populosos e reformando-se 10 nos arrabaldes, ficando as demais com intimações para fechamento, ou para reforma regulamentar em prazo certo. Foram expedidas 474 intimações para asseio, ou desaparição de monturos e águas estagnadas.

Em S. Vicente, foram feitas 5.388 visitas em terrenos, limpos 415 quintais, enterradas 49.096 vasilhas, destruídos 265 focos de larvas, petrolizados e limpos 2.467 metros de valas e expedidas 318 intimações para asseio. Em Guarujá foram feitas 563 visitas, enterradas 296 vasilhas, petrolizadas 216 bocas-de-lobo, limpos 1.230 metros de valas e expedidas 53 intimações para asseio.

O Desinfetório praticou 4.543 desinfecções em bocas-de-lobo, 393 em apartamentos sanitários de edifícios públicos, 189 em casas vazias, 179 em casas de contagiosos e removeu 129 destes doentes para os hospitais de isolamento. Da S. Casa removeu 354 cadáveres, fazendo de vários pontos mais 19 destas remoções a pedido da polícia. De bordo foram removidos 21 cadáveres chegados a Santos, que vieram, como notamos já, alterar as cifras demógrafo-sanitárias locais.

Durante o ano foram registrados 573 casamentos, 3.072 nascimentos e 1.639 óbitos, excluídos 179 natimortos.


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