Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0352f.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/05/07 23:32:07
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CIGANOS
Outro acampamento cigano santista, em 1948

Outro grupo cigano acampou na Ponta da Praia, também em 1948
Leva para a página anterior
Apesar de ser rara a presença de um grupo cigano num mesmo lugar, além do acampamento montado no Marapé, Santos viu um outro acampamento no mesmo ano, na Ponta da Praia. Este relato foi recolhido em fonte primária - relato de uma testemunha direta - pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa, que assim o transmitiu em 25 de junho de 2010 a Novo Milênio, observando que o grupo deste acampamento falava bem o português e contava com um caminhão para a mudança, enquanto o do Marapé (que teria seguido para o Paraná), expressava-se mal em português e usava tração animal em suas viagens. Este é o relato:
 

Acampamento cigano na Ponta da Praia, em 1948

Dona Rosa Marques Lopes (Rosinha, nascida em 8/8/1936), é professora do Primário, hoje conhecido como Ensino Fundamental, aposentada em 1983, natural de Santos, onde residia na Rua Nabuco de Araújo, 560, em uma casa baixa.

Um dia, passando pela Avenida Pedro Lessa, onde tomava o bonde 19 para ir à escola, deparou-se com um acampamento cigano na esquina da avenida com o canal 5, onde havia uma grande várzea que se estendia até a Avenida Epitácio Pessoa; naquela época havia ali um campo de futebol improvisado e nas proximidades o Cine Pedro Lessa, hoje ali se encontra um supermercado.

A população da região começou a perceber que havia sempre festas aos domingos e ela também se interessou pelo grupo, onde os homens andavam com roupas comuns, mas as mulheres usavam roupas de seda bem coloridas, diferentes das ciganas que se vem pela cidade hoje em dia (Calins). No Natal e Ano Novo daquele ano (1948), ela viu a festa e como tocavam pandeiros, violão e sanfona, sendo as mulheres muito enfeitadas com jóias de ouro - e assim permaneceram ali por mais uma temporada.

Sua mãe, dona Benvinda Gomes (nascida em Portugal em 1900 e falecida em Santos em 1999), não se incomodava e nem proibia que ela fosse até eles, mesmo havendo as histórias de roubo de moças e crianças. Rosinha conta:

Vendo muitas crianças no local, a um moço que não me recordo o nome perguntei:

- Essas crianças são todas suas?

Ele me respondeu com riso:

- São todas minhas!

Assim fomos por vários domingos até eles.

Eu era uma menina que usava saias engomadas muito compridas com saiotes, pesando 45,5 kg e, usando duas enormes tranças, me parecia com uma cigana.

Também ocorreu que, por essa época, na Rua Alfaia Rodrigues, esquina com o canal onde hoje tem um prédio, havia uma casa construída, mas sem os acabamentos, inclusive dando para ver os tijolos das paredes; havia um muro e um portão. Justamente nessa casa e eu não sei o porquê, se instalou por um tempo uma família de ciganos, dos quais fiz amizade com a cigana Helena, moça de aproximadamente 20 anos de idade, que usava roupas de seda muito coloridas como as demais, mas curiosamente tinha o cabelo curto; sua mãe era de muita idade e seu irmão era muito bonito. Só me recordo dessas pessoas da família, que constantemente tomavam chá.

Um dia, conversando com a cigana Helena, pela parte interna do muro da casa, eu a vi urinando em pé e me admirei. Perguntei:

- Você não está de calcinha?

Sorrindo ela me respondeu:

- Não!

Como sempre, eles estavam tomando o chá e me ofereceram ao que eu respondi:

- Eu! Deus me livre tomar esse chá depois vocês põem algum treco aí dentro e me carregam!

O cigano riu.


OBS:. Confessou Dona Rosinha: "
Eu queria ser carregada por ele, mas meu pai e minha mãe eram mais importantes que um sonho!". E continuou:

Constantemente eles falavam em outra língua (possivelmente o romani), aí eu perguntei:

- Vocês estão falando mal de mim?

Respondeu-me a Helena:

- Não, Rosa! E todos começaram a rir.

Eles falavam a língua portuguesa corretamente, no tempo em que estiveram ali - eu calculo aproximadamente um ano.

Um dia, a cigana Helena pediu emprestado para minha mãe a espiriteira que a gente possuía e não usava; recordo-me que era meio dourada (bronze?); ela emprestou e depois a deu para ela.

Recordo-me que no Natal daquele ano eles assaram um leitão inteiro no espeto sobre uma fogueira, e curiosamente sem sal: descobrimos isso porque me deram um pedaço que levei para casa aí vimos, pois nem me recordo se minha mãe colocou sal ou não, mas comemos satisfeitos, pois confiávamos neles.

Um dia, ao chegar lá para falar com a minha amiga, a cigana Helena, deparei com o caminhão na porta carregando a mudança, e curiosa, perguntei, chorando:

- Vocês vão embora?

Respondeu-me um dos moços brincando:

- Vamos, Rosa?

Retruquei:

- Mas por quê?

O rapaz me disse rindo:

- Por ti abandono essa vida de cigano!

Ele era um lindo moço e eu uma linda menina de 12 anos, sendo que ele apenas estava brincando comigo e nada mais. Curiosa, em casa perguntei para minha mãe por quê eles não ficaram muito tempo, ao que ela me disse:

- São errantes, andam de terra em terra.

Por passar sempre por ali, percebi que no dia seguinte não havia mais ninguém lá.

Depois de muitos anos, meu irmão Amável (nascido em 1923 e falecido em 2003), que estava morando em São Paulo, disse:

- Rosa. Acho que vi a Helena!?

Minha mãe sempre me deu a liberdade de falar com ela, e dos ciganos nunca falou mal, até cantava um fado, cujo trecho diz:

Uma aldeia alentejana,
Onde o sol faz maravilhas,
Uma formosa cigana,
Teve a flor mais romana,
Deu a luz duas filhas.
Deixou uma com os primos da freguesia
e a outra com uma senhora para o Brasil
A primeira Maria Rosa, a segunda Rosa Maria.

Santos 24VI2010/20h00’ dia de São João o Batista.

Leva para a página seguinte