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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PORTO & LITERATURA - BIBLIOTECA NM
Os navios iluminados de Ranulpho Prata (H)

Nacionais e de todo o mundo, como os navios que aqui aportam...

 

Clique na imagem para ir ao índice do livroCom o título "História e literatura no porto de Santos: o romance de identidade portuária Navios Iluminados", o jornalista Alessandro Alberto Atanes Pereira desenvolveu esse tema em sua coluna no site PortoGente. Essa dissertação foi defendida como tese de mestrado em 7 de abril de 2008 na Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Departamento de História, tendo como orientadora Inez Garbuio Peralta e a banca examinadora integrada também por Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e Maria Luiza Tucci Carneiro. O autor enviou o material para publicação em Novo Milênio, em 27/1/2011. Clique aqui<< para obter o arquivo final em formato PDF (2,80 MB), ou veja nestas páginas a versão original, mais completa:

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História e Literatura no Porto de Santos:

O romance de identidade portuária Navios Iluminados

 Alessandro Alberto Atanes Pereira

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Capítulo 2 – A literatura de identidade portuária

2.1. Navios Iluminados enquanto documento histórico

Amigo de Ranulpho Prata, Silveira Bueno, em seu prefácio de 1946, utiliza-se da memória pessoal para apresentar a obra do autor, desde sua primeira resenha, que é considerada por seu valor estético, da composição da frase e do estilo. Já as descrições da vida dos estivadores do Macuco feitas no romance, ainda que marcadas pelo realismo, são lembradas mesmo por causa da formação do autor em medicina, com um rápido acréscimo sobre a realidade ser pior do que se lê no corpo no romance.

Além da própria formação de literato do crítico, a proximidade da morte de Prata, que aconteceu em 1942, tenha feito o autor do prefácio se concentrar no autor e seu estilo e não no conteúdo da obra, ainda mais que a década de 30, como apontado no item 4, foi marcada por uma série de conquistas para a categoria dos estivadores.

Na década de 40, data da segunda edição prefaciada por Silveira Bueno, a legislação sobre o trabalho portuário e a legislação trabalhista em geral já eram uma realidade concreta que garantia um mínimo de benefícios [109].

Os estivadores assumiam o posto de principal categoria de trabalhadores na cidade de Santos [110] e as agruras de José Severino de Jesus e dos demais personagens de Navios Iluminados, pelo menos legalmente, já faziam parte do passado.

Já no texto do prefeito na orelha da edição de 1996, a formação de Capistrano, médico sanitarista, também tenha feito com que tenha atentado para as descrições que Prata faz dos acidentes de trabalho, dos exames médicos e dos ataques de tuberculose. Assim como Garay em 1940, Capistrano, 56 anos depois, alerta para o valor de Navios Iluminados como documento histórico, para quem a leitura do romance é um "convite à reflexão sobre a nossa história".

No momento de publicação do romance, o componente histórico seria diverso, senão oposto, ao momento da edição de 1946: em 1996 estão em pleno andamento as modificações da Lei de Modernização dos Portos, de 1991, que privatizou a operação portuária e decretou o fim do closed shop com a criação, em 2001, do Órgão Gestor de Mão-de-obra – OGMO, órgão tripartite formado por representantes da Autoridade Portuária, dos trabalhadores e dos operadores, responsável pela administração da mão-de-obra no cais.

Não que a situação fosse voltar ao que era na década de 20, antes da legislação trabalhista e acordos favoráveis à categoria, mas a lei causou impacto no mercado de trabalho não só entre os estivadores, mas também nas demais categorias de portuários.

Análise do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioeconômicos (Nese) da Universidade Santa Cecília, que recebeu o nome de Porto de Santos. Uma Década de Transformações [111], mostra que entre 1991 e 2001 houve uma queda de 28,4% na massa salarial relacionada com o porto.

A edição de 1996 de Navios Iluminados marca um duplo aniversário: os cem anos de nascimento e Ranulpho Prata e os 450 anos da fundação de Santos. Na orelha da edição de 1996, como vimos no item 1.7 do primeiro capítulo, o então prefeito David Capistrano explica a coincidência de datas como um "convite à reflexão sobre a nossa história" [112].

À publicação do romance soma-se o esforço da prefeitura em lançar obras de conteúdo histórico sobre a cidade, que foram editadas em parceria com três editoras: Scritta (que publicou Navios Iluminados), Hucitec e Unesp. Lançamentos em parceria com a Hucitec trazem ainda um selo comemorativo do aniversário de fundação.

Dois deles têm o universo portuário como assunto principal: A carga e a culpa, de 1995, de Fernando Teixeira da Silva, sobre a cultura de solidariedade dos estivadores, e O polvo e o porto, de 1996, de Cezar Honorato, uma história dos anos iniciais da Companhia Docas de Santos, o qual registra a disputa pelo porto entre o comércio local, que controlava as pontes e trapiches, e o grupo Gaffré, Guinle & Cia, que acaba recebendo o monopólio da exploração do cais unificado e da alfândega.

Outro livro que traz o selo comemorativo é Uma cidade na transição – Santos:1870-1913, de Ana Lúcia Lanna Duarte, cujo foco está nas transformações urbanas ocorridas na cidade durante o período destacado no título, que reúne a chegada da ferrovia e a construção do cais unificado [113].

É também da parceria com a Hucitec a publicação em 1992 da uma compilação póstuma da poesia de Roldão Mendes Rosa, Poemas do não e da noite, na qual está incluído o poema Porto, cuja temática é a relação entre o morador de Santos e seu porto:

Por que
este amor ao cais
se o que quero
não viaja?

Por que esta espera
no cais?

Por que
este amor aos navios
que apitam e partem
se não quero
partir em nenhum?

Eu descendente de adeuses
vejo lenços que acenam
na paisagem sem lenços.

Ou este porto
pouso de âncoras
timidamente se disfarça
no homem que sou?
[114]

Em parceria com a Editora Unesp, a prefeitura publicaria ainda Lutas e sonhos, de 1995, em que o cientista político Alcindo Gonçalves analisa os resultados de eleições municipais e nacionais em Santos para atestar a hegemonia progressista em sua cultura política, e Ventos do Mar, o primeiro da série, de 1992, em que a historiadora Maria Lucia Caira Gitahy trata da cultura urbana dos trabalhadores do porto [115].

O próprio Navios Iluminados chega a ser utilizado pela produção acadêmica como fonte de descrição sobre o bairro portuário do Macuco. Lanna descreve desta forma a obra de Ranulpho Prata:

No romance realista Navios Iluminados, o protagonista principal é um nordestino que, vindo para Santos trabalhou nas Docas e se casou. As duras condições de vida, que resultaram na sua morte por tuberculose, associavam o sonho do pecúlio, da melhoria de vida a ser exibida nas férias para a família a uma casa limpa, enfeitada, e uma esposa dedicada. Este sonho quase atingido é traduzido pelo morar no chalé. À medida que a doença progride, os sinais de decadência e morte de um sonho são apontados pela piora das condições de moradia. Quanto mais doente mais longe da casa-lar [116].

Em A carga e a culpa, o romance é utilizado para ilustrar "o modelo docas de produção":

Essa narrativa apresenta algumas questões em torno das quais gravitava o cotidiano dos trabalhadores de carga do porto de Santos, tematizando uma série de aspectos (...): o serviço em turmas e a diversidade de origens étnicas de trabalhadores: a reduzida mecanização do setor, que obrigava os trabalhadores a carregarem as cargas na cabeça por horas a fio; o "carrancismo" dos feitores; a "mordida" na produção em face do cansaço e da perspectiva do controverso "serão"; os laços de amizade, que tinham um peso considerável na contratação da mão-de-obra e na execução das tarefas [117].

Maria Lucia Caira Gitahy também relaciona Navios Iluminados em suas fontes sobre o período, contando com as descrições realistas do médico-escritor Ranulpho Prata:

Além do sistema de trabalho ocasional e dos preconceitos que freqüentemente separam os trabalhadores do porto de outros grupos da classe operária, o trabalho do porto era em si perigoso e insalubre. Após seis meses carregando sacas de café por dez horas diárias, o trabalhador do porto perdia o cabelo da parte de trás da cabeça, e depois de cinco a dez anos desse tipo de trabalho, a maioria deles morria tuberculosa.

O esforço físico era excessivo, e eles não comiam ou dormiam o suficiente para repor suas energias. Na época não havia penicilina. Embora não fosse possível encontrar estatísticas para o período Ranulpho Prata, médico da Sociedade Beneficente Docas de Santos, escreveu um romance no qual o processo é descrito em detalhes [118]. 

Nos três trabalhos acima, "romance realista", registro do "cotidiano dos trabalhadores de carga do porto de Santos", "o processo é descrito em detalhes" são expressões que tomam o registro literário como ilustração de suas interpretações sobre suas pesquisas realizadas em documentos como bibliografia técnica, periódicos e arquivos públicos e privados.

Mas se seguirmos as indicações do prefeito, devemos encarar o romance não apenas como uma ilustração literária de pesquisas históricas, mas sim, como afirma Carlo Ginzburg, como um texto entranhado de história pelo qual pode-se explorar a história da cidade, do bairro portuário do Macuco e da relação de seus moradores com o porto, tema do capítulo 3 [119].