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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PORTO DO CAFÉ
O auge do café e o início do porto santista (2)

Grandes transformações marcaram o final do século XIX e início do século XX
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Na sua edição especial de 26 de janeiro de 1939, comemorativa do centenário da elevação de Santos à categoria de cidade - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda -, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Trecho da matéria na publicação original

O café na História e na legenda (1)

O lendário da descoberta da rubiácea no Oriente - Os primeiros inimigos e defensores da preciosa infusão - Avassalando o continente europeu vitoriando-se em novas campanhas - Em marcha para o Novo Mundo - De Clieu e Rosier le Breton - De Cayena ao Pará: o sargento-mor e capitão-tenente da Guarda Costa Francisco de Mello Palheta, o bandeirante do café - Fábulas e fatos - Vencendo distâncias e florescendo no seu "habitat" predestinado e inigualável, o solo paulista - Crises vencidas - Uma etapa notável

Santos, o maior escoadouro de café do mundo: 400 milhões de sacas, representando 32 milhões de contos, nos últimos cinqüenta e oito anos de exportação!

O lendário café, no Oriente, e a história da sua penetração no continente europeu e no Novo Mundo, mereceram dos srs. Basílio de Magalhães e Hildebrando de Magalhães estudos magníficos, estribados na melhor literatura produzida a respeito em todos os tempos.

Data venia, permitam-nos condensar aqui um resumo desses trabalhos sobre o produto admirável em que repousa a nossa estrutura econômica.

As lendas da descoberta do café - O primeiro escritor europeu que recenseou as lendas sobre o café teria sido G. E. Coumberd d'Aulnay, no ano de 1832 (Paris). São curiosas as tradições respeitantes ao descobrimento das qualidades benéficas do hoje famoso vegetal.

Relata uma delas que a sorte de ser o primeiro a perceber as excelsas qualidades do fruto coube a um pastor árabe, pelo fato de que, quando suas cabras comiam as bagas ou folhas de determinado vegetal, eram tomadas de imprevista alegria e saíam aos saltos, balando com estridência, campos afora.

Outra lenda atribui a descoberta a um também guardião de cabras, do Yemen, e que da primeira diverge apenas nos detalhes.

Uma terceira tradição quer que certo crente, desejando rezar a Alá, à noite, sem que, exausto das práticas religiosas do dia, o sono o vencesse, sonhasse que Maomé o aconselhava a procurar certo pegureiro, possuidor de uma beberagem infalível para o caso. Executando a sugestão do profeta - isto é, tomando a bebida receitada pelo pastor, e que outra não era senão o café - pôde desde então o sacerdote muçulmano, em paz e pelo tempo que lhe aprouvesse, erguer a Alá as suas ardentes orações...

Essa versão foi registrada na Historia philosophica e politica dos estabelecimentos e do commercio dos europeus nas duas Indias, publicada em 1820-21 pelo padre Guillaume-Thomas-François Raynal Fis:

"O cafeeiro vem originariamente da alta Etiópia, onde era cultivado desde tempos imemoriais. Acredita-se comumente que um mollah, chamado Chandely, foi o primeiro árabe a fazer uso do seu fruto, com o fito de se livrar dum cansaço contínuo, que lhe não permitia entregar-se da maneira conveniente a suas orações noturnas. Seus derviches imitaram-no e esse exemplo foi seguido pelos homens da lei. Não tardou a verificação de que a infusão do café purificava o sangue, dissipava os males do estômago, alegrava o espírito; e foi adotada por aqueles próprios que não tinham necessidade de se conservar acordados. De Medina, de Meca, ele passou, afinal, a todos os países maometanos".


O sargento-mor e capitão-tenente da Guarda Costa, Francisco de Mello Palheta, 
introdutor do café no Brasil
Imagem publicada com a matéria

O primeiro documento autêntico - O primeiro documento autêntico, relativo ao café, saiu da pena de um sheik árabe, Abdel-Kader Ansari Djezeri Hamball, em 1587. Pela narração desse sheik, a última das lendas expostas assume caráter ainda mais elevado. Eis a súmula que dela faz Paulo Porto Alegre (Monographia do Café, Lisboa, 1879): "Existia no meado do século XV, no Yemen (Arábia Feliz), um sheik chamado Sheab-eddin Dhabani, muito respeitado por sua ciência e piedade e, ao mesmo tempo, jurisconsulto de nomeada e mufti de Aden. Fazendo ele uma viagem às costas ocidentais do Mar Vermelho, conheceu a infusão do café, pela primeira vez, nas fraldas dos montes abissínios. Tendo feito uso dessa bebida, ficou maravilhado com as propriedades que nela julgou ter descoberto, e persuadiu-se de que nada havia melhor para favorecer a digestão, alegrar o espírito e afastar o sono.

"De todas, foi esta última a qualidade que lhe pareceu mais vantajosa e, regressando ao seu país, tratou logo de verificar se, com o uso do café, os derviches, que passavam as noites em oração, sentiam menos a influência do sono. O exemplo dado por tão alto personagem foi prontamente imitado por quase toda a população de Aden, que ao tempo era cidade muito florescente. Os doutores do Alcorão, os advogados e os juízes puseram-se logo a tomar café, durante suas vigílias estudiosas, e os artífices faziam outro tanto, quando tinham trabalho noturno, assim como todos os que deviam empreender alguma jornada à noite, para fugir ao calor do dia".

Segundo alguns autores, a lenda do café começou no Oriente com o físico-filósofo Rhazes (850-922), seguido por outros naturalistas, como Bengiaslah, seu contemporâneo, e Avicenna (980-1037). O historiador Ahmet-Effendi atribui a descoberta do uso do café a um derviche de Meca, no ano 656 de Hegira (século XIII da nossa era). Há, com efeito, uma tradição árabe que considera Omar, sheik de Meca, o descobridor casual do café, como beberagem, em 1258, mas outra existe também, que confere a prioridade, não mais a Sheab-eddin Dhabani, e sim a um seu discípulo e sucessor, o sheik Gemaleddin, mufti de Aden, em 1454, após uma sua viagem à Abissínia. Viajantes que no Yemen ouviram essa versão contam que os árabes não degustavam o café, sem relembrar, primeiro, o nome de Gemaleddin, fazendo votos para que o seu espírito habite o Paraíso, como recompensa do precioso presente que lhes deixou cá na terra.

O café sofre a primeira luta religiosa - Popularizada em Meca, nos fins do século XV ou na aurora do XVI, a infusão da coffea sofreu a primeira luta religiosa em 1511. Defenderam-na poetas inspirados. Um deles exaltava o café como afugentador dos pesares da vida e estimulante da inteligência e, depois de denominá-lo ouro, o equipara ao leite mais puro, do qual somente se diferencia pela cor. Outro bardo comparava-o com o vinho, pois nenhuma tristeza lhe resistia à ingestão, proclamava-o "fonte da saúde" e aconselhava-o a todos os homens inteligentes, os quais não deviam absolutamente dar atenção aos insensatos que o condenavam e proscreviam.

O governador de Kauba fez reunir uma junta de sacerdotes, juristas e médicos para decidir sobre o litígio. E o parecer do respeitável conclave foi o de que beber café não implicava a menor violação dos preceitos do Alcorão. Os terapeutas também foram ouvidos e opinaram, por sua vez, favoravelmente, pelo uso da coffea.


Um cafezal no interior de São Paulo
Foto publicada com a matéria

Forte campanha no Egito - No Egito já o café ia em grande voga, quando contra ele irrompeu forte campanha, em 1534. Charlatães e clérigos islamitas afirmavam que o uso do café causava graves enfermidades, levando os seus consumidores "a cometer excessos, muitas vezes ofensivos à moral pública", convindo, além do mais, a bem da salvação da sua alma, que todo muçulmano se abstivesse dessa "bebida ilícita".

Assim estimulados, os fanáticos invadiram os cafés públicos, quebrando tudo e expulsando os fregueses. Convocou então o governador do Cairo um tribunal de teólogos e juristas, o qual declarou nada ter a acrescentar ao que sabiamente resolvera a junta de Meca, senão que cumpria conter à força a audácia dos pregadores e dos profanos hostis à deliciosa bebida.

O cadi, juiz supremo da capital egípcia e extremado cafeófilo, assim o fez executar rigorosamente, celebrando-se o acontecimento com uma grande festa, em que só se bebeu café. Dentro de vinte e cinco anos, o Cairo contava com mais de 2.000 lugares públicos, onde se vendia café. Considerada "bebida de luxo" e, como tal, vedada aos muçulmanos durante o Ramadan, entrou mais tarde na categoria das "bebidas populares".

Os primeiros cafés - novas lutas - Segundo o historiador turco Pichevili, só em 1554 apareceram as primeiras casas de consumo de café em xícaras, aliás instaladas com luxo asiático, que atraíram logo a fina flor da antiga Bizâncio. E, aí, nova guerra foi declarada ao café pelos imans, muftis e ulemás (sacerdotes). Queixavam-se estes de que suas mesquitas andavam abandonadas, por lhe preferirem os crentes os Kahwa-Kahuen, já então chamados escolas de sábios, porque, ouvindo música e admirando os bailados das almés, neles é que se discutiam ciências, política e religião.

Como, porém, dessa campanha nada resultasse, recorreram os ulemás a um expediente de infalível resultado, baseado num preceito do seu código de fé, que não admitia o emprego do carvão.

Ora, como o café, para ser bebido, exigia, então, como agora, a torrefação, declararam-no contrário à lei das leis e apelaram, nesse sentido, para os grandes jurisconsultos de Istambul, que opinaram a favor da tese sacerdotal. E o grão-mufti proibiu  o uso do café, pública e particularmente.

Mas não tardou que esse grão-mufti tivesse um sucessor, e este levantou o interdito, declarando que a sentença dos notáveis fora tortuosa, porquanto o café líquido não era comparável ao carvão, nem quanto à origem, nem quanto ao destino.

A propósito da penetração do café na Turquia, Couberd d'Aulnay diz: "Em toda a parte o recebiam apaixonadamente. A presença do café era um indício feliz, assim nas relações públicas, como nas privadas, e tanto que sua ausência era considerada como presságio seguro de rompimento".

A paixão das mulheres turcas pela infusão - As mulheres, particularmente, "choravam por ele como crianças", de tal modo que chegou a considerar-se como uma das exigências a que não podiam fugir os seus admiradores. Bebiam-no em extremo quente, sem açúcar nem leite, e se, por acaso, o sabor não era o melhor possível, juntavam-lhe sementes, como o cardamomo, o cravo etc. O marido, por exemplo, estava obrigado a fornecer café à sua mulher; a negação, ou mesmo a falta do café, por falta de meios, "era uma causa legítima de divórcio".

Toda essa literatura sobre o café pertence, evidentemente, ao domínio da lenda, ou, quando não, deflui de acontecimentos de feição real, mas deturpados e nimbados pela fantasia dos contistas e prosadores.

Contudo, foram essas tradições e fábulas que influíram nos povos levantinos, levando-os a adotar cerimônias que demonstram crendices comuns e fundo religioso. Conforme assevera Nicolau Delboné, o café era servido às pessoas que faziam visitas de pêsames, mas sem açúcar, "para lembrar assim a dor e a amargura da vida". E como os muçulmanos também acreditam no arcanjo infernal, "nunca o café deve ser apresentado, sem ter ainda a espuma amarelada: o café negro, não recoberto pela sua própria espuma, traz reminiscências - dizem os orientais - da cara do diabo".


Vista parcial do cais e do estuário de Santos, 
por onde se escoa 40% do café consumido no mundo intero
Foto publicada com a matéria

A introdução do café no continente europeu - Durante o século XVII, irradiou-se o café pelo Centro e pelo Ocidente da Euuropa, graças, sem dúvida, à atividade dos viajantes e dos negociantes.

Paulo Porto Alegre alinhou preciosos informes acerca da introdução do uso da beberagem em Roma, Veneza e Pádua: "Em toda a Europa cristã, foi Roma, sem dúvida alguma, a primeira cidade onde se bebeu café. Pietro Della Valle, regressando à Cidade Eterna, depois de longa permanência no Oriente, trouxe consigo grande provisão de grãos de café, e empenhava-se muito em tornar conhecida dos seus compatriotas a infusão. Depois de Roma, foram Veneza e Pádua as duas cidades que conheceram o café, pelo menos sob a forma de um medicamento novo, graças aos elogios que lhe teceram Prospero Alpino e o alemão João Veshingius, doutor da Escola de Pádua".

O arbusto, propriamente dito, foi levado à Europa pelos navegantes dos Países Baixos - o que se deu, ao que consta, por ordem de Nicolau Witsen, burgomestre de Amsterdam e diretor da célebre Companhia das Índias Orientais. Obstáculos houveram, aliás, para arrancar-se a planta das mãos ciosas dos habitantes do Yemen. Verificou-se, contudo, a impossibilidade do grão seco germinar em solo europeu, e o sr. Augusto Ramos, no seu livro O Café no Brasil e no Estrangeiro, registra que, de fato, houve uma experiência no sentido de reproduzir-se na Europa o cafeeiro por meio de grânulos - experiência procedida em Dinon, no ano de 1670, a primeira e talvez a última de tal gênero, visto como fracassou totalmente.

Na França - A introdução do café na França foi atribuída a João Thévenot, que viveu de 1633 a 1667, e que, após uma excursão à Ásia, em 1657, o teria conduzido à pátria. Presume-se, porém, que, em 1644 ou 1654, já o veneziano ou romano Pietro Della Valle, acima referido, levara para Marselha as afamadas sementes, que, antes, fizera conhecidas no seu berço natal.

Afirma-se que, em 1658, na capital francesa, numa loja próxima ao Petit Chatelet, se vendia uma bebida denominada cahové, que mais não era que a decocção do café. O que não admite controvérsia é que foi o reinado de Luís XIV - o rei-sol - que veio proporcionar à beberagem a merecida culminância.

Em 1669 tornou-se comum o uso da infusão em Paris, onde três anos após já existiam várias "casas de café". Resistindo a todas as investidas - inclusive por parte de Elisabeth de Orleans, que, em 1712, declarava "horrível" a infusão, à qual atribuía um "gosto de feno queimado", o café se foi propagando na França, notadamente na sua capital, onde ficou célebre o "Café Procope". Com efeito, foi este um dos primeiros centros onde se reuniram os homens de letras, à frente dos quais, como fanáticos apreciadores do café - a "bebida intelectual" - se viam Rousseau e Voltaire.

De 1668 data o memorável "Café do Palais-Royal", mais tarde chamado "Café de la Regence". Michelet afirmou que, sob a regência do duque de Orleans, Paris contava trezentas casas de café, e que seu uso se havia estendido, do mesmo modo, por outras grandes cidades, como Bordeus, Nantes, Lion, Marselha etc., e acrescentava que o advento do café havia contribuído para o maior brilho espiritual da época, modificando os temperamentos e criando novas atitudes: os males do alcoolismo recuavam, porque "le regne du café est celui de la temperance"...

Sob Luís XV, a infusão continuou triunfante. O próprio rei era um dos seus mais ardentes apreciadores. Eis mais algumas referências publicadas a respeito do "Café de la Regence": "Os amantes do xadrez aí se reuniram muitas vezes, inclusive Philidor, os já citados Rousseau e Voltaire, e Diderot e d'Alembert. Diderot escreveu: 'Esteja o tempo agradável ou chuvoso, eu passeio todos os dias, às 5 horas, no Palais Royal. Se faz frio ou chove, refugio-me no Café de la Regence. E então jogo. Paris é o lugar melhor do mundo e a Regence é o ponto de Paris em que melhor se joga o xadrez. Aí, Légal, o profundo, e Philidor, o sutil, e Maot, o sólido, lutam airosamente'".

Uma derrota do "Incorruptível" - Durante o período revolucionário, Robespierre freqüentou esse café histórico. Ele jogava mal, porém inspirava tal terror que os seus parceiros perdiam sempre. Um dia em que, diante de um tabuleiro, Robespierre esperava alguém com quem disputasse uma partida de xadrez, entrou no café um rapaz, de finos traços fisionômicos, que, sem uma palavra, se sentou em frente ao "Incorruptível". O jogo foi logo encetado e ganho pelo desconhecido.

- Qual é o prêmio do vencedor? indagou Robespierre.

- A cabeça de um homem; eu a ganhei; dá-m'a sem demora, antes que o carrasco a decepe amanhã.

E tirou do bolso uma folha de papel, que era uma ordem para libertar o conde de R., encerrado na Conciergerie. Só faltava a assinatura de Robespierre, que não hesitou em a dar.

- Mas, quem és tu, cidadão? perguntou o ditador.

- Sou uma mulher, a noiva do conde de R. Obrigada, e adeus...


Na atualidade: o café entrando, pela esteira automática, 
no porão de um navio atracado no cais da Cia. Docas de Santos
Imagem publicada com a matéria

Na Inglaterra - Parece que a um negociante, de nome Eduardo, é que se deveu a introdução do café na Inglaterra. Esse homem de negócios teria trazido para Londres um grego, Pasqua Rosée - que sabia preparar a infusão -, assim como alguns fardos da valiosa semente. Isto em meados do século XVIII, ao que apuraram os historiadores.

Na mesma época (1652), ou pouco antes dela ao que conservou a tradição, o café teria sido levado a Oxford por um judeu chamado Jacques. Certo é que a bebida foi bem aceita pelos ingleses. Dentro em pouco, pelo que expôs um escultor, tanto na capital da Grã-Bretanha, quanto em outras localidades, instalaram-se nada menos de três mil "cafés".

Chegou até a haver uma representação feminina contra ele - que foi acusado, então, de nocivo à saúde e de perturbar a paz doméstica (naturalmente porque os homens preferiam trocar a santa serenidade do lar pelo ambiente de boatos e discussões das concorridas "casas de café"...). The women's petition against coffee data de 1675. Sabe-se que, nesse ano, todos os estabelecimentos que vendiam o licor foram fechados por determinação do governo, que os considerou como perigosos focos públicos de conspiração e amotinação...

Na Alemanha - Na Alemanha só se conheceu o café em 1670. Data de 1679 a instalação da primeira casa pública de café em Berlim. A primeira da Áustria surgiu em 1683, devido a Kolschizky, o orago dos cafés de Viena, onde se lhe ergue a estátua, a única obra de escultura existente no mundo em que se acha representada a célebre rubiácea.

Na terra dos Niebelungein e das Walkyrias estava o café destinado a sofrer mais rude combate que na Inglaterra. Homens e mulheres fizeram-lhe as mais estranhas e picarescas acusações, em que a virilidade de uns e a fecundidade de outros eram tidas como pavorosamente reduzidas pelo uso da incriminada beberagem. Até o café com leite - mistura agradável e nutritiva, devida ao holandês Nienhoff, que foi o primeiro a usá-la em 1660 - e recomendada expressamente por Morin, médico de Grenoble, em 1865 - foi acusado de fatal às mulheres, pela agravação dos males que lhes são peculiares!

Durou esda luta contra o café, na Alemanha, desde fins do século XVII até depois de meados do século XVIII e, como é fácil imaginar-se, nela tomaram parte os seus afamados cientistas, bem como alguns da França e da Inglaterra.

Estava reservada ao célebre músico John Sebastian Bach a glória de vibrar o golpe de morte nessa campanha ingênua, mas de graves malefícios para aceitação, franca e larga, na Alemanha, da preciosa infusão. É que Bach (1685-1750) compôs a Coffee Cantata (n. 211 das suas Cantatas Seculares), a qual foi publicada em Leipzig, em 1732. Tornou-se famosa e conhecida pelo seu verso inicial: "Schweight stille, plaudert nicht". Vulgarizou-se com assombrosa rapidez e veio a ser o hino tudesco da rubiácea, porquanto no leit-motiv dizia que o café açucarado era melhor que mil beijos e mais doce que o vinho Moscatel:

"El! Wio Schmecht der Coffe susse:
Lieblicher als tausend Kusse
Micider ais Muscaten - Wein!"

E a vitória do café na pátria de Goethe e das gretchen de cabelos flavos e suaves olhos glaucos ficou assegurada pela maravilhosa cantata de Bach.

Nos demais países europeus, como Holanda, e os que compõem a Escandinávia, a introdução do café, ao que parece, se processou normalmente, adquirindo desde logo grande extensão e constituindo hábito de que já não podem prescindir os seus habitantes.


Um transatlântico, carregando café, em 1894, em nosso porto
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