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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1902 - pela Revista da Semana (RJ) - 2

"Santos (...) está destinada a um futuro brilhantíssimo..."
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Ao longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

E este instante foi captado em janeiro de 1902, em um número especial de 44 páginas ilustradas da Revista da Semana, do Rio de Janeiro (então em seu terceiro ano de publicação semanal pelo Jornal do Brasil, dedicado à cidade de Santos, onde se situava Anatólio Valladares, o representante local dessa publicação, que assina as matérias (e que no ano seguinte criaria sua própria revista, Santos Illustrado). O exemplar, em fotocópia no acervo do historiador Waldir Rueda, tem aqui os textos em ortografia atualizada:


Página 2 da publicação

Um mês em Santos

Evocando de minha memória a imagem rútila, cujos contornos aí ficaram gravados indelevelmente, e de meu coração os estos vivos da gratidão a mais intensa e a mais imorredoura, venho tentar, em rápido esboço, aqui fixar as gratas reminiscências que em meu espírito deixou essa extraordinária cidade que é Santos - com os seus monumentos seculares e os seus edifícios de construção moderna; com os seus aspectos poeticamente interessantes e com os seus encantos deliciosamente primaveris; com o seu amável povo, carinhoso e bom; com a atividade febril de sua indústria comercial e agrícola; com a sua sociabilidade fraternal e democrática, e a convivência íntima de sua afabilidade docemente comunicativa; com todo o seu progresso material e toda a superioridade de seu espírito nos tríplices domínios das artes, das ciências e das letras; com o seu temperamento, em suma, sadiamente religioso e o aperfeiçoamento sólido de seus costumes, oriundos de uma moral e de uma nobreza medievais.

Pálido reflexo do quanto se estampou em minha retina e sensibilizou o meu coração, as linhas que seguem, incolores e flácidas, certo não vibram pelo estilo nem atraem pela arte descritiva. Em compensação, porém, elas traduzem a linguagem pura da doce verdade, falam esse emotivo idioma da Gratidão, quando sincera.

***

Rendido ao acolhimento generoso que da população santista eu recebera, quando dali me retirei trazia a intenção deliberada de para logo deixar estampadas, na interessante edição da tarde do Jornal do Brasil, as fundas impressões recebidas durante um mês de estadia nesse admirável pórtico do Estado de S. Paulo; mas de tal propósito afastei-me para aguardar o aparecimento deste número especial da Revista da Semana, em que se rende o devido preito de homenagem à terra progressista de Braz Cubas, para satisfazer a essa mais justa aspiração de minha alma, profundamente reconhecida às múltiplas delicadezas de que fui alvo, a essa carinhosa recepção que me cativou para todo o sempre.

Aqui ficam, melhor colocadas, as palavras que mal podem exprimir o meu entusiasmo por essa belíssima cidade - aqui, ao lado das esplêndidas gravuras que reproduzem os seus soberbos edifícios, as suas praças admiráveis, os seus elegantes palacetes, e também as figuras proeminentes de sua sociedade culta, aqueles que ocupam um lugar na administração pública ou em instituições particulares, que concorrem com o seu esforço e com a sua atividade para a perfectibilidade da vida social, que constituem o seu ornamento, que lhe dão a nota do espírito, que a ilustram e lhe imprimem a distinção que lhe é característica.

Como em um buquê de formosas flores, colhidas entre as mais formosas, e agrupadas com o sentimento estético que anima a boa vontade da Revista da Semana, o leitor encontrará, neste número especial de significativa homenagem, quadros e paisagens da risonha cidade e retratos dos que nela demoram e nela se distinguem; a par dessas ilustrações de arte terá aqui a rápida referência a estabelecimentos e instituições que visitamos e admiramos, e às personalidades com quem convivemos e às quais ficamos preso pelo mais entranhado afeto e pela gratidão, a mais imarcescível.

Anatolio Valladares,
Representante do Jornal do Brasil e da Revista da Semana.

***

Justo é que iniciemos este retrospecto, feito de memória, e desacompanhado da mais insignificante nota, pela Santa Casa de Misericórdia, que pela sua importância, pelos serviços que presta aos infortunados, aos míseros deserdados da sorte, faz jus ao primeiro lugar e à saudação primeira. Esse estabelecimento é uma glória para a cidade de Santos e honra não só a ela, senão ao país inteiro.

O edifício, construído com todas as regras de uma severa arquitetura, é ao mesmo tempo sólido e elegante. Levantado à meia altura de uma risonha colina, ele domina a praça Andrada, o mais bem tratado e o mais pitoresco dos jardins de Santos; e dali a vista se expande na contemplação do mais belo panorama que a natureza pode proporcionar ao homem, nessa exuberância da vida e da caprichosa beleza dos panoramas de todo S. Paulo, cambiantes e variados, segundo as suas zonas distintas, mas sempre esplêndidos, encantadores sempre.

É a Santa Casa um modelo de instituição hospitalar.

As suas vastas enfermarias, largamente arejadas, recebendo por grandes aberturas o ar sadio e a luz vivificante, oferecem todas as condições de conforto aos doentes e obedecem a todas as prescrições da higiene que regem a espécie.

Em todas elas observa-se a mais rigorosa anti-sepsia, o mais escrupuloso asseio, e nenhum olor, aliás peculiar às enfermarias, é ali perceptível ao visitante, denunciando logo o hospital.

O corpo de enfermeiros, solícito e idôneo, sabe de seu métier e exerce-o com competência e notada dedicação. Os doentes são por eles tratados com todo carinho e a palavra amiga de que usam faz com que desde logo, entre uns e outros, se estabeleça a mais franca cordialidade e reine a confiança mútua.

Para dizer do corpo médico e tecer-lhe o mais alto elogio, basta assinalar que é composto dos mais distintos, dos mais reputados clínicos de Santos, da elite de sua classe médica. Os enfermos confiados a seus cuidados, quando deixam o hospital levam a alma presa "aos seus doutores", que, segundo o que preceitua a sua nobre profissão, com o seu saber lhes restituíram a saúde perdida e com a sua cativante bondade e generoso trato lhes levaram o conforto e o alívio à alma magoada.

Em minha demorada visita a esse estabelecimento, na qual fui delicadamente acompanhado pelo ilustre sr. comendador Rodrigues Alfaya, digno cônsul argentino, que com toda paciência se prestou a fornecer-me as mais minuciosas explicações sobre a organização, natureza e distribuição dos variados serviços daquela casa - nessa visita, confesso que minha expectativa foi de muito excedida e que muito me surpreendeu tudo quanto vi e examinei, ficando evidentemente muito aquém da realidade as referências encomiásticas que acerca desse estabelecimento ouvira antes.

Foi ao findar essa visita que tive a explicação do admirável caso, que em meu espírito se esclareceu o milagre surpreendente: foi quando me apresentaram o ilustre cavalheiro, o sr. Júlio Conceição, o taumaturgo daquele templo de caridade, o espírito forte dos eleitos de Deus na terra, dos que são dotados de boa vontade, dos que sabem querer e sabem agir; daqueles a quem a natureza prodigamente distinguiu, aparelhando-os de um temperamento de energia forrada de pelúcia e de uma fortaleza envolta em arminho; que conseguem aliar a brandura à decisão pronta, que juntam a resolução inabalável à meiguice a mais cativante.

É o sr. Júlio Conceição, o provedor da Santa Casa de Misericórdia, o mago diretor de todos aqueles serviços, a energia e a força que põem em movimento todas as engrenagens daquele complicado maquinismo.

É à sua filantropia ímpar, aos seus sentimentos generosos, à sua solícita dedicação por aquela casa de caridade, que a Misericórdia tudo deve; é à sua fortuna posta à disposição desse estabelecimento, é à sua atividade, à sua inteligência, ao seu esforço incondicional e aos seus elevados sentimentos altruísticos, que a Santa Casa de Misericórdia de Santos deve o grau de prosperidade em que se encontra, a feliz organização que ostenta e que lhe confere os justos títulos de estabelecimento hospitalar modelo.

***

Do adiantamento de Santos, de sua elevada cultura intelectual, dão a justa medida e falam bem alto os periódicos que ali se publicam. Todos eles honram a instituição da imprensa; todos bem redigidos, obedecendo à orientação definidamente patriótica, e quando mesmo se trate do jornalismo político, reconhece-se que seus redatores sabem observar e seguir a prática do grande estilista francês Buffon, que para escrever vestia as suas mangas de finíssimos bordados, como mise-en-scene obrigada dos seus períodos de uma amplidão majestosa, de uma harmonia brilhante.

Queremos acentuar que mesmo em meio da luta a mais acesa, da controvérsia a mais violenta, determinada por questões de natureza política, a imprensa santista guarda sempre o devido decoro, conserva o preciso respeito à nobre arte de escrever e sabe prestar o culto indispensável à dignidade da forma, este último, na opinião do finado Joaquim Serra - o primeiro dos deveres do jornalista que se preza e sabe prezar a sua arte. Diários todos os periódicos de Santos, e matutinos, todos eles têm uma feitura elegante, inteligente e moderna, sem embargo de ter a afirmar cada um deles a sua feição especial, um aspecto original e particular que é todo seu, e que fundamentalmente o distingue de todos os outros.

São quatro os jornais existentes naquela terra benfazeja e bem-fadada: o Diário de Santos, a Tribuna, a Cidade de Santos e o Santos, exprimindo este último nome, sempre repetido, o entranhado amor que os seus filhos consagram à sua estremecida cidade - semelhantemente ao nome dulcíssimo de mãe que os infantes têm sempre à flor dos lábios e que não cessam de repetir cariciosamente.

É mais antigo de entre eles o Diário de Santos, o "grande órgão" da terra, o vovô da imprensa local. Deste jornal, redigido com critério, contendo um bom serviço de informações, feito com arte, é gerente o sr. João Salermo, que acumula as funções de noticiarista, e que em toda a cidade santista faz um monopólio avassalador - o de amizades e simpatias, que ele colhe por toda a parte, incessantemente, graças a seu espírito franco e leal e a seu temperamento dominado de bom humor e alegria comunicativa.

É redator-chefe do Diário de Santos o sr. dr. Izidoro Campos. Jornalista, orador, eloqüentíssimo, liminar do foro de Santos, esse moço é afável em extremo, de um trato lhano e simples, mas distinto, sedutor e tem o condão de, ao primeiro encontro, fazer captar a mais viva simpatia, sentimento que envolve para a mais radicada afeição, de quem dele se acerca e sente o influxo de sua amabilidade inata, desataviada de falsos ouropéis, imponente na sua simplicidade. Ainda recente e vívida é a impressão que me ficou da recepção que tive em seu lar ilustre, no seio dessa distinta família de que ele é chefe exemplar.

Trabalham na redação do Diário de Santos o dr. Urbano Neves, advogado hábil e que já ilustrou o jornalismo fluminense; professor Assis, Dirceu Ferreira, Antero Martins, Lycurgo Sampaio, Nero Serra, um dos mais eficazes e prestantes auxiliares da folha.

A Cidade, jornal político como o procedente, é um periódico bem feito, à moderna, escrito com elegância e que explora todos os assuntos com grande elevação de vistas. É seu gerente, isto é, dirige tanto a administração como a redação, o jovem Sebastião Faria, cujas aptidões e idoneidades são afirmadas pela própria folha e pela estima com que esta é recebida pela população.

Da Tribuna, o popularíssimo jornal de Santos, é redator Olympio Lima, um jornalista de pulso, panfletário ousado, cujo estilo nervoso e altissonante vibra e comove, acende paixões, cria desafetos, ou atrai prosélitos e dedicações, conforme a causa em debate e segundo a face da questão que o lutador amparou e protegeu com a égide poderosa do seu talento, com a clava formidável que é a sua pena.

Também trabalham nesse jornal bem preparado, espirituoso e leve, dois ilustres jornalistas: Alberto Veiga, que já foi deputado no Estado do Rio, e é um eloqüente orador, e Pereira, o amável autor das Rabugices de um velho.

O dr. Álvaro Mota e Pio Coelho são ainda dois jornalistas que honram e ilustram as colunas da imprensa santista com as produções do seu reconhecido talento.

***

Os moços que constituem a sociedade jocunda de Santos, que lhe dão vida, animação e brilho, não se entregam, como geralmente sói suceder, aos passatempos fúteis, banais e muitas vezes perniciosos, a que a juventude não se pode furtar. Ali a mocidade busca de preferência as diversões de que algo de utilidade lhes possa advir, de que lhes provenha um benefício de realidade prática. Daí agruparem-se e formarem sociedades e clubes como os de regatas, como O dos XV, nos quais, ao mesmo tempo que eles avigoram o corpo e fortalecem os seus músculos, saneiam o espírito, põem em proveitoso exercício as suas faculdades intelectuais, ilustrando-se e adquirindo sempre conhecimentos novos - inteligente aplicação do sábio preceito do utile dulci, na qual eles, dos seus próprios divertimentos e folguedos, haurem as vantagens que decorrem de um físico sadio e forte, consorciado a um espírito são e bem equilibrado.

Foi por corresponder à gentileza do convite para um pic-nic, de que foi portador o meu amigo Marques Pereira, um valente e esforçado auxiliar na propaganda da Revista da Semana, que eu tive o ensejo, para mim venturoso, de conhecer o Club de Regatas Santista.

Marques Pereira, a quem a Revista e o Jornal do Brasil devem a cooperação a mais eficaz e valiosa, é um artista de inteligência e aplicação raras, e cujo caráter leal, franco e aberto, tem por base os mais apreciáveis atributos de moral. Foi por seu intermédio que recebi o gentil convite do Club de Regatas Santista para esse pic-nic, memorável festa realizada no barracão da Bocaina, e que ficou gravada na memória de todos quantos a ele assistiram, como uma recordação deliciosamente encantadora.

Aí, nessa festa campestre, tive a fortuna de conhecer os rapazes que compõem o clube, a sua jovialidade temperada de delicadeza, o seu espírito fino e comedido, a sua correção de maneiras e distinção de trato, que não excluem a intimidade afável e cordial, na qual fui para logo admitido, quando no seu convívio.

Descrever essa festa seria tentativa inútil, reproduzir com verdade e propriedade as gratas impressões que dela me ficaram, seria impossível... Apenas direi que desse encontro de camaradagem e de boa estima saí encantado pela gentileza e graça das famílias que foram o legítimo ornato artístico da festa, e escravizado às bondades e às distinções de que me cumularam esses valentes e robustos descendentes dos heróis de Salamina, como classifica os amadores do sport náutico o nosso primeiro cronista de letras e de artes.

O Club de Regatas Santista, composto de rapazes amáveis, de educação esmerada, e cujo desenvolvimento físico - tórax amplo, vigorosos pulmões, bíceps fortes e robustos; cor do rosto denunciando saúde e vigor - bem patenteia quanto lhes são úteis os exercícios a que com paixão se entregam - tem em sua diretoria dos nomes dos srs. Sebastião Praça, presidente; Godofredo de Faria, vice-presidente; Domingos Avelino de Souza, 1º secretário; Joaquim da Cruz Montes, 2º secretário, e Albano Côrte Real, tesoureiro.

A sua frota compõe-se dos escaleres Bella, Ondina e Alliança; guigas Atalanta, Nautilus e Neptuno; esquifes Diana e Thetis, além de nove escaleres pertencentes ao meu simpático amigo dr. Sebastião Praça, uma baleeira de um grupo de sócios, e dois out-riggers e uma guiga que estavam a chegar e já hoje devem figurar entre as elegantes embarcações desses cultores do rowing.

É presidente honorário do Club o sr. capitão-tenente Eduardo Midosi, cujo retrato é publicado no presente número.

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Um dos auxiliares mais prestimosos que o representante do Jornal do Brasil e da Revista da Semana encontrou em Santos, para o cabal desempenho de sua missão, facilitando-a e tornando-a agradável, foi o dr. Alvaro da Motta e Silva, simpático e ilustre profissional médico da Fortaleza da Barra; foi ele quem me proporcionou a visita, que me deixou alegres e delicadas impressões, àquela fortaleza.

Aí tivemos ocasião de travar conhecimento com o seu digno comandante, um belo tipo de soldado, amável, inteligente, disciplinador, e em cujo trato se reconhece desde logo que são característicos da sua personalidade a bravura e a lealdade.

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O Club Internacional de Regatas faz honra ao sport náutico de Santos, e quando apresentado aos belos rapazes que o compõem, pelo Scott Barbosa, sentimos que estávamos como em família, tal a recepção afável e amistosa desses moços lhanos e distintos.

O barracão do Club, situado muito próximo da Fortaleza da Barra, é ainda uma casa de modestas proporções; mas a sua diretoria trata com empenho da construção do novo barracão, cuja planta tivemos ensejo de ver e admirar, pois é em verdade um primoroso trabalho. Releva dizer que o Internacional conta já uma respeitável frota, composta de velozes escaleres, out-riggers, baleeiras, esquifes, guigas etc.; e que a sua secretaria é elegante e bem disposta.

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O Centro Espanhol e a União e Beneficência Espanhola fazem honra à colônia espanhola em Santos. O primeiro, um clube onde os patrícios de Cervantes espairecem, divertem-se e deleitam o espírito, está situado em um edifício magnífico, onde o luxo e o conforto se casam, em que a ordem se alia à distinção. Encontram-se ali um belo salão de leitura, bem provida biblioteca e um palco cênico elevado ao fundo de uma sala graciosamente ornamentada e cuja pintura, representando as armas e escudos das diversas municipalidades de Espanha, é de refinado acabamento artístico e produz o efeito o mais encantador.

Cativou-nos a distinção com que fomos recebidos pela digna diretoria do Centro, e principalmente por seu ilustre presidente, o sr. José Esteves, um dos mais ilustres ornamentos da colônia espanhola naquela cidade, homem ativo e cavalheiro amável e gentil.

A Sociedade de Beneficência Espanhola é, como o seu nome o está indicando, uma instituição de providência e mútuo socorro, fundada sobre bases sólidas, e que tem prestado os mais relevantes serviços aos seus co-associados, amparando-os nas ocorrências desastrosas da vida, dando-lhes a assistência e o carinho nos padecimentos do corpo, levando-lhes o conforto e a animação nos sofrimentos e atribulações do espírito. Honra o cargo que ocupa, o de seu diretor, o hábil médico dr. Assis Correia, cuja atividade, competência e dedicação àquele benemérito instituto são patentes e manifestas.

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Ainda em desempenho da honrosa missão de representarmos o Jornal do Brasil, deparou-se-nos em Santos o ensejo de visitar ali as várias associações fundadas pela operosa colônia portuguesa, dos esforçados descendentes de Afonso Henriques e cuja divisa é sempre, em toda a parte e em todos os tempos: "Honra e Trabalho".

Como é sabido, o espírito de associação é inato nos portugueses; melhor que nenhum outro povo eles compreendem a profundeza do conceito de que "a união faz a força", e agrupando-se, aliando os seus esforços, formando centros de resistência e de amparo mútuo, eles conquistam por toda a parte o bem estar e a tranqüilidade, a fortuna e o bem viver, constituindo associações sólidas e de ação eficacíssima no seu meio, associações que são o reflexo de seu espírito previdentemente ordeiro, inteligentemente acautelado.

Em Santos - o Hospital de Beneficência Portuguesa, instituição que vantajosamente emparelha com qualquer das suas congêneres e que há prestado os mais relevantes serviços; o Centro Real Português, a Banda Colonial Portugueza e outros agrupamentos, cujos nomes ora nos escapam, são provas inequívocas, evidentes, do que acima foi dito e constituem outros tantos exemplares do espírito ativo e dos sentimentos de confraternidade e solidariedade que formam a força e a base do caráter nobre e leal da raça portuguesa.

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A colônia italiana, aliás não tão numerosa em Santos como nas demais cidades e vilas do Estado de S. Paulo, onde constitui maioria extraordinária, tem por seu chefe o distinto cavalheiro dr. João Eboli, um médico e cirurgião reputado, que se desdobra em ativo comerciante e industrial empreendedor, como diretor de bancos e presidente de companhias que é.

A colônia alemã, notável pela correção, sociedade e cavalheirismo de seus membros, conta um excelente ponto de reunião, onde se palestra e onde se discreteia de artes: o Club Germania, decano das associações santistas.

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Falando, ainda que per summa capita, de fatos, personalidades e instituições de Santos, é impossível deixar de aludir ao seu Corpo de Bombeiros. É uma instituição benemérita, essa. Disciplinada, valorosa, sabendo do seu ofício, educada nos exercícios e no terreno da luta com o pavoroso elemento destruidor, que é o fogo, ela pode ser apresentada como um dos motivos de orgulho da terra de Braz Cubas e de Júlio Ribeiro.

Na visita que realizamos à casa dessa gloriosa corporação, percorremos o seu quartel, um amplo, espaçoso e esplêndido edifício, equiparado, dividido, ordenado inteligentemente para os misteres especiais a que é consagrado.

Seu comandante reúne, à idoneidade que possui para o cargo, grande brandura de caráter, que se transforma em energia de ação no momento preciso, e uma suave bondade que encanta e seduz.

O pessoal do corpo é morigerado, valente e adestrado, e cabe aqui uma lisonjeira referência à sua banda de música, que os entendidos aplaudem e elogiam com fervor, e a qual faz a alegria das famílias que às quintas-feiras e aos domingos se reúnem no jardim da Praça Andrada.

À festa oferecida ao Jornal do Brasil, na pessoa de seu representante, e na qual foram feitos os exercícios simulados, todos dignos de louvor, assistiram também muitos representantes da imprensa santista, que, como nós, saíram dali efetivamente maravilhados pelo que viram.

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Aludindo à banda do corpo de bombeiros, ocorre referirmo-nos às duas bandas de música de Santos - a Colonial Portugueza, de que já acima falamos, e à Humanitária, ambas excelentes.

Esta última é dirigida pelo sr. Rodrigues Alfaya, que tem como traço distinto a gentileza característica da ilustre família de que faz parte.

E, pois que o tempo urge e mingua o espaço, digamos rapidamente de outras instituições e de sítios que mais nos impressionaram o espírito durante nossa estadia naquela prodigiosa terra, fecunda e boa.

Avulta desde logo por sua importância o Grupo Escolar Cesário Bastos, dirigido proficientemente pelo notável educador, o sr. Carlos Escobar.

É um estabelecimento modelo de instrução e educação.

Em duas visitas que efetuei a esse instituto benemérito - a segunda para assistir à festa literária gentilmente oferecida por seu diretor ao Jornal do Brasil - pude verificar a ordem, a disciplina, a regularidade que ali reinam, a inteligência e o aproveitamento dos alunos.

Dessa festa encantadora, em meio das mais gratas recordações, ficaram-me inscritos na memória os nomes das gentis meninas, tão simpáticas quão inteligentes - Ady Pratt, Vitakh Siqueira, Alice e Oneida Guayer e as interessantíssimas filhinhas do ilustre dr. Soter de Araújo.

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Lamentando não poder consagrar maior espaço à descrição dessa escola modelo, importa assinalar aqui, em duas linhas, o prazer que me proporcionou o distinto cavalheiro Henrique Porchat de Assis, levando-me a visitar o Asylo de Infância, bela instituição beneficente, dirigida por irmãs de caridade e administrada pelo coronel Narciso de Andrade, dr. João Freire e por esse amabilíssimo cicerone que eu afortunadamente tive - Henrique Porchat.

Digamos ainda duas palavras de louvor à Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, útil e proveitosíssima instituição, e aludamos à polícia de Santos, que é digna de ser admirada, pelo modo por que exerce o seu difícil encargo de fiscal do povo, de mantenedora da ordem e da tranqüilidade públicas.

Efetivamente, sob a direção do dr. Manuel Galeão Carvalhal, a polícia de Santos sabe exercer a sua ação com energia mas sem constrangimento de nenhum cidadão, e cumprir os seus muitas vezes penosos encargos, sem transpor os limites traçados pela lei nem franquear as órbitas determinadas pela justiça.

É que, à inteligência e circunspeção da autoridade superior, vêm aliar-se a correção de seus auxiliares - pois é de notar que os cargos de inspetores de polícia em Santos são ocupados por moços do comércio, rapazes morigerados, sérios e educados, que se prestam ao fatigante e delicado serviço, só a fim de concorrer para o bem estar de seus concidadãos, e fazem-no com o escrúpulo e a correção emanados de seu caráter dignamente aparelhado.

***

Guarujá - eis aí um nome que figura nos fastos da cidade de Santos como um santelmo; ele tem o brilho do ouro polido, as irisações da gota d'água na folha verde da taioba, as delicadezas sutis de uma estrofe de Musset; é toda uma poesia o local e toda uma potente força a sua ação sobre os organismos debilitados que ali vão buscar, e ali encontram, a saúde, a revivescência, o bem estar e a alegria de viver, que acaso perderam...

Sítio abençoado, onde as famílias santistas e muitas que de longínquas terras provêm, passam as horas mais deliciosas e agradáveis, nesse sítio prodigamente dotado de belezas, de magos encantamentos e do condão miraculoso de restituir a vida aos enfermos que já dela haviam desesperado - Guarujá é uma pérola do diadema de Santos, que aliás as conta e de raro valor, nos seus arrabaldes poéticos, nos seus belíssimos jardins, no bairro do José Menino, em tudo que faz a sua grandeza e a sua superioridade.

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Essa cidade, que conta inteligências robustas como os drs. Martim Francisco, herdeiro que honra e ilustra o nome glorioso dos Andradas, João Carvalhal, Isidoro Campos, Motta e Silva, Soter de Araujo, Moura Ribeiro, Porchat de Assis, Manuel Tourinho, Silvério Fontes, Manuel Carvalhal, G. Eboli e tantos outros, que é o ninho dos mais brilhantes talentos, é também por assim dizer a pátria do sentimento e da delicadeza, pela nota distinta e fidalga que lhe dão as famílias.

A família santista é, por sua natureza, afável e gentil; recebe com graça e nobreza e distingue-se pela sua linha de correção e de elegância, natural e simples. É preciso dizer que a sociabilidade é imanente das senhoras de Santos, e que o seu caráter adamantinamente puro formou-se à luz da religião, que é ali acatada e praticada no seu culto externo com a compunção e o respeito próprios dos corações bem formados e dos espíritos bem constituídos.

Educada nos mais severos princípios religiosos, a família santista é instintivamente bondosa e meiga, pratica a caridade sem ostentação e a sua ação benéfica, de anjo tutelar no meio em que vive, decorre tão somente do culto que presta ao mais altruístico dos mandamentos da lei de Deus - o primeiro do Decálogo.

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Santos é, finalmente, a cidade que com as obras gigantescas, monumentais, das suas Docas, operou a mais miraculosa das transformações, reabilitando-se no conceito do estrangeiro, ao passar de uma localidade mal reputada quanto à sua salubridade, a ser a cidade salubérrima que hoje é, onde ainda há dois anos viu-se aquele formidável combate travado entre a peste bubônica e as autoridades sanitárias, e no qual a estas couberam os louros da vitória, por haver esmagado o terrível mal levantino que ali entrara sorrateiramente e, irradiando-se em direções diversas, numa marcha progressiva, aterrorizante, ameaçava em pouco transmudar, em negra e pavorosa necrópole, a ativa e álacre Liverpool brasileira.

A higiene, a mais bem orientada; a dedicação extremamente solícita dos médicos da Câmara, como da diretoria de saúde; a correção da classe médica dali, as medidas prontas, enérgicas e eficazes; as desinfecções rápidas, eficientes, completas; o excelente serviço no Hospital de Isolamento, a solicitude das autoridades estaduais e municipais, todos os elementos de ação repressora, postos em contribuição e homogeneamente combinados, atingiram a esse resultado estupendo - o da jugulação completa do terrível hóspede intruso, o mais retumbante triunfo da ciência contra o Mal do Ganges, que fizera a sua incursão com uma intensidade alarmantemente pavorosa!

Glória a Santos.

***

Fiquem neste escrito os protestos da mais viva gratidão do forasteiro, cuja boa sorte levou um dia à terra amada de Braz Cubas, e abriu-lhe os olhos do corpo para ver e admirar-lhe as belezas naturais, e os do espírito para avaliar e sentir toda a grandeza e pujança do seu progresso e de seu adiantamento, toda a inefável doçura, gentileza e meiguice, de seus povos; para extasiar-se ante a sublimidade encantadora de todo esse admirável panorama que se estende das planícies poeticamente recortadas da Barra, até as alturas do soberbo Cubatão, embevecendo a alma e guindando o espírito às mais elevadas regiões.

Fiquem aqui gravadas as expressões sinceras de minha admiração por essa terra, honra da raça latina, exemplo fecundo do quanto vence e pode conseguir o esforço nobilitante; admirável produto do consórcio do Trabalho e da Inteligência, da Bondade e do Querer.

Anatolio Valladares.
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