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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - LIVROS
Séc.XX - por Edith Pires Gonçalves Dias (02)

Um passeio pela cidade de Santos, com os olhos que a viram durante boa parte do Clique na imagem para ir ao índice deste livroséculo XX: assim é a obra Santos de Ontem, de Edith Pires Gonçalves Dias, publicada em 2005 pela autora, com apoio cultural da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e Museu Martins Fontes (mantido pelo Instituto Cultural Edith Pires Gonçalves Dias), todas instituições santistas.

Com 179 páginas, o livro teve curadoria de Rafael Moraes, revisão de Manuela Esquivel Rodriguez Montero e Manuel Leopoldo Rodriguez Montero, capa de Marco A. Panchorra, projeto gráfico de Marcelo da Silva Franco, colaboração de Cynthia Esquivel e impressão Cromosete. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 16 a 28:

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Santos de ontem

Edith Pires Gonçalves Dias

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A INFÂNCIA

Essa fase da vida era cercada de muitos cuidados e carinho. Em geral, as famílias residiam em casas com jardim, horta, galinheiros... As crianças sentiam-se livres, donas do mundo, uma vez que o seu lar era o seu mundo! Para elas, era um festa colher um tomate vermelhinho, escondido do jardineiro que cuidava da horta com extrema dedicação e não aceitava qualquer indisciplina no seu território.

As crianças adoravam jogar milho para as galinhas, através da tela de arame que circundava o galinheiro. Para elas era uma alegria ver as galinhas aflitas disputando os pequenos grãos. E quando a cozinheira da casa entrava no galinheiro para recolher os ovos postos nos ninhos de palha macia, era uma festa, um bater de palmas com entusiasmo.

Pobres crianças de hoje! Se lhes perguntamos de onde vêm os ovos consumidos em sua casa, elas só saberão dizer que eles se originam das bancas das feiras ou das gôndolas do supermercado.

Elas eram proibidas de mexer nas flores do jardim. Mas burlando a vigilância das babás, elas gostavam de colher uma que lhes agradasse, para oferecer à mãe ou à avó que, sentadinha na sua cadeira de balanço, tricotava para agasalhar os netos. Embora esse gesto se repetisse constantemente, a alegria de ambas as partes era sempre evidente. Quem resiste ao gesto de carinho de uma criança?

Por costume, as crianças faziam as refeições separadas dos adultos, de preferência com antecedência. Os pais achavam que elas não deviam participar dos assuntos conversados pelos adultos, nesse convívio gostoso que é o de sentar-se ao redor de uma mesa.

Em geral, aos quinze anos é que passavam a participar desse momento grato. É evidente que perfeitamente preparadas pelas normas de uma disciplina rígida completa. Esperavam que os adultos ou as copeiras as servissem. Eram ensinadas a usar devidamente os talheres, os copos e os grandes guardanapos colocados sobre os joelhos.

Tão diferente de hoje, quando cada um come quando e da maneira que quiser. Alguns jovens, porque submetidos ao horário de colégio, ou mesmo de um emprego. Ninguém chega mais cedo da praia para participar do almoço em família. Felizmente, inventou-se o micro-ondas e os retardatários rapidamente esquentam a comida já fria.

Antigamente as crianças eram obrigadas a comer de tudo. Hoje elas escolhem o que querem. Quase sempre o prato predileto é bife com fritas. Verduras? Nem falar!

Lembro-me que, quando criança, não queria comer cenoura, mas minha mãe dizia que eu devia habituar-me a ela, pois poderia acontecer de um dia eu ir para um lugar onde só tivesse cenoura!

Como a gente acreditava nas doces e necessárias mentiras maternas! A verdade é que seus doze filhos nunca passaram mal em nenhum lugar, pois foram habituados a comer de tudo.

Os brinquedos eram bem aproveitados e faziam com que as crianças usassem a imaginação. Um cabo de vassoura, tão simples, tão modesto, era transformado num cavalo! Meu pai construiu uma casa de bonecas no jardim, aparelhada de forma a propiciar o necessário para as crianças brincarem de "casinha". Hoje elas se limitam a jogar no videogame ou ficam horas à frente de um computador (existem inclusive jogos eletrônicos que simulam o dia-a-dia de personagens vivendo em suas casas, é a brincadeira de "casinha" dos dias de hoje).

Às vezes, eu me pergunto: serão elas felizes? Felizes éramos nós, que não vivíamos enjaulados em apartamentos, que brincávamos ao ar livre e inventávamos brincadeiras como: correio geral, berlinda, lenço atrás, amarelinha, roda-roda, esconde-esconde! Quanta criatividade nós tínhamos!

Como eram lindas as cantigas de roda: "A canoa virou, por deixá-la virar, foi por causa da fulana que não soube remar". E também "se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, para o meu, para o meu amor passar". Quanta beleza, simplicidade e pureza nas brincadeiras de outrora!

E que dizer da literatura infantil? A doce história da Branca de Neve, e muitas outras, foram sendo substituídas pelas revistas em quadrinhos, muitas vezes deixando transparecer violência e dominação pela força, sem nenhum encanto.

Íamos à praia em grupos, para jogar barrabol ou torneio de peteca! Quem ficasse mais tempo movimentando a peteca era o vencedor. Eu estava com dez anos quando apareceram os "iô-iôs". Logo ganhei um de um namorado de minha irmã Beca, namoro que não vingou. Chamava-se Renato e era irmão da Lindaura Salles, colega de classe de minha irmã.

Em junho, os mais velhos faziam balões coloridos. No dia de soltá-los as crianças ficavam em sobressalto e acompanhavam aquela pequenina chama de suas mechas até sumirem no céu! Hoje isso não é permitido porque podem causar um incêndio, ao cair sobre uma casa e principalmente nos reservatórios de combustível existentes no bairro da Alemoa.

A propósito, relato a origem desse bairro. Lá morava um alemão que tinha muitos terrenos, e quando alguém queria referir-se a esse local, dizia: lá onde mora a alemoa, que nada mais era do que a sua mulher.

Quando chegou a bicicleta, todas as crianças ficavam ansiosas, à espera do Natal, na expectativa de receber uma trazida pelo bondoso Papai Noel. Havia os velocípedes, os carros que se podiam guiar pelos caminhos do jardim.

Nossa casa, por ter um grande quintal, era o quartel general das crianças da vizinhança. E não faltava o suco de frutas, cuidadosamente preparado para aliviar a sede provocada pelas brincadeiras.

Hoje as crianças não acreditam mais no Papai Noel que lhes trazia presentes, nem no coelhinho que lhes trazia os lindos ovos de chocolate. Como era lindo vê-los ansiosos por essas dádivas.

Esse é um tempo que não volta mais. Há muito tempo, na paisagem urbana, as casas desapareceram para dar lugar aos apartamentos, e os terrenos estão cada vez mais escassos.

VIDA ESCOLAR

Antigamente, não havia berçários, prés e jardins-de-infância. As crianças aprendiam a ler com os pais, tios ou irmãos mais velhos. Eu digo sempre com muito orgulho que minha primeira cartilha foi o jornal A Tribuna e meu professor, meu pai. Pacientemente, ele me apontava as letras das manchetes, ensinava as sílabas e aos poucos fui assimilando as carinhosas lições. Aos quatro anos já lia com facilidade. Um método pedagógico que não se baseava em compêndios ou regras gramaticais. Ele era fundamentado apenas no amor!

Os que tinham boa condição econômica, contratavam professores particulares que compareciam diariamente para suas aulas. E até mesmo para ensinar outros idiomas. Minha primeira professora foi d. Tereza Nicolini, que morava na Avenida Conselheiro Nébias, 312. Já estava com nove anos quando fui para o Colégio Stella Maris.

No princípio do século XX, as famílias de posse não se contentavam com o curso do Grupo Escolar e mandavam os filhos para São Paulo, onde havia excelentes internatos. Lembro-me de minhas irmãs estudarem no Colégio Stafford, só para meninas, e meus irmãos no Mackenzie, só para rapazes. As adolescentes que desejavam ser professoras tinham, como única opção, a Escola Normal Caetano de Campos, situada na Praça da República, em São Paulo. Um prédio grandioso que durante algum tempo foi ocupado pela Secretaria de Educação. Ele continua lá, desafiando o tempo.

O ensino em Santos começou com a instalação de importantes colégios: o Ginásio Santista, o Colégio do Carmo, a Escola José Bonifácio, Colégio São José, Colégio Stella Maris, Coração de Maria, Luso-Brasileiro, Tarquínio Silva, Instituto D. Escolástica Rosa e o Liceu Feminino (hoje Liceu Santista), os mais conhecidos.

Para o curso primário, havia os grupos escolares, destacando-se o Cesário Bastos e o Barnabé.

Terminado o curso ginasial, os alunos que desejavam seguir Medicina tinham de optar pela Faculdade do Rio de Janeiro, ou a do Paraná. Quem quisesse seguir Direito, invariavelmente ia estudar na famosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde se formaram famosas personalidades jurídicas.

Mas, na quinta década do século XX (1941/50), surgiram as primeiras faculdades em Santos, ensejando a formação de muitos profissionais liberais. Hoje, são tantas as universidades em funcionamento, que Santos pode ser considerada uma cidade universitária. Não apenas os santistas as freqüentam, há uma procura intensa por jovens vindos do interior. Ressalte-se a marcante presença da iniciativa privada, já que as escolas públicas estaduais ou federais sempre tomaram outros caminhos, privilegiando outras plagas.

Além da Fatec, no final do século XX, só agora chega a Santos a Unifesp, em proveito da mocidade santista. Esse é um dos benefícios do progresso. O crescimento das oportunidades de estudar. Também o ensino fundamental e o colegial contam com numerosas escolas municipais, estaduais e particulares. A educação é encarada com seriedade pelo poder público e certamente um dia erradicaremos o analfabetismo no Brasil.

OS NAMOROS

Essa fase que se iniciava na adolescência tinha um encanto especial. Talvez pelo fato de os jovens não terem liberdade.

Eram iniciados veladamente. Rápidos encontros na porta dos colégios, no trajeto de volta para casa, quase sempre nos bondes. Os saudosos bondes que vivem na lembrança de todos que usufruíram desse meio de transporte encantador. Namorar nos bancos do bonde oferecia uma emoção indescritível! A viagem tornava-se mais rápida, as distâncias não eram sentidas.

Aos poucos, os jovens foram conquistando uma liberdade relativa. Já se podia namorar no portão de casa, sob a vigilância materna, ou nas matinês do cinema, quando em companhia dos mais velhos. Tinha um sabor especial o beijo trocado às escondidas.

Essa fase começou na década 1931/40 e eu fui a única, entre sete irmãs, a gozar desse privilégio. A vantagem de ser a caçula!

Os jovens iam aos bailes na companhia dos pais ou de adultos responsáveis, o que representava um grato divertimento. Ao som de orquestras famosas, os pares rodopiavam pelo salão. Havia um requinte em todos os acontecimentos sociais, tanto na vestimenta como nas atitudes.

Lembro-me com saudade, minha família morava no "Casarão Branco", eu era criança, não ia me deitar antes de meus irmãos e irmãs saírem para os bailes do Clube XV. Meus olhinhos brilhavam de admiração ao vê-los vestidos a rigor!

Aos poucos tudo foi tomando novas características e hoje já não se fala em namorar, mas em "ficar", um relacionamento sem qualquer compromisso e também sem encanto e romantismo. E não duram muito. É quase uma aventura!

OS NOIVADOS

Alguns namoros chegaram a levar anos, o que proporcionava um conhecimento maior da maneira de ser de cada um. Tempo em que os jovens faziam planos para o futuro e se certificavam do desejo de, juntos, construírem uma vida feliz. E quando o rapaz, já trabalhando, conquistava uma estabilidade que lhe permitisse formar uma família, decidia pedir a moça em casamento.

Os pais do rapaz anunciavam aos pais da moça uma visita cordial e com ar solene pediam a sua mão para seu filho, uma vez que eles se amavam. Nem sempre a resposta era imediata. O pai da moça, delicadamente, dizia que iria conversar com ela para ter a certeza de que esse era o seu desejo. Uma formalidade dos costumes antigos. É evidente que procuravam ter informações precisas sobre a personalidade do rapaz.

Passados alguns dias, a família da noiva retribuía a visita indo à casa do noivo para levar a boa notícia de que sua pretensão fora atendida. Os pais da noiva marcavam a data para recebê-los para o tradicional jantar de noivado. O noivo trazia as alianças, que eram colocadas na mão direita de ambos, em meio a manifestações de alegria e votos de felicidades por todos os presentes.

Iniciava-se então um período de sonhos arquitetados e projetos desenvolvidos. Estavam então mais tempo juntos, se conheciam melhor e com a certeza de que tinham todas as condições para usufruírem a sonhada felicidade. O preparo do enxoval da noiva e do noivo, os planos para as cerimônias civil e religiosa absorviam as duas famílias.

Esperava-se o grande dia com indisfarçável ansiedade. Lamentavelmente, aos poucos, essas formalidades foram abolidas, destruídas pelo tempo. Já não há pedidos de casamento, nem jantares de noivado. Os namorados simplesmente chegam à casa dos pais e dizem: "- Estamos noivos". Exibem as alianças já em suas mãos, sem a comovente solenidade de outrora.

O preparo do enxoval da noiva era encarado com carinho e seriedade por todos da família. Houve tempo em que não havia lençóis prontos. Era comum comprar "um lote de linho", que se compunha de peças de linho branco para confeccionar as roupas de cama. Faziam parte do lote algumas toalhas de mesa de linho adamascado e toalhas de mão com franjas trabalhadas.

Havia bordadeiras especializadas que transformavam o linho em lençóis e fronhas de grande beleza. Era o bordado cheio, o crivo, o "richelieu", que faziam do precioso tecido verdadeiras obras de arte.

Foi no início dos anos trinta que começaram a aparecer os jogos de cama industrializados, mas o costume de jogos ricamente bordados e coloridos persistiu por algumas décadas. Foram sendo dispensados pela dificuldade de sua lavagem, que exigia cuidados especiais.

Hoje as noivas querem tudo prático e fácil de cuidar. Nada de bordado, rendas e babados tiotados... Isso é compreensível, pois não se conta mais com pessoas aptas para a conservação dessas peças. A sua lavagem por pessoas ou lavanderias especializadas onera muito o orçamento doméstico e, com raras exceções, as pessoas procuram amenizar os gastos.

As toalhas de jantar ricamente bordadas viraram peças de museu, relíquias que retratam uma época que ficou para trás.

Mas, na verdade, encontramos roupas de cama, mesa e banho, de muito gosto e para todos os preços. As mais requintadas são mais caras. Mas, as mais acessíveis não deixam de revelar o bom gosto nas estampas coloridas. Acredito que nossos antepassados ficariam surpresos ao ver os lençóis que dispensam o ferro e forram as camas de hoje com elástico, facilitando a sua arrumação.

O mesmo aconteceria com as peças de "lingeries". Não eram encontradas prontas. Compravam-se os tecidos e rendas, e mulheres hábeis encarregavam-se desse difícil trabalho.

Nos enxovais de minhas irmãs, a artista que os executou foi d. Ivetta Martins, que veio a casar-se com João Bernils. De suas mãos saíam peças primorosas e - acredite se quiser! - cada camisola tinha uma touca para dormir, com o mesmo tecido bordado.

Em 1939, quando me casei, as "lingeries" foram feitas na Escola Profissional Escolástica Rosa sob a competente orientação da professora d. Esther. Essa escola deixou muitas saudades! Quantos profissionais de sucesso ali se fizeram. Como exemplo, cito Felipe Moblise, que, fazendo o curso de marcenaria, tornou-se um grande profissional, fundador da conceituada loja Mobilarte. No ramo da alta costura, lembramos a saudosa Celeste Cabral, que foi célebre pelo seu gosto e habilidade. Com ela aprendi os segredos da arte, que muito me serviram.

Como é bom lembrar essas coisas que faziam o encanto das famílias! Tudo foi evoluindo e, a partir dos anos cinqüenta, tivemos verdadeiras artistas na confecção de roupa de cama e mesa, bem como ricos enxovais para recém-nascidos: Argentina Montero Rodriguez, Dulce Ribeirão, Maria Dantas, Iria Marina Montero Pinto e Josefa Esteves de Castro (Nena), Ermelinda Esquivel Souto (Dona Mocinha).

Colégio Stella Maris, década de 1920

Foto: acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams). Cor acrescentada por Novo Milênio