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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1944 - por Guedes Coelho (1)

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Em 26 de março de 1944, o diário santista A Tribuna publicou uma edição especial comemorativa do cinqüentenário desse jornal (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), que incluiu matéria de três páginas escrita pelo médico sanitarista e vereador Heitor Guedes Coelho (1879-1951), que também se destacou como filantropo e historiógrafo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

A metamorfose de Santos

Panorama santista do último quartel do século passado (N.E.: século XIX) - O flagelo das epidemias que dizimavam a população adventícia - Obras de melhoramento urbano - Vultos notáveis que muito contribuíram para o saneamento e aformoseamento da atual "Cidade-Ninféia"

Guedes Coelho
(Especial para a edição do Cinqüentenário da A Tribuna)

[...]


Quando Santos era ainda uma cidade morta

Que era Santos no último quartel do século passado?

Imagine-se a transmutação de negro, horrível pesadelo, em róseo, feliz sonho de amor; a outorga do perdão ao condenado cerca do patíbulo, já, e ter-se-á um símile da incrível diferenciação das duas Santos, cronologicamente distintas na última década do século dezenove, contemporaneamente ao início das obras do cais, e à difusão e prática da teoria cubana sobre a patogenia amarílica.

Recordemo-las, e vejamo-las:

A primeira, a Santos pré-republicana. Mal traçadas as ruas, à exceção de uma ou outra bem alinhada, e mal calçadas, sem sarjetas laterais, cheias de altos e baixos, não escassas de caldeirões ou mata-burros, no desnível dos matacões pavimentares repletos de lama pútrida.

Inestéticas as casas, ao feitio colonial, raríssimas as de três pavimentos, três apenas, as duas do comendador Neto (penúltima sede da Municipalidade uma, onde se hospedava a velha marquesa de Santos, esposa do Brigadeiro Tobias outra) (N.E.: na verdade, não existe qualquer registro da presença da Marquesa de Santos na terra que lhe originou esse título), e o Hotel Roma, de propriedade de Elias Caiafa (fonte de destacada, conceituada prole), posteriormente Hotel dos Estrangeiros, da família síria Mauá, e hoje, após o ruidoso incêndio de 1911 (N.E.: 1914), em prédio novo, Hotel Washington; poucas as de dois (sobrados), e inúmeras as baixas, servidas das anacrônicas rótulas, com telhados em rabo de pato...

E não se queira situá-las em distantes arrabaldes, pois há 40 anos ainda, destas tivemo-las a evocarem aspectos árabes, de Marrocos ou Túnis, no estreito e exíguo "beco do Inferno", agora Rua Frei Gaspar, enxameada de negociantes sírios, no trecho dos Quatro Cantos (cruzamento das ruas Antonina e 25 de Março (15 de Novembro hoje), até ao Largo do Rosário, Praça Rui Barbosa atualmente e continuada inferiormente para a Banca, o velho Mercado, no local da Western.


"No plano superior, aparece um aspecto antigo da praia do Gonzaga;..."
Foto publicada com a matéria

Júlio Conceição trabalha em prol de Santos

Para atender ao grande aumento da população, na geral melhoria econômica da cidade, intensificou-se a construção dos desajeitados e anti-higiênicos cortiços, feitos à custa de todo e qualquer material barato, e erguidos em toda a parte, mesmo no centro urbano, nos quintais e onde espaço houvesse.

Ribeirões contemporâneos de Braz Cubas atravessavam a descoberto o centro da cidade; o Rio dos Soldados, o Ribeirão do Carmo, o Macaiá, o São Jerônimo e o São Bento, só canalizados em 1889.

Já bem pluviosa então a atmosfera de Santos, que carecia dos necessários vazadouros, no transbordamento dos aludidos riachos, quase permanente, os insetos morbígenos encontravam farto pasto para a sua nefasta pululação. Descuidadas de seus deveres, as Câmaras Municipais, só em 1889, a última da Monarquia - presidida por Júlio Conceição, jovem negociante de café, paulista, que muito trabalhou por nós, e por isso galardoado com a Comenda da Ordem da Rosa - rompendo a velha rotina, entrou de cuidar dos interesses populares.

Data desse momento a expansão do calçamento da cidade, sendo calçadas a Rua General Câmara (antiga Áurea), até a Senador Feijó (antes da Alfândega), e a Conselheiro Nébias (ex-Otaviana) até João Pessoa (do Rosário).


"...e no plano inferior, uma visão do Gonzaga atual"
Foto publicada com a matéria

Na época dos chafarizes e da iluminação a gás

Em 1871 é que começou o rudimentar abastecimento d'água por canalizações domiciliares, em virtude do contrato firmado entre a Municipalidade e os engenheiros Tomaz Cochrane e Everett Bennet, que se comprometeram a captar águas do Rio das Pedras, no Cubatão, elevando-as a reservatórios dotados de suficiente altura para abastecer as casas mais altas, e a colocar em acréscimo aos sete já existentes, na Vila Matias, no Itororó, nas Duas Pedras (Rua Tiro Naval), no Morro de S. Bento, na Praça Teresa Cristina, no Largo da Coroação (Praça Mauá), na Banca do Peixe (Praça Azevedo Júnior), mais quatro chafarizes públicos, a situarem-se no Porto do Bispo (no Valongo, frente à estação), na Praça dos Andradas, no Largo do Carmo e na Rua do Quartel (Xavier da Silveira).

Simultaneamente, esses mesmos profissionais comprometeram-se a dotar a cidade com a iluminação a gás, a recente invenção do químico francês Lebon, para substituir os seródicos lampiões de querosene, com a instalação de duzentos combustores nas ruas e praças.

Em preenchimento do insuficiente, lacunar abastecimento d'água potável, cavavam-se poços, mormente nos bairros novos, e cuja aproximação das fossas, bastante perniciosa, causava mórbidas e letais conseqüências pela contaminação telúrica.

Data de 1889, em razão da dolorosa lição resultante da recente, letalíssima devastação epidêmica, a iniciativa da construção da rede de esgotos, no prévio esboço feito pelos engenheiros Garcia Redondo e Alberto Fomm, modificado poucos anos depois por Fuertes, notável especialista ianque, realizada afinal, em 19 pelo grande Saturnino de Brito, expoente da engenharia sanitária brasileira.

Então, a mais rendosa das pequenas indústrias ou ofícios era a tanoaria, pois os tanoeiros não tinham mãos a medir na feitura dos desgraciosos barris e pipas de todos os tamanhos destinados a úteis, imprescindíveis objetivos, burlesco e bem prosaico um, cristalinamente saudável e higiênico outro. E à suplência dos esgotos e do público fornecimento de água destinavam-se os inestéticos recipientes; ao despejo dos excreta e dejecta domiciliares nos precitados ribeirões, estes, os repelentes tigres, no transporte d'água haurida nos chafarizes públicos, aqueles, a todos carreados às costas dos negros escravos ou forros, de ganho.


[...]
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