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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
El Brasil (i)

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 vem tentar decifrar o que aqui ocorria. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Sua obra El Brasil - su vida - su trabajo - su futuro foi editada na capital argentina, em castelhano, sendo impressa em Talleres Heliográficos de Ortega y Radaelli, Paseo Colón, 1266, Buenos Aires.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, foi cedido em maio de 2010 para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, a Novo Milênio, que apresenta nestas páginas a primeira tradução integral conhecida da obra para o idioma português - páginas 81 a 95:

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El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernárdez

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AS NOVAS CAPITAIS DO BRASIL - Minas Gerais - Planta geral urbana e suburbana da Cidade de Belo Horizonte, capital do estado. [No detalhe: Área determinada pela rede de triangulação geodésica para delinear a cidade, com área cinza de 17.474.819 m², verde de 24.930.803 m² e amarela de 8.815.382 m²]
Imagem e legenda publicadas na página 82-A. Clique <<aqui>> ou na imagem para ampliá-la

O presente de Minas Gerais

Da vida, do trabalho e do progresso no Brasil - Novas cidades, nova vida - Belo Horizonte - Uma improvisação no deserto - Avenidas, palácios, parques, serviços da vida - Outro indício da raça - Avis rara: um governo para o povo - Um industrial presidente de Estado - Chácaras e granjas modelo - Plano de reorganização econômico-social - O Estado mestre e habilitador - Pequenas e grandes indústrias - Em pleno protecionismo - Produção e exportações - Extraordinários avanços - Grande consumo e grande excedente - Lições de estatística comparada - O estudo de Minas dá uma idéia potencial do Brasil

A mudança da capital de Minas Gerais – este Belo Horizonte aonde chego agora – esteve longe de ser uma improvisação. Vinha projetada desde um século antes, sendo encontrado o primeiro pensamento a respeito formulado no programa da Inconfidência, nome com que é conhecido na história do Brasil o glorioso e trágico episódio da conjuração republicana capitaneada por Tiradentes.

Em 1789, aquele primeiro vagido de liberdade articulava já entre seus propósitos a mudança da capital mineira – chamada a ser, segundo todas as previsões, a capital do interior do país – e cem anos depois, em 1889, a República triunfante decretava, após ampla luta de interesses localistas dificilmente dominados, a realidade do pensamento dos primeiros republicanos.

Muitas haviam sido as cidades que aspiravam à honra de ser eleitas para a mudança da capital – e não deixa de ser curioso que, por uma espécie de predestinação, a localidade menos significativa e influente, uma pequena aldeia colonial chamada Curral d'El Rei, resultasse por fim triunfante contra municípios poderosos como as importantes cidades de Mariana, Barbacena, Sabará, Juiz de Fora e São João d'El Rei.

Depois que haviam lutado muito entre si as cidades, a pequena aldeia teve a inspiração de pretender, ela também, a preferência, e começou por mudar de nome. Curral d'El Rey se transformou primeiro em "Horizonte" e logo em "Belo Horizonte" e alçou a voz, falou de si e acabou por obter o triunfo, resultando indubitável que a guiava uma estrela feliz e que os promotores de sua entrada em liça tiveram uma clara inspiração do destino total, menos, ao meu parecer, na modificação do primeiro nome citado.

Horizonte era sem dúvida o nome ideal – porque falava ao espírito do panorama topográfico tanto como do horizonte moral – era o nome infinito para infinitas expansões, enquanto que Belo Horizonte apequenou o significado, limitando-o à paisagem circunstante, que, por outra parte, é verdadeiramente bela, além de ser vasta – coisa nada comum naquela região, continuamente acidentada em serranias que se diriam ondulações de um quimérico mar, petrificado no minuto culminante de uma borrasca.

A cidade de Belo Horizonte, construída desde as fundações em pouco mais de três anos – pois decretada em 1894, se mudou para ela a capital em 1897 – é todo um recurso de demonstração – uma característica, mais que as muitas que falam ao observador – da capacidade deste povo brasileiro, tão digno de notar em suas sólidas virtudes de vontade e energia.

Constitui Belo Horizonte uma galhardia análoga à criação de La Plata por um memorável ímpeto do povo argentino. Ainda que menos edificada e monumental que a capital da província de Buenos Aires, tem Belo Horizonte seu mesmo aspecto inconfundível de grande cidade em potência, seu mesmo plano em avenidas diagonais, mais largas todavia, para poder ser, como foram, dotadas de três calçadas e quatro fileiras de árvores, que dão às perspectivas uma frondosidade plena de atrativos.

A casa presidencial, os ministérios, as faculdades, todas as repartições do Estado, estão alojadas em palácios de arquitetura sóbria e adequada, em que o bom gosto de um critério ilustrado – do engenheiro Aaron dos Reis, chefe da comissão que construiu a cidade - deixou traços característicos, impondo seu influxo discreto na construção geral.

Assim, os edifícios de Belo Horizonte, quando não são formosos, são agradáveis de ver: a aberração, a fachada pretensiosa e chocante, não luze ali suas contorções plebéias – e os numerosos chalés com jardim à frente, residências hospitaleiras e frescas, dão ao conjunto urbano um selo amável de bem-estar e boa vida.

Recentemente com 20.000 almas, mas em contínuo crescimento, estão planejados os subúrbios para qualquer desdobramento, estendendo-se os bairros – com todos os serviços de água de montanha, de pureza insuperável, esgotos, praças parques, pavimentos magníficos, luz e bondes elétricos com percursos de léguas no contorno – sobre as curvas largas e suaves de uma série de lombadas, que têm a altura bastante para dar realce ao panorama urbano, sem tornar fatigosa a circulação para qualquer distância.

Ao revés de todas as antigas cidades brasileiras, que estão coalhadas de igrejas, Belo Horizonte, como indicando o espírito do novo tempo, tem um só templo – um belo e severo tempo gótico – e constrói outro sem pressa – não havendo notícia de que se projete nenhum mais, e com o acréscimo de que há um protestante que, segundo dizem, tem bastantes prosélitos.

Em troca, as escolas, em formosos edifícios higiênicos e claros, de onde se teve o bom critério de desterrar o luxo, se multiplicam e prosperam, sob o ilustrado afã de um governo que se impôs o programa de renovar a vida e preparar a riqueza de Minas por meio da escola elementar e da escola agrícola, chamada esta a dar novos rumos ao trabalho, hoje entrincheirado na mineração no varejo e nas culturas tradicionais, sobre processos rudimentares.

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VINHETAS MINEIRAS - Aspecto típico das populações rurais do Brasil - Uma fazenda pastoril e agrícola no município de Itabira (Minas Gerais). Vê-se a cerca que une as construções e serve de aprisco à fazenda, semelhante à "cour" das fazendas francesas. À direita, o depósito de produtos, seguido pela casa dos trabalhadores e, um pouco separada, a residência do proprietário, com honras de chalé rústico. O conjunto, muito característico, está bem disposto para as necessidades do trabalho da granja
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O doutor João Pinheiro da Silva, um dos estadistas mais conspícuos e respeitados do Brasil e presidente atual de Minas, está fazendo por si mesmo, simplesmente, com modos suaves e meios simples, uma verdadeira revolução econômico-social. Homem de ação mental e de trabalho, trabalhador e industrial ele mesmo, tendo buscado e encontrado, já à metade da vida, a independência e a fortuna na criação de uma grande fábrica de cerâmica – montada há vários anos com um pequeno crédito bancário de quatro contos, que hoje se elevam a alguns milhões de pesos – tem um conceito nítido de sua tarefa de governante e a leva adiante com um vigor fácil e um tato seguro, que revelam a saúde e a força eficiente de seu espírito.

Encontrando-se ele ausente de sua capital, tive a comodidade de poder julgá-lo por sua obra, sem a sugestão da presença material do autor, que às vezes complica ou distrai a observação – e notei, por exemplo, em uma escola agronômica modelo que está sendo instalada sob a direção pessoal do presidente, com sua inspiração, seus planos e seus métodos, um conceito docente e demonstrativo tão expressivo de intenção e tão acertado de meios, que não pude menos que considerar aquele simples prospecto materializado como a base de uma transformação capital no trabalho e na economia, na vida industrial e no futuro agrícola do estado.

Naquela região Norte de Minas, preferivelmente dotada de riquezas minerais, a terra é pobre em seivas, os cultivos são fracos e difíceis, e a pecuária carece de recursos espontâneos para um desenvolvimento importante.

Entretanto, não é possível renunciar a exigir tributos de produção à terra, a não ser que se decrete o despovoamento e o deserto.

O doutor Pinheiro partiu evidentemente deste conceito e está pondo à vista a demonstração de que pode aquele solo, de aparência tão pobre, dar rendimentos culturais inesperados. Assim, a granja, que se chama precisamente "de demonstração", estando dividida em duas seções – agrícola e zootécnica – está tratada como uma exploração privada, sem complicações teóricas de nenhuma espécie.

Ali, tudo o que com a terra se pode fazer, se ensina na terra mesma. É ela, a terra, educada, a que por sua vez dá a lição. Há por agora sob cultivo uns sessenta hectares, nos quais existem, bem visíveis, as três classes de terra predominantes na região: a terra colorida de ocre – que não é a terra do café, embora pareça -, outra terra cinzenta, como se estivesse mesclada de lavas, e outra terra negra, constituída principalmente por jazidas amorfas de turfa.

Ligeiramente acidentada, com lombadas, baixios e pântanos, abastecida de água abundante de irrigação que baixa de uma serra vizinha, aquela chácara é mais que um livro aberto, é um cinematógrafo expressivo, em que não se precisa saber ler para aprender as diversas lições que o trabalho vai dando.

Milho, arroz, algodão, tabaco, oleaginosas úteis, mandioca, batatas, batatas doces, hortaliças, tudo se cultiva ali em forma que possa ser aprendida com uma observação de uma semana – sendo o mais admirável o manuseio da água, que se traz e se leva, se torce e retorce em todos os sentidos, se obriga a subir aonde faz falta, com uma habilidade que parece rir das leis físicas mais inflexíveis, inclusive a dos vasos comunicantes.

Recordava, vendo aquele admirável manejo da água que vai mansamente aonde lha mandam, das ponderações que me fazia uma vez o senador Pérez sobre a habilidade dos crioulos jujeños para construir valas. Se alcançam a endiabrada destreza com que vi trabalhar a irrigação na chácara de Belo Horizonte, valeria a pena levar alguns tapecitos (N.E.: grupo indígena argentino) do desfiladeiro de Humahuaca a dar aulas em nossas escolas de Agronomia – porque aquela taumaturgia genial, análoga ao instinto do vaqueano, não é ensinada nem pode ser aprendida com as regras e teorias da hidráulica corrente em textos e tratados. Eu vi a irrigação em Cuyo e no Chiel, bem feita, certamente – mas não tinha idéia do limite até onde pode ser levado o governo da água, que chega até a perder aparentemente sua condição esquiva e seu amor ao nível, para ir aonde quer que a mandem, submissa e dócil como um cão amestrado.

A base das demonstrações é ali: a irrigação, como agente vital da fecundidade, e os fertilizantes, como habilitadores da terra. O estudante, que pode ser um lavrador qualquer, pois ali se recebe quem queira aprender e é hospedado gratuitamente durante vinte dias – vê como, a cada terra e para cada cultivo, se provê do que necessita com um fertilizante previamente ensaiado.

Observa assim como vem o milho, por exemplo, sem fertilizante e com fertilizante, como produz a batata nas duas condições da terra, vê quanto se gasta em fertilizantes por hectare e quanto benefício se obtém com o gasto, podendo fazer suas contas ainda que seja pelos dedos. E pode observar, assim, fatos como este, que ali são vistos graficamente: a batata, sem fertilizante, dá naquelas terras de 2.000 a 5.000 quilos de fruto pequeno e duro, por hectare, quando dá; e com fertilizante e irrigação dá de 20 a 30.000 quilos de batata grande e saborosa, como produção média!

O ensino dado desta maneira tem uma sugestão extraordinária. O chacareiro compreende sem esforço, e sai outro homem, com todo um horizonte novo ante seus olhos. De passagem, aprende a conhecer e manejar as ferramentas e máquinas elementares da agricultura racional e leva gravado e familiar o custo das coisas e o conceito de suas conveniências.

Atualmente, está sendo construída uma série de edifícios para estábulos de vacas, cavalos e suínos, depósitos de forragens e grãos, e pavilhões de máquinas destinadas à transformação econômica dos produtos, como sejam descascadoras e polidoras de arroz, moinhos de mandioca e milho, prensas e refinadoras para azeites vegetais, debulhadoras e moedoras de milho com ou sem talo etc. Tudo do mais moderno e do mais prático. Ainda que, na fazenda, sobre a água, instalou-se também um moinho a vento com fins instrutivos. E quanto ali se faz, inclusive os tipos, forma, custo e materiais dos edifícios em construção, tende a dar uma instrutiva e clara lição de coisas.

Além disso, e isto tem considerável importância, o governo guarda sempre ali na chácara um certo estoque de fertilizantes e máquinas agrícolas, arados modernos, ferramentas em geral, e os vende aos agricultores ao custo. Com este duplo estímulo, do ensino do uso e da economia dos preços, está-se produzindo uma propagação de maquinaria e fertilizantes que cresce rapidamente, sendo este um dos mais claros indícios do bom caminho que faz aquela inteligente propaganda pela cultura agrícola.

A seção zootécnica não está ainda instalada, mas o critério com que se monta a agrícola e industrial abona antecipadamente pelo acerto com que será concluído o que falta. O propósito é ensaiar raças de trabalho e procriação adequadas ao clima e ao meio econômico, e ter perenemente um núcleo de reprodutores neste estabelecimento – e em outros vários que, sobre o seu tipo, estão sendo formados em diversas zonas do Estado -, para que possam ditos reprodutores ser utilizados pelos criadores mediante uma mínima retribuição.

Assim mesmo, o governo se encarrega de importar, por conta dos fazendeiros que o peçam, animais de raça, entregando-os ao custo, com o qual fará sem dúvida resolver, para muitos que retrocederiam ante as dificuldades desconhecidas de fazerem eles os pedidos, e garantirá melhor a boa qualidade das importações.

Antecipando-se às objeções doutrinárias que poderia merecer este procedimento tutelar, o presidente de Minas disse: "Não se objete que esta não é uma função normal do Estado, porquanto não se pode imputar à geração atual a educação recebida, e que consiste em esperar tudo dos governos. Desde que não há iniciativa particular e é forçoso despertá-la, cumpre à ação administrativa intervir no problema. Entre uma necessidade premente e uma fórmula teórica discutível, deve prevalecer a primeira".

Estes ligeiros dados dão sem dúvida bastante idéia da eficiência prática com que o governo de Minas está preparando um imediato futuro agropecuário àquele Estado. O bom tino do plano e de sua execução se revela até na escolha dos auxiliares; o chefe da Gameleira, que assim se chama a Granja de Demonstração, é um português forte, muscular, inteligente e rude – incapaz de discorrer teoricamente cinco minutos sobre nenhum trabalho, mas capaz de fazê-los todos com uma perfeição magistral.

Isso é o que buscou o presidente de Minas, falando com um acerto que abona por sua capacidade de governante – pois uma das condições mais raras nos homens de Estado é o bom pulso na escolha de seus colaboradores, pequenos e grandes – sendo o mais comum que se acerte nas idéias e se fracasse nos homens.


RAÇAS EQÜINAS PARA O BRASIL - Garanhão Percherón, da vivenda do senhor Rodolfo Peña, donde obteve o campeão da raça outro tordilho, criado pelo general don Julio A. Roca. Esta grande raça alcançou na Argentina um aperfeiçoamento notável
Imagem e legenda publicadas na página 88-A

Natural é que um conceito tão preciso das coisas não podia ficar limitado no ensino agrícola e na materialidade das práticas culturais. Detive-me na Granja de Demonstração, porque é digno de notar o critério claro e firme com que tudo ali cumpre o plano prospectivo de um ensino imediato e uma sugestão infalível sobre os agricultores incultos, muitos dos quais, naquelas regiões, não conhecem senão de ouvido o uso do arado, limitando seu arsenal operatório a uma barrinha de ferro, ou uma enxada, ou um simples pau aguçado num extremo - com cujas ferramentas, depois de haver despejado por meio do fogo um espaço determinado de bosque, cavam com um golpe um agulheiro na terra e deixam cair ali três ou quatro grãos de milho que cobrem com o pé, e seguem adiante, limitando-se a esse expediente todo o processo de seu principal cultivo. Para atacar isso, vai especialmente dirigido este ensino fortemente objetivo, perseguindo fins concretos e imediatos.

Mas o mesmo presidente do Estado, em uma de suas concisas e nutridas mensagens, que pelos francos e substantivos podem ser citados como modelos em seu gênero, explica seu plano docente nestes termos: "Este ensino, contendo duas partes essenciais, uma técnica e outra propriamente industrial, foi dividida de modo que uma repartição especial e técnica se incumba da primeira, e a divulgação do trabalho mecânico e dos processos úteis, aconselhados pela teoria, seja feita intuitivamente por mestres práticos de cultivo, espalhados pelo Estado, operando industrialmente, para que os agricultores possam avaliar por si as vantagens integrais e a superioridade dos processos novos, comparados com os da velha rotina".

Claro que esse é não só o evangelho elementar, senão a cartilha do ensino agrícola – mas o que quero fazer ressaltar é que ali não se limitaram a cuidar a literatura do enunciado, mas que o fizeram carne com um vigor, um acerto e um prestígio sobre a população, como não tive a sorte de constatar todavia nos muitos institutos similares que visitei em outros países, onde o dinheiro e o esforço, ainda no caso incomum de estarem bem aplicados e entendidos, costumam naufragar entre a indiferença ambiente, sem prestar o serviço de utilidade pública a que são destinados, porque não se consegue que o povo, os trabalhadores, os que dali poderiam obter benefício direto, se interessem por eles.

A seção técnica e experimental do ensino agrícola mineiro está sendo organizada sobre seis hectares contíguos ao grande parque urbano de Belo Horizonte. No centro do terreno se constrói um elegante palacete de pedra, onde será instalada a Direção de Agricultura, com seus laboratórios de experiências e seus campos de ensaio ali mesmo, em torno do edifício, que virá a ser o centro mental e diretor de todo o ensino agrícola do Estado, realizando primeiro as experiências técnicas dos cultivos e mandando logo fazer, nas granjas modelo, "a demonstração" do que resulte ser útil e digno de se propagar industrialmente.

Esta função diretiva superior está a cargo do doutor Carlos Prates, cuja ilustrada e gentil companhia me foi preciosa para apreciar com clareza e em suas diversas projeções a obra de reorganização economico-industrial em que está empenhado o governo de Minas, com uma paixão e um entusiasmo que contagiou a todos os seus colaboradores, cuja ação se aplica aos deveres do emprego com um zelo e uma convicção de verdadeiro apostolado.

Não faço com isto um final de parágrafo trivialmente cortês: insisto em uma observação que reputo sugestiva: notei, quase com curiosidade, e até com um pouco de inveja, esse espírito entusiasta e convencido em todos os funcionários de Minas que pude observar na tarefa, tanto ministros como mestres de escola, empregados administrativos e fiscais, encarregados do progresso do município ou da cobrança da receita. Todos têm uma grande fé na eficiência do governo e deixam ver em sua ação o espírito ativo e zeloso de um estímulo são, que vem de cima e se difunde, influindo saudavelmente sobre funcionários e governados.

*


RAÇAS EQÜINAS PARA O BRASIL - Garanhão árabe, alazão dourado, nascido na vivenda "El Aduar", do senhor Hernán Ayerza (República Argentina). Um potrilho dourado da mesma tribo foi enviado de presente ao rei de Espanha, em cujas cavalarias mantém com brilho o crédito da elévage (N.E.: francês = reprodução) platense
Imagem e legenda publicadas na página 88-A

 

Os que vão lendo estas anotações não devem esquecer que se referem elas a uma zona de Minas muito extensa, mas caracteristicamente pobre, ou assim reputada, do ponto de vista das indústrias agropecuárias.

Sempre se acreditou incompatível a riqueza mineral – que é ali dominante – com a prosperidade dos cultivos. Mas aquele imenso Estado, que é uma nação interior, com mais de quatro milhões de habitantes e as aptidões naturais mais diversas, tem vasta agricultura em outras zonas e uma importante pecuária – ainda que tudo isso esteja necessitado de melhora e seleção, tanto em métodos de cultivo e criação, como em sementes e raças. Mas a possibilidade de progressos incalculáveis está bem à vista com uma simples enunciação estatística de produtos e exportações.

Desde logo, o café, que transladou seu grande centro produtor, do estado do Rio de Janeiro, já esgotado, ao de São Paulo – hoje empório, não só brasileiro, senão mundial, deste produto – tem também no Sul e Minas, por onde se limita com aquele Estado, uma grande região propícia e florescente, que exportou no ano passado 144 milhões de quilos desse grão, produzindo ao fisco estadual quatro milhões de pesos nacionais argentinos por imposto de exportação.

De milho, malgrado as deficiências culturais, Minas exporta de um e meio a dois milhões de toneladas ao ano; de batatas duplicou em 1906 a exportação de 1905, chegando a quatro mil toneladas; e de frutas, que é uma forte tendência, exportou quatro mil e setecentas toneladas.

O arroz teve um desenvolvimento surpreendente em todo o país, com o auxílio da tarifa protecionista, caindo sua importação bruscamente, de um valor de seis milhões de pesos nacionais que entraram, só pelo porto de Santos, nos 10 primeiros meses de 1906, a um milhão escasso, que foi apenas a importação do mesmo período no ano corrente.

A este bizarro fenômeno, revelador de um súbito aumento na produção interna do arroz, concorreu Minas em linha destacada, pois havendo exportado só 887 toneladas de arroz em 1905, saltou a 4.200 em 1906.

Agreguemos a estas linhas a de tabaco em corda, que sobe anualmente a 3.000 toneladas, e já teremos indícios suficientes, a meu ver, para apreciar a importância da agricultura mineira; mas, sobretudo, o que se deixa ver melhor ainda, é a possibilidade de progressos galopantes, até que o incentivo econômico e o ensino persuasivo de métodos avançados no trabalho da terra dêem os frutos que estão já prometendo.

Pelo lado das indústrias pastoris, as indicações não são menos interessantes. Minas exportou, em 1906, 337.174 cabeças bovinas, recolhendo por elas um imposto de mais de um milhão de nacionais; de queijos, que fabrica em diversos tipos, tanto regionais como exóticos – sendo notável, por exemplo, o de Holanda, produzido na Serra da Mantiqueira – exportou no ano passado quatro mil e duzentas toneladas; de manteiga, 972.000 quilos; de leite, que envia diretamente ao Rio de Janeiro, oscilam suas remessas anuais ao redor de quatro milhões de litros; de suínos, que são criados em abundância, havendo-se já formado, por seleção natural, duas boas sub-raças de tipo próprio (Canastrão e Pirapetinga), exportou 43.000 cabeças em pé e a grande quantidade de 4.500 toneladas de toucinho; e, por fim, como um nobre produto de ambas as indústrias, combinadas na síntese da granja, exporta todos os anos entre um e meio e dois milhões de quilos de aves domésticas.

A expressão de todas estas cifras aumenta seu significado, dando-lhe um ponto de comparação retrospectiva, para mostrar, não só o que já somam as produções, senão a forma em que progridem.

Assim, deixando de parte o café, que duplicou seu valor exportado de 1890 a 1902, temos que o gado vacum elevou seu valor exportado, no mesmo período de tempo (doze anos) de 650.000 pesos nacionais a 17 milhões; os queijos, de 750.000 pesos a cinco e meio milhões; o toucinho, de um milhão a três milhões; o gado suíno de 700.000 a um milhão e meio.

E a produção em todos esses ramos seguiu crescendo desde então, pelo menos em ritmo parecido. Para demonstrá-lo sem abundar demasiado em detalhes, limitarei a observação ao gado vacum: segundo fica dito, a exportação pastoril de 1902 importou um valor de 17 milhões de nacionais; e na última memória do atual presidente de Minas, se vê que as 337.174 cabeças exportadas em 1906 foram vendidas nas feiras de Sítio, Três Corações e outras estabelecidas no Estado para comercializar a produção, 163.411 cabeças, alcançando um valor de doze milhões de nossa moeda.

Agora bem: o gado vendido nas feiras é menos da metade do total exportado, o que permite assinalar à dita exportação um valor total acima de 24 milhões argentinos, ou sejam, sete milhões mais que o exportado em 1902, que foi dezesseis vezes mais que em 1890. Como se vê, o avanço da pecuária mineira não é o fenômeno menos digno de interesse para nós, nesta série de comprovações tão demonstrativas!

Amanhã acabaremos de ver o que faz Minas e o que pode fazer com sua todavia incipiente riqueza pastoril, apreciando de passagem as dificuldades que oferecem à sua expansão rápida neste sentido a limitação dos mercados e os pesados tropeços de seus tributos à produção e dos impostos interestaduais, que significam verdadeiras aduanas internas.

Para apreciar a organização essencial das coisas, há que se ver seu reverso, que nestes casos é a fisionomia interior, a mais demonstrativa. E tenha-se presente que esta minha estadia e meu estudo de Minas corresponde por sua vez a muitos outros Estados, a meio Brasil, pelo menos, que estão em casos semelhantes, com a mesma aptidão em potência para elaborar futuro.

Melhor que falar de Minas, falo eu desde Minas, porque amo o procedimento substantivo e concreto, e gosto de poder comprovar de visu os fundamentos genéricos de minhas informações.

Poderia generalizar mais, mas demonstraria menos, porque nestes dados a superfície é inimiga da profundidade. Há que equilibrar o veio literário e o lastro informativo, preferindo um quilo de fatos observados a uma arroba de amáveis referências. Nisso me empenho: e quem leia estas crônicas sem ver o fenômeno geral através dos dados escolhidos adrede para que sirvam de expoentes, vale mais que não perca seu tempo.

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AS NOVAS CAPITAIS DO BRASIL - Detalhe panorâmico da cidade de Belo Horizonte, edificada em catorze anos para capital do Estado de Minas Gerais
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