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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1908 - por El Brasil

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 passa por Santos, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para tentar decifrar o que aqui estava acontecendo. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Em Santos, ele se encantou principalmente com o Instituto Escolástica Rosa, que estava então entrando em funcionamento. Na obra El Brasil, editada em castelhano na capital argentina, ele relata essa viagem e sua passagem por Santos:

    

El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernardez

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Manipulação do café nos armazéns de Santos. Feitas as mesclas em grandes montões e formados os tipos, se procede ao ensacamento e pesagem definitiva
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Anoitece vendo-se o farol de Castillos, último indicador da costa uruguaia, e começa o Brasil a desenvolver nas sombras o desmesurado perfil de suas 5.000 milhas de litoral atlântico. Dois dias depois, ao levantarem-se os viajantes madrugadores, gozam o forte encanto da entrada ao magnífico canal em cujo fundo está o porto de Santos.

Os montes que flanqueiam aquela ciclópica desgarradura de 15 quilômetros de fundo, por onde o mar, apaziguado, entra como buscando repouso, estão, da mesma forma que toda essa serra da costa, cobertos de floresta de um verde castanho, onde uma que outra palmeira, antecipação da flora do trópico, abre seu trêmulo guarda-sol.

Entre elevações suaves, em cuja turbidez apraz ao homem dos pampas repousar a vista, vai penetrando o transatlântico sem nenhum receio. O canal tem, pelo menos, 400 braças de largura e até 28 de fundo no centro. A certa altura faz uma curva, como quem faz uma graça para agradar ao viajante e para lhe indicar por vez que aquilo não é obra de homens, pelo qual pudesse escapar à aridez da reta.

Encanta mirar ao mar, de uma tão diáfana transparência, que quando há sol dizem que se vê o fundo a vinte braças. Um viajante observa: "se aqui houvesse sereias e conhecessem o pudor, não iriam saber onde esconder as caudas!"

À direita, uma fortaleza duas vezes secular, crava seus muros na rocha viva, e de sua plataforma amendoada vêm ecos de Diana, que parecem saudar simultaneamente o dia que nasce e o viajante que chega. Na borda esquerda, entre cortinas de bambus, assomam casinhas risonhas, de trabalhadores do porto, e mais distantes, ao amor de uma curva da praia, onde as ondas chegam mansas, um, dois, três hotéis balneários, alçam suas construções caprichosas.

Aparece a cidade, branca e pitoresca na manhã cinza, já fumegando chaminés de oficinas e fábricas, silvando e chiando locomotivas, movendo-se transatlânticos e chilreando guindastes hidráulicos.

Ao fundo, o canal se alarga, abrindo-se em hemiciclo, para formar uma espécie de baía interior que faz-se de doca de manobras, onde viram e circulam sem embaraço transatlânticos e rebocadores, veleiros de cabotagem e canoas guaranis, lavradas em um tronco de árvore, que cruzam, escorregadios como enguias, de costa a costa, ou estacionam, pescando.

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O novo porto de Santos - navios de ultramar atracados ao grande cais de pedra e carregando café com os guindastes hidráulicos
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Duas poderosas dragas bufam a curtos intervalos com ruído de latas, passando e repassando o interminável rosário de seus baldes. O cais, firme, alto, liso, de pedra desde o contorno até o fundo, desenvolve a linha rígida de seu muro em uma extensão de 3.000 metros, e onde acaba, um atarefado enxame de 1.800 trabalhadores carregando granito dos montes vizinhos, trabalha em ampliá-lo para 5.000 metros.

Este é por agora o plano, que me vai explicando um viajante indulgente – mas este porto não tem limite: toda a dupla costa do canal pode ser paredão, elevando a capacidade da movimentação, que no ano passado foi de 1.3000.000 toneladas, tanto faz se a quatro milhões como a dez, vinte ou trinta mil. A natureza preparou as coisas com grandiosidade, para que ao futuro, por muito que cresça, não lhe perturbem as costuras.


SANEAMENTO DE SANTOS - Ponte de cimento armado, na Rua Braz Cubas (uma das várias que servem ao tráfego sobre os canais de saneamento)
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Não era meu propósito ocupar-me de Santos, pois com a tradicional obsessão da baía de Rio de Janeiro, a verdade é que não se pensa quase em outra coisa. Quiçá isso contribua a que o porto de Santos surpreenda o ânimo, como o surpreende, até uma franca admiração. Vem-se do Prata com a vaga noção de um porto sujo, onde se carrega muito café, mas donde as tripulações, enquanto atracam os navios, têm de fugir para sanatórios especiais, para escapar à febre, deixando aos negros a tarefa de carga e descarga.

Tudo isso era assim poucos anos atrás, e não nos preocupou muito averiguar se continuava sendo. De modo que ao encontrá-lo convertido em lenda do passado, causa-nos um sincero maravilhamento, e nos maravilhamos sem reserva, contentes no fundo de  nossa admiração, pois ela nos revela que, ainda que sejamos quiçá um pouco vaidosos, não nutrimos nosso engrandecimento com o leite azedo de emulações inferiores.

A ardente preocupação com o próprio destino, e a satisfação do êxito alcançado à força de honrados suores, nos impedem por vezes ver o que passa no entorno e chegamos a pensar que vimos galopando sozinhos, enquanto outras energias avançam também, com alento para grandes jornadas.

Mas esse ensimesmamento, que pareceria uma antipática paixão, se não o explicassem patrióticos afãs de uma ordem superior, não nos é exclusivo: pelo que venho observando, observa-se igual fenômeno entre os brasileiros. Alguns turistas de Rio que regressam ao Prata exprimem sua impressão de Buenos Aires em termos gratos a nosso sentimento, declarando-se encantados pela cordialidade do acolhimento e pela amplitude da vida e das idéias, que encontraram ali, onde talvez, ainda que não o dissessem, pensavam entrever prevenções ou antipatias.

Assim, não se pode dizer que se temem, nem que se odeiam, nem que se amam, nem que tenham inveja, apenas que se suspeitam porque se ignoram – ignoram-se com incrível ignorância – estes vizinhos de parede por meio. Ignoram-se em seus progressos, em seus idiomas, em suas letras, em seus sentimentos e interesses – vêm-se uns aos outros apenas os defeitos, que é o que sobressai – gastam amiúdo um infantil prurido em comparar-se de longe, cotejando avenidas para ver quem as tem mais largas, supondo-se intenções sinistras, apontando para a ironia, puxando a língua à estatística para fazer-lhe dizer coisas ingratas – tudo o qual, se não pode chegar além, como acaso não poderia de fato chegar, não é certamente o caminho direito para avizinhar-se à finalidade amável e proveitosa de uma estima recíproca.


SANEAMENTO DE SANTOS - Um dos três canais de cimento armado, abertos através da cidade de Santos, para fazer a drenagem do subsolo. São navegáveis a bote e estão cruzados por numerosas pontes em todas as saídas de ruas
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Aos dez minutos de atracar nosso navio ao cais, antes que comecem a baixar os passageiros, já estão os dois guinchos de estibordo levantando lingadas de café e sepultando-as em seu porão; enquanto com outra mão, ou seja, com outro guincho, o vapor vai sacando de outra parte do ventre enormes fardos de mercadorias, caixotes e volumes de máquinas, e depondo-as em terra firme.

O trabalho do porto se faz com uma precisão perfeita. Os trabalhadores são em sua maioria portugueses, seguindo em número os espanhóis e alguns poucos italianos. O negro se foi quando se foi a febre, que excluía a concorrência dominante do trabalhador europeu. Não vi meia dezena de negros entre aqueles milhares de carregadores que formigavam transportando sacos dos depósitos aos vapores, apoiada a carga sobre os ombros e as colunas. Tal exercício dá um desenvolvimento taurino aos pescoços daqueles homens, que chegam a suportar até cinco sacos de café, ou seja 300 quilos, sem aparente esforço.

Há até bem poucos anos, as companhias de navegação tinham todos seus refúgios em ilhas e sítios sãos do altiplano, para onde enviavam as tripulações, apenas entravam os navios no canal. Então não havia cais, e a negrada, chapinhando em uma praia viscosa e malcheirosa, povoada por nuvens de mosquitos, fazia as operações de carga e descarga como Deus era servido.

A natureza havia dado ao homem um dom que devia pôr à prova sua atitude para se defender e prevalecer. Aquele canal admirável era uma espécie de escorpião que mordia com a cauda. Lá no fundo, onde era preciso ir para buscar a cobiçada carga, se emboscava o lagarto da febre. E o telégrafo tinha que transmitir continuamente despachos sinistros: "Tripulação dizimada pela febre", "Fretes encarecidos pela febre". O código telegráfico continha três páginas de fórmulas para transmitir fatos relacionados com a terrível endemia.

Contudo, era tão excelente o porto natural e tão indispensável à rica zona cafeeira de São Paulo, que não podia deixar de progredir, ainda que fosse sobre cadáveres. E progrediu, e o progresso afastou o germe mórbido. Construíram-se os cais, suprimindo o pântano onde se incubava e ebulia o veneno febril. Vastas extensões foram aterradas, construindo-se sobre elas os enormes armazéns atuais, capazes de guardar 300.000 toneladas; e depois de feita a obra com dificuldades inauditas, encontrou-se a cidade com o belo e inesperado bônus de sua saúde, assegurada junto com seu progresso. E a evolução fatal e benéfica se completou rapidamente: febre, mosquitos e negros foram varridos com o mesmo escovão.

Hoje Santos é um porto limpo na acepção completa do vocábulo, e é um grande porto, em potência de ser dos primeiros, no Brasil, no continente e no mundo. Recorda-se ali com evidente agrado uma frase do doutor Quirino Costa ao regressar da Europa e ver o porto de Santos, que visitou um dia inteiro: "Vocês não estão fazendo um porto brasileiro, nem sul-americano: estão fazendo um porto universal".

Claro é que isto não se podia dizer se não estivesse completado o quadro de vantagens com o fator profundidade. Mas já foi dito que o canal tem profundidade natural para qualquer calado, sem que haja que gastar em mantê-lo nenhum centavo. A dragagem se faz na baía ou doca interior e ao largo dos cais ou muralhas. Logo chegarão a nove metros, e prosseguirão escavando. Hoje mesmo entram e saem vapores como La France, que cala carregado 27 pés.

Os dados apontados bastam para notar a importância e o futuro daquele porto – mas estas condições se purificam com o fato expressivo de que tão magno e florescente esforço seja exclusivamente brasileiro, em homens, e idéias e em capitais. Dois filhos de Rio Grande do Sul, os senhores C. Gaffrée e Eduardo Guinle, fizeram a seu país este incalculável serviço de abrir-lhe uma grande porta sobre o mar, e de abater o estigma da febre amarela em seu centro mais intenso e temível, dando-lhe uma lição que foi aproveitada no Rio de Janeiro, para apagar também lá do passivo nacional a listra negra do flagelo.

Esta obra tem ainda o mérito de haver sido, sobretudo, uma obra de tenacidade e de energia. A hoje poderosa Companhia das Docas de Santos, que tem na Avenida Central do Rio de Janeiro um palácio cuja porta, de jacarandá talhado, custa 30.00 pesos argentinos, foi durante anos uma modesta empresa cheia de vicissitudes. Hoje se afirma que goza um lucro líquido mensal de um milhão de francos. Se a tem, se a ganhou em boa lei, segue fazendo méritos para saneá-la.

Agora mesmo termina uma usina elétrica a 40 quilômetros de Santos, em plena serra, usando uma cascata de 30 metros de altura que lhe dará 20.000 cavalos de força; moverá com ela todo o trabalho do porto e armazéns, que hoje é hidráulico e a vapor, e a sobra, que será acima de dez mil cavalos, venderá a baixíssimo preço para bondes, moinhos e fábricas na cidade. O preço mínimo a fixar será de 50 réis o quilowatt – uns 3½ centavos – e para grandes quantidades baixará à metade.

Com este enorme impulso, Santos, que começou sendo somente o porto de São Paulo e que tem já 50.000 almas, se improvisará uma grande cidade fabril e uma bela cidade marítima e balneária, excelente para uma temporada invernal de sossego e reposição fisiológica. Suas praias são esplêndidas, sua vida fácil, sua paisagem aprazível e risonha.

A municipalidade moderniza o antigo casario, abrindo febrilmente longas avenidas de uma a outra costa do mar, aterrando terras baixas, construindo esgotos e fazendo, com ajuda do Estado, toda uma custosa rede de canais de drenagem – à qual há que agregar, como elemento essencial da saúde e da vida,uma água de consumo deliciosa, que baixa cantando, fresca e jovial, das alturas das montanhas.

Sente-se circular ali a atividade sanguínea e forte de  uma população enérgica, confiada em seu destino. Quantas outras pode a fantasia imaginar, destas cidades tropicais, supondo-as meio amodorradas na enervante placidez de uma contínua siesta, comendo bananas e fazendo rimas, sem penas nem ambições, alheia sua alma a este anseio de progresso que nos atormenta como uma sede?

É hora de seguir para Rio de Janeiro. Regressamos a bordo, com o espírito cheio de sensações. Como se alarga o conceito da vida à  medida que se move o horizonte! Ficaria pelo menos para outras dez cartas com o que vi, senti e pressenti nesta primeira arribagem à terra do Brasil; mas tratarei de concentrar tudo em uma, antes de entrar no Rio de Janeiro.

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VINHETAS PAULISTAS - Impressão da cidade de Santos, tomada no dia da inauguração da formosa estátua de Braz Cubas, fundador da cidade, a qual se vê de costas, presidindo a formosa praça onde se acha instalada (N.E.: o monumento foi inaugurado em 26 de janeiro de 1908, na Praça da República)
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Enquanto o Araguaya vira e segue o amplo canal para deixar o porto de Santos, os passageiros, empoleirados na popa, gozam a pitoresca formosura do panorama litorâneo e comentam o belo e já visível futuro dessa cidade que aí fica e à qual, julgando pelo terreno em que fora instalada, fofo e alagadiço, nunca poderia lhe prenunciar um futuro importante, se não fosse tido como órgão de seu progresso um porto indispensável a uma vasta e riquíssima zona – todo um país dentro do país brasileiro – a zona do café paulista, que cultiva hoje em suas fazendas dois terços da produção cafeeira do Brasil.

Santos é pois uma criação do porto e não cabe duvidar hoje de que será uma grande cidade, ainda que tivesse que ser feita no ar. Não é necessária semelhante bizarrice, porque o solo, drenado de seus encharcamentos, fica assentado sobre um leito firmíssimo de granito – e este material, inesgotável e à mão em morros e montículos maciços dentro da própria cidade, provê quanto se requer para cais, edifícios e lastro de ruas.

Assim, as edificações são feitas em pedra como elemento mais barato, e é curioso notar, nas casas antigas, que o muro de granito foi rebocado para dissimular o material. Um ingênuo extravio do conceito havia chegado a reputar como coisa ordinária o luxo senhorial do muro de cantaria! Hoje o ostentam desnudo, em belos edifícios de um granito particular, diferente do nosso, predominando em sua formação o feldspato em nódulos irregulares, o que lhe dá um aspecto de jaspe sem tirar a severa nobreza da pedra. Não resulta tão compacto o granito nesta forma, nem deixa tão puras as arestas, mas, contudo, tem a suficiente dureza para que possam os arquitetos de Santos firmar as fachadas desta formosa pedra como quem firmasse cheques sobre a eternidade.

Nos telhados se conserva a telha espanhola, tão característica – e a combinam em telhadinhos desencontrados, suspensos, de formas e declives caprichosos, produzindo edifícios de um belo aspecto arcaico, em que a tradição e o gosto moderno permitem fazer combinações felizes e atraentes, realçadas pelo verdor perene e as ardentes florações de uma vegetação esplendorosa.

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PANORAMA DE SANTOS - PRIMEIRAS IMPRESSÕES DO BRASIL - Panorama do porto e parte da cidade de Santos - Vê-se os armazéns e defensas da "Companhia das Docas de Santos", que saneou o porto insalubre; vê-se parte da baía interior e o princípio do grande canal natural, de entrada e saída do porto, a cujos dois lados podem ser prolongados os cais indefinidamente, dando ao porto quanta capacidade lhe peça o tráfego futuro. Sobre o morro da direita, alveja, atraente e risonha, uma ermida colonial, à qual os penitentes chegam a subir até de joelhos...
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O grande porto segue sua tarefa, no agasalho estimulante de uma tarde fresca, enquanto reviso meus apontamentos para constatar o progresso de seu movimento, que na carta anterior não pude fazer, apenas indicar. Procurei uma estatística dos oito meses corridos desde janeiro a agosto deste ano (1907) e não pode estar mais atestada de sugestões. Desde logo, entraram ao porto 100 vapores mais que no mesmo período do ano anterior, com um aumento de 416.842 toneladas – ou seja, seguindo esta proporção, o movimento do porto, que foi em todo o ano passado de 1.300.000 toneladas, andará este ano roçando os dois milhões. Há que recordar o violento progresso do porto Madero para fazer analogias a esse galhardo avanço.

Na renda, o progresso segue um ritmo parecido: no mês de julho de 1906 produziu a aduana de Santos 3.326 contos de réis, ou sejam 2.400.000 pesos papel argentinos, e em julho deste ano excedeu esta cifra em 1.300 contos, vale dizer, um pouco menos de um milhão de nossa moeda.

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O CAFÉ, DA PLANTA À MESA - Uma planta carregada de fruto - A colheita - Vista de um cafezal em produção - A lavagem do café - O café secando no terreiro - Usina de produção e ensacamento - Porto de Santos, em marcha para a mesa universal - O café brasileiro de moda em Buenos Aires (uma das numerosas cafeterias existentes)
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Bem é verdade que o fenômeno do aumento da renda é geral no Brasil, pois a aduana do Rio de Janeiro superou em julho em dois milhões de pesos argentinos a renda do mesmo mês em 1906, e das outras 20 aduanas da União, muitas, como as de Aracaju, Uruguaiana, Paraíba, Florianópolis, Maceió, Pará e Bahia, aumentaram de 50 a 100 por cento, e outras, como Corumbá, triplicaram sua renda. O fenômeno, segundo minhas impressões, deve-se em muito pequena parte a aumentos de tarifas: seu principal fator reside num grande aumento de exportações e importações e em uma fiscalização mais severa da coleta.

Ademais, o movimento maior em tonelagem, constatado no porto de Santos como causa visível do aumento da renda, permite generalizar a hipótese de que é realmente esse o fator essencial deste florescimento rentístico que se observa em todas as aduanas do Brasil.

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AS GRANDES FERROVIAS DO BRASIL - São Paulo Railway - Estação "do alto da Serra", no ponto culminante da linha que sobe de Santos a São Paulo, salvando uma altura de 800 metros em 10 quilômetros e meio de distância
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Andando em Santos, desde que se entra até que se sai, o café é o tema, é o comentário que cruza todos os diálogos, até se tornar uma obsessão. Entra o precioso grão em intermináveis comboios, que baixam do altiplano de São Paulo e vão se despejando nos enormes depósitos, donde se depositam sobre o solo, formando verdadeiras montanhas segundo sua classe, e se faz logo à pá as mesclas compondo os diversos tipos que o mercado exterior exige. Depois, outra vez ao saco e ao transatlântico, e nele, a espalhar-se pelo mundo, para estimular com suas suaves excitações o fatigado e misterioso laboratório das idéias.

Por isto pode dizer com verdade um viajante amigo, falando do que este país exporta, que "o Brasil anda na cabeça e nos pés da humanidade". Na cabeça, referia-se ao café, e nos pés, pelos milhões de couros de cabrito que somam anualmente uma linha importante de suas exportações.

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AS GRANDES FERROVIAS DO BRASIL - São Paulo Railway - Saindo de um túnel e entrando em outro. Túneis 1 e 2. A linha tem 13 em seu breve trajeto
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[...] urgia o tempo do regresso. E em uma manhã linda, cortando de golpe o fio das observações, saí de São Paulo pela estação da Luz, a melhor do Brasil, construída em severo estilo inglês, com três pisos de tráfego e uma torre quadrada de sessenta metros, que realça o edifício e domina o entorno - e após duas horas de trem pela serra abaixo, fui rematar em Santos minha rápida odisséia de excursões brasileiras.

Não sobra alento para descrever aquele trecho de ferrovia como fora merecido, pois essa descida desde São Paulo até seu porto é uma admirável obra de engenharia, que no continente só foi igualada pelos mesmos brasileiros, em um análogo trecho de via inclinada, entre Paranaguá e Curitiba, porto aquela e capital esta do Estado do Paraná.

Mas não deixarei, pelo menos, de apontar os dados com que poderia haver feito um belo artigo, acrescentando-lhe nada mais que a forte sensação de descida, entre uma paisagem de serras admirável, que, entretanto, cede em atrativo à ainda mais admirável obra do homem.

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AS GRANDES FERROVIAS DO BRASIL - São Paulo Railway - Viadutos da velha e da nova linha, na localidade denominada "Grota Funda". A linha nova é a de acima, e só ela tem 18 viadutos e 17 terraplenos
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Os dados são estes: a linha de subida da serra, desde o porto de Santos, que está a 5,00 m sobre o nível do mar, até São Paulo, que está a 800, percorre um trajeto de 10.598 metros, durante os quais deve ser vencido este desnível.

Para isso se adotou o sistema de tração dos trens por meio de cabos sem fim, que rebocam os comboios que sobem e amparam os que baixam. Com isto, parece dito tudo; mas o que não está dito são as enormes dificuldades vencidas para executar este plano tão simples.

Houve que fazer 47 terraplenos, 18 viadutos e 13 túneis; foi preciso dividir a encosta em cinco planos inclinados, montando em cada um deles uma poderosa casa de máquinas, de 754 cavalos, que põe em movimento o cabo sem fim correspondente a cada plano; foi preciso fazer obras de contenção e proteção mais custosas que a própria via, pois com uma média de águas pluviais acima de 3 metros e meio, e caídas geralmente em gigantescas tormentas tropicais, os cortes e desmontes se derretiam em colossais desmoronamentos, e foi preciso construir redes de drenagem e captação de águas que em algumas partes foram até 17 metros de profundidade.

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AS GRANDES FERROVIAS DO BRASIL - São Paulo Railway - Perspectiva de um trecho da linha inclinada. Entre os trilhos se distinguem os cabos que rebocam os trens. Quando ao baixar, desde um vagão especial que põem diante da máquina, se vê somente o céu ante os olhos, porque a terra foge para baixo, se sente a singular sensação de um lançamento no vazio...
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A linha foi feita duas vezes e hoje trabalham as duas, servindo um tráfego diário de dez mil toneladas, que pode ser elevado, dentro da capacidade atual das linhas, a um total máximo de nove milhões de toneladas anuais, ou seja, só uns 15 por cento menos que todo o tráfego de Puerto Madero.

Estes dados, que são apenas as notas de meu bloco de apontamentos, dão seguramente uma idéia da obra, cuja importância acresce ainda com a circunstância de que em tão árdua, perigosa e exposta travessia ferroviária, os acidentes são completamente desconhecidos, ficando limitada a parte emocional a algum fugaz arrepio...

***


Imagem: reprodução parcial da página 214

E com essas quatro linhas sobre uma bela obra material, de empuxo e de engenho, havia pensado rematar estas crônicas, encerrando-as assim com uma espécie de grossa chave de ferro.

Mas dou uma última vista aos apontamentos e encontro, entre a multidão que fica, deixados uns para outros dias de divulgação, perdidos os outros no limbo de uma oportunidade já impossível, uma breve linha que me impressiona. Fala-me de uma instituição em que vi aplicadas idéias de bem e de altivez, de educação regeneradora e varonil, que deixaram uma viva impressão em meu espírito. E quisera então terminar com uma lembrança para aquela boa obra.

É uma herança de um rico de Santos deixada para que se fizesse com ela um instituto de órfãos sobre modelo moderno, sem marcá-los com o estigma de sua miséria social, que depois lhes fica na alma como uma cicatriz. Ficou encarregado de tamanha tarefa o senhor Júlio Conceição, que a tomou com um altruísmo de filantropo e uma visão de filósofo e patriota.

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VINHETAS DE SANTOS - Os balneários de Santos - Hotel e restaurante, que forma parte do balneário de José Menino (N.E: na verdade, o Parque Balneário Hotel, no atual Gonzaga) - Uma praia deliciosa, onde o banho de mar em pleno agosto é um prazer reconfortante. A aristocracia paulista desce para gozar o inverno nas praias de Santos
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Está já feito o Instituto sobre uma praia bela e salubre, com largas vistas sobre o mar e o horizonte. A construção material é admirável, havendo-se esgotado em seu conceito quanto a pedagogia e a higiene ensinam atualmente sobre aulas, escolas e internados; mas a arquitetura moral da obra, delineada em um estatuto que o mesmo senhor Conceição tem já em rascunho, é mais admirável ainda [*].

Nada de caridade nem de abdicação - nada de regime humilhante - nada que marque o miserável em favor do rico; um sistema de dignidade dentro de disciplinas de emulação por meios sempre decorosos - a integridade da criança respeitada - sua origem, sua orfandade, considerados um mero acidente que não cria situações de exceção nem priva de direitos - o ensino acertado, não como uma esmola, mas como um dever da sociedade, que cuida de seus pequenos e os forma úteis, com um duplo critério humano e econômico, porque assim o aconselha seu sentimento e lhe impõe seu interesse.

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VINHETAS DE SANTOS - A filantropia revolucionária - Vista da frente do Instituto "Dona Escolástica Rosa", fundado em uma praia de Santos, com o legado de um filantropo e a ilustração e a energia de outro. - Retrato do senhor Júlio Conceição, testamenteiro e executor da boa obra
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Também me parece que bastam estas linhas para entrever a transcendência social de semelhante obra, que não está sendo feita por um estadista, nem um pedagogo, nem um filósofo, mas por um comerciante, um homem jovem, amante da vida, das flores, das crianças, do trabalho sanguíneo e da fadiga sã, da justiça e do bem.

Viajou pela Europa, expressamente - em silêncio, aprendendo, observando, para cumprir conscientemente o legado do falecido. E já quiseram muitos espíritos de filantropos ver-se desde a outra vida realizados de tal sorte em sua boa intenção, tão amiúde reduzida a formas miserandas!

Aquele Instituto de Santos está destinado a combater ali e em outras partes - porque estas sementes voam longe - o depressivo asilo conventual - o ensino de esmola - toda essa tristeza da orfandade catalogada, uniformizada, tratada como um refugo social que se recolhe por pena.

Aquele ato materializado em um exemplo vivo vai soar como um grito de redenção para todas as orfandades - para todas! Porque todos temos que aprender e que levantar os olhos, e as idéias, e as almas, neste arcaico conceito de uma beneficência que sufoca e acovarda a quem a recebe, ignorante, por causa de nossa soberbia, de que isso que se lhe dá como um favor deve ser-lhe entregue como um direito!

Aquele modesto e exemplar Instituto Dona Escolástica Rosa em uma praia de Santos, aquela casa de alegria em que nada recorda a desdita do pária, em que tudo fala de altivez e de bondade, de igualdade e de honra, de vontade e fé, dá uma lição, cria um tipo, ensina a interpretar com inteligência e verdade o mais belo conceito do Evangelho cristão, porque é assim como na terra e na ação, no progresso e na vida, poderão os últimos ser, pelo menos, iguais aos primeiros!

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VINHETAS DE SANTOS - No amplo pátio de um dos corpos do Instituto "Dona Escolástica Rosa", sobre gramado sempre verde, se alteia o monumento do filantropo João Octavio dos Santos, que legou sua fortuna para uma obra destinada à redenção dos órfãos. A obra está feita, e seu espírito há de marcar um sulco luminoso na história social do Brasil. A efígie aprazível deste homem de bem me foi grata, até me pareceu simbólica para fechar com ela as páginas gráficas deste livro, que tem como entidades inspiradoras a Verdade e o Altruísmo
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[*] Em minha segunda viagem ao Brasil, encontrei já inaugurado o Instituto, com cem internos, e respondendo plenamente na ação às expectativas do projeto.