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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (16)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XVI

Falava-se em guerra.

E, de fato, em julho de 1914, em Viena d'Áustria, "brotou a fagulha que ateou o incêndio europeu", no dizer da A Gazeta, da capital. Daí, a Alemanha, declarando estado de guerra a algumas nações da Europa, seguindo-se então o aumento da "crise", os comentários, as opiniões.

Quinze dias depois da declaração da guerra, o Provance leva a seu bordo centenas de reservistas franceses; e a seguir embarcavam também em outros vapores milhares de reservistas alemães.

Ia toda essa gente matar e morrer. Deve ser um bello quadro esse de guerra em cuja sangrenta e incendiária tela só se vê o empenho pelo assassinato mútuo convencional!

A propósito de guerra, li na revista Careta o seguinte conto alusivo à psicologia entre o homem e os abutres. Ei-lo:

Conselhos de um velho abutre

Aos seus leitores

"Na Galícia têm-se visto ultimamente bandos de abutres, corvos e outras aves de rapina acompanhando do alto os exércitos beligerantes". (Dos jornais).

Um velho abutre, pousado em uma escarpada montanha, cercado de seus filhos, explicava-lhes as artes da vida de rapina, preparando-os, com esta lição, para sua próxima excursão pelas alturas:

- "Meus filhos, dizia o velho abutre, deveis guardar bem estas instruções, porque tendes minha prática diante dos olhos: vistes o meu magistral ataque às aves daquela fazenda, no próprio terreiro; já me vistes arrebatar a lebre na campina e o cabritinho no pasto; já sabeis como se fixam as garras e se balança o vôo, quando se vai carregando a presa. Lembrai-vos do saboroso manjar que tantas vezes vos tenho servido - a carne humana".

- "Explicai-nos, interrompeu o mais moço dos abutres, onde pode ser encontrado o homem, cuja carne é seguramente o alimento natural da nossa raça. Porque nunca trouxestes nas vossas garras um homem inteiro para o nosso ninho?"

- "É um animal muito corpulento e pesado, respondeu a velha ave de rapina. Quando encontramos um desses bichos, arrancamos aos poucos sua carne, mas deixamos os ossos no chão".

- "Se o homem é tão grande, perguntou um dos abutrezinhos, como podeis matá-lo? Receais tanto o lobo e o urso... Por que poder são os abutres superiores ao homem? Dar-se-á o caso que este seja mais fraco que um carneiro?"

- "Não temos a mesma força que o homem, respondeu o velho abutre, e algumas vezes chego a duvidar se temos a mesma astúcia. E os abutres não poderiam talvez regalar-se tão freqüentemente com sua carne, se a natureza não tivesse infundido na raça humana uma estranha ferocidade, que ainda não foi igualada por nenhum outro animal. É muito comum encontrarem-se dois rebanhos de homens, e se agredirem com um barulho infernal, no meio de espessa fumarada e relâmpagos de fogo. Quando ouvirdes um grande rumor e virdes na terra numerosos jatos de chamas, dirigi-vos para esse ponto em vôo rápido, porque seguramente os homens estão se massacrando uns aos outros: encontrareis então o chão fumegante de sangue, coberto de cadáveres, muitos dos quais já desmembrados e destrinchados para conveniência do abutre".

- "Mas quando o homem mata sua presa, perguntou um abutrezinho, por quê não a devora logo? Quando o lobo mata um carneiro, não consente que o abutre se aproxime da vítima para tirar um pedaço. Não é o homem da mesma natureza do lobo?"

- "O homem, respondeu a ave de rapina, é o único animal que mata aquilo que ele não quer devorar; e esta qualidade torna-o um benfeitor da nossa espécie".

- "Se o homem mata nossa presa e a deixa no campo, atalhou um pequeno abutre, que necessidade temos de trabalhar?"

- "Mas o homem algumas vezes permanece longos anos tranqüilo em seu covil. Referem os velhos abutres ter havido um período de quarenta anos de paz!... Quando virdes um grande número de indivíduos movendo-se justamente como um bando de cegonhas, podeis concluir que vão à caça e que em breve vos regalareis com carne humana".

- "Mas, afinal, retrucou um abutrezinho, eu desejaria saber a razão dessa mútua carnificina, pois quanto a mim, seria incapaz de matar aquilo que não pudesse comer".

- "Meu filho, respondeu o velho, eis uma pergunta a que não posso satisfazer, embora tenha consultado aos mais sábios pássaros da montanha. Quando eu era moço, freqüentava assiduamente o ninho de um velho abutre, que morava num rochedo dos Cárpatos. Era um sábio, tinha feito muitas observações: sabia, num vastíssimo círculo ao redor, o lugar onde as presas eram mais fáceis de apanhar; durante longos anos alimentou-se de entranhas humanas. Era sua opinião que o homem tem apenas a aparência de vida animal, sendo realmente um vegetal dotado do poder de locomoção; e assim como os galhos de um carvalho são às vezes movidos pela tempestade, para que os porcos engordem com as bolotas caídas, assim também os homens costumam agredir-se uns aos outros, até que percam o movimento e sirvam de pasto aos abutres. Afirmam alguns terem observado uma espécie de governo e polícia entre estes seres malfazejos: dizem outros que o chefe que dirige o rebanho deleita-se muito com esta inútil carnificina; quanto maior é o número de mortos, maior é a sua alegria. São uns seres misteriosos, incompreensíveis, fora das leis naturais, mas devemos ser-lhes gratos porque sempre nos têm fornecido deliciosos manjares. Agora, por exemplo, que esplêndido banquete para nós é a Europa!"

C."

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E a guerra feriu-se encarniçada, com tendências a um prolongamento incalculável.

Ainda não li, os livros das nações beligerantes, os quais trazem dados oficiais sobre a guerra atual - o maior monumento sangrento que as páginas da História vão gravar, para mostrar aos olhos dos vindouros como o século das Luzes suplantou, em guerra, o século em que as armaduras e os escudos de aço recebiam os golpes das durindanas e os pontaços dos dardos!

Devem ser bem lacrimosas as páginas desses livros escritos a ferro e fogo! Devem ser bem dolorosas as páginas negras do "Livro Branco"!

***

Está, Santos, depois do inevitável conflito europeu, atravessando até agora, resignado, a espera de melhores dias, duros contratempos.

Assim também, quer me parecer, agüenta resignado a enfermidade da "crise", todo o universo.

Comércio paralisado, dificuldades de vida, escassez de trabalho e falências aos punhados.

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Como é natural em tempos de guerra, os países neutros garantem a sua neutralidade, enviando os seus governos, para as cidades portos de mar, navios de guerra, a fim de fiscalizar o movimento marítimo, para evitar qualquer ação irregular que possa dar lugar à quebra da neutralidade, que esses países mantêm perante as outras nações em conflito.

Para este fim, tivemos em nosso porto o destroyer Amazonas, da nossa Armada de Guerra. Ancorado o Amazonas, era natural que a sua tripulação deixasse o seu bordo para dar um bordo em terra. Os marinheiros, uma vez em terra, expandem-se, é claro, indo de encontro à disciplina.

Houve uma arruaça qualquer, um chinfrin, lá pelas zonas tenebrosas, e a A Notícia noticiou o caso, valendo-lhe depois o que abaixo transcrevo da sua edição de 4 de fevereiro de 1915.

Violências

A guarnição do Amazonas desvirtua os fins para os quais foi mandada a este porto - Em vez de manter a ordem provoca desordem - Violenta e injustificável atitude do seu comandante - Desforço incompatível com os brios da nossa Marinha

As providências

Muitas são as provas que A Notícia tem dado da sua intransigente orientação em bem informar o público que a favorece, não poupando para isso todos os esforços e não pequenos sacrifícios.

Jamais este jornal atassalhou a reputação de quem quer que fosse, nem se adotam aos nossos moldes a difamação gratuita e a calúnia grosseira e infamante.

Durante toda a sua existência, este jornal tem procurado cingir-se, dentro do possível, a relatar fatos segundo os fundamentos que consegue obter, não se arriscando nunca a publicar qualquer notícia sem que para isso tenha as mais cabais e irrefutáveis provas que o autorizem a fazê-lo.

Ontem, um nosso companheiro obteve, na Repartição Central da Polícia, dados sobre um conflito desenrolado numa zona de má reputação, no qual se achavam envolvidos marinheiros e oficiais do destroyer Amazonas da nossa marinha de guerra, e que está fundeado neste porto, a fim de fiscalizar o movimento marítimo para evitar qualquer ação irregular que possa dar lugar à quebra da neutralidade, que o país mantém perante o conflito europeu.

O conflito, aliás, já havia sido noticiado por um colega da manhã, tendo A Notícia desenvolvido apenas certas minuciosidades, como era de seu dever para bem informar o público.

Sem que nenhum motivo especial tivéssemos para a publicação dessa local, inserimo-la, como o faríamos com qualquer outra, uma vez que, como essa, constituía uma notícia verdadeira e esse é o nosso fim, para isso é que publicamos o nosso jornal.

À tarde, quando já se haviam retirado os nossos diretores e redatores, cessado o movimento da folha, estando apenas o edifício entregue ao seu zelador, apresentou-se em nossa sede o comandante do destroyer Amazonas,  capitão-de-corveta Americo de Azevedo Marques, que puxando de seu cartão, perguntou pelo diretor ou redator. Naturalmente foi lhe respondido que, àquela hora, já não havia aqui ninguém.

O comandante Azevedo Marques, contrariado por não nos ter encontrado, o que deveras lamentamos, pois teríamos sabido recebê-lo como cavalheiros que nos prezamos ser, e irritando-se, penetrou nas nossas oficinas, com o intento de tudo destruir.

Depois de empastelar algumas caixas de tipos, jogando-as ao chão, o comandante Azevedo Marques parece ter considerado o que fazia e retirou-se.

O nosso zelador, diante da atitude de ameaça da pessoa que invadira as nossas oficinas, cuja entidade não conhecia, visto estar à paisana, deitou a correr para a Polícia, onde comunicou o fato.

O sr. dr. Bias Bueno, muito solicitamente, deu logo as providências precisas e... quando voltou o nosso empregado, apenas havia em frente à nossa redação um grande número de curiosos.

Os nossos diretores, logo que tiveram conhecimento do fato, apressaram-se em ir ter com o dr. Bias Bueno, que já os conhecia, a quem pediram garantias, que imediatamente foram dadas. Eis aí o fato.

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Pesa-nos, sobremodo, ter de profligar o arrebatado procedimento do oficial comandante de um vaso de guerra da nossa Marinha; mas, s.s. há de, a estas horas, estar convencido de que agiu de uma forma por todos os títulos censurável e para a qual não há qualificativo.

Presumimos que o comandante Azevedo Marques, além da correção que lhe impunham as suas qualidades de oficial de nossa armada, não deveria desconhecer os mais rudimentares princípios da civilização, corroborando ainda mais com o seu desforço de ontem para a má impressão causada pelo procedimento da véspera, dos oficiais e marinheiros, seus comandados.

Não estamos acostumados a nos prevalecer dos erros de outrem a fim de aproveitarmos a oportunidade para a nossa represália.

O iracundo comandante exorbitou, deixou-se dominar pela sua irascibilidade, sem medir as conseqüências, arremessou contra A Notícia toda a sua biliosa e doentia cólera.

Resta-nos, porém, a absoluta certeza de que ninguém será capaz de ver no procedimento do comandante Azevedo Marques senão um ato de selvageria, incompatível com a sua posição social.

Esse foi o desforço material tomado pelo comandante do Amazonas.

S.s. voltando a bordo do navio que comanda, fardou-se e decorou o peito com medalhas militares com que a nação lhe recompensou os serviços e vai à delegacia de Polícia, e relatando o fato ao dr. Bias Bueno, serviu-se, toda a vez que se referia à Notícia, do termo pasquim.

Era visível o estado nevropata do comandante e naquela expansão colérica não estranhamos que s.s. ainda uma vez transgredisse as boas normas de civilidade e cavalheirismo para atirar-nos torpes epítetos, que nem ao menos podiam ser rebatidos, pois ninguém da Notícia ali se achava presente.

O comandante Azevedo Marques provavelmente desconhece o valor do epíteto que nos jogou, ou fê-lo empiricamente, e é por isso que queremos aproveitar a oportunidade e declarar-lhe que a Notícia, se bem que um jornal modesto, vivendo exclusivamente do favor público, em quase quatro anos de sua existência, subindo enormes e íngremes esforços e sacrifícios, jamais desceu ao terreno da baixeza e da chantagem para conseguir impor a sua circulação e auferir lucros.

A orientação desta folha, como pode ser atestada pelo público, tem mantido sempre a mesma linha e ninguém poderá alegar que A Notícia tenha cooperado para atassalhamento de qualquer reputação ou servido para a expansão de ódio e desmoralização contra alguém.

É preciso que afirmemos estas verdades desconhecidas do comandante Azevedo Marques e de seus subalternos, para provar que nenhuma segunda intenção tínhamos com a publicação da notícia do conflito de anteontem, o qual, aliás, ninguém contestou e a polícia, tomando dele conhecimento, agiu conforme devia.

Para os danos materiais que sofremos em nossas oficinas, saberemos exigir reparação. Em telegramas dirigidos ao dr. Eloy Chaves, chefe da Segurança Pública, e aos srs. dr. Wenceslau Braz, presidente da República; almirante Alexandrino de Alencar, ministro da Marinha; e aos nossos colegas do Imparcial, do Rio de Janeiro, pedimos providências que o caso exige.

Não podemos deixar passar o fato muito característico, que já de há tempos vem sendo notado: os oficiais de marinha, quando destacados para qualquer serviço fora do Rio de Janeiro, uma vez contrariados por esse afastamento da capital, mormente em épocas de festas como o Carnaval, procuram todos os meios e modos para voltarem; daí os conflitos com a polícia e outros que fazem com que os navios sejam recolhidos ao Rio. Não será este o caso?

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Muito desvanecidos, agradecemos aos colegas de imprensa e grande número de amigos que nos vieram trazer palavras de conforto e de protesto contra o desforço tomado contra nós pelo comandante do Amazonas.

A todos, A Notícia penhora o seu reconhecimento, deixando para o bom público que a sustenta e prestigia, o julgamento dos fatos.

-- Sobre este triste acontecimento já foram ouvidas cinco testemunhas que não discordam, contando o fato exatamente como o referimos ontem.

Esta manhã, o sr. capitão do porto esteve na Repartição da Polícia, em conferência com o dr. Bias Bueno, delegado de polícia desta cidade."

***

Depois disto, o Amazonas foi por ordem superior mandado voltar ao Rio.

Mas, A Notícia não deixou de sofrer esse contratempo que estava reservado para os seus atuais diretores, que com grandes sacrifícios a têm mantido até hoje numa linha de probidade, a toda prova, para bem servir o nosso público.

A A Notícia estaria isenta desse desacato, se não fossem a atividade de Mariano Scarpini, ajudado pela força de vontade do laborioso e não menos ativo Caratão, que a livraram das garras da morte, quando os seus fundadores pensaram em abandonar o jornalismo.

Mariano e Caratão adquiriram a A Notícia, que vive hoje unicamente da atividade desses rapazes que trabalham como mouros para mantê-la viva, tendo ao seu lado o brilhante escritor Ernesto Roso, que lhes empresta grande parcela do seu invejável talento, como colaborador.

***


Mariano Scarpini, atual diretor-gerente da A Notícia

Foto e legenda publicadas com o texto

A maré das agressões estava com tendências a invadir a imprensa local. Após a da Notícia, o Diário de Santos, no dia 5 de fevereiro, sofreu também esse dissabor: foi agredido e repeliu a agressão, do melhor modo que pôde, pondo em debandada os agressores que, encontrando tenaz resistência, não conseguiram os fins que levavam em mente.

A Notícia, referindo-se ao caso da agressão ao Diário, trouxe à baila uma série de artigos publicados pela Tribuna, os quais apregoavam a "necessidade de fraternidade na imprensa". E, no decorrer do comentário, censurava o procedimento da imprensa, "cujos responsáveis transgridem estupidamente os mais rudimentares princípios de cortesia, usando uns para os outros dos mais torpes e baixos epítetos, chegando até ao insulto infamante, e não raro terminam por uma agressão brutal muito mais digna de desordeiros e ébrios reconhecidos do que de homens de imprensa".

Esses artigos a que se referiu a Notícia, li-os também atentamente, maxime sabendo eu de que riquíssima fonte eram emanados.

Julguei, no entanto, tempo perdido do talentoso patrono da Fraternidade na Imprensa, e não julguei mal. A asserção do meu juízo foi patenteada, infelizmente, no dia 5 de fevereiro de 1915, com o estúpido ato de uma agressão ao Diário de Santos.

Se é assim que a imprensa pugna pela civilização do meio em que labuta, estamos bem arranjados, e quase que podemos acreditar numa futura conflagração jornalística, ao invés da pacificação tão almejada por Sílvio de Lóres (Alberto Veiga).

Não é só em nosso meio jornalístico que se dão as constantes desavenças, motivadas muitas vezes por questões políticas e outras vezes por ciúmes de furos. Devem estar lembrados os leitores o modo porque o sr. Zeballos, na República Argentina, achincalhava a imprensa brasileira, ao passo que o saudoso general Julio Roca elevava-a aos 7 céus.

E se não puserem peias a este andar de diz-que diz-que, torna-se inevitável a conflagração, pois que o estado de guerra entre a nossa imprensa de há muito está declarado...

***

Não foram só o Diário e A Notícia que tiveram o desprazer das agressões. Também dois estabelecimentos comerciais da Rua General Câmara foram assaltados em pleno dia.

Os referidos estabelecimentos eram de fazendas e armarinho. Os seus proprietários, em face da horrível crise, houveram por bem vender os seus artigos ao alcance de todas as bolsas. Esse alvitre, porém, levava, à gaveta de outros negociantes no mesmo gênero, uma regular baixa na féria diária.

Como fazer desaparecer do comércio de fazendas esses temerosos concorrentes? cogitavam os despeitados.

Encontraram um meio prático brutal: assaltaram aqueles estabelecimentos, arrombando as portas, atirando á rua as mercadorias, quebrando os vidros das montras e opondo resistência à intervenção da polícia, com a exibição de armas de fogo e cacetes. Mas, apesar dessa resistência, alguns dos delinqüentes foram presos.

A garotada, no entanto, gozou alguma coisa desse inqualificável procedimento dos assaltantes: levantavam das sarjetas, num gesto humanitário, os polichinelos com as pernas quebradas e as bonecas em trajes menores, com os crânios fraturados.


Arthur Caratão, atual diretor da A Notícia

Foto e legenda publicadas com o texto