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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (14)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XIV

Passemos para uma pequenina série de incêndios, e vejamos o da Camizaria Especial, à Rua 15 de Novembro n. 46. É escusado dizer que foi um incêndio como muitos: ardeu tudo.

Terminado o incêndio da Camizaria Especial, para não dar muito trabalho ao Corpo de Bombeiros, no Guarujá, dias depois, uma loja de fazendas foi vítima das chamas.

Imaginem o pânico dos pacatos habitantes daquela ilha onde, quem pode, vai procurar restabelecimento à saúde abalada. Devia ser um atropelo enorme, os habitantes dali, a braços com um incêndio e sem Corpo de Bombeiros!

Mal descansávamos do incêndio no Guarujá, e logo outro manifestava-se em Santos. Pelas caladas da noite, o cabo da Guarda Cívica n. 644 e o soldado da mesma corporação, n. 664, que estavam de guarda no edifício da Alfândega, viram que do telhado do Hotel dos Estrangeiros saíam grossos novelos de fumo. Não era decerto, aquela hora, própria para fazer-se almoço e muito menos ceia. Averiguando bem, os dois militares chegaram à conclusão de que no citado hotel manifestava-se incêndio. Lestos, deram alarme e comunicaram ao quartel do Corpo de Bombeiros.

Quando o Corpo de Bombeiros apresentou-se, já o incêndio havia tomado grandes proporções, comunicando-se à casa de fumos União, de propriedade do sr. A. F. Coelho.

O Corpo de Bombeiros lutou a princípio com a falta de água. Enquanto os registros não vomitavam o querido líquido, as chamas assolavam o prédio e ligavam-se aos vizinhos. Os heróicos soldados 664, 631, 536 e o cabo 644, revestidos de inaudita coragem, penetraram no prédio em chamas e conseguiram salvar Cezario Mauá, velho, paralítico e cego; Maria Mauá e a menina Julieta, que se embaraçavam no meio do fumo espesso, contando mais com a morte do que com a vida.

Ao serem postas na rua essas quase vítimas de morte horrorosa, os valentes soldados foram vitoriados com aplausos que se desprendiam, delirantes, da multidão estacionada em frente ao Hotel dos Estrangeiros.

Nos escombros distinguiu-se em atividade o praça 523. Creio mesmo que foi ele quem descobriu o sargento João Caetano de Souza, que lá estava soterrado. O praça João Isidoro dos Santos, perdendo os sentidos na faina da salvação, veio cair nos braços de Santos Amorim, repórter do Diário de Santos, e nos do representante do Correio Paulistano, sr. Juvenal do Amaral, que o socorreram. Militares e paisanos fundiram-se numa só alma, num só fim humanitário: acudiam uns aos outros.

Não fora sucederem-se estas cenas lamentáveis, era o caso de dar-se parabéns ao elemento fogo, que se incumbiu de destruir aquele monstrengo, representante da arquitetura antiga.

Não ficamos ainda aqui quanto a incêndios: o Club dos Políticos lembrou-se também de, na noite de São João, transformar-se numa fogueira, iluminando parte da Rua General Câmara e reduzindo a cinzas toda a política que lá reinava.

A Casa Azul mudou para casa vermelha, também na véspera do dia de São João, dado o colorido das chamas que o fogo fez irromper pelas portas a fora.


Praça da República, antes de 1908, vendo-se a esquina com a Rua Senador Feijó e, do lado esquerdo dessa rua, o prédio do Hotel Roma, que depois seria rebatizado como Hotel dos Estrangeiros e, após o incêndio de 1914, ganharia o nome de Washington Hotel
Foto: Calendário de 1979 editado pela Prodesan - Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A.

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Passemos agora a assistir a inauguração do Pavilhão para Tuberculosos, anexo ao edifício da Santa Casa de Misericórdia, e sobre sua construção. À tarde desse dia, grande era a concorrência para os lados da Santa Casa.

Visitantes de toda a espécie subiam a encosta do morro do Fontana e invadiam o Pavilhão, admirando a construção desse utilíssimo hospital e majestoso edifício que levou alguns anos a ser construído e hoje está prestando os maiores benefícios aos infelizes atacados pela tuberculose e, portanto, necessitados dos recursos da ciência médica.

Em Santos, como por toda a parte, não só os governos como as associações filantrópicas se empenham com todo o afinco em dar combate à tuberculose, moléstia insidiosa e terrível que tamanhos males tem causado, principalmente nos centros populosos, pela facilidade do seu contágio.

Não obstante a iniciativa da construção do pavilhão para tuberculosos tivesse partido da operosa mesa administrativa de 1909, as demais, que lhe sucederam, com a mesma dedicação se empenharam para que ficasse acabado o grande edifício dentro do mais breve tempo possível.

Afinal, graças a esses esforços, daqueles que têm por objetivo como satisfação aos nobres sentimentos altruísticos fazer o bem, foi naquele dia inaugurada mais essa obra de caridade que muito vem fazer em prol dos que sofrem.

Assim, Santos pôde orgulhar-se por acompanhar e pôr em prática todas as grandes iniciativas em prol da cruzada do Bem que por toda a parte é o apanágio dos corações bem formados.

As obras do hospital para tuberculosos, desde o seu início, estiveram sob a competente direção e regras da engenharia sanitária, estando de acordo com tudo durante a sua execução o competente corpo clínico da Santa Casa de Misericórdia.

O edifício possui doze salões destinados a enfermarias, seis em cada ala, havendo higiênicos e confortáveis aposentos para os empregados e gabinetes sanitários convenientemente montados, tanto no pavimento superior como no inferior; para atenuar choques e evitar barulho, todo o hospital é forrado com linóleo.

O teto do pavimento superior, em vez de ser comum, de tábua, foi feito de cimento; possui uma sotéia, isto é, uma varanda ampla e arejada em cima; todo o edifício tem as paredes revestidas de mosaicos, havendo dois ascensores para transportar doentes e visitantes.

O médico assistente no pavilhão, e chefe clínico, é o doutor Soter de Araújo, a quem a Santa Casa de há muitos anos deve inestimáveis serviços por ele prestados, sempre solícito, sempre carinhoso, atendendo com desvelo aos que ali vão procurar alívio ao cruento mal.

Durante a visita, muitos e muitos lamentavam a falta de João Octavio dos Santos, José Caballero, do velho enfermeiro-mor - Joaquim da Santa Casa - como o chamavam - e também do sr. João Torquato de Souza Dias, que naquela casa de caridade prestou serviços em diversos cargos, durante longos 37 anos, dali saindo para a Morada Eterna.

Ah! Se estes homens estivessem ainda vivos, que prazer para eles não seria verem hoje a Santa Casa, esse hospital que João Octavio, cheio de si, chamava - "minha filha" - dotado agora com mais uma benemérita dependência para servir exclusivamente a tuberculosos!

É enfim, o pavilhão para tuberculosos, um suntuoso palácio onde reside a soberana Morte, que se diverte constantemente em enviar para a sepultura os seus submissos vassalos tísicos.


Um aspecto da inauguração do Pavilhão para Tuberculosos
Foto e legenda publicadas com o texto

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Deixando de lado a inauguração do pavilhão para tuberculosos, vamos assistir a outra inauguração – a da ponte pênsil em S. Vicente.

As grandes obras de arte nas quais descobre-se a vasta inteligência dos que a constroem, são para mim objeto de alta estima. E, neste firme propósito abalei-me até a vizinha cidade de S. Vicente, embarcando num auto em companhia de Antonio Santos Amorim e Décio de Andrade.

Lá chegados, dirigimo-nos à Avenida Bartolomeu de Gusmão que dá entrada para a colossal ponte.

S. Vicente nesse dia era toda festas: o mais humilde pescador lá estava também, boquiaberto, diante da monumental obra, vendo pessoal que nunca viu, embasbacado, enfim, ao contemplar aquele movimento fidalgo, com todas as praxes de ato oficial.

Antes, porém, da formalidade da abertura da ponte, que foi feita com uma tesoura cortando um cabo, um reboliço qualquer fazia-se em uma curva da Avenida Bartolomeu. Já se vê: o povo afluiu em massa para aquele ponto.

A causa desse movimento era nada mais do que um desastre que vinha colorindo a festa com rubras gotas de sangue! Um automóvel chocou-se com uma motocicleta montada por Sylvio Lambertti, que viera de S. Paulo expressamente para assistir a inauguração.

Não quis ver mais nada. Voltei a Santos imediatamente, ficando lá o Amorim no seu encargo de reportagem.

O inditoso Lamberti foi nesse mesmo dia para S. Paulo, com o triste destino de falecer junto à sua família em conseqüência dos graves ferimentos que recebeu por ocasião do desastre!


A motocicleta de Lamberti sob as rodas do automóvel
Foto e legenda publicadas com o texto