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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (11)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XI

Outra série de crimes, começando por Patrocinio a desferir golpes mortais em sua amante, levado pela cegueira do ciúme.


Patrocinio e sua vítima Arminda

Foto e legenda publicadas com o texto

Em outro ponto da cidade, uma morena que desperdiçou os seus dias nas crapulosas alcovas de um alcoice intitulado Hotel Lisbonense acabava de ser apunhalada por seu amante.


A infeliz Chiquita e o autor de sua trágica morte

Foto e legenda publicadas com o texto

Mais além, num capinzal do canal n. 1 (Vila Mathias), um transeunte encontra uma criança aparentando ter apenas 8 dias de vida, entregue às formigas que se banqueteavam com as carnes do inocente.

A polícia, entrando em indagações, apurou ser autora desse hediondo crime a própria progenitora da infeliz criancinha. Morreu esse enjeitado na Santa Casa, e a desnaturada mãe foi recolhida a uma prisão, de onde pelas grades espiou espavorida e horrorizada de si mesmo, o crime praticado por suas impiedosas mãos. (N.E.: o autor, como vários outros da época, escreve progenitora - avó - no lugar de genitora - mãe).

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Mais um fato triste ocorrido no celebérrimo Hotel Lisbonense: Yáyá, a morena garrula de olhos brejeiros, lábios sensuais e cabelos negros, sempre travessa e alegre, era a prima inter pares naquela casa chefiada pela sra. Alexandrina - gorducha lisboeta - que dava agasalho mediante diárias, às pobres decaídas na sociedade.

Yáyá, uma tarde, pouco antes do crepúsculo, hora em que se ia aproximando a chegada de seus admiradores, dissera às companheiras que ia ao quarto fazer a toilette; isto é: reformar a camada de pó-de-arroz, incendiar os lábios com carmim, e aumentar os cílios com traços de nanquim. Ia, finalmente, ficar mais sedutora com o auxílio das tintas - companheiras inseparáveis da senhora Vaidade.

Subia, cantarolando a quadrinha do tango "Vem cá, mulata", os degraus da escada em espiral que ia dar ao seu aposento. Fechou-se. Sentou-se à borda dum leito que decerto nunca sentira o contato da virgindade, um leito amplo, bem acolchoado com damascos e colchas de crivo, almofadas de cetim cobertas com fronhas que tinham o hipócrita letreiro "Amo-te"... e estavam saturadas de essências para cabelo, concentrando ainda a tepidez dos beijos escandalosos, beijos convencionais, beijos pagos...

Olhou em derredor da sua existência; considerou intimamente a sua vida ingrata, os carinhos mercantilizados desde o homem mais boçal até o jovem apaixonado que concorriam ao grande mercado da prostituição, onde ela vendia a carne por qualquer preço, segundo as condições em que se encontrava. Cercada assim de tantos concorrentes, sem que um só lhe fosse sincero, resolveu morrer.

Para consumar a tenebrosa idéia que lhe assaltava o cérebro doente pela enfermidade dos desvarios, sentindo-se como que enlaçada por um milhão de braços estreitando-a em amplexos de ocasião, derramou num copo algumas gramas de cocaína, bebeu-as, e, momentos depois, vendo a morte aproximar-se com todo o seu cortejo de dores cruentas, bradou por socorro!

Aos gritos de Yáyá, acudiram as suas companheiras, subindo a escada a tropel, providenciando sobre socorros. Dentro em poucos minutos, o auto da Assistência Pública parava à porta do Lisbonense. Yáyá foi a tempo socorrida na Santa Casa de Misericórdia, onde o médico de dia pô-la fora de perigo.

Uma semana depois, Yáyá, de novo, entrava para a triste "vida alegre"...

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Mais um passo para atirar outra criatura às casas de tolerância deu o Luiz Flausino, alfaiate, estabelecido à Rua São Leopoldo, 60, tentando contra a honra de sua enteada, uma criança de 13 anos. Não fora ser descoberto o bestial intento e essa menor hoje estaria por entre as venezianas d'algum casebre do "Beco da Cachaça", chamando um homem que lhe viesse beijar para poder no dia seguinte comprar pão!

Felizmente, Flausino não pôde consumar os seus planos ignóbeis.

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Antes, porém, de irmos a outros fatos, precisamos voltar as vistas para o ano de 1907, época em que Alaor de Queiroz aqui esteve com o seu aeróstato a gás, fazendo a primeira ascensão em companhia do nosso conterrâneo Manoel Bento de Andrade, que foi pela primeira vez ver de perto as cores das nuvens.

Andrade tomou gosto pelas alturas e, adquirindo de Alaor o aeróstato, fez num domingo a sua ascensão, completamente só, tendo por companheiros um maço de cordas e uma machadinha. Essa arrojada ascensão (pois Andrade era marinheiro de primeira viagem) custou-lhe um susto tremendo.

O balão subiu ao ponto de perder-se de vista; por pouco que o nosso intimorato patrício não vai ver as estrelas. A ansiedade cá embaixo tocava já às raias do desespero: o balão não aparecia. Conjeturava-se um desastre, uma infelicidade qualquer na abertura da válvula.

Milhares de olhos levantavam-se para o espaço; recorria-se aos óculos de alcance, e... nada: o balão sumiu-se. O momento tornava-se sério. No mar, embarcações da Polícia Marítima saíam para diversos pontos do litoral, pesquisando, dando buscas em embocaduras e sítios. Nada. Aumentava o receio, a dúvida calava profundamente na população. Muitos do povo censuravam o arrojo de Andrade e chamavam-lhe "doido, sem cabeça"!

Felizmente, já à tarde, um canoeiro trazia o nosso aeronauta incólume, muito orgulhoso pelo grande feito e muito amarelo porque o susto não foi para brincadeiras. Jurou então não mais subir em balão.

Foi Andrade muito vitoriado, felicitado e, para coroar essa coragem, foram abertas algumas garrafas de champanhe, com que brindaram na Confeitaria Santista o grande feito do nosso sucessor de Bartholomeu. E não era para menos todo esse regozijo: Andrade viu a morte diante dos olhos...

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Logo depois tivemos o nosso valente e arrojado aviador Edú Chaves, fazendo uma ascensão em Santos, tendo por ponto de partida a praia do Guarujá.

A elevação do seu aparelho foi um espetáculo soberbo, mas, na descida, foi um desastre. Algum desarranjo no motor ocasionou a queda muito rápida do aeroplano de Edú, tomando ele um banho de mar, sem querer. Em frente ao armazém 6, da Docas, um vapor nacional ai atracado retirou do mar, com seus guindastes, o aparelho de Edú.

Mas, nem por isso, este incidente privou as aclamações de que foi alvo o nosso intimorato patrício Eduardo chaves, que já é uma glória nacional. Para atestar os seus gloriosos feitos aéreos, em breve, em S. Paulo, no prado da Moóca, ser-lhe-á ereto um monumento.

Só o nosso Santos Dumont ainda não quis visitar-nos, transitando por entre as camadas atmosféricas... Tem sido ingrato.

Esteve entre nós, muito antes de Edu e Garros, um aeronauta italiano com o seu balão formado de pequenos losangos tricolores, isto é, verde, branco e vermelho, dando essas cores o conjunto da bandeira italiana. Subiu o homem duas vezes, a fazer ginástica num pequeno trapézio preso à boca do balão e sem a cesta ou barca. Subia livremente.

Da última vez que elevou-se ao espaço, o balão foi cair no Vesúvio, quero dizer, no Hotel Vezuvio, situado à Rua José Ricardo. Foi muito feliz: nem uma leve arranhadura pelo corpo; caiu no telhado do Hotel Vezuvio, como quem cai de pouca altura num celeiro de painas...

Foi para o interior. Por lá fez ascensões muito felizes... mas, um belo dia, caiu, não das alturas... caiu na esparrela de querer subir ao paraíso alheio para conquistar a esposa de um outro homem e... caiu para sempre, por terra, mortalmente apunhalado.

Triste queda, a de um homem que se desprende das alturas da moral e vem cair aos pés da sociedade, impelido por um golpe de desafronta à honra!

São destes calamitosos desastres que todos os dias se repetem e que a população aprecia comentando, com risos e galhofas, com chuvas e apupos, bendizendo a vingança, maldizendo o conquistador, pondo as "barbas de molho" e... sempre pecando.

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Quando não aparecem destes quadros, a sua atenção é voltada, por exemplo, para a casa n. 17, antigo, da Rua Amador Bueno, onde estorcia-se em convulsões a infeliz Maritz Odalenska, polaca, ainda moça, por ter ingerido seis gramas de cocaína.

Seis dias depois, mais um sinistro na Ponta da Praia, mais uma miséria, veio fazer pendan com o suicídio de Maritz, enegrecendo a alma da população, ante o incêndio por explosão de fogos, naquela localidade, num barracão, ocasionando a morte de Salvador Benincasa e ficando horrivelmente queimada uma sua filha de nome America, falecendo também dias depois, em conseqüência das queimaduras em 3º grau.

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Não ficamos aqui. Três dias depois, um rapaz ao qual apelidavam de Padeirinho foi morto por bala que varou-lhe o crânio, quando procurava fugir da casa n. 149 da Rua São Francisco, ao ser pressentido na sua obra de assalto àquela propriedade. Galgou o muro da casa em que estava quando a bala apanhou-lhe em cheio, indo cair, cambaleando, procurando alcançar um ponto de evasão, no quintal da casa n. 145 da mesma rua.

E, assim, tão miseravelmente o Padeirinho extinguiu-se.

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Deixemos por um momento os fatos dignos de comiseração, e vamos, se bem que muito antes dos que ficaram descritos, assistir um prélio para eleger a Câmara Municipal de Santos, cuja sucessão deu-se no dia 31 de outubro de 1913.

Entremos, pois, na 13ª seção (Escola Barnabé) e vejamos um frége, como diz o vulgo, uma arruaça, promovida lá dentro, e da qual saíram tiros, a urna com as cédulas rolou da mesa, os mesários abandonaram seus postos, a fuga dos eleitores era precipitada e a eleição, ali, ficou nula - não houve apuração.

Só. E parece-me que só isto basta para ir de encontro aos nossos foros de pacíficos. Mas, o que nos consola, é o rifão: - "cá e lá... mas tardas há"...

Procurei outro fato mais agradável para descrever, porém, como estávamos numa "roda viva" de dissabores, salta-me à lembrança o lamentável desastre do automóvel n. 14, que seguiu pela manhã de 24 de maio, levando os viajantes, srs. Carlos Menezes Tavares, gerente da casa Martinelli; o dr. Francisco Russi, engenheiro na capital; Pasqual Barberi, negociante também na capital, em excursão de recreio à Conceição de Itanhaém.

O auto era guiado pelo chauffeur Americo Tavares. Na Praia Grande, porém, o sr. Menezes passou para o lugar do chauffeur e deu ao veículo o máximo da frça motora, gozando assim a vertigem da velocidade. Próximo ao ponto Manguaguá, o sr. Menezes manobrou a direção com tal infelicidade que o auto, numa derrapagem, tombou sobre os passageiros, ferindo-os bastante e ocasionando a fratura do crânio do sr. Menezes, que faleceu pouco tempo após o desastre.

No dia seguinte, infelizmente, às 4 horas da tarde, o féretro do sr. Menezes, num coche fúnebre, muito vagaroso, atravessava a Avenida Ana Costa, seguido de grande número de amigos da vítima do desastre, que iam levá-la a uma sepultura da necrópole do Paquetá, deixando-nos profundamente consternados...