Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300h4h.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/10/09 11:07:24
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (07)

Clique na imagem para voltar ao índice

Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

Leva para a página anterior

Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

Leva para a página seguinte da série

VII

Entre um e outro fato sem importância, parecia que a vida santense respirava desafogada de tantas peripécias tristes. Mas, fatalidade!

Um telegrama anuncia, com a maior sem-cerimônia invadindo as redações e apregoando à Igreja, o terrível sinistro marítimo do vapor Sirio, no qual, entre as muitas vítimas, sucumbiu também d. José de Camargo Barros, bispo de S. Paulo.

Seguiram-se a esse telegrama as lamentações de todos os católicos, as preces à alma do infeliz bispo, as exéquias. Aumentava mais a dor que compungia os corações dos filhos da Santa Madre Igreja o não aparecimento do cadáver do inditoso bispo.

O luto predominava. Teciam-se telegramas perguntando sobre o aparecimento do corpo e a resposta lacônica, em 4 palavras - "Ainda não foi encontrado" - martirizava horrivelmente a amigos, parentes, fiéis do extinto e muito principalmente à sociedade paulistana.

Decorrido algum tempo, chegou em Santos o corpo de d. Camargo, num ataúde hermeticamente fechado, sendo recebido pela alta camada social de Santos, clero, a banda de música do Corpo de Bombeiros e massa popular.

Acompanhava o corpo do bispo, a bordo, o marquês de Cavalcanti, envergando o seu uniforme nobre. Era a primeira vez que eu via um descendente da nobreza dos tempos coloniais.

O corpo, depois de breve estação na igreja do Convento do Carmo, foi em funeral, numa carreta do Corpo de Bombeiros, para a gare da Estrada de Ferro S. Paulo Railway, onde um carro mortuário esperava-o para ser conduzido a S. Paulo.

.................................................................

8 horas da manhã, mais ou menos. Estava terminado o trabalho de composição nas oficinas da A Tribuna. As páginas iam entrar para o prelo quando um rumor de notícia importante fazia-se na rua, entre grupos habitués das madrugadas. Esse rumor chegou até os ouvidos da redação e, quando se esclareceu, era nada mais, nada menos, do que a infausta notícia do brusco assassinato de d. Carlos e um seu filho, em Portugal, no Terreiro do Paço (N.E.: em Lisboa).

Imediatamente foram à residência do dr. Urbano Neves, então redator da A Tribuna, levar-lhe um telegrama que afirmava o boato da tragédia do Terreiro do Paço. O dr. Urbano compareceu logo à redação e traçou uma ligeira notícia sobre o ocorrido. A Tribuna deu duas edições durante uma semana. Pela manhã, os consulados hasteavam as bandeiras a meia haste. Estava a colônia portuguesa de luto e Portugal sob a mais profunda mágoa apresentou condolências a d. Amelia, e trêmulo, amedrontado, que viesse outro golpe fatal sobre a sua velha nobreza, colocou no trono o príncipe d. Manoel.

Infelizmente, ou felizmente (abstenho este trabalho de opiniões políticas: como um ligeiro histórico que é, mantê-lo-ei, até o fim, com a maior imparcialidade) para Portugal, o trono, pouco depois do assassinato de d. Carlos e seu filho, baqueou, sendo portanto a tragédia do Terreiro do Paço a aurora do dia 8 de outubro de 1909, dia da proclamação da República Portuguesa.

Outros telegramas. Regozijos e pragas, rancores e aplausos recebiam a nova do advento da República na pátria de Camões.

.................................................................

Em fase política não me recordo de outra tão agitada como foi a eleição para presidente da República e que eram candidatos Ruy Barbosa e Hermes da Fonseca. Foi uma luta titânica entre os civilistas e hermistas.

Dias antes da eleição, as propagandas e as cabalas de ambos os partidos davam já o aspecto de diversão pública. O Largo do Rosário era o ponto da pescaria de eleitores em cujos anzóis feitos com verbosidade fluente e melíflua os pescadores punham iscas de diversos modos: de dinheiro, de ternos de roupa, de sapatos novos, de chapéu, de empregos garantidos, de promoções e de tudo quanto o grande estoque do armazém das lábias possuía a granel.

Apareceram nessa lufa-lufa os retratos em esmalte dos dois candidatos ao poder. A mocidade e mesmo a velhice, partidárias de um e outro candidato, manifestavam a sua opinião, a sua simpatia, exibindo nas lapelas os retratos de Ruy e Hermes. As moças também entraram na luta e a maior parte era civilista.

Para que não faltasse uma nota cômica na séria agitação de se eleger o presidente da nossa República, o Ricócó, o tipo mais popular daquela época, tomava parte nas reuniões, trajando à pastorinha, tocando numa flauta de cana do reino, fazendo discursos, dando vivas a Ruy - se os civilistas punham-lhe nas mãos uma moeda; e vivas ao Hermes - se os hermistas faziam a mesma coisa. Era tão incolor nessa questão eleitoral o nosso pobre Ricócó que usava na fita do chapéu os pequenos retratos dos dois candidatos em disputa.

Dias depois feria-se o pleito, saindo vencedor o marechal Hermes da Fonseca.

.................................................................

Passada a tempestade política, tivemos a colocação da estátua de Xavier da Silveira, no largo do Rosário, comparecendo ao ato o mundo oficial santense, música, povo etc. O busto de Xavier da Silveira é em bronze e a coluna que o suporta é de mármore, tendo em suas quatro faces as respectivas inscrições:

Orador, poeta, jornalista

e advogado

Amou devotamente a terra de seu berço

que serviu e honrou

--------------------

7-10-1840 - 30-VII-1874

--------------------

Voou pelas alturas do Infinito onde

passa ridente o raio da luz

--------------------

À memória do filho amado, Santos

mandou erguer este monumento


Ricócó e sua inseparável flauta ornada com fitas e flores
Foto e legenda publicadas com o texto