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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [31]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 369 a 382, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

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Borracha pronta para ser embarcada no Amazonas
Foto publicada com o texto, página 369. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

A borracha

mbora abunde em outros estados, oriunda da seringueira ou de outros vegetais lactíferos, a borracha brasileira é um produto principalmente amazônico. Por todo o curso do Amazonas, são extensos, infindáveis, os seringais, de cujo âmago brota, inexaurível, o látex precioso, rico dessa matéria magnífica que, transportada para as zonas fabris, se tornou o auxiliar eficaz até indispensável de grande número de manufaturas.

Esta vasta região baixa e alagada por uma imensa rede fluvial é o seu habitat preferido, no estado nativo. Vale acima, as altas e esguias seringueiras se propagam, se multiplicam, produzindo um desses muitos milagres paradoxais com que a natureza costuma deslumbrar-nos; excessivamente úmidos e permeáveis, os seus seringais elaboram uma pasta inesperadamente impermeável, com aquela ideal impenetrabilidade, que tornou possível a realização de uma infinidade de prodígios da indústria moderna.

A prodigalidade sem par do leite dessas árvores representa a riqueza fácil e acessível, exigindo o mais rudimentar dos trabalhos, o mais indolente dos gestos, para fazer jorrar rios de dinheiro e com ele uma corrente de prosperidade e de bem estar tão volumosa que se constituiu a segunda das maiores frações de produção da economia nacional.

O seu habitat preferido é toda a vasta, úmida e quente Amazônia, desde a fervilhante pororoca do delta do Rio Amazonas até os confins longínquos do território do Acre; mas o pedaço de terra riquíssimo, que uma hábil operação diplomática, sem a lógica brutal do imperialismo, mas com a lisura de uma transparente e lícita operação comercial, tornou brasileiro, é o maior contribuinte, o fornecedor máximo de exportação da borracha, concorrendo ainda vitoriosamente com todos os símiles que têm tentado entravar-lhe o desenvolvimento.

É aí que ela monopoliza ciumentamente todas as atenções, todos os braços, todos os negócios, todas as preocupações, levando – para o açambarcamento de todos os aspectos do problema econômico da Amazônia – a própria elasticidade que é uma das qualidades salientes de sua constituição física.

Na Amazônia, compreendidos sob essa denominação os estados do Amazonas e do Pará e o território do Acre, a borracha é tudo; é a indústria, é o comércio, é o objetivo de todas as atividades, é o alvo de todas as ambições de fortuna rápida, é todo um sistema de interesses que ligam todos os fatos, todos os fenômenos, todos os indivíduos e aos quais não é estranho o estado, que alicerça sobre ela quase integralmente o seu problema financeiro, sugando dela a sua quase única fonte de renda, porque, apesar dos lucros que a sua elasticidade econômica permite, ela se estica e se distende ainda quase outro tanto, para o concurso dos impostos que suporta com vigor.

Enfim, na Amazônia, a borracha é a vida. E tanto é a vida que representa a morte, o abandono de tudo quanto seja outra espécie de atividade humana, no terrenos das indústrias, do comércio e de todas as demais funções econômicas. Essa pujança, essa abundância, são o produto da opulência, da eclosão produtiva das vastas terras de aluvião, terras ainda na mocidade da evolução planetária, com o vigor eruptivo dos primeiros ímpetos.

A falta de braços, a eterna falta de braços que tem deixado tantas riquezas desaproveitadas, diante de opulência tamanha, criou essa absorção de atividades cujos efeitos, como no caso do café, têm repercutido na formação do problema econômico. Desde as relações entre o capital e o trabalho, até ao abandono de todos os outros recursos de produção, os fenômenos sociais e econômicos não seguem a marcha normal, nem se adaptam às formas racionais e lógicas.

A abundância extravagante, a pujança desmarcada e excepcional de tão valiosa fonte de renda, trouxe, como inevitável conseqüência, essa inversão, essa situação excepcional, sem razão e sem lógica.

Como primeiro sintoma, e o mais desorganizador, de tal estado de coisas, se apresenta a base sobre a qual se estabeleceu a regra de lucros e vantagens, base artificial e sem justificativa nas regras comuns da boa economia. Essa base é principalmente o valor momentâneo, sujeito a oscilações como o câmbio, do produto trazido à venda; valor, aliás, cujo expoente nem sempre é uma conseqüência do contrabalanço das leis da oferta e da procura.

Anos têm havido em que correm parelhas, em alta, o preço ocasional da borracha e a enormidade da produção, tornando-se funções conjugadas no mesmo sentido a oferta e o valor. E há vendas formidáveis por preços incríveis, em contraste chocante com minguadas produções que encontram preços miseráveis, em outros anos, no primeiro caso improvisando riquezas fabulosas, no segundo arruinando fortunas, com a mesma instantaneidade e insegurança de previsão logicamente econômica, como lances cegos de roleta.

É tudo assim, como a sua descompassada natureza, nessas terras do extremo Norte do Brasil; as grandes altas abeiram-se das súbitas e não menos formidáveis quedas cujo abatimento dura apenas o tempo de uma safra, para o efeito de desforras fartamente compensadoras. É a mesologia criada pela natureza, transfundindo aos que vivem no seu ambiente os seus irregulares, desregrados, modos de ser.

Esforços têm sido empreendidos no sentido de se equilibrar a situação econômica da borracha e conseguintemente da Amazônia, começando, finalmente, estas forças descompassadas que determinaram tantas crises antagônicas, de opulência e de miséria, o preamar e vazamar de produção, a se disciplinarem no sistema férreo das leis econômicas normalizadoras.

Enquanto tudo o que é energia ali se canaliza para a borracha, outras fontes de produção permanecem abandonadas e sem proveito. A indústria fabril é limitadíssima, a agricultura quase não existe, e quase todos os artigos de primeira necessidade são importados. Apesar de possuir a região florestas e florestas de excelentes madeiras, até o encaixotamento da borracha é feito com pinho estrangeiro, porque não há tempo nem gente para se distrair da monopolização da borracha, quando, pelo menos, a exploração dessas florestas seria uma indústria auxiliar da grande indústria local. Daí, uma carestia geral de tudo, carestia que segue uma progressão crescente, à medida que se sobe o curso do Rio Amazonas.

Outra conseqüência dessa situação econômica está em não serem ainda normais as relações entre o capital e o trabalho. Com a sedução da fama de que essa extraordinária seringueira gozava, de árvore das maravilhas, dando magicamente a fortuna, muitos se encaminharam em busca da floresta onde ela se expande.

Alguns, os mais enérgicos, reagiram contra a diferença do clima e as rudes provas que tal conquista impõe, conseguiram a riqueza ambicionada. Outros, porém, sucumbiram antes do primeiro triunfo. Muitos, como simples assalariados dos seringueiros, atirados, em desespero de causa, à aventura, sem recursos, sofrem logo os prejuízos e a depreciação dessa situação. Desde que se engajam, tudo quanto gastam é adiantamento sobre a futura renda do seu trabalho, no seringal.

Além desse tudo ser realmente muito caro, custa-lhes o juro pesado dessas espécies de empréstimos a título precário; e há casos em que o seu futuro trabalho chega apenas para pagar o já gasto. É que o proprietário, por sua vez, precisa se assegurar contra as falhas do seu pessoal, que freqüentemente se recusa ao trabalho, depois de comprometido pelas despesas que lhe foram adiantadas.

Com o tempo, essas relações entre o capital e o trabalho melhoraram consideravelmente, pela simples afluência de atividades novas, sendo que essa transformação será encaminhada naturalmente pela concorrência, com o auxílio de uma legislação reguladora que equilibre a situação.

Finalmente, a crise de transporte dificultou também a evolução normal do problema econômico. A viação ainda está sujeita aos azares das cheias e vazantes dos rios, o primeiro trilho ainda está por assentar, a dragagem dos portos em que aqueles não são navegáveis mal foi iniciada – e tudo isso redunda na carestia de frete.

Mas a borracha não dá tempo para tantos trabalhos e empresas! É tanta borracha a explorar e tão pouca ainda é a gente para fazê-lo!

Este rápido resumo da situação econômica da borracha, apoiado pelas estatísticas e pelo desenvolvimento do assunto desse capítulo, explica sobejamente a genesis das grandes "crises" que felizmente se levantam e se resolvem dentro da própria zona de produção, e que ainda estão longe de ser a "grande crise" da concorrência da borracha estrangeira, a que a  intensa e orientada iniciativa dos ingleses procura dar incremento nas suas colônias.

A devastação dos seringais, sem a obrigação da cultura, seria um fator desfavorável para o Brasil, se não se tomassem a tempo as medidas preventivas, constantes de um recente decreto do governo brasileiro, que transcrevemos adiante e que providencia sobre a maior parte das deficiências que acabamos de apontar.

Da Amazônia para o Sul, ainda outras espécies de borracha, a da maniçoba e a da mangabeira, estão tendo exploração intensa, já constituindo fortes contribuições para a exportação. Mas já aí não têm o caráter de exclusivismo que foi um mal na monocultura do café como na exploração única da borracha.

Nos estados onde essas espécies de borracha são produzidas e exploradas, e mesmo a da seringueira, em alguns, elas são fatores de produção paralelos de outros, oferecendo mais um entre muitos pontos e apoio para o melhor assentamento dos alicerces do seu problema econômico, tornando-o assim equilibrado e ao abrigo das surpresas desagradáveis das crises como as que já apontamos e analisamos sumariamente.

Os seguintes dados estatísticos comprovam o acerto que avançamos sobre as porcentagens da exportação da borracha nos números totais da exportação do Brasil.

No exercício financeiro de 1907 o valor da exportação total do Brasil orçou em Rs. 860.990:822$000, sendo que só a borracha ocupa um total, em quantidade, de 36.489.772 quilos, representando um valor de Rs. 217.504:288$000, ficando imediatamente depois, na escala decrescente, da quantidade e do valor co café exportado.

Em seis qüinqüênios, entre 1939 e 1907, a borracha aumentou a média qüinqüenal de sua porcentagem sobre a exportação total do Brasil na seguinte proporção:

Exercícios Porcentagem da borracha
1839-40 a 1843-44 0,27
1849-50 a 1853-54 2,14
1859-60 2,56
1869-70 5,43
1879-80 5,58
1903 a 1907 27,72

Por este quadro se vê bem o alto grau de importância que tem a extração da borracha no Brasil, não só pelo que afirmam os algarismos, como principalmente pelo artigo de que se trata, pois é elemento de primeira necessidade para uma infinidade de indústrias.

A borracha seringa – Várias plantas possui a flora brasileira, que produzem a preciosa borracha, como já tivemos ocasião de dizer, sobressaindo em quantidade a borracha da seringueira, especialidade conhecida pela denominação diferencial de borracha seringa. É a borracha um carbureto de hidrogênio, sólido, imerso, sob a forma de granulações brancas, no látex vertido das incisões feitas em determinadas árvores, dentro das quais este circula em vasos especiais, aproximadamente como numa circulação sanguínea na qual a linfa fosse o látex. Os glóbulos sanguíneos são os que, nesses vegetais, constituem a borracha, e cuja fórmula de composição química é C4 H7.

Caracterizam-na, como qualidades principais, a elasticidade e a impermeabilidade. O aspecto do látex é o mesmo do leite  animal, sendo que freqüentemente tem idêntica constituição, de sorte a servir-lhe, até, de sucedâneo, às vezes. Acontece que nem sempre o látex contém borracha, sendo acre, irritante e mesmo venenoso, tais os princípios que, nessas condições, encerra.

As seringueiras, árvores de onde se extrai a espécie de borracha mais importante do Brasil e de que ora tratamos, são vegetais da família das Euforbiaceas, que ocupam enormíssima área da zona equatorial, dominando o extenso vale do Rio Amazonas.

Encontra-se a origem etimológica dessa denominação nos primeiros tempos da exploração. Ali chegados, os portugueses observaram que os autóctones já conheciam o valor desse produto e até o empregavam industrialmente, fabricando objetos que tinham a forma de seringa. Generalizou-se entre os portugueses de então a denominação, para as árvores que a produziam, de pau da xiringa – de onde o nome seringueira.

Ainda uma analogia da mesma espécie deu origem à denominação borracha, nome que os portugueses davam aos recipientes de couro que usavam para o transporte de água e outros líquidos. Entre os objetos manufaturados com essa matéria-prima pelos índios, havia umas ânforas muito parecidas com as borrachas dos portugueses. Facilmente a denominação passou do artefato para a substância de que era feito.

Eis porque ao opulento produto chamou-se borracha, e à árvore que o produz, seringueira, donde a denominação seringais dada às grandes massas de árvores desta espécie. A própria origem da denominação francesa – caout-chouc – é indígena, reconhecendo-se facilmente nele o cauachô, nome com que os índios emigrados do Amazonas para o Pará denominavam o produto do leite da Castilloa elastica e do Galactodeudron utile, vocábulo que por sua vez deu origem à denominação espanhola e constituiu outra denominação pela qual é também designada a borracha, no léxico português – cautchu.

Pertencem as seringueiras, em geral, ao gênero Hevea, sendo considerada a principal delas, por Shreber, Siphonia elastica, sinonímia que não logrou, até hoje, aceitação. As heveas são divididas em dez espécies, a saber: Hevea spruceana, Hevea discolor, Hevea membranacea, Hevea pauciflora, Hevea rididiflora, Hevea notida, Hevea benthamiana, Hevea lutea, Hevea brasiliensis e Hevea guianensis. Existe, ainda, no Alto Amazonas, a micrandra siphonoides; e fora da zona dos seringais notam-se a micranda elata, em Minas Gerais, e a micrandra bracteosa, na Bahia.

São as heveas árvores possantes, que atingem uma altura de 25 a 30 metros, tendo algumas 1 metro de diâmetro e outras, mais geralmente, 1,50 m a 2,50 m de circunferência. Têm fraca ramificação, que só começa a grande altura.

Elas se estendem pelo vale do Rio Amazonas e seus afluentes, tomando uma área enorme, calculada em um milhão de milhas quadradas, quase a metade da superfície da Europa. Grande parte dessa zona está em território do Brasil, nos estados do Pará e Amazonas e território federal do Acre.

Para o Sul, os seringais ocupam a zona dos afluentes dos rios Madeira e Tapajós, invadindo o vale do Rio Paraguai, ao Sul do divortium aquarium da região amazônica. Estendem-se ainda pelas cabeceiras desse rio e ao longo dos seus afluentes, os rios Sant'Anna, S. Francisco, dos Bugres, Branco, Jaucoara, Jari; e os rios Sipituba, Jauru e outros. Esses seringais são os do estado de Mato Grosso. Há ainda seringueiras nos territórios dos estados do Maranhão, Piauí e Goiás, no vale do Rio Araguaia.

São preferidas pelas seringueiras as regiões baixas e quentes, num ambiente que oscile entre 20º e 28º de temperatura, indo, às vezes, a 30º e a 35º. Os terrenos devem ser de aluvião, profundos, permeáveis, humíferos, cobrindo-se anualmente das águas das enchentes periódicas dos grandes rios.

Não há florestas exclusivas de seringueiras. Elas vivem em promiscuidade com outras árvores, em florestas pujantes de força e de uberdade. Nessas densas povoações vegetais, as seringueiras distam, entre si, de 10 a 100 metros, havendo uma seringueira para cada grupo de 80 árvores, mais ou menos, de outra espécie.

O seu látex é abundante, variando a borracha que dele se apura, não só quanto à qualidade como quanto à quantidade de carbureto de hidrogênio que contêm em suspensão, sob a forma globular. Desse duplo ponto de vista, são de melhor qualidade as heveas brasiliensis, discolor e guianensis. De qualidade notadamente inferior são as seringueiras que têm a parte inferior do tronco gibosa, razão pela qual são denominadas vulgarmente barrigudas. Entretanto, apesar do seu látex ser menos rico e de produção inferior, os exploradores não as poupam, misturando o seu suco ao de outras de melhor qualidade.

Embora seja caracteristicamente própria dos terrenos úmidos, a seringueira também nasce nos terrenos secos, mas então é o seu produto pouco apreciado pelos conhecedores, que qualificam de queimada a borracha delas obtida, em tais zonas, julgando-a de qualidade inferior. Tampouco é indispensável o alagadiço ou o terreno inundado para a produção da hevea. Em alguns lugares ela se contenta, para proliferar, como no Acre, no Aquiri, no Madeira e outros vales, com o solo apenas bastante úmido, que contenha boa porção e argila, sem as inundações. Com estes requisitos, ela dá bem mesmo em terras bastante elevadas. Na Índia a seringueira já é cultivada a mil pés acima do nível do mar; no Brasil há quem a tenha visto a 300 metros; e nos Andes há seringueiras espontâneas em altitudes de 650 a 1.000 metros.

Por toda a planta, da raiz às folhas, circula o látex, sendo que o ponto mais conveniente para os cortes, denominados técnica e descritivamente sangrias, é no tronco à altura de 2 metros. Os profissionais afirmam ser  inconveniente e perigoso para a vida da árvore praticar a sangria acima desse limite, ou nos ramos.

Até bem pouco, a seringueira era explorada somente pelo lado de  indústria extrativa, o que redundava em uma verdadeira devastação. O cauto aviso dos competentes, porém, e certas medidas do governo, mostraram o inconveniente dessa incoerência, dessa verdadeira insânia, demonstrando e estabelecendo taxativamente a cultura, animada por toda a espécie de incentivos. A própria produção ganha com isso, como se vê do fato eloqüente de poder ser uma seringueira cultivada, explorada aos cinco anos de vida vegetal, ao passo que a seringueira nativa, só decorridos dez anos e depois da florescência e da frutescência, pode ser aproveitada para as sangrias.

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Extraindo a borracha
Foto publicada com o texto, página 371. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

Extração e preparo – Existem duas épocas distintas, a das enchentes e a das vazantes, ou melhor, a das chuvas e a do verão. Aquela, começando em novembro, dura até junho do ano seguinte; e esta vai de julho a outubro. Ambas começam em dias notáveis do calendário: a primeira chuva é a 2 de novembro, dia de Finados, e o primeiro dia de verão, que lá chamam o repiquete, a 24 de junho, dia de S. João.

Segundo a estação, modifica-se o aspecto do rio. No mês de outubro, estreita-se a corrente, torna-se forte, as margens emergem em barrancos altos, coalhadas de florestas; por toda a parte surgem praias, ao passo que as ilhas, baixando o nível d'água que as circunda, como se erguem, coroadas de folhagem, como troféus verdes. Toda essa transformação se faz em dias belíssimos, sob um céu radiante. Em fevereiro, dá-se o inverso. As águas, avolumando-se, recobram os níveis perdidos, devoram as brancuras das praias, galgam os barrancos, escalam as ilhas.

Em pouco alagam o solo, transbordam, inundam florestas enormes, transformando-as em igarapés. Onde o nível do terreno baixa, formam-se lagos enormes de superfície lisa e tristemente monótona. Finalmente, o que resta de terra fica submerso; e regiões imensas se confundem e desaparecem,num mar interminável, de uma placidez sinistra... Porque a água não entra nem invade com violência; insinua-se, desliza, alarga-se, silenciosamente, inexoravelmente.

Uma grande, inenarrável, tristeza enche essas vastidões de onde deserta tudo quanto seja canto ou flor, vida ou perfume. O silêncio terrível dos dias intérminos das enchentes é ritmado lugubremente pelo coaxar dos batráquios. Depois de um largo período de desolação, começa a vazante, ressuscitando aos poucos o continente submerso. É então que se procede à extração da borracha, isto é, de maio a janeiro, sendo que a época melhor para isso é de maio a setembro.

Depois de equilibrada a natureza dentro dos limites normais, aí chega o homem incoercível, recalcitrante a todos os revezes, para retomar a sua situação de conquistador, entregando-se afanosamente ao trabalho da sangria das seringueiras, enchendo aquelas florestas da alegria e do ruído do trabalho incansável. Vem encontrar o terreno pantanoso, mal deixando o trabalho de seca fazer-se naturalmente, sôfrego pela conquista das riquezas até ali escondidas pela enchente. A natureza reage contra essa precipitação trêfega, lançando mão do paludismo que dizima dezenas e dezenas de seringueiros (trabalhadores dos seringais). São verdadeiras hecatombes que criaram, através da lente do exagero, a reputação de um clima implacavelmente funesto, inevitavelmente assassino.

Para descrever os instrumentos da extração da borracha, devemos começar fazendo ver o que é um seringal, como se adquire, e como nele se vive e se trabalha. Outrora, imperava o regime do primi capientis, isto é, internava-se o indivíduo por um dos afluentes do Amazonas, descobria uma floresta rica em madeira de seringa, dela se apossava, fazia uma barraca de palha, e aí estabelecia o seu seringal, que muitas vezes vendia sem legitimar a posse.

Senhor desse terreno, às vezes de léguas, descia a convidar as famílias Tapuias, que viviam felizes e honradas nos sítios, para, com ele, seguirem para o seringal. Com promessas de avultados lucros, e com presentes, seduziam os pobres Tapuias, que, abandonando suas terras, criações e lavouras, sugestionados, marchavam, sem pensar, para a escravidão, para a desonra e para a morte. Assim seguiam  famílias e se extinguiram povoações inteiras.

Para a partida o patrão adiantava roupa, comedorias, máquinas de costuras, armas e munições, caixas de música e bugigangas, que eram lançadas logo em conta de débito, para ser pago em seringa. Embarcavam e, no primeiro passo da escravidão, iam logo remando, gratuitamente, o batelão do patrão, que conduzia os gêneros comprados fiados ao patrão, negociante da capital.

Esse aviado, transformado no interior em patrão, assim reunia, nas terras de que se apossara, grande número e indivíduos e famílias. Ao chegar, roçava-se um pedaço da floresta, à margem do rio, levantava-se um barracão coberto de folhas de palmeiras, e aí, promiscuamente, se amarravam as redes, e começava a nova vida.

Enquanto uns se ocupavam em preparar a vivenda, outros abriam as estradas para o trabalho. Consistem as estradas em picadas estreitas, que ligam uma seringueira à outra, de maneira que dê um rodeio a ficar a última próximo à primeira, onde o seringueiro levanta uma pequena barraca de palha, que não acomoda mais do que dois homens, para se agasalhar das chuvas e poder defumar a borracha, sem que o vento impeça. Essas barracas são, em geral, cônicas, tendo a extremidade mais fina voltada para cima e aberta, para dar escapamento ao fumo.

Depois de feita a abertura da picada, em zonas que abrangem de 60 a 120 seringueiras, limpam cuidadosamente o solo, em torno delas, deixando-lhes junto tigelinhas onde será recebido o leite, sendo que o seu número varia entre 4 e 12, segundo a pujança de cada árvore.

Dá-se às estradas, como dissemos, a forma de círculo fechado, tornando contíguos o princípio e o fim. Essa disposição tem por fim não demorar a retirada das tigelinhas e a imediata operação de coagulação. Chegado à última árvore, o extrator logo começa a recoleta das tigelinhas cheias, de modo a evitar que uma permanência ao ar demasiado longa estrague o leite. Tal traçado da picada auxilia esse intuito, graças à economia de tempo conseguida.

Além da arma de fogo e do terçado, utensílios de defensiva nessas paragens afastadíssimas da civilização e das leis, os seringueiros dispõem e se utilizam, na sua indústria extrativa, dos seguintes instrumentos e vasilhame: um machadinho, tigelinhas, baldes, cuias, fogareiro ou boião defumador, formas e uma bacia de arame que exerce funções outrora exercidas pelo casco de tartaruga.

O machadinho tem, aproximadamente, a forma de um machado português; é de ferro, sem ser calçado de aço, com 8 a 9 centímetros de comprimento, gume estreito, de 3 centímetros de largura e pouco cortante, fixado na extremidade de uma haste de madeira, como um martelo.

As tigelinhas, que outrora eram de terracota, são atualmente de folha-de-Flandres ou de zinco, com a forma obcônica truncada, medindo 8 centímetros no diâmetro da boca, 4 a 5no diâmetro do fundo e 6 de profundidade.

O balde, outrora cuyambuca, suspenso por uma rede de fios vegetais, alceado para ser conduzido pelo braço, hoje é de folha-de-Flandres. Em geral, são alongados, de 30 a 40 centímetros de comprimento, com 10 de diâmetro e com a capacidade para 20 litros de leite. São alceados para ser suspensos pelo braço e deixar as mãos livres.

O defumador é uma espécie de boião de terracota, com uma abertura lateral na base, aberto superior e inferiormente, com 50 a 60 cm de altura, 10 de diâmetro na abertura superior e 30 na inferior. Em geral tem duas asas para facilitar o transporte e o manejo.

A cuia é feita de metade do fruto do cabaceiro (Crescencia cuyeté), cuja forma é por demais conhecida. A forma é uma espátula em forma de palmatória, com uma das extremidades circular ou oblonga, com longo cabo feito de madeira forte e leve, tendo a parte circular 1 a 20 cm de diâmetro. Hoje, fazem-se algumas quadrangulares e maiores.

Com estes instrumentos ou vasilhame, como o denominam, dão os seringueiros começo aos trabalhos. De antemão preparam uma grande bola de argila, tauatinga (N.E.: palavra tupi. Em português, tabatinga, tipo de argila mole e untuosa, às vezes branca ou esbranquiçada) bem amassada, e um grande monte de frutos secos de Uauassu (Orbignya Martiana barb. Rod.), Urucury (Atalea-speciosa Mart.), ou Inaja (Maximiliana regia – Mart.), segundo a espécie que abunda no seringa, e que, em geral, são colhidos no inverno.

Distribuídas parcialmente umas 500 tigelinhas, passam à extração do leite. Segundo a extensão do seringal e do pessoal, assim é o número de estradas, trabalhando, às vezes, um só homem em duas, ou mais, segundo a atividade e o número de árvores de cada estrada.

Na véspera do dia em que se começa a extração do leite, há um trabalho denominado preparar a seringueira, e que consta de quatro a seis incisões, que fazem na árvore, no ponto em que o braço estendido pode alcançar, e em deixar livremente correr o leite. Com efeito, dessa sangria corre pouco leite, nessa ocasião, para dar depois o duplo nas incisões que se fazem no dia seguinte, em que se começa a colheita. Gradativamente, depois, aumenta o corrimento.

Assim preparadas, todas as árvores estão aptas para o começo da extração. No dia em que começam esta e a fumigação, pelas cinco ou seis horas da manhã, o seringueiro toma o machadinho, a bola de argila preparada, e dirige-se para a estrada.

Antes de sair, porém, deixa na barraca a bacia, o defumador, a forma e tudo preparado para a fumigação. Dirige-se à primeira seringueira e, na altura que a mão alcança, faz com que o machadinho, em roda do tronco, tantos golpes oblíquos quantos julga necessários em relação à corpulência da árvore e ao número de tigelinhas que tem junto à mesma. Dados os golpes, prende abaixo de cada um deles uma tigelinha por meio da argila. Presas as tigelinhas, parte para a segunda seringueira, pratica o mesmo processo, e desta para outra e assim até ao fim da estrada.

Logo que tem chegado à última, passa rapidamente à primeira, toma o balde, que alceia no braço, vai às tigelinhas que estão cheias de leite, tira-as da árvore, derrama o leite no balde, encaixa as tigelinhas, já vazias, umas nas outras, vira-as de boca para baixo junto ao tronco e passa para outra. Assim vai, de árvore em árvore, reunindo o leite no balde até chegar à última.

Aí chegando, dirige-se rapidamente para a barraca, a fim de não dar tempo a que o leite se estrague. Prepara o fogo com lenha e, quando este está vivo, cobre-o com o defumador; pela abertura superior lança dentro os caroços das palmeiras, que, ao arder, lançam uma fumaça espessa.

Logo que a fumaça se desprende, derrama o leite na bacia, toma a forma e, de cócoras, ao lado do levião defumador, com a mão direita toma a cuia, enche-a de leite e o derrama sobre a pá da forma, de maneira que a cubra totalmente. Feito isso, leva a pá imediatamente à fumaça, que, negra, sai da chaminé do boião e, num movimento giratório, faz com que todo o leite seja apanhado pela fumaça.

Coagulado este, derrama por cima nova quantidade, que forma uma segunda camada, que leva novamente à fumaça e assim sucessivamente vai cobrindo as camadas coaguladas por outras de leite fresco até formar uma massa chamada bolacha, cujo peso possa suportar e que regula de 2 a 4 quilos. Fazem assim tantas bolachas quantas pode dar o leite recolhido.

Deixam-se ficar as formas, assim cobertas, na barraca, até o dia seguinte, para então se extrair a borracha feita. Tira-se a forma da bolacha, dando-se nesta dois golpes a fim de pela abertura poder sair. A borracha assim preparada compõe-se de lâminas extremamente finas sobrepostas, formando uma massa compacta, mas cujas lâminas se tiram como as folhas de um bloco de papel.

Este é o processo indígena, legado pelos Omallas e ainda o único geralmente empregado no Amazonas, o que preenche até hoje os seus fins, dando uma borracha de superior qualidade, pura e não putrescível.

A defumação coagula o leite, conservando-o puro, pelos vapores do creosoto e outros anti-sépticos fornecidos pelos frutos das palmeiras. Para se obter a borracha fina, é preciso que ela seja assim logo preparada, porque, não se fazendo assim em seguida à colheita do leite, começa este a formar grumos, a coagular antes de terminada a defumação, do que resulta um tipo de borracha inferior.

Retirada a borracha da forma, é levada ao sol, a fim de secar e libertar-se dos vapores que dentro se condensam. Quando o trabalho de defumação é bem feito, a borracha toma uma cor amarelenta e, quando tal não acontece, esbranquiçada; mas, com o tempo, toda ela fica amarelenta e exteriormente preta.

Cada tigelinha recebe, mais ou menos, 100 a 150 centímetros cúbicos de leite. Tomando uma média de oito tigelinhas e de 125 centímetros cúbicos por árvore, vê-se que cada uma pode fornecer cerca de meio quilo de borracha, dando por conseguinte, diariamente, uma estrada de 60 seringueiras, para cada homem, 30 quilos, cujo produto em moeda não pode ser muito exatamente reproduzido, pelas variações do preço da borracha, mas que se pode avaliar em mais ou menos Rs. 360$000.

O serviço acima descrito é diário, durante todo o tempo da safra, quando o seringueiro é ativo, porque muitos há que faltam ao serviço ou se deixam vencer pela fadiga. Nesse trabalho, empregam-se, às vezes, não só mulheres como crianças, devendo notar-se que aquelas são muito mais ativas do que os homens e obtêm, por isso, maior resultado.

O seringueiro que é ativo, trabalhando de junho a outubro, isto é, cinco meses, pode, no fim da safra, ter um capital de mais de Rs. 20:000$000. Deveriam, pois, os seringueiros enriquecer em pouco tempo, mas infelizmente outrora isso não se dava, porque o seringueiro propriamente, ao fim do serviço, devia ao patrão, e, se deixava a este, passava a trabalhar para outro, nas mesmas condições.

Apesar das dificuldades econômicas de toda a sorte, principalmente do capital e outras deficiências, as condições de trabalho melhoraram sensivelmente. Aquela escravidão provinha dos fornecimentos que o patrão fazia ao seringueiro e à sua família, não só de roupa e gêneros alimentícios, como de objetos de luxo, que eram levados em débito, para ser pagos por altos preços em borracha...

Raiando o dia, continua o trabalho. O processo empregado no primeiro dia é depois o diário, modificando-se então a posição das tigelinhas. Estas são então colocadas no tronco, à distância de um decímetro umas das outras, de alto a baixo, em uma só linha. No dia seguinte forma-se outra linha e assim sucessivamente até rodear todo o tronco, o que se dá em uma semana. Na semana seguinte segue-se o mesmo processo, nos intervalos e assim sucessivamente. A essa volta do tronco chamam arreação.

Desse trabalho, pelo processo descrito, aparecem no mercado diferentes qualidades de borracha, que são cotadas por preços diversos, e que tomam os nomes de borracha fina, entrefina, grossa e sernambi. A borracha fina é a preparada com leite fresco, puro, sem mistura de espécie alguma, e bem defumada. A entrefina é a preparada com leite já em começo de decomposição, e não bem defumada. A grossa é a que é misturada com outros leites, sem o asseio preciso dos vasos, em que entram matérias estranhas, como pó, cinza, areia e restos de outras borrachas.

A sernambi é a feita com os restos de coagulação natural, a das bordas dos vasos, a dos pingos da forma sobre o boião, e a que escorre e seca nas incisões em forma de lágrimas, donde o nome de choro. O sernambi é assim preparado: juntam-se todos estes restos secos, amarram-se com os mesmos restos até tomar uma forma mais ou menos globulosa, e cobrem-se de leite, que se defuma. Quatro ou cinco camadas de leite encobrem todos os restos, dando a esse invólucro um aspecto especial. À borracha grossa alguns denominam também de sernambi, mas sem razão, porque num caso há falsificação e noutro não.

Entre 6 e 10 horas da manhã faz-se o trabalho de extração, que, aliás, às vezes se prolonga até 1 hora da tarde, e o de coagulação dura das 3 às 5 horas da tarde. Essa segunda parte do trabalho é extremamente extenuante, deixando exausto o seringueiro. O gênero de trabalho e o meio climatérico costumam dar ao seringueiro uma cor pálida e macilenta que é característica. Entre os seringueiros, muitos há que trabalham por conta própria, alugando estradas, tendo resultados um pouco melhores do que os outros.

Há seringueiros, e estes em maior parte cearenses, grandes trabalhadores da borracha, que emigram do seu estado natal para a Amazônia, os quais não se servem de formas. Sobre duas forquilhas fincadas no chão, atravessam um pau sobre o qual deixam cair aos poucos o leite, ao mesmo tempo que rodam o pau sem cessar envolto no fumo do defumador colocado em baixo. Por esse processo se formam bolas de mais de 15 quilos de peso, até quanto suporte o pau atravessado; finalmente, executada a defumação, retiram o pau, deixando a esfera maciça, perfurada de polo a polo. O tapuio conserva, entretanto, a sua forma primitiva, sendo maior a pureza da borracha elaborada por este processo.

Há ainda outro processo de extração da borracha, o denominado do arrocho, empregado pelos índios do Amazonas; esse é prejudicial à árvore. Consiste ele em se amarrar um cipó, à altura de um metro, obliquamente em torno da árvore, bem ajustado, mas sem compressão, golpeando o tronco ao mesmo tempo e em todas as direções, na parte superior ao arrocho do cipó. Correndo de todas as feridas, ao longo da casca, o leite encontra o cipó e segue a linha de obstáculo que à sua descida ele oferece; e como essa linha, em espiral, busca a base da árvore, ali vai ter todo o leite vertido, reunindo-se em um ponto só, para um único recipiente.

Apesar de expedito, este processo, que esgota a árvore ao mesmo tempo e em todas as direções, não dá ensejo a que as feridas cicatrizem, do que resulta o rápido deperecimento da árvore e a sua morte. Prevenindo esses efeitos maléficos, foi proibido tal processo por meio de uma lei. Apesar disso, ainda alguns exploradores mantêm o sistema que, até há pouco tempo, era geralmente adotado também em Mato Grosso.

Em regiões remotas ainda se fez uso do grande machado de lâmina curva, que molesta profundamente as árvores e as matas; mesmo empregando a machadinha, muitos exploradores aprofundam por demais os golpes, interessando o lenho, do que se ressente a seringueira, que desfalece e é desde então atacada pelo cupim, que se aloja nas feridas do lenho.

Quando as árvores são pouco produtoras ou muito distanciadas, o seringueiro trabalha em duas estradas em dias alternados. Neste caso, emprega, por vezes, o processo chamado do miriti, que é uma espécie de arrocho feito com os pecíolos de folhas de palmeiras rachadas ao meio. O nome vem da preferência que dão às folhas da palmeira miriti (Mauritia vinifera, Mart.).

Desse modo,o seringueiro poupa o trabalho de colocação das tigelinhas, substituindo-as por uma  única em cada árvore. Variam os modos de sangrar, ou a forma das incisões feitas para esse fim. Tem sido empregado o corte vertical (|), o horizontal (-), o oblíquo (/), o em forma de V, de duplo W, de cruz de Malta (+), e de cruz de Santo André (X). Dentre todos é preferível, e é hoje mais empregado, o talho oblíquo, simples ou duplo, sendo os outros nocivos à planta, com especialidade os três últimos.

Nenhum melhoramento tem tido o preparo da borracha, no Brasil, com uso geralmente aceito, pelo menos. Não têm faltado, no entanto, tentativas para substituir o processo da defumação, que tão mal faz aos seringueiros. Vários processos químicos têm sido alvitrados, todos, porém, sem resultado satisfatório.

A coagulação pelo alúmem diluído em água, pelo cloreto de sódio, pelo álcool, pelo bicloreto de mercúrio, pelo sulfato de magnésio; a extração dos glóbulos de borracha por meio de máquinas centrífugas e a coagulação pelos ácidos, entre os processos engenhosos, sugeridos pela ciência, deram os resultados esperados pelos autores, quanto à rapidez da operação e pureza do produto, mas foram todos abandonados porque, dizia-se, a borracha assim obtida era no comércio reputada inferior por serem alteradas as suas propriedades.

Também no estrangeiro se tentou retardar a coagulação pela ação do amoníaco, a fim de, sem risco de prejuízo, se tornar possível o transporte do látex, em estado líquido, a grandes distâncias. Mas a empresa que fez tal tentativa teve que desistir, pelas mesmas razões já expostas.

Se fosse possível retardar-se a fermentação, o trabalho de defumação poderia ser feito com mais vagar, fora das condições prementes em que é executado e cansando menos o operador. Como se está vendo, até agora a indústria de extração da borracha no Brasil nada conseguiu aperfeiçoar o trabalho do autóctone, ainda o único mestre na matéria, o que de perto não será, por muito tempo,pois são freqüentes as tentativas para melhorar e tornar mais fáceis os trabalhos de preparo da borracha, graças à intervenção da mecânica, ao serviço do engenho humano.

A defumação, por ora, continua a ser o processo geralmente seguido no Brasil e sempre com bom resultado, devido, talvez, aos vapores de creosoto e de derivados da piridina encontrados por Biffen no fumo dos cocos brasileiros. Esses vapores, atuando como anti-sépticos, impedem a fermentação da borracha.

Dissemos acima que ao autóctone brasileiro não caberá por muito tempo o monopólio do processo que ensinou aos portugueses para o preparo da borracha. A Exposição de Borrachas Bruas e Guta-Percha, há pouco realizada em Tervueren, encontrou certo número de aparelhos tendentes a suavizar o trabalho manual que até agora entra em tão onerosa contribuição nesse preparo.

A casa David Bridge and Co., de Castleton, Manchester, apresentou em Tervueren espécimes variados de instrumentos e aparelhos que ela construiu especialmente para esta indústria. Para a colheita da borracha, M. M. David Bridge and Co. oferecem os "Huber" ou os "bi-Huber perfected knives", cuja guia móvel se ajusta instantaneamente a todas as espessuras de casca, que se possam encontrar.

A profundeza das feridas, regulada antecipadamente, permite ao ceifador operar rápida e seguramente. A faca, uma vez regulada, não podendo penetrar senão até o que é preciso no liber, secciona a maior quantidade possível e vasos lactíferos sem estragar a arvores, ao que garante o inventor; é o resultado econômico que se procura sempre obter e ao qual não se chega senão dificilmente.

A par destas facas aperfeiçoadas, inventadas pelo dr. Huber, do Museu Goeldi, do Pará, expuseram aqueles engenheiros toda uma série de acessórios indispensáveis à colheita da borracha. São copinhos de formas e capacidades diferentes: em ferro branco, vidro, sólidos e próprios; em alumínio, muito leves; em cartão extra-leve, com fixação instantânea.

Mas o aparelho que mais atraiu a atenção foi o que tem o nome de seu inventor: a "Da Costa coagulating machine". Construído por M.M. Davis Bridge and Co., propõe-se a coagular industrialmente quantidades importantes de látex em um tempo relativamente muito curto.

Eis aqui o princípio e funcionamento: injetar em reservatórios cheios de látex, por meio de vapor d'água em alta pressão, fumos de madeira verde nos quais se acham naturalmente, em fracas doses, todavia em quantidades suficientes, o ácido acético e creosoto. Sob a influência dos fumos entranhados através do líquido, fechando em suspensão os glóbulos de borracha, estes devem coagular-se e separar-se do resto da massa líquida; tira-se a borracha e, depois de tê-la cuidadosamente secado, comprime-se em blocos por meio de prensas especiais.

M.M. David Bridge and Co. constroem igualmente todos os cilindros lavadores destinados à depuração da goma, tanto para os ceifadores como para a fabricação de borracha.

Estão pois já reduzidos a máquinas capazes de demonstrar o seu coeficiente de utilidade, engenhos que alcançam o objetivo desejado, sendo de se notar que os dois mais importantes foram engendrados no Brasil.

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Fumigação do látex
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Cultura – A extração pura e simples da borracha começou, depois de certo tempo, a produzir os seus resultados. Extensões enormes cobertas de seringais foram desaparecendo do litoral para o interior e da foz e margens dos rios para as cabeceiras e para o âmago da floresta. Nas proximidades dos sítios onde a civilização já atingiu a expressão máxima das cidades, vilas e povoados de certa importância, a seringueira, se existe, é tão rara que não se presta a uma exploração industrial.

O seringueiro, ávido e ambicioso, falho de noções da economia da Agricultura ou tendo-as e preferindo esquecê-las, ia devastando esbanjadoramente a riqueza que se lhe antolhava e parecia inesgotável; não se preocupava em olhar para trás, descuidando-se de lançar sementes de vida nova, onde deixava a desolação. Ninguém pensava na necessidade do replantio.

Contra as conseqüências disso estabeleceu-se uma grande propaganda pela cultura da seringueira. O distrito de Cametá ficou quase abandonado, tendo tido uma produção da borracha de boa cotação; nas ilhas do Amazonas, do Tocantins, do Jari, baixo Madeira e Solimões, de sorte que os grandes seringais se encontram próximo às cabeceiras dos afluentes amazônicos, nos confins dos territórios federais do Acre, Purus e Juruá e em Mato Grosso.

O tesouro seringueiro está decerto longe de começar a assinalar esgotamento; mas não é menos evidente que grandes males causa a devastação que se tem feito em lugar de uma exploração criteriosa e bem orientada. Um desses males e talvez o mais saliente, pelos seus resultados funestos mais imediatos, é o que consiste no estado em que ficam os seringais cujos produtos lactíferos são considerados esgotados.

Não se fazendo ou tentando outra indústria, nem se procedendo a uma cultura racional, largas extensões de terrenos são abandonadas pelas turmas de seringueiros que os invadem, sem deixar da sua passagem uma edificação, um sintoma de estabelecimento definitivo, o que torna essas zonas inabitáveis ou dificilmente civilizáveis; e isto constitui grave perigo para um país que, ainda durante muito tempo, tem de se manter em plenas funções de povoamento do solo pela mais intensa colonização.

A cultura em tais condições, incentivo a quaisquer iniciativas que tendam a provocar esse estabelecimento, essa radicação, além de outras medidas, tem preocupado os grandes espíritos e motivado uma grande propaganda, cujos primeiros frutos começam a aparecer, não só em iniciativas individuais como por meio de um decreto do Governo Brasileiro a que já nos referimos e que transcrevemos mais adiante.

Considera-se, além disso, a concorrência da borracha estrangeira e a da maniçoba e da mangabeira, no próprio país, fatores que tornam cada vez mais necessário o estabelecimento do equilíbrio e a organização do trabalho, no aproveitamento da seringueira e nas providências tendentes a fomentar, por meios racionais, a sua exploração.

Um velho preconceito fez com que se supusesse, durante muito tempo, impossível a cultura da borracha. Mas já o contrário está claramente provado, verificando-se que, até fora da zona onde a seringueira é nativa, a borracha pode ser cultivada. Já existem plantações excelentes ao longo das margens do Rio Maués, e outros afluentes, em grupos de 250 e mais seringueiras cultivadas.

Na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, existe um exemplar de seringueira que tem perto de 30 anos de idade, com 1,20 m de circunferência, e produzindo borracha de boa qualidade e em proporção satisfatória. Ao lado desses exemplos domésticos, há o muito frisante, dado nas Índias Orientais, onde a cultura da borracha é um fato, é uma demonstração vitoriosa da possibilidade de se cultivar a seringueira.

A árvore resultante dessa cultura pode ser explorada, em geral, entre 10 e 11 anos, produzindo aos 8 e até aos 6, tais as condições favoráveis em que se desenvolva. Plantadas com os cuidados necessários, salientando-se a escolha de terras frescas e capazes de dar um grau regular de umidade às raízes, as seringueiras cultivadas rivalizam em quantidade e qualidade de produção com as heveas nativas, no seu habitat. A plantação se fez por meio de sementes previamente cultivadas em pequenos cestos, ou por meio de galhos colhidos de plantas de mais de três anos de idade. Aquelas sementes não devem ser expostas, porque assim perdem o seu poder germinativo; devem ser  conservadas em moinha de carvão, pó de Cairo, terra etc. ...

Essa convicção é o resultado do exame atento do exemplo estrangeiro, com a cultura da borracha na Ásia e na África. E nesse exemplo que representa uma iniciativa da concorrência ao produto brasileiro, encontra o Brasil remédio e edificação para resistir a tal concorrência, tanto mais que a sua hevea é, sob muitos aspectos, incomparavelmente superior às produzidas em outros países, onde ela foi introduzida.

Calculando pelo mínimo, a produção de cada árvore, no Brasil, é computada em 2,5 kg, sendo certo que dá muito mais; ao passo que a hevea asiática não vai além, normalmente, de 2½ a 3½ libras. Calcula-se em 100 anos a renda da seringueira, levando, em média, depois de adultas, 20 anos de exploração. Enquanto a hevea asiática parece dar um leite com 41% de borracha, a do Brasil alcança uma média de 50%.

Progredindo como vai o movimento de entrada dos capitais estrangeiros para a exploração da borracha, com o programa de não só se extrair aquela, mas também se cultivar a hevea - trabalho para o qual não faltam terrenos que, além das condições naturais, são de preço relativamente baixo -, melhorarão fatalmente as condições dessa indústria.

Vem de molde observar aqui que é exagerada e até certo ponto injusta a reputação de insalubridade de que goza a Amazônia, pois o paludismo se circunscreve às margens de rios, igarapés e outros sítios inundáveis e normalmente pantanosos. Nas margens dos grandes rios como o Madeira, o Purus, o Juruá e outros, as condições de habitabilidade são muito apreciáveis, no dizer de muitos europeus que aí vivem.

Contam-se já em grande número os estabelecimentos de extração da borracha e cultura das seringueiras; e já ali se encontram centros de população permanente. Na foz do Rio Tefé há um destes, fundado por padres franceses, que prospera comercialmente e difunde a instrução primária e profissional.

O comércio já não está só entregue ao aviado (nome designativo dos patrões que dirigem as expedições de exploração); é feito por mascates judeus, armênios e marroquinos, conhecidos pela denominação de regatões, os quais correm os rios em embarcações carregadas da mercadoria, que vendem nas margens onde atracam.

Essa concorrência irrita os aviados, que vêem desfazer-se um dos laços com que sujeitam os operários da borracha, que trouxeram contratados, deixando de ser, assim, os seus únicos fornecedores, com o fim de sempre fazer um encontro de contas, acabados os contratos, do qual lhes resultam enormes lucros e grave prejuízo para os trabalhadores.

A indústria manufatureira – Infelizmente, apesar dessa abundância de matéria-prima, pode-se dizer que a indústria fabril da borracha não existe no Brasil, oferecendo, entretanto, larga margem para o emprego frutífero de capitais. Os colonizadores, em face da abundância de recursos oferecidos pela simples indústria extrativa, não persistiram em aproveitar o exemplo e a lição dos autóctones, aplicando a borracha à manufatura.

O fato é que, se não foi a seringueira amazônica que revelou a borracha ao mundo civilizado, desde tempos imemoriais os índios do Brasil a extraíam e aplicavam, mostrando que ela servia para muitos outros usos além de apagar traços de lápis, única utilidade que davam até 1820 os portugueses à goma elástica fabricada com a ficus elastica das Índias Orientais.

Os índios do Brasil fabricavam já, com a borracha, seringas, bolas destinadas a uma espécie de jogo de péla, bem como vasilhas de várias formas, quando Condamine anunciou ao mundo científico, em 1735, as propriedades da borracha da América. Foram os índios que descobriram a impermeabilidade da borracha. Houve, mesmo, um começo de indústria fabril para artefatos de borracha, no Pará, onde, com ela, se impermeabilizava o calçado e vários objetos, fabricando-se outros que eram exportados. Tal indústria morreu em 1850, fazendo lugar à - mais rendosa e menos exigente de capitais – indústria extrativa, graças ao atrativo da fortuna fácil e rápida.

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Amazonas, terra da borracha: 1) Cabana dum seringueiro; 2) O produto preparado para a exportação; 3 e 5) Processos de defumar a borracha; 4) Uma seringueira de 25 anos, mostrando o processo de incisão; 6) Barracões típicos dum seringal
Foto publicada com o texto, página 380. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

Produção e exportação – Com o movimento crescente da extração, aumentou rapidamente a produção e, com ela, naturalmente, a exportação, pois para outra função econômica ela não era mais aproveitada. Os preços se elevaram de 100 réis a libra, que era para o País, em 1825, a 36$ a arroba, ou 15 kg, em 1855 a 12$ o quilo, como chegou a ser em 1896.

Durante esse largo período, a descoberta das inúmeras aplicações da borracha e o prodigioso aumento de seu consumo, que acompanham, como um dos grandes fatores, os progressos da civilização, deram incremento à exploração extrativa de modo assombroso, como se vê do seguinte quadro das exportações brasileiras, de 1827 a 1897, bastando, para estabelecer a progressão, tomar um ano em cada 10 anos:

1827 31.365 kg 9:361$000
1837 289.920 kg 114:747$000
1847 624.690 kg 272:448$000
1857 1.808.715 kg 1.358:279$000
1867 5.826.802 kg 8.721:900$000
1877 9.215.375 kg 14.929:695$000
1887 13.390.000 kg 41.509:000$000
1897 21.256.000 kg 203.525:200$000

Por portos de precedência, foi o seguinte o movimento de exportação de 1901 a 1906:

 

 

Estado do

Amazonas

Estado do

Pará

Estado do

Mato Grosso

Estado do Piauí

Estado do Maranhão

Manaus

Itacoa-tiara

Porto de Belém ou Pará

Porto Murtinho

Corumbá

Porto da Ilha do Cajueiro

S. Luiz

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Valor

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Valor

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Valor

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Valor

Quant. k

Valor

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Valor

Quant. k

Valor

1901

15.679.929

96.938:475$

--

--

13.467.403

81.340:602$

--

--

211.994

1.270:633$

--

--

--

--

1902

13.706.317

75.629:804$

4.714

26:386$

13.406.639

66:599:320$

--

--

356.578

1.851:856$

--

--

--

--

1903

16.499.509

112.820:039$

10.163

69:876$

12.559.057

72.986:868$

2.740

17:053$

255.168

1.787:152$

1.972

7:494$

199

822$

1904

15.331.869

120.299:785$

2.175

20:582$

13.171.212

86.231:900$

3.800

28:616$

251.396

1.991:695$

18.344

90:604$

12.410

66:330$

1905

15.246.938

106.792:693$

6.091

43:863$

16.221.766

101.518:328$

2.761

12:806$

441.787

2.488:001$

71.296

313:409$

82.646

345:173$

1906

14.731.757

97.265:693$

77.790

519:660$

16.553.506

96.105:170$

653

4:866$

217.353

1.367:468$

48.732

216:628$

13.647

79:854$

 

 

Por portos de destino, foi o seguinte o movimento de exportação operado ente 1901 e 1909:

  Estados Unidos Ingla-terra França Ale-manha Uruguai Bélgica Itália Argen-tina Para-guai Ho-landa

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor_$

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

Quant.

Valor $

1901

15.427

.477

93.828

:355

11.610

.233

71.678

:581

1.925

.667

11.618

:196

167

.583

1.028

:979

206

.173

1.233

:360

 

607

3

:034

29

.877

216

:745

4

.230

27

:021

1

.591

10

:252

--

--

1902

13.664

.253

69.680

:279

11.792

.683

63.951

:038

1.590

.936

8.263

:430

208

.847

1.096

:436

159

.526

778

:119

4

.640

23

:051

52

.390

310

:013

--

229

:569

--

--

--

--

1903

15.052

.402

94.384

:732

12.288

.506

80.723

:181

1.346

.631

8.730

:296

312

.076

2.125

:282

212

.448

1.470

:371

7

.672

53

:342

109

.078

792

:100

--

--

--

--

--

--

1904

15.968

.753

114.887

:582

10.420

.532

74.868

:353

1.455

.060

11.507

:588

393

.749

3.046

:778

217

.451

1.697

:582

282

.376

2.257

:952

16

.540

140948

37

.742

322

:799

--

--

--

--

1905

15.557

.417

101.992

:907

12.418

.768

80.427

:881

2.374

.291

17.716

:717

1.143

.991

7.906

:290

441

.852

2.478

:971

107

.950

848

:337

5

.020

33

:749

1

.882

17

:920

 

814

3

:916

21

.300

87

:585

1906

16.162

.159

98.766

:743

10.760

.287

65.378

:221

2.769

.658

19.378

:000

1.651

.027

10.342

:043

213

.216

1.36

:997

82

.386

555

:883

--

--

4

.705

34

:790

--

--

--

--

1907

16.115

.669

97.550

:121

12.623

.834

75.547

:442

2.285

.047

15.700

:544

1.955

.516

12.372

:100

381

.403

2.407

:272

10

.021

64

:444

--

--

11

.191

82

:950

--

--

--

--

1908

17.144

.178

87.351

:885

11.549

.720

70.999

:449

2.059

.073

10.593

:414

1.401

.257

7.231

:186

535

.260

3.169

:599

3

.737

19

:370

--

--

--

--

--

--

--

--

1909

19.338

.679

155.424

:346

12.862

.552

102.219

:531

2.885

.553

15.131

:617

504

.392

4.900

:956

602

.986

6.699

:100

63

.872

518

:638

--

--

 

390

2

:280

--

--

--

--

Figuram no quadro das procedências da borracha seringa outros estados, além do Pará e do Amazonas, mas sua contribuição para a exportação mal atinge a 1% da produção total. É preciso também considerar que desfalcam aqueles números as quantidades da borracha dadas como procedentes do Peru. Muitas são de procedência brasileira, mas por contrabando, figuram como peruanas, porque assim escapam aos impostos amazônicos que são mais pesados do que quando pagos sobre borracha estrangeira em trânsito.

A borracha mais reputada da Amazônia é a do vale do Madeira, não sendo atualmente essa a zona que mais produz, apesar de ter tido já a primazia quantitativa. Em 1902 a ordem de produção dos principais rios foi a seguinte:

Purus 6.750 t
Juruá 3.642 t
Madeira 2.844 t
Solimões 1.551 t
Javari 1.304 t
Rio Negro 383 t

Exportação da borracha da Amazônia em 1911 (quilos)

Exportadores

Europa

Estados Unidos

Total

Estoque

 no Pará em 31/12/1911

Total geral

Gruner & Cia./

Dusendsehon, Zarges & Cia.

7.097.254

7.558.774

14.656.028

100.000

14.756.028

Ad. H. Alden Ltd.

2.574.275

3.380.343

5.954.618

42.000

5.996.618

Gordon & Cia.

2.422.387

1.929.999

4.352.386

20.000

4.372.386

Scholtz Hartje & Cia./

Scholtz & Cia.

1.317.525

723.216

2.040.741

--

2.040.741

Suarez Hermanos & Cia.

1.317.597

--

1.317.597

63.000

1.380.597

E. Pinto Alves & Cia.

461.443

672.626

1.134.069

--

1.134.069

J. Marques

736.845

254.785

991.630

--

991.630

De Lagotellerie & Cia.

286.100

538.439

824.539

--

824.539

R.O. Ahlers & Cia/

Ahlers & Cia.

417.747

5248.785

666.532

10.000

676.532

Pires Teixeira & Cia.

241.235

243.890

485.125

--

485.125

Nunes Sobrinho & Cia.

47.490

154.140

201.630

--

201.639

Mello & Cia.

156.947

11.287

168.234

--

168.234

The Alves Braga Rubber Estates Co./Trading Co. Ltd.

--

97.082

97.082

--

97.082

A. de la Rivière & Cia.

72.901

11.610

84.511

--

54.511

J. G. Araújo & Cia.

91.340

1.830

93.170

--

93.170

E. Kingdom & Cia.

34.080

--

34.080

--

34.080

Guilherme A. de Miranda Filho

7.995

18.242

26.237

--

26.237

S.A. Armazéns Andresen

26.176

--

26.176

--

26.176

Gunzberger, Levy & Cia.

3.034

4.707

7.741

--

7.741

Braga, Sobrinho & Cia.

5.038

--

5.038

--

5.038

Diversos

329.900

74.425

404.325

--

404.325

De Itacoatiara (direto)

97.400

--

97.400

--

97.400

De Iquitos (direto)

2.013.009

176.701

2.189.710

--

2.189.710

Estoque em primeiras mãos

--

--

--

110.000

110.000

Estoque do sindicato J. Marques

--

--

--

2.240.000

2.240.000

Totais

19.757.718

16.100.881

35.858.599

2.585.000

38.443.599

Resumo

 

Europa

Estados Unidos

Total

Fina 11.230.371 7.686.680 18.917.051
Entrefina 1.503.869 1.571.375 3.075.244
Sernambi 2.504.439 5.173.230 7.677.669
Total 15.238.679 14.431.285 29.669.964
Caucho 4.519.039 1.669.596 6.188.635
Total geral 19.757.718 16.100.881 35.858.599

Durante a safra de 1 de julho de 1910 a 30 de junho de 1911 entraram em Manaus, para este porto e em trânsito para Belém, 20.56.589 quilos da borracha seringa propriamente dita e 4.245.708 de caucho, dando um total de 24.832.551 quilos. Para Manaus, diminuíram, tanto a borracha como o caucho; em trânsito para Belém do Pará, diminuiu o caucho, aumentando a borracha propriamente dita.

Passaram por Manaus, em trânsito para a Europa e América, oriundos de Iquitos, 1.105.649 k da borracha propriamente dita e 1.126.902 de caucho, englobando-se toda a brasileira em 27.064.102 quilos de borracha das duas espécies, quando o total, em igual período de 1909 a 1910, foi de 30.064.999, o que dá uma diferença, para menos, de 3.000.151.

Do total exportado pertencem ao Brasil 31.557.075 quilos, divididos por Mato Grosso, Território Federal, Amazonas e Pará; 2.189.710 ao Peru, saídos diretamente de Iquitos, e 2.111.814 à Bolívia e outras repúblicas limítrofes, tendo saído pelo porto de Manaus 21.285 quilos e pelo do Pará 2.090.529.

Como já teremos ocasião de observar, esses preços não representam absolutamente a resultante dos fatores naturais que determinam a marcha normal das indústrias, mas sim taxações arbitrárias e dependentes de um jogo de bolsa, obedecendo a interesses contemporâneos. Daí as formidáveis crises, difíceis de prever, pelo seu caráter arbitrário de tempestades artificiais.

Já se lembrou a oportunidade de um convênio mais ou menos semelhante ao de Taubaté, com o objetivo único da estabilização dos preços, sem medida alguma de compressão sobre a produção. Apesar dessas atenuantes que o tornam aceitável, tal convênio seria ainda uma solução artificial.

Parece que o remédio deve residir em uma série de medidas que abranjam mais largamente o problema, como muito bem pode acontecer em resultado da aplicação pertinaz e segura da lei federal recente, cujo teor resumimos neste trabalho e que se propõe a colocar a situação econômica da borracha em bases mais racionais.

Os grandes empórios de comércio da borracha no país são as cidades de Belém,no estado do Pará, e Manaus e Santarém, no do Amazonas, o qual também exporta por Itacoatiara, à margem esquerda do grande rio.

Outros estados também produzem seringa, sem que no entanto a sua contribuição atinja 1% da produção brasileira; a sua insignificância, porém, é só devida à falta de braços e capitais, e o desenvolvimento que têm tido mostra a importância que há de adquirir em breve. O mais importante entre eles é o de Mato Grosso. A sua borracha é quase toda negociada na cidade de Corumbá. O Porto Murtinho, no entanto, principiou a exportar em 1903.

Exportação de borracha da Amazônia nos últimos dez anos (quilos)

  Europa Estados Unidos Total Estoque em 31-12
1902 14.689.912 13.859.868 28.549.780 1.092.000
1903 16.061.547 15.033.385 31.094.942 1.298.000
1904 14.334.668 16.309.468 30.644.136 579.000
1905 18.556.543 15.260.345 33.716.888 1.292.000
1906 18.575.451 16.192.304 34.767.755 500.000
1907 20.907.816 16.606.336 37.514.152 705.000
1908 20.523.909 17.539.442 38.063.251 785.000
1909 19.805.223 19.646.980 39.452.203 407.000
1910 22.979.328 15.060.490 38.039.818 772.000
1911 19.757.718 16.100.881 35.858.599 2.585.000

Preços da borracha durante a safra de julho de 1910 a junho de 1911 (por quilo)

1910

  Borracha fina Caucho Sernambi de Caucho
Meses Mínimo Máximo Média Mínimo Máximo Média Mínimo Máximo Média
Julho 10$000 13$000 11$901 5$600 6$300 5$864 7$300 8$000 7$764
Agosto 9$200 12$000 10$252 5$500 6$000 5$852 6$500 7$700 7$008
Setembro 7$000 9$300 8$391 4$000 5$800 4$984 5$300 6$500 5$941
Outubro 6$300 8$500 6$977 3$500 4$000 3$800 4$400 5$200 4$743
Novembro 7$100 8$200 7$526 3$800 4$000 3$968 4$800 5$500 5$180
Dezembro 6$800 7$800 7$282 3$000 4$000 3$558 5$000 5$400 5$226
1911
Janeiro 6$000 7$000 6$498 3$000 3$200 3$133 4$600 5$100 4$843
Fevereiro 7$000 9$500 8$061 3$700 3$700 3$700 5$,00 6$400 5$700
Março 7$500 9$300 8$331 -- -- -- 5$700 7$000 6$267
Abril 6$000 7$800 7$212 3$600 4$000 3$908 4$100 5$600 5$118
Maio 4$900 7$200 5$963 2$800 3$900 3$500 3$900 5$200 4$472
Junho 4$800 5$500 5$145 2$500 3$000 2$839 3$800 4$250 4$067

A este estado, seguem-se os do Piauí e do Maranhão, que começaram a produzir em 1903, exportando o primeiro pelo porto da Ilha dos Cajueiros ou e Tutóia, e o segundo por sua capital, a cidade de S. Luiz.

Aí, entretanto, a borracha da mangabeira e a da maniçoba fazem à da seringueira séria concorrência.

Os aviadores são negociantes em grosso que fornecem dinheiro e gêneros a crédito aos aviados para irem aos seringais fazer a exploração na qualidade de patrões, exercendo estes últimos, a seu turno, o mesmo papel em relação aos extratores de borracha, ou seringueiros propriamente ditos. Uns e outros se fazem pagar usurariamente em borracha e são os que enriquecem.

A essas duas classes acrescentou-se a dos exportadores, que são também os grandes banqueiros dessa indústria e os que mais lucram.

Está aí outra causa das menos regulares condições da borracha. Feita por empreiteiros particulares, estes quase sempre tomavam capitais dos aviadores, capitais ou gêneros para a expedição, a pagar com o produto da safra. O dinheiro em tais condições galga naturalmente as mais razoáveis taxas de juro, o que repercute no interesse do trabalhador, sobre quem tal juro recai em gêneros que consome, fornecidos a crédito pelo aviado, chefe da expedição.

Essa face do problema está, porém, encaminhada para uma modificação radical, com a afluência crescente de grandes companhias regularmente organizadas, dispondo de fortes capitais e capazes, portanto, de escapar a essa valorização excessiva do dinheiro necessário para as expedições, estabelecendo-se entre essa nova individualidade, mais moderna e mais civilizada, de patrão, e o trabalhador assalariado, relações econômicas que melhor garantem a um e a outro.

Outro aspecto da situação criada pela borracha, no extremo Norte, como já dissemos, é a falta de produtos rurais, determinando a importação dos gêneros mais necessários à existência, o que acarretou extraordinário encarecimento da vida.

Assim é que em Manaus a carne de vaca custa 2$500 o quilo, os ovos 4$ a dúzia, o pão 1$ o quilo, e, nas cabeceiras dos rios explorados, o cesto de 30 quilos de farinha de mandioca chega aos preços de 40$ e de 100$000.

Os fretes da navegação fluvial variam com as distâncias, mas são sempre elevados e não inferiores a 500 réis por quilo. Em Manaus a borracha está sujeita a um imposto de chegada de 10 réis por quilograma, que é coletado no ato da exportação. Além desse, paga um imposto municipal de 2,26% e o estadual de 18%.

Acrescem ainda uma contribuição de 30 réis por quilo, para fundação de uma Bolsa de Comércio, e muitas outras parcelas de despesas, tais como: 10$000 de atracação do veículo que conduz as caixas para o desembarque; 20 réis por quilo para classificação e embalagem; 13$000 por caixa vazia, além de selos e transportes em carroças. Com tudo isso, a borracha, posta a bordo, fica sobrecarregada de ônus no valor de cerca de 28%.

Outro tanto acontece no Pará, onde o imposto estadual de exportação é o seguinte:

Borracha fina 25%
Borracha entrefina 22%
Borracha outras sortes 15%

Faltam outras produções que concorram com algarismos de vulto para ajudar a borracha a custear as necessidades e serviços públicos. Para se compreender claramente isto, basta verificar que a absorção pela indústria extrativa é tal que a borracha é encaixotada com tábuas de pinho importado, quando, em promiscuidade com os seringueiros, há inúmeras árvores que dariam madeira de sobra para esse como para outros fins.

À maioria desses males acode o decreto de 5 de janeiro de 1912, baixado pelo Governo Brasileiro, a que já temos feito várias referências. Essa lei, entre outras disposições, estabelece, em resumo:

- isenções de direitos para utensílios materiais destinados à exploração da seringueira, da mangabeira, da maniçoba e do caucho, bem como ao beneficiamento dos seus produtos e cultura dessas árvores, para embarcações de navegação fluvial;

- prêmios aos cultivadores desses vegetais, aumentando de 5% os prêmios aos agricultores que, paralelamente, cultivarem plantas de alimentação e de outras aplicações industriais;

- o estabelecimento de campos de demonstração ou estações distribuindo instruções e sementes;

- prêmios até Rs. 400:000$000 para a primeira usina de refinação da borracha, tendente à unificação das várias qualidades da borracha em um tipo superior e até Rs. 500:000$ à primeira fábrica de artefatos de borracha que se estabelecer em Manaus, Belém, Recife, Bahia e Rio de Janeiro, desde que a fábrica ou usina prove empregar um capital quatro vezes maior do que o prêmio pretendido;

- a criação de três hospedarias de imigrantes em Manaus, Belém e no ponto mais conveniente do território do Acre;

- construção, no vale do Amazonas, de hospitais recebendo doentes, fazendo vacinação gratuita e distribuindo, também grátis, os remédios mais necessários na região, bem como instruções para casos urgentes em que seja difícil o socorro médico profissional;

- a construção de estradas de ferro no vale do Amazonas, que facilitem e barateiem o frete para o transporte, bem como a ligação ferroviária entre Belém e Pirapora, em Minas Gerais, com os ramais necessários à ligação aos inícios e terminações da navegação dos rios Araguaia, Tocantins, Parnaíba e S. Francisco;

- a execução de obras tendentes a melhorar as condições de navegabilidade fluvial, das zonas onde se exploram as árvores produtoras da borracha;

- isenção de direitos às empresas que estabelecerem depósitos de carvão de pedra no vale do Amazonas;

- incentivo à instalação de centros produtores de gêneros alimentícios no vale do Amazonas, por meio de vários favores, animando a criação de fazendas, com todo o aparelhamento para aquele fim, inclusive a isenção de direitos, estabelecendo também prêmios entre Rs. 30:000$000 e 100:000$000;

- a regularização da propriedade no território do Acre e regulamentação do regime das leis de terras, nos territórios federais;

- a realização trienal de exposições, no Rio de Janeiro, de tudo quanto se relacione com a borracha brasileira, desde a extração e a cultura até a manufatura;

- a redução gradual, de acordo com os estados interessados, dos impostos de exportação, de 10% até 50%, sobre a borracha nativa, isentando desde já desses impostos, por um prazo de 25 anos, a borracha produzida por árvores cultivadas.

Muito principalmente na parte referente à seringueira, à influência da sua exploração como foi, por muito tempo, exclusivamente feita, à grave situação econômica de uma enorme região na iminência de falir a uma crise provocada pela especulação, a execução à risca desse decreto pode resolver o problema em todo o conjunto de soluções que ele contém.

Quanto à estabilização do preço, é evidente que qualquer fixação arbitrária e convencional, que agora se fizesse, representaria um nível alto demais para um valor normal, dada a evolução e o incremento conseqüentes da vulgarização cada vez maior do uso da borracha em inúmeras indústrias.

Auguste Plane, um francês inteligente, que viajou e observou detidamente toda a região amazônica, diz que sua produção "duplicará quando a procura o exigir", e que, desde que a carestia da vida diminua, "a indústria extrativa será remuneradora até mesmo ao preço de 3 ou 4 francos o quilograma de borracha".

Ninguém se lembraria de fazer a estabilização do preço desde já, nessa quantia, que seria um grave desequilíbrio, mas fixado que fosse outro, mais alto, que atualmente não ocasionasse tais perturbações, dentro de alguns anos do emprego das medidas tendentes a tornar mais natural o preço da borracha, aquele valor estaria muito acima deste, e teríamos de novo a crise, produzida pelo desequilíbrio entre o valor natural e o valor artificial.

É preciso deixar a liberdade de ação aos fatores naturais, animando-os, provocando-os para que afinal a borracha retome as proporções normais do problema econômico de todas as indústrias que se baseiam na intensidade e no aumento de volume com a base do barateamento maior possível do preço.

Borracha Tapuru – Além das heveas, os seringueiros do Amazonas e do Pará conhecem e exploram outros vegetais da família das euforbiáceas que também dão um látex rico de borracha, figurando sua produção, nas estatísticas, englobada com os números de produção da borracha seringa.

São elas conhecidas pelos nomes de tapuru, curupita, murupita e seringarana, e encontram-se desde a ilha de Marajó e muitas outras ilhas no Rio Amazonas até os vales dos rios Madeira, Solimões, Japurá, Juruá e Purus.

A identificação botânica dessa planta está sendo estudada pelo dr. Huber, do Museu do Pará, que a inclui nas espécies Sapuem aucuparium Jacq. ou Exoecaria  biglandulosa variedade Aucuparia mull. Arg. As árvores vivem de mistura com as heveas por alagadiços, sendo também encontradas em terra firme, longe das margens dos rios. São altas de 25 metros e apresentam grossura entre 0,80 m e 1 metro de diâmetro. Produzem borracha de boa qualidade que até hoje se confunde com o produto das heveas. Os processos de sangria são os mesmos e a média de borracha apurada no látex é também de 50%.

O fato é que os seringueiros misturam a borracha tapuru com a seringa e às vezes alguns fornecem ao mercado a tapuru pura, sem que esta se distinga claramente da seringa. A única diferença reside na sua resistência menor do que a da seringueira. Algumas árvores tapurus, como as de Monte Verde, Baixo Juruá, não dão propriamente borracha, mas uma espécie de resina empregada no calafeto das canoas.

O caucho – Com este nome, que é o que geralmente designa a borracha hispano-americana, apareceu, por volta de 1896, nas praças brasileiras, um novo tipo de borracha, produzida pela Castilloa elastica. Deu-se-lhe tal nome por ser ela, até então, exportada só pelos países hispano-americanos, especialmente da América Central.

É uma árvore da família das Artocarpaceas de 12 a 20 metros de altura, com um diâmetro de 0,20 a 0,60, com o tronco pouco galhudo, liso e amarelado, guardando, entretanto, cicatrizes dos galhos e impressões anulares dos estípulos. As sementes dos seus frutos fornecem 16% de óleo. A borracha que produz esta variedade é negra por fora e amarela por dentro, onde apresenta cavidades; exala um cheiro desagradável; e obtém cotação à parte, inferior à da seringa.

Além do caucho propriamente dito, há uma sub-qualidade desta borracha denominada sernambi de caucho. Entra no mercado em blocos irregulares ou paralelepípedos, com o nome de pranchas, medindo 1 m x 0,05 de superfície e pesando cerca de 4 arrobas cada prancha. A árvore prefere a terra firme.

O caucho tem progredido bastante na concorrência à seringa, nos mercados. Encontra-se no Amazonas, Pará, Mato Grosso, Goiás e Maranhão. O processo de extração usado é semelhante ao de arrocho, nos seus efeitos, pois a extração do látex de uma árvore é feita em convergência das diversas correntes vertidas de entalhes oblíquos. A árvore é dada por morta e derrubada depois da primeira extração. Após a derrubada, fazem-se novos entalhes que acabam de esgotar o seu látex. O líquido que sobra, depois de cheias as tigelinhas, é deixado a correr e coagular por si, o que constitui o sernambi de caucho.

Uma árvore adulta dá, em média, 56 litros de leite, resultando dessa quantidade 20 quilos de caucho. Recolhido o leite, cava-se na terra argilosa, que serve quase sempre de substrato às árvores de caucho, uma fossa retangular de um metro, mais ou menos, de comprimento, e de meio metro de largura, calcam-se bem as paredes e atravessam-se no fundo dois cipós, cujas extremidades saem da fossa e servem para tirar a prancha fora da cavidade. Depois, derrama-se o látex na fossa, que se cobre geralmente com algumas folhas de palmeira para evitar o acesso das águas da chuva.

A coagulação se faz geralmente com uma dissolução de sabão ou com a seiva de um cipó chamado Vetilla. Segundo a descrição dos caucheros a Vetilla poderia ser uma convolvulácea, Ipoméa batatas, que é citada geralmente como empregada na preparação da goma de Castilloa na América Central.

Os buracos interiores ainda permanecem cheios de líquido que só mais tarde seca, tornando as pranchas mais chatas. É uma borracha impura e contendo muita água, o que a deprecia.

O sernambi de caucho se forma em pelotas de diversos tamanhos do leite sobrado do caucho e colado na casca em lágrimas. De 1896 para cá, a sua exportação na região amazônica tem aumentado na seguinte proporção:

1896 1.776.671
1897 2.073.276
1898 1.964.446
1899 3.110.127

1905 5.187.229
1906 5.714.694

O Brasil tem 75% da produção do caucho. No qüinqüênio entre 1901 e 1905 a sua produção, no Amazonas e no Pará, foi a seguinte:

  Amazonas Pará
  Quilos Valor Quilos Valor
1901 3.170.823 11.671.485$ 259.185 961.851$
1902 2.228.371 8.388.979$ 296.184 1.015.727$
1903 2.720.656 12.273.541$ 519.882 2.086.409$
1904 2.848.354 15.163.037$ 783.788 3.604.385$
1905 3.227.851 14.788.790$ 1.497.870 6.780.835$

Borracha Mangabeira – Outra árvore brasileira, a Hancornia speciosa, da família das Apocinaceas, produz também borracha, cuja exportação progride extraordinariamente, estando disseminada por uma zona brasileira mais larga do que a do vale amazônico.

A mangabeira se encontra nas divisas do Amazonas com o Peru, em Pernambuco, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Alagoas, enfim, do extremo Norte até S. Paulo, abrangendo a maior parte da zona central do Brasil.

Ao contrário das seringueiras, as mangabeiras dão em terrenos áridos, pedregosos, arenosos e secos, preferindo o planalto, nos cerrados de S. Paulo e Minas, nas catingas do Norte, nos carrascos de Goiás e também, em geral, em tabuleiros.

É uma planta sóbria e resistente, e o seu fruto é uma baga de dois centímetros de diâmetro, amarela, com vênulos e manchas vermelhas. É delicioso de sabor, com um gosto sacarino e vinhoso, e tem agradável aroma. A mangaba, tal é o seu nome, goza de justa reputação no Brasil e pode constituir um elemento de exportação. E assim a mangabeira oferece duas margens de exploração industrial.

É um arbusto de mais ou menos 3,05 m de altura, com um diâmetro de tronco de 0,20 m a 0,35 m e com os ramos espalhados e pouco folhudos. O látex é de matiz azulado, com a densidade de 0,908, inócuo e mesmo aconselhado para uso terapêutico interno, contra afecções pulmonares e aplicações tônicas nas moléstias herpéticas. A sua produção de borracha varia, segundo as regiões,nas proporções de 80, 57, 50 e 48% de borracha. Cada planta pode dar, em média, 3 a 5 quilogramas.

O processo de extração é mais ou menos o mesmo, diferindo o critério das incisões que, neste caso, são feitas nos troncos, de alto a baixo, e nos galhos mais robustos, aparando-se o látex em tigelinhas de lata. O trabalho de extração faz-se geralmente por contrato com práticos, em geral baianos; mas também se faz de parceria, tendo o trabalhador um terço da borracha extraída. O período da extração vai de junho a agosto, em regra geral.

A coagulação se faz por vários processos entre os quais citamos: (a) mistura do látex com água na proporção de 3:1 de látex; os glóbulos de borracha sobrenadam e são apanhados e comprimidos à mão em massas que secam ao sol; (b) coagulação pelo clorureto de sódio, só ou misturado ao alúmen. As massas de borracha assim obtidas chamam-se bolachas e são pardo-avermelhadas por fora e róseas por dentro; (c) coagulação pelo alúmen ou pedra ume, sulfato duplo de alumínio e potássio. Neste caso, a coagulação é muito rápida demais, prejudicando o produto; (d) finalmente, a borracha mais apreciada é a do Maranhão, coagulada pelo ácido sulfúrico.

As bolachas têm encontrado resistência nos mercados, preferindo-se a borracha coagulada em placas de cerca de um centímetro de espessura, denominadas peles.

A borracha da mangabeira não goza da reputação das outras, mas parece que isto é um resultado dos processos de preparo que têm sido empregados até hoje. O Instituto Agronômico de S. Paulo obteve melhora de produto com um processo de coagulação que consiste numa solução de 30 gramas de sal de cozinha ou clorureto de sódio em um litro d'água, empregando 20 centímetros cúbicos de solução por cada litro de látex. Calcula-se que uma cultura normal de mangabeira pode produzir Rs. 10:000$000 por alqueire.

Não se procede ainda à cultura racional de mangabeira, não sendo, entretanto, isso impossível pelo emprego de sementes, em viveiros. Só aos 8 ou 10 anos de idade é que a mangabeira deve começar a ser explorada. Os seguintes dados estatísticos dão idéia da produção da borracha da mangabeira, pelos seus números de exportação.

Exportação da borracha de mangabeira por portos de procedência

  Bahia Pernambuco Porto Murtinho Corumbá Ilha dos Cajueiros
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 170.694 521:749$ 81.391 167:577$ 3.198 10:802$ 28.864 110:294$ 38.037 105:422$
1902 174.922 533:$333$ 95.456 174:250$ -- -- 26.043 90:735$ 16.424 29:011$
1903 355.291 1.162:119$ 97.849 226:828$ 400 1:216$ 37.893 99:313$ 28.100 59:183$
1904 415.579 1.682:509$ 85.034 179:163$ 1.300 3:065$ 56.383 131:752$ 35.316 106:556$
1905 261.189 1.054:487$ 135.527 347:998$ 480 1:200$ 74.733 206:487$ 29.733 103:664
  Porto de Santos Rio de Janeiro S. Luiz Porto de Cabedelo
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 35.406 130:723$ 26.853 98:531$ 9.047 24:494$ 704 1:397$
1902 12.473 29:035$ 11.563 26:340$ 11.319 40:171$ -- --
1903 62.558 174:738$ 43.457 122:221$ 3.214 9:871$ 15.354 36:899$
1904 128.991 504:344$ 85.195 322:105$ 6.301 25:539$ 22.863 51:825$   
1905 95.190 339:300$ 105.413 362:513$ 3.197 10:553$ 11.742 17:948$
  Aracaju Maceió Pará Ceará
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 -- -- 80 140$ -- -- 436 948$ 
1902 -- -- 519 1:390$ 249 872$ 226 300$
1903 -- -- 11.543 27:084$ 1.896 4:501$ 3.996 8:937$
1904 6.007 7:534$ 10.420 22:767$ 541 1:265$ 6.935 16:411$
1905 -- -- 3.294 5:614$ 2.805 8:415$ 19.019 50:542$

A borracha que sai pelo porto do Rio é, em parte, de Minas e um pouco de S. Paulo e Goiás. Por Santos sai a maior produção de S. Paulo, uma parte de Minas e grande parte da de Goiás. Por países de destino, é a seguinte a estatística de exportação dessa borracha:

  Estados Unidos Inglaterra Alemanha França Uruguai
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 149.546 435:428$ 99.631 226:590$ 92.867 298:217$ 10.286 33:470$ 27.201 102:100$
1902 119.758 352:496$ 109.605 248:860$ 76.140 189:970$ 16.142 77:019$ 11.558 48:106$
1903 251.839 819:643$ 205.255 540:563$ 147.208 415:134$ 19.676 57:452$ 31.110 81:621$
1904 280.580 1.058:486$ 273.753 929:560$ 214.805 802:571$ 23.796 97:958$ 57.683 134:817$
1905 200.986 724:731$ 191.000 672:367$ 153.551 539:757$ 15.827 60:052$ 70.349 193:095$
  Bélgica Portugal Argentina Paraguai Holanda
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 607 3:034$ -- -- 3.301 11:135$ 1.560 7:962$ 1.300 2:373$
1902 2.290 5:642$ 393 980$ -- -- -- -- -- --
1903 5.992 17:146$ -- -- -- -- -- -- -- --
1904 4.591 14:869$ -- -- 509 1:350$ -- -- -- --
1905 5.396 16:824$ -- -- -- -- -- -- -- --

A cultura da mangabeira, além de uma possibilidade, é uma necessidade; e além dos prêmios e incitamentos da lei federal retro-transcrita, o Governo de S. Paulo instituiu prêmios de 10, 13, 15 e 25 contos de réis sob diversas condições, para os plantadores e cultivadores.

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Casa dum seringueiro no Amazonas
Foto publicada com o texto, página 381. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

A borracha da Maniçoba – A maniçoba é um dos vegetais lactíferos do Brasil cujo produto mais de perto se aproxima do da seringueira. A borracha dessa planta é conhecida no mercado pela designação Ceará – nome do estado brasileiro onde a maniçoba é mais abundante. A árvore pertence também à família das euforbiáceas e está classificada cientificamente com o nome de Manich glaziowu (Mull. Arg.). Tem 10 a 15 metros de altura e 0,20 a 0,50 m de diâmetro. O seu tronco é pouco ramificado, formando as folhas, palmeadas, uma copa de 4 a 7 metros de diâmetro. Planta do sertão, a maniçoba é, entretanto, menos agreste do que a mangabeira, de sorte que o seu habitat espontâneo é o mais restrito.

Os maniçobais espontâneos existem em todo o estado do Ceará. Daí, estendem-se pelo estado do Piauí também, seu abastado depósito, seguindo para o Sul, pelo sertão de outros estados, até alcançar as catingas do estado da Bahia.

Esses maniçobais, que, apesar da propaganda pela cultura da maniçoba e das culturas já realizadas, são ainda quase os únicos fornecedores da borracha Ceará, têm sofrido profundamente com a falta de cuidado na extração, sendo literalmente devastados em grande parte, não felizmente em quantidade capaz de promover o esgotamento da riqueza que eles representam. Ainda há muitos maniçobais a fazer render prodigamente um farto juro do capital e do trabalho neles empregados.

Duas espécies de maniçobas são distinguidas pelos conhecedores, em face de seu aspecto físico: as de copa pequena, de galhos longos e retos, e as de grande copa e galhos curtos, tortuosos e muito ramificados; as primeiras são as mais abundantes em leite de borracha.

A Sociedade Nacional de Agricultura tem distribuído de preferência maniçobas do estado de Piauí e de Jequié (estado da Bahia), visto como são as mais reputadas. De altura relativamente pequena, a maniçoba ainda obedece a uma divisão em duas qualidades, a branca e a preta, segundo o colorido da casca, sendo a primeira mais rica em borracha do que a outra.

Há na Bahia ainda uma variedade, a maniçoba roxa, pequena e de látex amarelo, dando maior produção quando sangrada na raiz. A maniçoba pede pouco para viver e não exige cuidados para produzir. O seu habitat é geralmente a 60 metros acima do nível do mar e com um ambiente climatérico entre 28º e 32º. Entretanto, também lhe servem altitudes maiores, até mesmo mil metros, e temperaturas mais baixas, até 15º; e resiste à geada, conforme demonstraram os ensaios de cultura feitos. No Ceará e no Piauí prefere os terrenos sílico-argilosos e pedregosos e na Bahia dá em terras francamente argilosas. Servem-lhe indiferentemente o clima úmido do litoral e o clima quente do sertão, pedindo 1.250 a 2.500 milímetros de chuva, desde que, no ciclo anual, se intercale um período de seca acentuada. Esta condição concorre para evitar que o látex fique aquoso e pobre em borracha. Procura o solo enxuto e prefere as encostas.

O látex da maniçoba é geralmente branco, apresentando, às vezes, coloração amarela ou alaranjada. A sua coagulação é rápida. O processo de coagulação ao ar livre, algumas vezes usado, concorre para depreciar o produto, pela fermentação também rápida. Esse inconveniente é em grande parte evitado por alguns que comprimem a borracha e lhe dão um banho de sal de cozinha e pedra ume. Cumpre notar que é preferível, em vez de coagulação ao ar livre, a que é feita com esses ingredientes combinados em solução, como mais seguro processo para a obtenção de um produto puro.

Já se experimentou mesmo fazer gotejar o látex em tal solução ou a operação inversa simultaneamente com a extração, obtendo-se os melhores resultados. Também o alúmen foi experimentado, sendo que, com o primeiro processo, a borracha resulta cor de enxofre e, com o segundo, alaranjada. A porcentagem de produção e borracha da maniçoba é, em média, de 50% sobre a quantidade total de látex extraído.

No mercado, essa borracha alcança preços menores do que a da seringa e maiores do que a da mangabeira. A sua porcentagem de umidade e a falta de apuro dos processos de extração, de onde resultam misturas de corpos estranhos à massa da borracha explica o seu preço mais baixo do que o da borracha seringa, pois é boa e, bem preparada, encontra a mesma aceitação da outra. Muitas partidas em tais condições chegam a ser vendidas por 100$000 e 110$000 cada 15 quilos.

O sertanejo ainda faz a extração por processo primitivo. Estende grandes folhas de palmeiras em torno da base da maniçoba, depois de varrer o chão com pouco cuidado, para afastar a lama e as pedras. Retira então a parte externa da casca, raspando-a até 1 m ou 1,50 m ao longo do tronco, e abre sulcos, aprofundando muitas vezes esses sulcos até o lenho, com grande prejuízo para a árvore, que fica assim gravemente ferida. O látex escorre então em lágrimas ou choros, coagulando em parte sobre a árvore e indo o resto se reunir na base, sobre as folhas de palmeira e sobre o chão, se aqueles estão mal dispostas.

As lágrimas, à medida que são depois retiradas, vão sendo reunidas umas às outras, aderindo em parte entre si e constituindo massas, que chegam a pesar 150 quilogramas, e que são chamadas no comércio inglês Ceara scraps. A que se coagula sobre as folhas dispostas no chão apresenta-se sob a forma de lâminas mais ou menos espessas e mais ou menos impregnadas de corpos estranhos e até mesmo de terra. A fermentação, que sempre se desenvolve, é, por vezes, ativa e dá-lhe um cheiro desagradável e característico.

Hoje, a extração vai melhorando pelo emprego das incisões e tigelinhas, como se faz para a seringueira, e pela escolha de árvores em boas condições. São preferidas as que por sua corpulência, de 0,20 m a 0,25 m de diâmetro e 7 a 8 m de altura, já representem ter de cinco a seis anos de idade, poupando-se assim as mais novas, até as de dois anos, com 0,10 m a 0,20 m apenas de diâmetro e que os sertanejos sacrificavam; a compressão e o emprego de coagulantes dão melhor estrutura à borracha e, impedindo a fermentação, evitam o mau cheiro. Assim preparada, a borracha tem aspecto agradável e uma cor amarelada. As árvores são sangradas no tronco ou na raiz, variando o processo com as localidades e as diferentes espécies.

Na Bahia, com exceção das do Jequié, as maniçobas dão mais leite pela raiz, pelo que se está preferindo sangrá-las no espigão, ou pivô, e por vezes até em raízes secundárias, o que é certamente condenável. Para isso, cava-se o solo junto à planta até que fique a descoberto a raiz mestra, ou espigão, em profundidade que permita a colocação de uma tigela de barro ou de folha. Disposta esta, perfura-se na raiz, a canivete, um orifício e bordos lisos, que interessa até à zona liberiana, ou entrecasca; o látex jorra então em abundância.

Se a tigela já contiver solução de pedra ume ou de sal de cozinha, o leite vai coagulando prontamente, à medida que chega a esse recipiente; desde que está cheio, é substituído, retirando-se daí a borracha. Alguns se limitam a recolher dessas tigelas todo o leite para o coagular depois, operando em maiores porções com os coagulantes. A borracha assim obtida é lavada, comprimida e exposta ao sol.

Esse é também um dos processos empregados no Piauí, cujas maniçobeiras produzem melhor com as sangrias da raiz. Aí, porém, deixa-se o leite correr na própria cova, previamente revestida de tabatinga, ou tatuá. Lava-se depois a borracha para retirar essa substância argilosa. As massas de borracha assim obtidas são chamadas lapas, e são dessecadas ao sol. Empregam-se também as tigelinhas como na Bahia, e, de qualquer dos modos, a borracha tem excelente aspecto e uma coloração que se aproxima da de gema de ovo.

No caso de ser sangrado o tronco, como se faz no Ceará, empregam-se as tigelinhas do mesmo modo que para as seringueiras ou, senão, faz-se um orifício pouco acima do nó vital, adapta-se aos seus bordos a base de uma folha de palmeira ou de gravatá, servindo de calha, comunicando-a pela outra extremidade com o recipiente em que se recolhe o leite. Acima daquele orifício fazem-se de leve vários entalhes horizontais ou oblíquos, e dirige-se o leite, que escorre em lágrimas, ou choros, de modo a fazê-lo convergir todo para a referida calha; os choros são depois retirados, enrolados em um cilindro de madeira, aderindo entre si e constituindo os Ceara scraps.

O leite que vai ter ao recipiente é coagulado em formas com 0,01 m de altura e 0,40 m x 0,02 m ou 0,20 m x 0,10 m, obtendo-se panos, ou peles, que são depois prensadas e dessecadas ao sol, ou submetidas, antes da seca, a soluções de alúmen ou de cloreto de sódio, a primeira na proporção de 5 a 10 gramas por litro d'água, a segunda mais ou menos concentrada.

No litoral, a extração costuma ser feita de setembro a janeiro, e no sertão, de outubro a abril. Em qualquer caso, porém, evita-se a estação das chuvas para que o látex não venha muito aguado, mas procura-se fazê-lo, aliás, depois de uma chuva, para evitar que aconteça o contrário, isto é, que o látex fique demasiadamente grosso e viscoso, escorrendo com menos fluência. Dentro desses limites, fazem-se duas ou três extrações cada vez, em cada pé, dando-se às árvores, na época desse trabalho, um descanso de um a dois meses.

Aos três anos, começam as maniçobas a dar borracha, indo em aumento a sua produção até além dos dez anos. De 1845 a 1898, a exportação da borracha de maniçoba cresceu progressivamente, em proporção superior a 700%, o que prova a sua aceitação. O quadro estatístico que se segue deixa comprovado esse acerto:

Qüinqüênio Quilogramas Média anual Preço por kg
1845-49 20.670 4.154 1$
1850-54 249.270 49.831 $446
1855-59 120.800 24.160 $251
1860-64 316.340 67.268 $679
1865-69 339.705 67.660 1$020
1870-74 1.273.905 254.781 1$203
1875-79 578.106 115.621 $966
1880-84 289.718 57.743 1$156
1885-89 932.391 169.225 1$846
1890-94 978.088 195.674 4$036
1895-98 (triênio) 977.765 391.106 7$691

Em 1897, com a ação direta da Sociedade Nacional de Agricultura, do Rio de Janeiro, fez-se uma propaganda em prol da cultura da maniçoba, distribuindo folhetos sobre o melhor processo da extração, vendo-se plantações já importantes nos estados de S. Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Para esse fim, usam-se viveiros onde se plantam as sementes, que, germinadas, dão as mudas para o transplantio e estabelecimento definitivo. Por esse processo, têm sido obtidas grandes plantações de maniçoba.

A maniçoba presta-se também a proteger outras culturas, como o café e o cacau. A sua cultura está sendo feita também com intensidade e êxito, nos próprios estados onde ela é nativa, tomando, assim, incremento a sua exportação.

Por portos de procedência e por quilo, foi a seguinte a exportação da borracha maniçoba, do ano de 1901 a 1905:

   

Piauí, Ilha dos Cajueiros

Ceará Bahia
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 164.822 571:455$000 232.607 924:088$000 23.676 58:890$000
1902 362.691 1.201:598$000 268.943 1.063:950$000 143.041 338:725$000
1903 632.858 2.152:756$000 517.824 1.679:013$000 496.224 2.450:510$000
1904 503.871 1.720:936$000 668.809 2.190:638$000 929.157 5.027:405$000
1905 557.530 1.858:650$000 589.218 2.437:843$000 1.443.826 7.906:445$000
   

Maranhão

Pernambuco Natal
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 3.881 13:478$000 42.950 147:481$000 -- --
1902 -- -- 24.215 56:716$000 6.093 15:818$000
1903 27.308 136:891$000 41.333 140:230$000 -- --
1904 11.471 36:660$000 99.553 328:675$000 1.923 6:731$000
1905 -- -- 82.666 226:922$000 8.527 21:342$000
Rio de Janeiro Pará Maceió
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901 -- -- 2.050 8:528$000 -- --
1902 -- -- 2.402 9:127$000 -- --
1903 5.397 21:940$000 950 3:325$000 -- --
1904 680 2:747$000 2.430 7:734$000 180 594$000
1905 100 816$000 350 1:006$000 -- --
Países de destino
   

Inglaterra

Estados Unidos Alemanha
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901   409.730 1.554:028$   27.918 105:287$   16.664 51:511$
1902 624.906 2.181:533$ 105.297 551:073$ 38.661 179:570$
1903   1.316.915 4.701:277$   242.146 1.186:470$   101.044 465:871$
1904 1.365.218 1.900:088$ 624.039 3.119:380$ 174.216 861:157$
1905 1.380.033 5.496:688$ 455.230 2.637:926$ 416.758 2.070:048$
   

França

Bélgica Itália
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
1901   18.600 58:841$   -- :$   -- :$
1902 18.524 73:758$ -- :$ -- :$
1903   58.789 231:103$   -- :$   -- :$
1904 51.704 236:742$ 900 4:852$ -- :$
1905 361.148 1.867:612$ 68.956 380:329$ 122 610$

Em 1906, a exportação de borracha maniçoba foi de 2.663.507 quilos, valor de Rs. 12.398:835$000, sendo o preço médio por unidade, de 4$655; em 1907, foi de 2.428.678 quilos, no valor de Rs. 11.515:132$000, uma média de 4$741 o quilo; em 1908, foi de 2.166.224 quilos, no valor de Rs. 8.108:774$000 , valendo a unidade, em média, 3$743; em 1909, a exportação foi de 3.105.449 quilogramas, no valor de Rs. 15.229:456$000, sendo de 4$904, em média, o valor do quilograma.

A exportação, por países de destino, tem conservado, mais ou menos, essa proporção. A taxação sobre a exportação de borracha, nos estados, não toma em consideração o vegetal de procedência, variando de estado para estado, do seguinte modo:

Pará
a) Beneficiada 25%
b) Entrefina 22%
c) De qualquer outra espécie 15%
Amazonas 20%
Maranhão 6%
Piauí ½% + 2% adicionais, ou 40 réis por quilograma
Ceará 650 rs. por quilograma
Rio Grande do Norte 8% + 10% adicionais
Pernambuco 4%
Sergipe 10%
Bahia 9%
Minas Gerais 3,5%
S. Paulo 4%
Mato Grosso 25%
Goiás 250 rs. por quilograma

Há, na flora brasileira, inúmeros outros vegetais que dão látex, contendo borracha e produtos semelhantes; entretanto, até agora, a exportação se fixou nos tipos a que nos temos referido. É, pois, o Brasil o fornecedor de borracha mais aparelhado para acudir às necessidades, cada vez maiores, desse produto, para as aplicações mais diversas, cujo número aumenta diariamente.

Faltam-lhe ainda capitais e braços. Uns e outros, embora tenham já afluído em grande quantidade, não bastam por enquanto, para dar utilização aos seus formidáveis recursos neste gênero. E a par disso, cumpre ainda que se instale no país a manufatura do produto, que terá uma latitude de trabalho facilmente avaliável pelo fato de importar o Brasil anualmente cerca de Rs. 3.000:000$000 em objetos de borracha.

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