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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [10]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 104 a 117, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

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A baía do Rio de Janeiro, vista do alto de Botafogo
Foto publicada com o texto, página 104. Clique >>aqui<< ou na foto para ampliá-la

População e Raças

ir-se-ia que a imensidade territorial do Brasil comunica a todas as suas coisas esse caráter de incerteza que está ligado a tudo o que é imenso. As incertezas começam pela grafia da própria palavra com que se designa o país (com S, segundo a corrente erudita; com Z, segundo a corrente popular e alguns elementos históricos) e vão por aí além; desde as fronteiras, só agora demarcadas, e a área, para a qual não se tem ainda uma cifra precisa, até à população e seus elementos constitutivos, a propósito dos quais todos os cálculos não passam de conjeturas e aproximações.

Os poucos recenseamentos operados no Brasil são defeituosíssimos - o que se compreende facilmente, quando se pensa em que uma grande parte do território nacional está ainda inexplorada; uma outra parte do Oeste é habitada por populações indígenas, que se sabe serem bastante reduzidas, em relação à população geral, mas cujo número não é possível recensear; que muitos outros pontos ainda, embora penetrados e explorados por populações instáveis, ficam tão distantes das vias de comunicação, fluvial ou férrea, que chegar até lá representa uma tarefa às vezes muito difícil ou demasiado dispendiosa em relação aos resultados a obter; que, ainda, em muitos aldeamentos do sertão e mesmo em pequenas vilas do interior dos estados, populações ignorantes se recusam a prestar informações e ocultam aos recenseadores os membros masculinos das famílias, com receio de que se trate de recrutamento para o Exército, como se fazia ao tempo da guerra do Paraguai.

Estas e outras razões têm impedido até hoje que se possuam recenseamentos exatos no Brasil, pecando todos - inclusive os da cidade do Rio de Janeiro - por incompletos.

Ainda recentemente, o malogrado presidente Affonso Penna anunciava, em seu manifesto inaugural (15 de novembro de 1906), que seu governo prepararia o recenseamento a realizar-se em 31 de dezembro de 1910, conforme dispôs o Congresso Constituinte da República, insistindo sobre a necessidade, para uma nação, de possuir estatísticas exatas.

Efetivamente, o Congresso Nacional votou o crédito pedido para essa operação; a Repartição de Estatística, reformada, nomeou comissões de recenseamento para os diversos estados, e os trabalhos foram iniciados. Mas as despesas efetuadas desde o começo foram por tal forma abusivas, que o atual governo, por decreto de 11 de maio de 1911, julgou prudente suspender os trabalhos iniciados, apesar de corresponderem a um dispositivo constitucional, a fim de evitar o escândalo financeiro em que importaria a operação.

A Repartição de Estatística, para não inutilizar o trabalho feito, resolveu apelar para as municipalidades, pedindo-lhes a sua colaboração, a fim de levar a cabo o recenseamento iniciado; a boa vontade encontrada na maior parte das municipalidades muito contribuirá para o bom êxito do atual recenseamento, o qual, todavia, se ressentirá ainda de muitas lacunas, pelas mesmas causas que viciaram os recenseamentos anteriores e que não foram ainda removidas.

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Tipos de rua do Rio de Janeiro: 1) Comprador de garrafas vazias; 2) Vendedor de galinhas; 3) Latoeiro; 4) Vendedor de pássaros; 5) Vendedor de guarda-chuvas; 6) Fazedor de cestos; 7) Amolador
Foto-montagem publicada com o texto, página 106. Clique >>aqui<< ou na foto para ampliá-la

Calcula-se que a população do Brasil, no começo do século XIX – quando ainda colônia portuguesa – era inferior a 4 milhões de habitantes. Mas o primeiro recenseamento efetuado data de 1872 – isto é, dois anos depois da guerra do Paraguai -, registrando uma população de 10.112.061 habitantes; e em 1888 efetuou-se o segundo, que deu uma população de 13.919.146 habitantes.

Em dezembro de 1900, procedeu-se a um novo recenseamento geral, que deu 17.371.069 habitantes, sendo, porém, que muitos estados deixaram de enviar dados completos, o que faz com que esses algarismos não representem de fato a população total do Brasil naquele tempo. Sobre esse recenseamento, foram feitos cálculos oficiais, baseados sobre o aumento anual da população, sendo avaliada, para 1906, uma população de cerca de 21.500.000 – algarismos que, comparados aos de 1872, revelam uma duplicação de população em menos de 35 anos. O seguinte quadro pode dar uma idéia do aumento progressivo da população do Brasil:

Anos

Habitantes

1655 (colônia portuguesa) 57.000
1776 ( " ) 1.900.000
1797 ( " ) 3.250.000
1817-18 ( " ) 3.818.000
1835 (Império) 5.300.000
1872 (Recenseamento) 10.112.000
1890 (República) 14.334.000
1900 (Recenseamento) 17.371.000
1906 (Cálculos oficiais) 21.500.000

O incompleto recenseamento de 1900 pôde discriminar, quanto ao sexo, a existência de 8.437.073 homens contra 8.189.918 mulheres. Quanto à idade, foram estes os dados obtidos:

Abaixo de 15 anos 7.428.989
De 15 a 20 anos 1.782.668
De 20 a 50 anos 6.031.167
De 50 a 60 anos 726.767
Acima de 60 e indivíduos ignorando a idade 657.400

Quanto ao estado social, havia:

Celibatários 11.461.363
Casados 4.409.897
Viúvos 709.236
Divorciados 46.495

Enfim, as diferentes profissões eram assim repartidas:

Profissões agrícolas 4.868.686
Profissões pastoris 152.984
Profissões extrativas (minas, caça, pesca, borracha) 32.237
Profissões manufatureiras 195.599
Profissões comerciais 322.058
Profissões domésticas 2.558.759

As recentes estatísticas demográficas acusam um sensível aumento anual de natalidade em relação à mortalidade, fenômeno facilmente explicável pelos progressos da higiene ultimamente realizados, não só no Rio de Janeiro como em diversas outras cidades, especialmente S. Paulo e Belém.

As deficiências do serviço de estatística não permitem calcular com precisão o excedente de natalidade em todo o Brasil. Tomando, porém, por base o ano de 1907, isto é, o ano seguinte ao dos últimos cálculos oficiais sobre a população, podemos apresentar alguns algarismos significativos (Quadro A)

Cidades

Média Decenal

1898 a 1907

Ano de

1907

População

em 1907

Porcentagem

em 1907

Natalidade
Rio de Janeiro 19.212 20.878 811.443 25.72
Niterói 1.820 2.233 45.000 49.62
S. Paulo 9.564 10.767 286.000 37.64
Curitiba 1.638 1.818 56.596 32.12
Florianópolis 824 1.031 35.451 29.08
Porto Alegre 2.969 3.375 100.000 33.75
Belo Horizonte 565 742 17.615 42.12
Mortalidade
Rio (Distrito Federal) 17.720 16.045 811.443 19.77
Niterói 1.743 1.582 45.000 35.15
S. Paulo 4.872 5.762 286.000 20.14
Curitiba 830 805 56.596 14.22
Florianópolis 739 840 35.451 23.69
Porto Alegre 2.361 2.855 100.000 28.55
Belo Horizonte 327 401 17.615 22.76

Nesse mesmo ano de 1907, só no estado de S. Paulo, por exemplo, o número de nascimentos foi 108.438 contra 59.000 óbitos, ou seja, uma proporção de 43 nascimentos contra 23 óbitos por mil. O excedente da natalidade tem sido grandemente auxiliado pela maior penetração de estrangeiros (133.616 em 1911, contra 67.787 em 1907), sendo determinado este aumento da corrente imigratória pelos múltiplos melhoramentos materiais introduzidos em todo o Brasil, tais como saneamento, trabalhos de portos e estradas de ferro, criação de novas colônias agrícolas e outros de menor importância.

Tomando, pois, em consideração o aumento determinado por esses dois fatores – desenvolvimento da natalidade e da imigração – parece perfeitamente justificado o cálculo do sr. Paul Walle, que atribui ao Brasil 23 ou 24 milhões de habitantes em 1910.

Relativamente, porém, à população atual, a única afirmativa que se pode fazer com certa segurança é que ela não é, certamente, inferior a 20 milhões, nem, provavelmente, superior a 25 – o que dá a média de 22½ milhões para um cálculo aproximativo, com poucas probabilidades de grande erro para mais ou para menos. Aceitando mesmo os algarismos mais elevados, de 25 milhões (o Brazilian Year Book dá 20½ milhões para 1908), é evidente a desproporção entre a população do Brasil e sua superfície de cerca de 8½ milhões de quilômetros quadrados. Segundo um cálculo feito pelo sr. Paul Perrin, no seu livrinho Connaissez-vous la Richesse du Brésil?, se o Brasil fosse tão densamente povoado como a....

    milhões de habitantes
França ele teria..................................................... 622
Suíça ele teria..................................................... 725
Alemanha  ele teria..................................................... 955
Itália ele teria..................................................... 1.023
Bélgica ele teria..................................................... 2.140

Isto é, mais do que a população total do mundo contemporâneo. Apesar de relativamente escassa, a população do Brasil iguala, entretanto, a das demais repúblicas sul-americanas reunidas. O ilustre geógrafo Elisée Reclus assim se exprime a este respeito, na sua Nouvelle Géographie Universelle: "O primeiro lugar na América Latina pertence incontestavelmente ao Brasil... Em extensão, ele quase iguala todo o território hispano-americano no continente meridional, e fica-lhe pouco atrás pelo número dos seus habitantes, mesmo tomando em conta a população do México e da América Central, das Antilhas espanholas e francesas, e todas as populações latinas do Novo Mundo".

O cálculo de Elisée Reclus é certamente exagerado, quando compreende os países latinos fora do continente sul-americano. Mas, dando para a população da América do Sul a cifra redonda de 50 milhões, estes podem ser assim distribuídos, mais ou menos: 

Brasil 22.500.000
Argentina 6.500.000
Peru 4.000.000
Colômbia 4.000.000
Chile 3.500.000
Venezuela 2.500.000
Bolívia 2.500.000
Equador 1.500.000
Uruguai 1.200.000
Paraguai 800.000
Guiana Inglesa 300.000
Guiana Holandesa 120.000
Guiana Francesa 30.000

Total

49.450.000

Relativamente, porém, à densidade, o lugar do Brasil é apenas o sétimo entre as dez repúblicas sul-americanas, cujos números de habitantes por km² são, mais ou menos, os seguintes: Equador e Uruguai, 5; Chile, 4,5; Colômbia e Peru, 4; Paraguai, 3; Brasil, 2,5; Argentina, 2,1.

Outro fato que impressiona na população do Brasil é a desigualdade de sua distribuição pelo território nacional. Ao passo que a densidade em relação ao conjunto do país não chega a ser de 3 habitantes por quilômetro quadrado, no Distrito Federal ela se eleva a cerca de 650 por quilômetro quadrado e em Mato Grosso baixa quase a 0,1 por km². Observa-se ainda que os mais vastos estados - Amazonas, Mato Grosso, Pará, Goiás - são justamente dos menos povoados. Os estados de população maior são os de Minas, com quase 4½ milhões de habitantes; São Paulo, com quase 3½ milhões de habitantes; Bahia, com quase 2½ milhões. Vêm em seguida Pernambuco e Rio Grande do Sul, com cerca de 1½ milhão cada um; Rio de Janeiro, com mais de um milhão; Ceará e Alagoas, com menos de 1 milhão cada um.

Relativamente à densidade, porém, o primeiro lugar é ocupado pelo estado do Rio de Janeiro (depois do Distrito Federal, naturalmente), com mais de 25 habitantes por km², seguindo-se-lhe Alagoas, com 24; Sergipe, com 16, Pernambuco com 16, todos no litoral e os três primeiros com muito pequenas áreas de terras.

Em Amazonas e Mato Grosso - ambos muito maiores do que os maiores países da Europa, com exceção da Rússia - a densidade baixa, conforme já o fizemos ver a 0,2 e 0,1. Nos estados mais importantes - como São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul - ao mesmo tempo grandes pelo território e pela população, a densidade varia entre, mais ou menos, 4 (Bahia), 6 (Rio Grande), 7 (Minas Gerais), 10 (São Paulo). O Brazilian Year Book assim distribui a população do Brasil, calculada para 1908, em relação às superfícies:

Estados

km²

População

Alagoas 58.491 785.000
Amazonas 1.894.724 379.000
Bahia 1.426.427 2.287.000
Ceará 104.250 886.000
Espírito Santo 44.839 297.000
Distrito Federal 1.116 858.000
Goiás 747.311 280.000
Maranhão 459.884 562.000
Mato Grosso 1.378.783 142.000
Minas Gerais 574.855 3.960.000
Pará 1.149.712 568.000
Paraíba 74.731 520.000
Paraná 251.940 406.000
Pernambuco 128.395 1.310.000
Rio Grande do Norte 57.485 279.000
Rio Grande do Sul 236.553 1.400.000
Rio de Janeiro 68.982 968.000
Santa Catarina 43.535 353.000
São Paulo 290.876 3.397.000
Sergipe 39.000 413.000
Território do Acre 191.000 65.000

Totais

8.524.777 20.515.000

Das cidades, as que podem contar sua população por cem mil, não há no Brasil mais de seis: Rio de Janeiro, a que se pode atribuir um milhão de habitantes; S. Paulo, com cerca de 350.000; Bahia (N.E.: como era então denominada a capital Salvador), com cerca de 250.000; Belém, com mais de 200.000; Recife, 150.000; e Porto Alegre, mais de 100.000.

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Vendedores ambulantes: 1) Quitandeiro; 2) Vendedor de vassouras e cestas; 3) Vendedor de cebolas; 4) Padeiro; 5) Doceiro; 6) Vendedora de bugigangas; 7) Mascate
Foto-montagem publicada com o texto, página 107. Clique >>aqui<< ou na foto para ampliá-la

Relativamente aos seus elementos constitutivos, a população do Brasil é formada de brancos, nacionais e estrangeiros; de negros importados da África desde 1583 até cerca de 1860 e reproduzidos no país; e de índios, dispersos em pequenas tribos e recuados pela civilização quase exclusivamente para o Oeste e as regiões que se lhe avizinham ao Norte, ao Centro e ao Sul.

Em presença umas das outras, estas raças nem sempre se fundiram; mas é fato que os primeiros europeus estabelecidos no Brasil, particularmente portugueses - em sua quase totalidade homens - começaram desde logo a formar, pelas ligações com as índias e as negras, uma nova população de "mamelucos" e "mulatos", os quais por sua vez se foram apurando pelo cruzamento com outros europeus, até formarem a raça branca - de ascendência indígena e africana - que constitui o grosso da população brasileira atual.

Além dos portugueses, duas outras nacionalidades européias - os alemães primeiro, os italianos mais tarde - exerceram e continuam a exercer, mas somente do século passado para cá (N.E.: isto é, do século XIX para o século XX) e quase exclusivamente nos quatro estados meridionais, uma importante influência étnica sobre a população brasileira, a que se incorporam.

De como se comportam os múltiplos elementos estrangeiros (mais de 2½ milhões no momento atual) introduzidos no Brasil, nos ocupamos adiante. Basta-nos assinalar por ora que, segundo cálculos feitos sobre os recenseamentos de 1873 e 1890, a proporção dos brancos aumenta consideravelmente em todo o país, embora menos nos estados do Norte, sob a zona equatorial, do que nos do Sul. Em 1872, o mínimo de elemento branco era de 19,46 por 100 no Amazonas e o máximo 78,81 por 100 em Santa Catarina. Em 1890, o mínimo se verificava na Bahia, com 28,39 por 100, e o máximo ainda em Santa Catarina, com 84,79 por 100.

Excluídos cinco ou seis milhões de habitantes que são europeus, negros e índios perfeitamente caracterizados, o grosso da população considerada propriamente brasileira é, pois, constituído por 16 ou 17 milhões de brancos e mestiços, formando estes últimos tantos matizes que dificilmente se pode discriminá-los dos brancos com alguma segurança.

Embora não haja no Brasil, propriamente, prejuízos de raça e hostilidade contra os negros, é fato todavia que a ascendência africana é mais mal vista em sociedade do que a ascendência indígena, sendo mesmo que, pelo tempo da Independência e ainda mais tarde, quando floresceu a literatura denominada "indianista", muitas famílias tomaram nomes indígenas, que elas tinham certo orgulho patriótico em ostentar.

Entretanto, as influências indígenas já são hoje muito raras nos estados do litoral, encontrando-se apenas em algumas famílias tradicionais, visto como os poucos aborígines restantes vivem quase exclusivamente nos abandonados latifúndios do Oeste, isolados do resto da população. Já as influências africanas, pelo menos remotas, podem ser consideradas numerosas entre as famílias brasileiras de quase todos os estados litorâneos, entre Maranhão e o Rio de Janeiro, considerando-se mulatos, mais ou menos claros, os descendentes de negros com brancos até três ou quatro gerações. Não é raro, porém, que descendentes de negros em duas ou três gerações apresentem um tipo perfeitamente branco - às vezes mesmo com cabelos louros e olhos azuis - ao passo que indivíduos, de cuja ascendência africana, por tão remota ou inexistente, já não se tem notícia, apresentam a tez escura e os cabelos espessos, produto natural de toda a região dos trópicos.

Todas estas surpresas do atavismo, conjugadas com a vasta gama cromática das mestiçagens, tornam quase impossível no Brasil discriminar com segurança a população perfeitamente branca das populações mestiças mais claras.

Prefaciando os Contos Populares do sr. Sylvio Romero, o ilustre sr. Theophilo Braga assim se exprimiu a respeito da composição étnica do povo brasileiro: "A cooperação das três raças humanas, a ariana com sua capacidade especulativa, a negra com sua superioridade afetiva e a indígena com suas tendências ativas, unificadas no fato social da nacionalidade brasileira, faz-nos prever o que será a extraordinária grandeza da civilização sul-americana, em que o Brasil predominará".

Esta frase, ou pelo menos o seu conceito, costuma ser repetida pelos brasileiros, justamente satisfeitos de haverem herdado tantas virtudes dos elementos étnicos que entram em sua formação. É preciso, porém, não esquecermos que não se forma uma raça da mesma forma que se manipula uma panacéia, pela mistura desordenada de uns tantos ingredientes julgados bons. As leis que presidem ao cruzamento dos povos - se tais leis existem de fato - não são tão simples que baste conhecer as virtudes das raças formadoras, para adicioná-las e atribur o seu total à raça recém-formada.

Demais, convém não esquecer que o cruzamento não é bem um filtro através do qual só passem as virtudes, ficando retidos os defeitos. Nos capítulos que se seguem a esta introdução, trataremos de examinar as virtudes e defeitos mais salientes de cada um dos elementos formadores da nacionalidade brasileira, e no primeiro capítulo sob a epígrafe Sociologia procuraremos fixar o resultado da combinação de tais elementos com a colaboração do ambiente.

Convém todavia nunca perder de vista os estudos de etnografia brasileira, no momento atual - que é ainda um momento transitório de formação - só podem ser transitórios também, isto é, simples material para um futuro estudo, quiçá definitivo.


Tipos de índios brasileiros
Foto publicada com o texto, página 108

Os índios

Retraçar a história completa dos indígenas brasileiros desde seus inícios seria fazer a história primitiva do Brasil, que outra não foi senão a do embate da civilização, representada pelos valentes e enérgicos portugueses do século XVI, contra a natureza virgem povoada de índios.

As alianças e guerras de portugueses e franceses com tamoios e aimorés, carijós e guaranis, tupinambás e tupiniquins, goitacazes e gaicurus, ou dessas tribos entre si, para combaterem os guerreiros brancos, são quase toda a história do primeiro século que seguiu ao descobrimento do Brasil.

Não é, propriamente, deste pondo de vista que nos vamos ocupar aqui dos indígenas brasileiros. Antes, porém, de examinarmos a sua participação na formação da raça e sua contribuição para a atual população brasileira, é oportuno fazer uma rápida referência aos primeiros contatos dos dois elementos étnicos fundamentais do nosso povo.

O visconde de Porto Seguro assim descreve o primeiro encontro dos selvagens do litoral com a expedição do descobridor: "O capitão-mor mandou um batel à terra; o qual, remando para uma praia em que havia muita gente, tentou comunicar com ela. Mas baldados foram os esforços dos intérpretes de línguas africanas e asiáticas, que iam no batel, para se fazerem entender. Assim, o primeiro trato com aquela gente se reduziu a algumas dádivas ou escambos feitos de parte a parte, e mediante as costumadas prevenções".

O encontro foi, porém, amigável; e o eminente dr. João Ribeiro, descrevendo a segunda missa rezada no Brasil por frei Henrique de Coimbra, imagina-os mesmo, em grande número, espantados, a assistirem as cerimônias do culto, "examinando as vestes insólitas dos portugueses e a grande cruz, toscamente feita de troncos da floresta brasileira, que ajudaram a erguer ao pé do altar".

Esses índios, que eram mais de cem, estiveram mesmo a bordo das caravelas portuguesas, deixando entre a maruja, apesar de não se entenderem reciprocamente, uma boa impressão, pela ingenuidade das maneiras e doçura do trato. Sobre o seu tipo físico, diz Pero Vaz Caminha, o cronista da expedição, que eles eram "pardos, à maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos".

Nem todos, porém, eram tão mansos e fáceis de tratar, como esses que encontrou Cabral. Disso tiveram experiência, um pouco antes da viagem de Cabral, os espanhóis da expedição com que Vicente Yanez Pinzon reconheceu toda a costa setentrional do Brasil até a altura de Pernambuco, onde desembarcaram:

"Uma noite, avistaram fogos e no outro dia pela manhã desembarcaram quarenta homens aparelhados e dispostos à peleja. Saíram-lhes ao encontro trinta e dois indígenas armados de arcos e flechas, de olhar torvo e atitude ameaçadora, mais altos que germanos e panônios. Pelejas não houve; afagos nenhum resultado deram; e os espanhóis tornaram para bordo. Acharam estes que os rastros dos naturais da terra eram o duplo dos dos pés de um dos seus. Prosseguindo, chegaram a um rio incapaz de caravelas. Homens armados foram à terra, onde viram alguns indígenas sobre um alto. As tentativas para trato pacífico não deram resultado. Um espanhol abaixou-se para apanhar qualquer objeto dourado atirado pelos indígenas; imediatamente estes o rodearam e mataram com mais oito vindos em seu socorro, e apoderaram-se de um dos botes".


Botocudos
Foto publicada com o texto, página 109

Distribuição geográfica das tribos - Não se sabe quantos eram, mais ou menos, os indígenas existentes no Brasil ao tempo do descobrimento; mas devia ser uma população bastante numerosa, porque eles dominavam todo o imenso litoral e as margens dos inúmeros rios. Os estudos feitos posteriormente acusam nada menos de 160 "nações" de índios brasileiros ao tempo da descoberta, e um minucioso trabalho do sr. Nelson de Senna, publicado na Revista do Archivo Publico Mineiro, com o título de Memoria Ethnographica, enumera, por ordem alfabética, cerca de quinhentas tribos, entre existentes e extintas.

Das grandes nações indígenas que ocupavam o território, as dominantes eram as dos Tupis, Tapuias, Nu-aruaks e Caribas.

Os Tupis constituem o tronco étnico mais conhecido e se estendiam por todo o litoral, de Sul a Norte, assim como pelas regiões do Xingu e do Tapajós, na bacia amazônica. Eram índios valentes, que, por suas vitórias, cada vez mais se expandiam, pelo cruzamento com as outras tribos que dominavam.

Das inúmeras tribos que formavam a grande nação Tupi, a mais importante é a dos Guaranis, de sangue tupi sem mescla, que ocupavam o Paraguai, a Argentina, o Sul e o Oeste do Brasil, regiões onde ainda se encontram restos deles. Outras tribos tupis, sem mescla, são, ao Norte, os Chiriguanos e Guaraios (Beni e Mamoré), os Apiacás e Parentintins (entre o Tapajós e o Madeira), e os Omaguas e Kocamos (entre o Napó e Ucaiali).

Os tupis mesclados, como os Jurunas, Manitsanás, Munducrucus e Aretós (região do Xingu e Tapajós) conhecem-se pelo dialeto impuro que falam, misturado de palavras estranhas. São interessantes em todos os seus aspectos. Os Jurunas, de pele escura, foram civilizados nos séculos  XVII e XVIII e perderam o hábito da antropofagia. Os Mundurucus eram artistas em decoração, confeccionavam primorosamente artefatos de penas e usavam enfeitar suas cabanas com troféus, ossos e peles de onças, porcos e quatis. Além de guerreiros, que o eram nativamente, os Tupis se dedicavam à navegação. Eram, ou são, todos canoeiros muito hábeis.

Os Tapuias ocupavam toda a parte oriental do planalto brasileiro, entre 5 e 20 graus de latitude Sul, tendo recuado de Leste para Oeste, onde se encontram ainda as suas últimas tribos. Ao contrário dos Tupis, que procuravam o contato das outras tribos, para se expandirem, os Tapuias, mais ferozes e incultos, evitavam todo convívio estranho, fugindo sempre de qualquer contato. Os Tapuias, designação esta de origem tupi, denominam-se também Gês, por usarem muito a palavra sufixa gês. Os do Leste eram os mais primitivos, caçadores rudes. Não exerciam a agricultura, não sabiam navegar, nem construir casas. Não conheciam a rede, nem a cerâmica, nem a tecelagem. Mas, à medida que se caminha para o Oeste, para onde eles emigraram, nota-se que a sua cultura se vai acentuando.

Decompõem-se os Tapuias em várias tribos, todas ferozes e sempre temidas pelos colonizadores. Para exemplo: os Botocudos e os Aimorés. Entre os Gês mais cultos, encontram-se os Suiás, do curso médio do Xingu, os quais já sabem navegar, construir cabanas em forma de colméias; sabem lidar com o barro e não deformam os lábios, nem o nariz, nem as orelhas, como os de Leste.

Os Nu-aruaks são assim designados por causa do prefixo que aparece em várias tribos afins. Pertencem a eles os Kustenaús, do alto Xingu, que usam redes de palmeira e não de algodão, como os Caribas, os Moxós, os Baurés, os Paumaris, índios aquáticos e comedores de peixe, que vivem nos rios e nas lagoas, sempre embarcados em suas canoas. São talvez deste grupo os Gaicurus, tidos como excelentes cavaleiros. Restam dos Aruaks algumas taibos arruinadas em Venezuela e na Guiana Inglesa. No Brasil, nenhum deles habita mais.

Os Caribas, que já dominaram as Guianas e conquistaram as pequenas Antilhas, nasceram, ao que parece, nas cabeceiras do Xingu. São absolutamente incultos, como os Nahuquas e os Bakairis. Têm a vantagem de não conhecer a cachaça, nem outra qualquer bebida alcoólica; mas não conhecem também o ferro, a banana etc. Os Bakairis devem ser os mais antigos dos Caribas, tal a rudeza de sua língua e de sua cultura. Os Bakairis mansos, diz von Stein, levam vida bucólica e idílica: lavram e criam, vestem-se à européia e na sua língua transparecem às vezes vocábulos portugueses. Ao contrário, os Bakairis bravios andam nus e miseravelmente, de arco e flecha, em condições inferiores de vida e trabalho.

Os Pimenteiros, que desde 1775 aterrorizam os fazendeiros e criadores do Piauí - diz o dr. João Ribeiro, de quem extraímos as notas desta classificação - parece que vieram do Oeste e seu dialeto não tem o sufixo otó do dos Caribas que estacionam longe no Ucaiali e no curso superior do Amazonas.

Sobre as nações não classificadas, diz o citado historiador: "Se a classificação acima reduz a poucos grupos um sem-número de tribos, é preciso confessar que, ainda fora deles, existem mais cinco grupos já delimitados pelos estudos recentes: o Carajá, o Pano, o Hiranha, o Guiacuru e os sobreviventes do extinto Goitacaz, os Puris. São, em todo o caso, menos importantes que os quatro grupos mencionados. Citaremos entre estes últimos os Juris, os Tekunas e Uapés, no Oeste amazônico; os Trumais, no Xingu; e os Bororos, na região do Araguaia; os Guatós, no Rio S. Lourenço, e o interessante povo, hoje extinto, dos Kiriris, na região superior do S. Francisco. Os Bororos, de língua sonora, são caçadores incultos. Os Carajás, já meio civilizados, ostentam aldeias e armamentos de casas sobre os bancos arenosos do Araguaia e fazem-se notar como criadores de araras, galinhas e patos, e outros animais, como cães, porcos do mato, macacos etc.".

Como é natural, essas inúmeras tribos, distribuídas por território tão vasto, falavam línguas e dialetos diversos que tornavam impossível o convívio recíproco. Essas línguas, que diferem de todos os grupos lingüísticos conhecidos, não só no vocábulo e estrutura gramatical, como na própria morfologia, só têm de comum a polissíntese, isto é, uma tendência para a extrema síntese, manifestada pela composição de várias palavras numa só.

Essa variedade e multiplicidade de idiomas não era só um empecilho ao convívio das tribos entre si, mas sobretudo constituía para os primeiros colonizadores um obstáculo insuperável para se fazerem entender, visto como, não podendo forçar os índios a falar o português, eles é que deviam aprender a linguagem indígena.

Felizmente para eles, a raça tupi-guarani, expandindo-se cada vez mais, foi tornando mais disseminada que todas as outras a língua tupi-guarani, a qual, aprendida pelos missionários e por estes reduzida à forma escrita, com pequenas modificações, constituiu afinal o que se denominou a língua geral ou língua franca, isto é, o idioma comum, não só entre europeus e indígenas, mas ainda entre a maior parte das tribos entre si.

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1) Um fogareiro e um anzol dos Bororos (Museu Nacional, nº 520);  2) Rede de pescar (Museu Nacional, nº 5.439); 3) Machado de pedra, em forma de meia-lua, usado pelos Cricatages de Goiás (Museu Nacional, nº 2.655); 4) Flauta de osso (Museu Nacional, nº 5.441); 5) Índios Cherentes (Museu Nacional); 6) Um Bororo (Museu Nacional); 7) Instrumento usado pelos Botocudos de Rio Doce para escavar raízes de mandioca (Museu Nacional, nº 3359)
Foto-montagem publicada com o texto, página 110. Clique >>aqui<< ou na foto para ampliá-la

Os cruzamentos - Como ficou indicado anteriormente, os primeiros contatos dos europeus com os indígenas do Brasil não foram por toda parte da mesma natureza. Se nalguns lugares os selvagens se aproximaram pacificamente dos invasores, noutros receberam-nos desde logo com franca hostilidade.

É preciso dizer-se, de começo, que a atitude assumida pelos primeiros colonizadores, em face dos ocupadores da terra recentemente descoberta, não foi geralmente de molde a captar a amizade ou sequer a confiança dos selvagens. Em grande parte simples egressos dos presídios de Portugal, e na melhor hipótese meros soldados de aventura e caçadores de riquezas, os portugueses que fizeram a primeira colonização do Brasil, destituídos de generosidade e de boa moral, maltrataram os índios, perseguindo-os e reduzindo-os à escravidão, apesar dos esforços envidados em sua proteção pelos missionários jesuítas, entre os quais ocupa um lugar de carinhosa veneração na memória dos brasileiros o santo padre José Anchieta.

Em 1570, os jesuítas obtiveram do governo português um decreto proibindo o escravizamento dos índios; mas a situação destes, sob o domínio dos colonizadores, não se modificou de fato senão depois de 1755, quando o marquês de Pombal obteve de d. José I uma lei libertando-os definitivamente.

Apesar, porém, da animosidade cedo ateada entre os selvagens contra os invasores brancos, o cruzamento das duas raças devia se fazer forçosamente, porque, ao contrário dos Pilgrim Fathers, que abandonaram a Inglaterra e a Escócia, acompanhados de suas famílias, para fazerem a colonização da Virginia, na América do Norte, os aventureiros portugueses chegavam ao Brasil desacompanhados, sem mulheres da sua raça.

O primeiro cruzamento do sangue americano com o sangue europeu no Brasil fez-se, provavelmente, por meio de Caramuru (Diogo Alvares Correa), por volta de 1510. Como é sabido, Caramuru, tendo primeiro intimidado os índios com um tiro de mosquete, conquistou sua confiança e amizade, casando-se com a formosa índia Paraguaçu, filha dum poderoso chefe Tupinambá, da qual teve vastíssima progênie.

Quando Thomé de Souza, nomeado governador geral do Brasil, desembarcou na Bahia (1549), com 4.000 homens, mas sem mulheres, esses portugueses não encontraram, pois, no país, somente as índias, mas também algumas mulheres de  meio sangue e um quarto de sangue português.

Fato semelhante passou-se, anteriormente, em São Paulo, onde Martim Affonso de Souza, ao desembarcar em 1532, para fundar, com seus companheiros, a capitania de S. Vicente, já ali encontrou, relacionado com os índios, o português João Ramalho, deixado no país não se sabe ao certo quando (ao que parece, em conseqüência dum naufrágio), mas que - tal como Caramuru - conquistara a amizade dos índios, casando-se com uma filha de Tibiriçá, chefe dos Goianases.

Os cruzamentos sobrevindos, entre o elemento autóctone do país e os destemidos aventureiros portugueses do século XVI, deram em resultado uma raça admirável de bravura, de resistência e de coragem empreendedora - como provaram os ousados bandeirantes paulistas, mamelucos ou curibocas, que por suas longuíssimas caminhadas através das terras desconhecidas, e pelas suas vitórias nos combates travados com os próprios índios e com os espanhóis, levaram o domínio português na América até 4.350 quilômetros do Atlântico, que tal é a maior extensão do Brasil de Leste a Oeste.

Infelizmente, a forte gente navegadora e guerreira que habitava a extremidade ocidental da península ibérica no século XVI era demasiadamente pouco numerosa para colonizar por si a terra imensa com que Cabral enriquecera a coroa de d. Manuel I, e que os bandeirantes foram dilatando cada vez mais. De sorte que aos dois elementos, americano e europeu, teve de juntar-se ainda o elemento africano, a cuja infiltração o Brasil não deve certamente as melhores qualidades da sua raça, como se verá no capítulo seguinte. Apesar de se intensificarem os cruzamentos entre europeus e indígenas, estes nunca mais se puderam conciliar confiantemente com os invasores de raça branca. E como os brancos vinham do mar, os índios foram recuando para o sertão, para o interior, até se encantoarem no Oeste - onde vivem ainda atualmente, reduzidos, esquivos da civilização, evitando o convívio dos conquistadores.

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Cabanas de índios
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No momento atual - No seu admirável Compendio de Geographia da America do Sul, o sr. A. Keane calcula os índios do Brasil em cerca de 800.000 (em 1907), dos quais 300.000 inteiramente selvagens. O sr. Paul Walle, que percorreu pessoalmente os estados de Goiás e Pará, nos quais eles se acham em maior quantidade, fala vagamente sobre o seu número: "Embora se fale muito pouco delas, existem ainda no Brasil um grande número de tribos indígenas semi-civilizadas ou vivendo em estado completamente selvagem, nas margens dos grandes rios do interior. Uns dez estados possuem ainda em seus longínquos sertões um número mais ou menos importante desses primitivos". Fato é que essa relativamente pequena população indígena ocupa ainda uma extensíssima zona do território brasileiro, não tomada pela civilização.

As tentativas feitas por D'Orbigny, Spix e Martius, para classificar os existentes indígenas brasileiros conforme os seus caracteres físicos, foram abandonadas pelos últimos estudiosos do assunto, como von den Steinen, Ehrenreich e Coudreau, os quais preferem ater-se às diferenças lingüísticas, que até certo ponto correspondem também às diferenças físicas.

Mas essas classificações etnográficas não oferecem mais que um interesse abstratamente científico. Praticamente, eles são divididos, como animais selvagens, em bravos, ou bugres, e domesticados ou mansos, mais ou menos incorporados à civilização.

O sr. Paul Walle assim se refere às diversas tribos existentes, e sua distribuição pelo território brasileiro: "No Paraná, em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, encontram-se, em aldeamentos, os restos de antigas tribos guaranis, e em estado selvagem Coroados ou Cainguas, principalmente em São Paulo, na região compreendida entre o Tietê e o Paranapanema. Nas fronteiras de Minas Gerais e do Espírito Santo, nas bacias dos rios Doce, Mucuri e das Moças, vivem diversos grupos de Botocudos, alguns dos quais são catequizados por capuchinhos. É nos estados do Norte que os aborígines permaneceram mais numerosos, em vista da imensidade da região e das florestas que lhes garantem um abrigo, cada vez mais precário. Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Amazonas e o território do Acre têm uma população indígena relativamente densa. São os Bororos, os Caiapós, os Xavantes, os Carajás, que habitam ao longo do Rio Araguaia; os Apiacás, Carupanas e Arumas, no Alto Madeira; os Araúmas, Paumaris, Sirinizis ou Sirineris, os Tacanas do Alto Purus, do Juruá, do Beni e do Acre; os Macuchis e os Uapichanas, do Rio Branco, para não citar senão esses, porque se lhes poderia juntar centenas doutros nomes".

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Adornos indígenas para a cabeça
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Fisicamente, todos esses múltiplos grupos étnicos apresentam dois tipos mais ou menos distintos: uns são de feições grosseiras, atarracados e espessos, fronte fugidia, queixais salientes, olhos ligeiramente oblíquos, nariz curto e chato, tez amarelo-bronzeada; outros são altos e delgados, grandes olhos redondos, nariz reto e até aquilino, feições ovais mais regulares, tez avermelhada, fisionomia expressiva. Os primeiros apresentam uma certa semelhança com o tipo asiático-mongol, os segundos com o europeu-caucásico, isto é, os dois tipos do homem primitivo.

A semelhança frisante de alguns aborígines com o tipo japonês tem sugerido a hipótese de uma primitiva migração amarela da Ásia para a América, através do estreito de Behring. Esta é mesmo a origem mais geralmente atribuída aos autóctones da América, visto parecer menos provável a migração caucásica, através da Groenlândia e Terra do Labrador.

No entanto, o sábio dr. Ehrenreich, no seu substancial estudo sobre Os Aborigenes do Brazil (1897), afirma que os índios sul-americanos em geral se aproximam mais do tipo caucásico que do asiático. Dos caucásicos herdaram a alta estatura, a simetria dos traços, os olhos redondos e grandes, o nariz aquilino. Aos mongóis devem os longos cabelos negros corredios, os maxilares fortes e a coloração geral da tez, que mais se aproxima do amarelo que do acobreado. Aos mongóis parece deverem ainda o temperamento reservado e impassível, assim como a sua astúcia.

Os índios vivem sobretudo na proximidade dos rios, que lhes fornecem o pescado para sua alimentação, tirada principalmente da caça e da pesca. Alguns são também agricultores, mas sem regularidade e em pequena escala, porque eles são naturalmente nômades. Outros ainda exercem pequenas indústrias rudimentares, secando peles de animais, tratando penas de aves, colhendo ervas medicinais, que trocam com os civilizados por diversos objetos, particularmente tecidos grosseiros, armas, aguardente, brinquedos ou enfeites.

As tribos mais selvagens travam ainda combates encarniçados, nas regiões mais afastadas dos centros de civilização. Outras vezes, tribos indígenas, mesmo pacíficas, reúnem-se em grandes bandos para se vingarem - e fazem-no então com crueldade - das expedições de seringueiros ou dos proprietários vizinhos que os maltratam ou exploram. Muitos deles vivem completamente nus e outros com uma simples tanga pela região do ventre; moram em choças primitivas, abrigadas com folhas de palmeiras, cujo conjunto constitui a taba ou aldeia indígena.

Dos animais úteis aos civilizados, só alguns usam cavalos para suas correrias e cães especiais para caça. Todos conhecem o fogo, que produzem pelo atrito de pedras ou pela fricção de madeiras. Relativamente aos seus usos e ritos, não só variam sensivelmente de uma tribo para outra, como, por outro lado, estão por tal forma no domínio das lendas e das anedotas, que é difícil tratar do assunto sem grande risco de inexatidão.

É sabido, entretanto, que muitos deles são antropófagos, assumindo a antropofagia feições diversas. Algumas tribos matam para comer os próprios velhos e enfermos da tribo, ao que parece justificando o ato como uma generosidade destinada a poupar-lhes os sofrimentos da velhice e das enfermidades. Outras comem os mortos da própria tribo, ainda por um preceito religioso, por julgarem que seus estômagos é um destino mais digno dos seus amigos mortos do que a terra fria, onde eles seriam abandonados aos vermes. O que, porém, não tem uma justificativa religiosa é a antropofagia, mas generalizada, dos seus inimigos...

A sua psicologia não pode ser fixada em outras palavras. É sabido que a literatura indianista, cujos maiores representantes, no Brasil, foram Gonçalves Dias e José de Alencar, lhes atribuiu sobretudo virtudes; mais que tudo a bravura, depois a lealdade e boa fé. Os que têm lidado com eles, porém, acham-nos geralmente traiçoeiros, vingativos e sumamente desconfiados. Enfeitam-se para as cerimônias da taba, principalmente com penas policrômicas, peles mosqueadas, pulseiras e colares de ossos e dentes.

Na caça como na guerra, servem-se do arco e da flecha, que por vezes envenenam com o poderoso curare, um veneno cujo segredo não lhes foi ainda arrancado, e cujo efeito parece ser o de atacar somente os nervos motores sem atacar os sensoriais, de sorte que a vítima dele morre, ao que parece em conseqüência duma paralisia geral dos órgãos, mas em plena posse de sua consciência: vendo, ouvindo, compreendendo tudo o que se passa em redor, mas sem poder falar ou mexer-se.


Múmia dum chefe "Coroado"
Foto publicada com o texto, página 113

A questão de catequese ou civilização dos índios tem preocupado seriamente a opinião dos estadistas brasileiros. Até pouco tempo, essa catequese era feita exclusivamente por missionários católicos - dominicanos, jesuítas, franciscanos, capuchinhos, salesianos etc. - que penetravam no interior das florestas para continuar a obra sagrada de Anchieta e Manoel da Nóbrega.

Pouco numerosos e sem recursos de defesa, esses abnegados catequizadores eram, e continuam a ser, freqüentemente, vítimas dos selvagens, a que pretendem levar, com a civilização, os sentimentos cristãos.

O ministro Rodolpho Miranda, que ocupou a pasta da Agricultura no governo do dr. Nilo Peçanha (1909-10), resolveu empreender o que foi denominado a catequese leiga, por iniciativa do Governo Federal. Neste sentido foi criada uma Diretoria Geral de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, cujo intuito é trazer ao seio da civilização e aproveitar nos trabalhos agrícolas do país os indígenas ainda não incorporados à vida nacional. A chefia desse serviço foi confiada ao coronel Candido Rondon, homem de grandes virtudes pessoais e idéias ortodoxamente positivistas, que trata os selvagens com brandura, procura defendê-los contra os abusos de que são geralmente vítimas, respeita-lhes os costumes e a organização, reconhecendo seus chefes etc.

Até aqui, porém, esse serviço, que aliás é muito dispendioso, ainda não trouxe resultados práticos incontestáveis, no sentido dos seus intuitos. Uma boa parte da opinião pública, conhecedora da psicologia dos aborígines e das condições em que se faz a sua catequese, manifesta-se mesmo cética sobre a possibilidade de eficácia da tentativa empreendida, aconselhando os enérgicos processos de conquista usados pelos norte-americanos contra os peles-vermelhas e pelos argentinos contra os índios do Chaco.


Negros de Moçambique
Foto publicada com o texto, página 114

Os negros

A introdução dos negros no Brasil foi sobretudo determinada pelos progressos que fazia na colônia, desde o primeiro século da descoberta, a cultura da cana-de-açúcar. Não bastando para fazê-la os portugueses estabelecidos no país e os índios por eles escravizados, o governo da metrópole autorizou a importação de negros das suas colônias africanas.

Esta circunstância, a que não se costuma ligar toda a importância devida, tem uma grande significação na história da civilização brasileira, em que um fenômeno de ordem puramente econômica desempenha papel de tamanha importância étnica.

Ela explica, além disso, as diferenças, ainda hoje fáceis de assinalar, entre a situação respectiva das raças nos Estados Unidos e no Brasil. Na América do Norte, os Pilgrim Fathers e os fundadores da Virginia, acompanhados por suas famílias, não necessitavam cruzar-se com os índios que encontraram na terra, nem com os negros, vindos, como eles, de fora. De sorte que, em face uns dos outros, brancos e negros foram, nos Estados Unidos, simples concorrentes na exploração da terra nova, acirrando-se entre eles a hostilidade que perdura até hoje. No Brasil, pelo contrário, não só os negros vinham satisfazer a uma necessidade econômica, como a falta de mulheres brancas forçou a aproximação dos dois elementos, que se fundiram, não dando pois lugar a uma competência e ódio de raças.

O primeiro contrato de importação de escravos data de 1583, havendo em 1585 cerca de 14.000. Segundo uma estatística para 1818, o número de negros subia então a 1.930.000, começando, porém, a diminuir em seguida, com a supressão do tráfico, só levada a efeito pelo "tratado de Aberdeen", de 1860, pelo qual foi permitido aos cruzeiros ingleses, em viagem pelas costas do Brasil, capturar todos os navios chamados negreiros (em que se fazia o transporte de escravos da África para o Brasil).

Apesar disso, em 180, eles eram ainda 1.800.000; em 1885 eram 1.050.000; e por ocasião de serem libertos os escravos, em 188, a estatística oficial registrava apenas 723.419 escravos, representando um valor aproximado de 485.225 contos de réis (£32.348.333, ao câmbio atual).

A libertação dos escravos foi, de longa data, uma das questões que mais apaixonaram a opinião pública do Brasil e seus estadistas, podendo-se dizer, em honra dos brasileiros, que a existência da escravidão até 1888 não foi mais do que uma contingência econômica: o resultado do descuido de colonização do Brasil durante três séculos de domínio português, tornando indispensável a introdução de outros braços para aproveitar as vastíssimas terras - tão fecundas quanto vastas - por eles descobertas e deixadas ao abandono.

Já em 1758, homens políticos de influência reclamavam a libertação; e desde o começo do século XIX, em repercussão das idéias liberais da Revolução Francesa, a campanha pela abolição agitava os melhores espíritos. Quando d. João VI transferiu a sua corte para o Rio de Janeiro, muitos dos políticos que o cercavam se manifestaram favoravelmente à medida, pedindo ao monarca que fossem pelo menos libertos os filhos de escravos a nascer.

Em 1830 e 1833 - sendo já o Brasil independente - foram apresentadas às Câmaras propostas nesse sentido e no da libertação gradual dos adultos. Em 1864, foram declarados livres todos os africanos encontrados a bordo dos navios negreiros. Em 28 de setembro de 1871, por iniciativa do visconde do Rio Branco, foi promulgada a primeira lei de verdadeira eficácia libertadora: a lei do ventre livre, em virtude da qual todos os filhos de escravas, nascidos desde 1872, foram considerados livres, ao mesmo tempo que era facultado aos escravos, ou alguém por eles, comprar a dinheiro, por quantias fixas, a sua alforria. Em 1885 foi decretada a alforria, ou libertação, de todos os escravos maiores de 60 anos; e finalmente, pela lei, que foi denominada áurea, assinada pela princesa Isabel, como regente do Império, em 13 de maio de 1888, foi decretada a completa abolição da escravatura no Brasil.

A campanha abolicionista foi talvez a mais nobre e certamente a que teve mais entusiásticos pregadores, em toda a vida política do Brasil: a independência nacional e a proclamação da República não chegaram a interessar tão vivamente a opinião pública e a ter adeptos tão fervorosos como teve a propaganda em favor dos escravos.

Citar todos os nomes que nela tomaram parte, pela imprensa, pelos comícios, pela tribuna parlamentar - seria catalogar a vida do partido liberal e da propaganda republicana no Brasil. Somente pela circunstância da própria raça, será talvez interessante citar os nomes de dois negros de muito talento: Luiz Gama e José do Patrocínio. A própria literatura de ficção teve na campanha abolicionista uma parte considerável, e pode-se afirmar que, nalguns dos poemas de Castro Alves, ela produziu das mais inspiradas poesias do Brasil: Castro Alves foi o poeta dos negros, como Gonçalves Dias o foi dos índios.

Por toda parte, organizavam-se associações abolicionistas e reuniam-se fundos destinados à compra, para alforria, de escravos. Mas é de justiça assinalar - e todos os brasileiros o reconhecem - que a bondosa família imperial, e particularmente o venerando imperador d. Pedro II, foram talvez, pela simpatia ativa com que estimularam a campanha, os mais eficazes fatores do seu bom sucesso.

Se, apesar de todos esses bons sentimentos gerais do povo brasileiro, a escravidão subsistiu no Brasil até 1888, é que, como dissemos, ela correspondia a uma fatalidade econômica; e por outro lado a sua supressão brusca acarretaria - como acarretou ainda em 1888, apesar de longamente preparada - uma completa desorganização da lavoura e a ruína pecuniária da maior parte dos fazendeiros, que tinham por isso interesse pessoal em retardá-la o mais possível

A República proclamou a igualdade de direitos políticos para todos os cidadãos; e como, por outro lado, já o dissemos, não há no Brasil, como existe nos Estados Unidos, hostilidade alguma contra os negros, os que têm verdadeiro talento e instrução - que não são poucos - conseguem no Brasil quaisquer colocações na administração pública e no próprio Parlamento. Estas são, nas suas linhas gerais, as principais etapas da condição social dos negros no Brasil.

Qual é o seu número atualmente? As estatísticas não oferecem algarismos precisos; os que apresentamos acima, de estatísticas até 1888, referem-se apenas aos escravos, não se compreendendo neles os africanos livres, recebidos até uns quatro ou cinco anos depois de 1860, e os antigos escravos forros ou libertos. No compêndio de Geographia da America do Sul do sr. Keane, eles são calculados em 2.300.000 no ano de 1907.

A importação de negros se fazia principalmente de Angola ("negros de Angola") e da Costa de Mina ("negros da costa" ou "negros Mina"). Hoje, porém, tendo cessado completamente, há mais de meio século, a entrada de negros, já são muito raros no Brasil os negros africanos, com a tez retinta, a cara lanhada, figas, contas, pulseiras e outras bugigangas policrômicas a adorná-los, rezas, feitiços e cantigas da África. Os que existem atualmente já nasceram, quase todos, no Brasil, e vivem principalmente na Bahia e Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas, e em todos os estados do Nordeste, onde eles fazem a cultura da cana-de-açúcar, sem concorrência dos trabalhadores brancos.

Uma vez libertos, os escravos abandonaram as fazendas e as ocupações rurais e procuraram as cidades, de onde afinal tiveram de regressar novamente para o interior, acossados pela necessidade de encontrar trabalho. Até 1888, eles formavam a maioria dos trabalhadores agrícolas, e ainda hoje eles a formam nos estados em que vivem, sendo, porém, muito diminuta a sua proporção nos estados meridionais.

Apesar de algumas qualidades de caráter - como a lealdade e a submissão e das suas reconhecidas qualidades afetivas - o trabalhador negro não oferece reais virtudes e a sua concorrência com os colonos estrangeiros lhe é sempre desfavorável. Indolente e inconstante, sem amor ao trabalho e sem ambição, reduzindo esta ao estritamente necessário para viver na mais absoluta falta de conforto, sem espírito de iniciativa e sem inteligência, não raro ainda ébrio - o negro em geral é um trabalhador com que o fazendeiro não pode contar e cujo trabalho não é geralmente apreciável. Um mau fator econômico, portanto.

Apesar disso, a cultura da cana-de-açúcar é feita, até hoje, exclusivamente por negros: pela razão que, ocupando ela geralmente as zonas tropicais, os brancos não vão lá ter, o que faz com que as colheitas sejam por vezes prejudicadas pela irregularidade do trabalhador negro.

Há, porém, um bom número de negros senhores de pequenos sítios, porque não era raro, ao tempo da escravidão, que o senhor, ao libertar um bom escravo, lhe doasse, com a liberdade, uma pequena data de terra. Esses pequenos proprietários, geralmente chefes de numerosas famílias, formam a melhor parte da população negra na agricultura; mas eles são em número restrito.

O sr. Pierre Dénis, que dedicou às populações negras um dos mais interessantes capítulos do seu livro sobre o Brasil, assim resume a sua psicologia: "A inferioridade moral e econômica das populações negras do Brasil é incontestável. A puerilidade dos negros é extrema. Eles são imprevidentes e destituídos de qualquer forma de ambição, única força de progresso; são modestos nos seus desejos e fáceis de satisfazer. Quem quer que tenha ouvido, nas ruas da Bahia, a sincera, sonora, alegre risada de alguma negra, não pode ter deixado de sentir um misto de desprezo, indulgência e inveja, que essa nação de crianças inspira aos caucásios.

"Sua imaginação é forte e viva; a vida sentimental ativa; vida intelectual não têm nenhuma. São supersticiosos e sua devoção tem sustentado e ainda sustenta as 400 igrejas da Bahia. Divertem-se com ardor. Mais da metade de sua vida é dedicada a divertimentos e festas. O circo é seu divertimento favorito. O espírito do palhaço deixa-os felizes durante horas.

"Algumas das suas festas estão ligadas aos trabalhos agrícolas. Elas eram primeiro celebradas na fazenda pelos escravos e sobreviveram à escravidão. Em Minas os trabalhadores negros ainda costumam, acabada a colheita de café, trazer nas mãos ramos de cafeeiro, que enfeitam com multicores fitas de papel, acenando ao patrão para que dê o sinal de começo dos festejos... É durante essas festas que as danças negras são executadas: o coco e o samba.

"Elas são animadas por cantigas peculiares, cantadas por dois dançadores: verdadeiras comédias primitivas, algumas com palavras ininteligíveis, provavelmente corrompidos resquícios de línguas africanas. Muitas das modinhas que são hoje cantadas na Bahia e em Pernambuco foram compostas por versejadores das cidades e são apenas imitações mais ou menos hábeis de cantigas primitivas de origem popular. Mas os velhos motivos que datam do tempo da escravidão têm mais caráter. Eles recordam as várias ocupações em que eram primeiro empregadas as populações negras do Norte do Brasil...

"A dança e a  cantiga sustentam a alegria, mas é a cachaça que a cria. A intemperança é efetivamente o vício dos negros. O álcool é a primeira e quase a única sua necessidade. O negro trabalha somente para comprar bebidas alcoólicas; e é por generosas distribuições delas que o fazendeiro conserva a fidelidade dos seus trabalhadores. Eu estive presente a uma dessas distribuições, e recebi uma impressão de verdadeiro terror, à vista da quantidade de álcool absorvida pelos adultos e pelas próprias crianças. A aguardente é vendida no Brasil muito barato; o salário de um dia dá para comprar uma semana de embriaguez...

"O alcoolismo não é a única praga da população negra. Ela é vítima de outras moléstias ocasionadas pela extrema falta de higiene; e a raça não se desenvolve como a sua extrema fecundidade permite esperar. Seria um exagero predizer a sua futura extinção; mas é provável que ela não se desenvolva no mesmo andar dos outros elementos da população brasileira. Sua importância como fator de vida nacional só pode diminuir; ela nunca exercerá uma influência decisiva sobre os destinos do país".

Numa memória que apresentou ao Congresso Internacional das Raças, reunido em Londres em 1911, sobre os negros no Brasil, o dr. João Baptista de Lacerda calculava que, antes de um século, não se pode contar com o desaparecimento da influência negra na população brasileira. Os jornais brasileiros em geral não sancionaram os cálculos do representante do Brasil no Congresso Internacional das Raças; e grande número de viajantes tem verificado, pelo contrário, que "o país embranquece a olhos vistos", para usar da expressão pitoresca da sra. Gina Lombroso-Ferrero no seu livro sobre a América Meridional.


Crioulos do Brasil
Foto publicada com o texto, página 115

Os estrangeiros

Noutros pontos desta obra ocupamo-nos das colônias estrangeiras estabelecidas no Brasil, do ponto de vista da sua contribuição pra a vida econômica e financeira, quer como elemento de produção agrícola (imigrantes e colonos), quer como elemento de atividade industrial e comercial (capitalistas). Nesta parte do livro, pretendemos estudar apenas as suas influências étnicas e sociais, isto é, a parte de sua contribuição para a população do Brasil.

Em 1872, sobre cerca de dez milhões de habitantes, havia no Brasil menos de 400.000 estrangeiros; em 1890, a proporção era ainda menor, contando-se apenas 350.000 estrangeiros, sobre uma população total avaliada em 14 milhões; já em 1900 havia 1.200.000 estrangeiros para 16 milhões de habitantes; e atualmente, com cerca de 22½ milhões de habitantes, os estrangeiros do Brasil devem ser em número de quase três milhões, sendo que boa parte deles, particularmente portugueses e italianos, se têm naturalizado.

Em 3 de março de 1909, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro publicou uma estatística da porcentagem de estrangeiros no Distrito Federal (25 por cento) e nos diferentes estados (onde o mínimo se encontra em Rio Grande do Norte, com 0,3 por cento), tirando a média para o conjunto do país, que era de 8 por cento, mais ou menos, proporção notavelmente inferior à que se observa nos Estados Unidos 913 por cento) e na República Argentina (30 por cento).

Considerando, porém, que nestes cinco ou seis anos últimos, depois do saneamento e melhoramentos materiais por que passou a capital da República, dos trabalhos iniciados em diferentes portos e da construção de várias estradas de ferro, é que justamente se tem mais desenvolvido a penetração estrangeira no Brasil, não nos parece exagerado o cálculo acima feito - em falta de estatísticas precisas - de quase três milhões de estrangeiros para cerca de 22½ milhões de habitantes.

Dessa cifra, quase a metade é constituída por italianos, sendo hoje a Itália o maior exportador de braços do mundo inteiro. Mas é natural que demos a precedência, tratando dos estrangeiros do Brasil, aos portugueses, que o descobriram e foram os seus primeiros colonizadores e primeiros formadores da raça, e que são ainda hoje - por essas razões históricas como pela unidade da língua - os estrangeiros mais em afinidade com o povo brasileiro.

Não é fácil fazer um cálculo exato do número de portugueses - cerca de meio milhão - estabelecidos no Brasil, por tal forma os cruzamentos se operam entre os dois povos, tão disseminados se acham eles por todo o território do Brasil, e tão contínuo, relativamente, é o seu contato com Portugal, em visita aos parentes lá deixados, ou em férias do trabalho afanoso a que se entregam no Brasil, para conquista do dinheiro.

De todos os povos, o português é naturalmente o que se funde mais completamente na nacionalidade brasileira; não só pelos freqüentes casamentos com brasileiras e por outras ligações nas classes inferiores (as quais são geralmente legalizadas de futuro, quando o primitivo imigrante pobre já adquiriu uma relativa fortuna e constituiu família com a companheira de vida), mas ainda por sua definitiva fixação no solo brasileiro, algumas vezes pela compra de terras para a lavoura, e mais geralmente pela aquisição de casas nas grandes e pequenas cidades.

É de tal ordem essa identificação que todo português que tenha vivido no Brasil e depois se retira para Portugal é designado por brasileiro pelos seus patrícios. Apesar, porém, dessa afinidade entre os dois povos e das suas relações históricas, a influência da colônia portuguesa no Brasil não é tão grande como poderia sê-lo, se ela não fosse geralmente constituída por gente que, em vez de levar uma situação social da sua pátria, vai pelo contrário conquistá-la no Brasil, graças a uma maior ou menor fortuna adquirida com longos anos de trabalho e de privações heróicas.

De Portugal começam a ir ultimamente para o Brasil homens que, por sua inteligência e sua instrução, poderiam exercer uma influência eficaz; os próprios empregados no comércio (que é a profissão a que mais geralmente se dedicam no Brasil) começam a ter uma preocupação mais séria de instruir-se. Mas é justamente o momento em que as outras colônias estrangeiras começam a assenhorear-se dos postos ocupados outrora pelos portugueses, deixando a estes, quase exclusivamente, o comércio menor. Aos portugueses, entretanto, se deve sempre a grande influência primeira, que formou a nova raça e lhe infundiu no sangue as suas qualidades e vícios fundamentais, como a eles deverá ainda o Brasil uma grande contribuição para o depuramento do elemento africano, sendo os portugueses, de todos os europeus existentes no Brasil, os que mais facilmente se cruzam com ele.

Os italianos existentes no Brasil são em número superior a 1.200.000, sendo que dois terços deles estão fixados no estado de São Paulo, a que deram, pelo seu trabalho, um grande impulso, colaborando assim com os paulistas para torná-lo o mais adiantado da União brasileira.

No capítulo sobre a imigração e colonização, analisamos devidamente as qualidades do italiano como trabalhador, e assinalamos os grandes benefícios que deve o Brasil ao trabalho italiano. Basta-nos assinalar nestas linhas que, com o elemento italiano, se passa um pouco o que se passa com o elemento português. Constituída em sua maioria por gente que levou ao Brasil apenas uma grande capacidade de trabalhar e uma grande ânsia de fazer fortuna - sendo que alguns italianos de S. Paulo possuem das maiores fortunas do Brasil -, a numerosa colônia italiana não exerce de fato uma grande ascendência na vida nacional brasileira, em que aliás participa solidariamente, inclusive na política dos municípios em que se estabelecem.

Na cidade de São Paulo, onde há mais de cem mil italianos, sobre pouco mais de trezentos mil habitantes, ouve-se a cada passo falar o italiano e há, entre a gente do povo, hábitos perfeitamente italianos. De resto, eles são, depois dos portugueses, os estrangeiros que mais se cruzam com os nacionais, por casamentos, que não só determinam sua fusão com o elemento brasileiro, mas ainda acabam por enraizá-los no solo do Brasil, adquirindo propriedades agrícolas ou montando pequenas e grandes indústrias, geralmente prósperas.

Os filhos de italianos numa segunda geração já têm por língua própria o português, que falam geralmente melhor do que o italiano, e são brasileiros dum jacobinismo por vezes exaltado.

O escritor Enrico Corradini, chefe do movimento nacionalista italiano - movimento esse que é francamente contrário à emigração italiana para a América - assinalou, nalguns artigos escritos no Marzocco, de Florença, após uma sua viagem ao Brasil e à República Argentina, que os italianos transplantados para a América, onde a sua atividade encontra o campo mais vasto possível para se desenvolver, revelam qualidades de energia e iniciativa que vivem incubadas no ambiente peiado da sua pátria. E essas qualidades, que geralmente faltam aos brasileiros de origem, vão-lhes sendo assim transmitidas pela boa influência italiana, que já fez do paulista o mais laborioso povo do Brasil.

Com a colônia inglesa passa-se justamente o contrário do que se passa com os portugueses e italianos. Pouco numerosos, os ingleses que se estabelecem no Brasil levam geralmente consigo, em vez do braço de trabalho, o capital para ser ali empregado; e daí resulta que, em vez da situação de dependência em que ficam os outros, eles adquirem desde logo uma preponderância natural. São eles que ocupam o primeiro lugar na fundação das indústrias brasileiras; e o nome inglês numa empresa de transporte é para o nacional uma garantia de boa administração, como o Made in England da etiqueta de um produto é garantia de boa qualidade.

Etnicamente, a sua influência é quase nula, sendo raros os casamentos de ingleses fora da própria colônia. Eles formam uma sociedade à parte, com seus clubes esportivos e de diversões, com seus hábitos e seus trajes, sem ao menos adquirirem regularmente a língua do país, mesmo após longos anos de permanência. O sentimento do conforto, que lhes é inato, eles o levam da sua ilha para o Brasil; e os lugares mais pitorescos e mais saudáveis das cidades são ocupados sempre pela colônia inglesa. No Rio de Janeiro, só vivem na Tijuca, em Santa Tereza, Laranjeiras ou Flamengo; como os de Niterói moram quase todos em Icaraí.

Aos domingos, quando os do país vão para as matinées teatrais, os ingleses, depois de terem passado a manhã nos campos de críquete ou futebol, passeiam pela baía do Rio de Janeiro, por suas florestas e suas praias... a menos que prefiram passar a tarde como passaram a manhã.

Se a influência étnica dos ingleses é nula, a sua influência social, apesar do reduzido número, é considerável. É assim que, enquanto a mulher brasileira elegante só se veste pelos figurinos ou pelos costureiros de Paris, o elegante carioca faz grande cabedal das suas roupas e dos seus modos ingleses. E por influência mais direta da própria colônia, o gosto acentuado que vai se desenvolvendo entre os brasileiros pelos esportes em geral - a princípio sobretudo pelo rowing, ultimamente o futebol - foi-lhes infundido pelo exemplo dos ingleses.

São muito raros os ingleses que no Brasil se dedicam ao trabalho do campo ou mesmo a quaisquer outros ofícios inferiores. Eles estão geralmente na direção e contabilidade das suas casas bancárias ou das grandes companhias de viação férrea e navegação, de transportes e comunicações telegráficas, iluminação e saneamento, exploração de minas ou outras indústrias.

A França está longe de exercer no Brasil toda a influência que lhe devia caber, não só pelas razões históricas, que não são poucas, como pela simpatia instintiva que lhe dedica todo o povo do Brasil, e a perfeita afinidade intelectual que liga as duas nações.

O sr. barão d'Anthouard dedica o último capítulo do seu notável livro, Le Progrès Brésilien, à ação moral da França nesse progresso, estudando-a desde sua origem, que remonta quase à conquista do Brasil (pois Villegaignon se estabeleceu no Rio de janeiro em 1556), até os nossos dias. E como o geral dos outros escritores franceses que têm visitado o Brasil, o sr. d'Anthouard mostra-se receoso de que a França, depois de ter deixado nas mãos de outros estrangeiros toda a influência econômica e comercial, não venha a perder também, na luta da vida internacional, a grande ascendência intelectual que exerce atualmente no Brasil.

A influência propriamente intelectual da França, influência do gênio francês mais que dos franceses - como diz o barão d'Anthouard - começou a se exercer no Brasil só pelo começo do século XIX, em cujo decurso aportaram ao Rio de Janeiro muitos franceses ilustres nas ciências e artes. Essa influência não fez senão progredir durante todo o século que findou (N.E.: século XIX) e, apesar das apreensões dos escritores franceses, ela não parece decrescer.

"Apesar da fraqueza numérica de nossa emigração e da inferioridade do nosso comércio, a língua francesa penetrou por toda a parte no país, arrastando consigo nossa influência intelectual. Ela é conhecida hoje mais ou menos por toda pessoa instruída e é muito freqüentemente usada como veículo do ensino superior, ao ponto que a intelectualidade das classes dirigentes é por assim dizer francesa. Assim se explica essa fascinação que, segundo a sua própria confissão, a cultura francesa exerce sobre os brasileiros e eis porque muitos dentre eles proclamam que consideram a França como sua pátria intelectual".

Não há exagero em afirmar-se que as classes instruídas no Brasil lêem tanto em francês como em português; e mesmo quando alguns preferem fazer uma cultura científica e filosófica alemã, ou uma cultura literária italiana, pode-se afirmar que nunca prescindem da cultura simultaneamente francesa, base de toda a cultura intelectual brasileira. Embora os programas escolares comecem a dar grande parte ao estudo do inglês e do alemão, e estas duas línguas comecem a ser geralmente estudadas por aqueles, sobretudo, que aspiram a fazer carreira na indústria ou no comércio, os brasileiros em geral não acompanham com interesse real senão o movimento intelectual da França, tornando-se familiares com seus autores e seus artistas. Eles são, em suma, muito ciosos da sua latinidade, que se esforçam por manter, tirando embora das influências anglo-saxônicas e germânicas o que podem adaptar ao seu ambiente e às suas condições de progresso e evolução histórica.

A despeito, porém, dessa avassaladora ascendência intelectual, a França quase não exerce outra influência no Brasil, a não ser nas modas femininas, capítulo em que ela não tem competidora. Toda essa influência, porém, vem diretamente da França e não da colônia francesa propriamente, a qual, pequena e disseminada, não raramente dividida entre si, como também a italiana, não tem sabido aproveitar convenientemente o ambiente propício que se lhe oferece para tirar dele todas as vantagens que lhe estariam alo alcance.

Segundo um cálculo feito em 1904, devia haver cerca de 400.000 alemães no Brasil, dois terços dos quais estavam concentrados em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De todas s colônias estrangeiras, a alemã é a única vista com certa desconfiança por elementos jacobinos do país, que falam em "perigo alemão', receando intenções imperialistas da parte da Alemanha.

Neste sentido, surgem por vezes nos jornais, particularmente nos jornais daqueles dois estados, apelos ao governo federal contra os progressos que vai fazendo o germanismo no SUl. Esses receios e desconfianças não pareceriam infundados, se se tivesse em vista somente a existência de várias pequenas colônias alemãs, que fazem a bem dizer vida autônoma dentro da vida nacional brasileira, conservando a língua mesmo nas suas relações com as autoridades brasileiras, mantendo jornais e instituições alemães. Mas essa não é a regra geral.

O sr. Tonnclat, que visitou aquelas colônias, publicou em janeiro de 1907 um artigo na Revue de Paris, cuja conclusão é a seguinte: "Esses descendentes de alemães são, por sua situação, os pioneiros do adiantamento brasileiro para o Oeste; eles adquirem lentamente os costumes e os traços de caráter próprios dos habitantes dos países novos. Pode-se dizer que, à medida que se adaptam ao seu novo meio, eles trabalham, não para germanizar, mas para americanizar o Sul do Brasil. Conviria também acrescentar que, sendo embora francamente brasileiros, ligados fundamentalmente e exclusivamente à sua nova pátria, eles apresentam às vezes certos traços característicos que permitiriam considerá-los como brasileiros teutões diante da massa brasileira latina, distinção de que eles por vezes fazem grande cabedal. Mas são nuances que o tempo apagará sem dúvida".

Dos cem mil polacos, austríacos e russos, que vivem no Paraná, pode-se dizer a mesma coisa: vivendo em boa harmonia com o resto dos habitantes, aprendem facilmente o português, modificam seus hábitos originários e acabam por incorporar-se no grande todo nacional.

A colônia espanhola também numerosa, embora não se considerando mais fortemente em nenhum determinado ponto do país, participa mais ou menos da situação social dos portugueses e italianos, e como eles vive em boa harmonia com os nacionais, a que se ligam.

Os norte-americanos são em número muito reduzido no Brasil, aonde chegam como os ingleses, isto é, levando capital em vez de trabalho. A sua influência na vida econômica e financeira do país é muito considerável, entrando eles a concorrer com os ingleses nas mesmas grandes empresas, a que dão logo rápido desenvolvimento. Os seus processos industriais seduzem, mais que quaisquer outros, aos industriais e capitalistas brasileiros; e o adjetivo ianque é o que serve no Brasil para designar as iniciativas de arrojo, em que se movem grandes capitais.

Apesar de terem os Constituintes da República se inspirado quase exclusivamente na Constituição norte-americana para redigirem a Constituição Federal brasileira, não ocultando uma evidente preocupação de americanismo, que representa de certo modo uma aproximação maior dos Estados Unidos do que da Europa, pode-se afirmar que, mesmo sobre a vida política brasileira, é muito restrita a influência norte-americana, que fica destarte cingida à atividade industrial.

Os holandeses, que entraram no Brasil no século mesmo da descoberta, e que constituíram, em Pernambuco, na Paraíba, na Bahia, colônias importantes, de que ainda restam vestígios, não tiveram todavia influência alguma na formação da raça, e seu número hoje é tão reduzido que eles não representam parcela de importância na população do Brasil.

Os turcos, sírios e árabes já constituem um número muito considerável, disseminando-se por todo o país. Eles vivem, porém, confinados dentro da própria raça, conservando a língua, a religião e os costumes próprios, cruzando-se raramente com os nacionais. Sua profissão é o pequeno comércio, geralmente ambulante, usando eles processos de comerciar muito peculiares, que lhes garantem larga clientela. Pode-se dizer que sua influência étnica e social é nula, sendo que a própria colônia não tem um caráter estável: tendo juntado um pequeno pecúlio no Brasil, retiram-se geralmente para seus respectivos países, onde vão desfrutá-lo.

De raça amarela, existe no Brasil um número regular de chineses e japoneses, importados esporadicamente para tentativas de pequena lavoura - particularmente o chá e o arroz - em que não foram bem sucedidos. Essa imigração, porém, não tem tido muitas simpatias entre os estadistas brasileiros, desde o imperador d. Pedro II, o qual não ocultava seus receios de juntar-se mais essa influência étnica, o amarelo, à já muito heterogênea (brancos, negros e índios) composição do povo brasileiro. Eles vivem, pois, segregados da nacionalidade brasileira, como elemento étnico, e dedicam-se - os chineses especialmente - à venda de peixe e quitanda, ou à arte culinária, em que são particularmente apreciados.

São esses que aí ficam os principais elementos estrangeiros que vão contribuindo desde já para formar o definitivo tipo étnico brasileiro, por enquanto ainda muito vagamente esboçado na diversidade e multiplicidade correspondentes à diversidade de zonas e à diversidade de influências estrangeiras.

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