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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-i]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 87 a 92, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Tráfico de escravos, Rio, 1820
Imagem publicada com o texto, página 90

História (i)

Por Arnold Wright

Capítulo XV

A Proclamação da República

A abolição da escravatura decidiu dos destinos do Império. Se, de fato, não arrastou a monarquia à ruína e impeliu o país para o regime republicano, sem dúvida apressou essa mudança e a tornou mais fácil de estabelecer-se. Os fazendeiros, cujas simpatias pela Casa Imperial haviam sido abaladas pelo grande prejuízo financeiro que a lei da Emancipação lhes causara, mantiveram-se indiferentes ante o perigo que ameaçava o trono. E a sua neutralidade foi talvez ainda mais perniciosa para a monarquia do que teria sido uma franca hostilidade, pois esta poderia ter provocado uma reação monárquica por parte dos elementos politicamente adversos aos interesses dos fazendeiros.

De longa data, já se notavam várias influências atuando fortemente para enfraquecer o princípio monárquico. D. Pedro II, avançado em anos, com a saúde alquebrada, havia, até certo ponto, perdido a influência decisiva nos negócios públicos do seu tempo de juventude e virilidade. Fora-se deixando absorver gradualmente pelos assuntos históricos e literários e tomando parte cada vez menos ativa na resolução das questões políticas de importância.

Diversas vezes e por períodos bastante longos, esteve afastado do Brasil, em excursões pela Europa e América do Norte. Na ausência do monarca, ficava o poder confiado à princesa imperial d. Isabel, como regente. "Ela combinava - diz o sr. Isaac N. Ford - os traços fortes e enérgicos do caráter do imperador com a napolitana devoção religiosa de suas mãe, filha do rei das Duas Sicílias. Resoluta, ambiciosa e naturalmente amiga de se envolver nos negócios do Estado, constituía para ela uma paixão o dirigir e inspirar os políticos; ao mesmo tempo, era uma devota extremada, desde muito cedo em poder dos seus conselheiros espirituais.

"O vigor, inflexibilidade de resoluções e confiança em si própria, que a princesa demonstrou durante o período da regência, constituíam qualidades que convenceram os brasileiros previdentes de que a sucessora de d. Pedro II não havia de ser uma soberana fraca e incapaz... A essa energia masculina, aliava-se, todavia, uma devoção extremamente feminina... Contou-me um brasileiro a extraordinária sensação causada no Rio de Janeiro, quando se propalou a notícia de ter a futura imperatriz tomado uma vassoura e varrido a nave duma igreja como ato de penitência. Este caso, se os seus detalhes não foram exagerados, mostra bem o domínio absoluto que os conselheiros espirituais haviam assumido no ânimo da princesa.

"Os impulsos violentos e caprichosos da princesa imperial eram antes apoiados que moderados pelo esposo francês que lhe haviam dado; e a este o considerava a opinião pública responsável pela maior parte das faltas e erros de apreciação de d. Isabel. O conde d'Eu tinha o dom fatal dos Orleans de conquistar a impopularidade. Desde a sua chegada ao Brasil, fora sempre considerado um estrangeiro que estava acumulando uma fortuna, à custa dos nacionais. Era o conde d'Eu grande proprietário; tinha avultadas rendas e empregava bem os seus capitais, deixando, entretanto, a maior parte da sua fortuna na Europa".

Em tais condições, a hostilidade à monarquia era uma planta que facilmente botava raízes profundas, alimentada pelo descontentamento geral; e não faltou quem quisesse tomar o papel de jardineiro, com o maior interesse pelo desenvolvimento daquela planta.

A guerra do Paraguai, entre outros legados, deixara ao Brasil um numeroso grupo de chefes militares, homens experimentados na arte da guerra, ousados, ambiciosos, aventureiros. Regressando da vida ativa de campanha, mal se podiam esses oficiais acostumar à vida monótona da cidade. Tendo como quartel-general o Clube Militar, começaram a conspirar, a intrigar contra as autoridades que supunham serem-lhe adversas e a amedrontar aqueles que se atreviam a colocar-se entre eles e a realização dos seus planos.

Assim, por exemplo, devido a uma repreensão passada pelo ministro da Guerra Alfredo Chaves, a um oficial que escrevera para a imprensa sobre questões militares, organizou-se contra o referido ministro uma ativa cabala que produziu o resultado desejado, pois o governo alijou o ministro, sujeitando-se à imposição dos militares. A fraqueza do governo produziu o efeito inevitável de dar mais força ao partido militar.

Durante algum tempo, foi o movimento militar paralisado pelas hábeis disposições do Ministério João Alfredo, que subiu ao poder em março de 1888; quando, porém, no ano seguinte, se organizou um novo ministério, sob a chefia do visconde de Ouro Preto (Affonso Celso), a situação política mudou inteiramente.

Seguiu-se aquilo que por um observador estrangeiro, de indiscutível autoridade, foi considerado a pior das reações políticas que o Brasil tinha visto: "Com a criação de bancos novos, o auxílio pecuniário dispensado a todos os fazendeiros e antigos senhores de escravos, pelo desejo ansioso de se obter o apoio político de eleitores duvidosos, um verdadeiro carnaval de corrupção política e a pior espécie de nepotismo se implantaram na vida pública, de modo que a gente séria se indignou com essa orientação dos negócios do Estado sob o governo do visconde de Ouro Preto, conquanto lhe fossem sempre reconhecidos os serviços prestados e a sua grande habilidade política".

A demissão dada pelo imperador ao Gabinete João Alfredo, dum modo um tanto brusco, contribuiu para que aumentasse, ainda mais, o descontentamento geral. Este sentimento de desagrado ficou bem patente na Câmara, quando, em maio, por ocasião do decreto de dissolução, terminada a sua leitura, um deputado conservador soltou o grito de "Viva a República!".

Alarmado com o descontentamento, cada vez maior, que reinava no Exército, decidiu o governo disseminá-lo pelo território do Império. Como medida preliminar, foi dada ordem para a transferência do 7º Batalhão de Infantaria para uma província remota. A significação desta ordem foi claramente percebida pelos chefes militares, e foi resolvido resistir-se à decisão do governo. Ao mesmo tempo, trataram os republicanos de tirar toda a vantagem possível das circunstâncias do momento político, e empregavam os maiores esforços para que tudo estivesse preparado no momento azado para a ação.

A 14 de novembro, teve o governo suspeitas da conspiração organizada; supondo, porém, que dispusesse de força superior àquela com que realmente podia contar, resolveu persistir no seu intento e manter a decisão para a transferência do 7º Regimento. Do que se seguiu, poder-se-á fazer idéia pelas palavras duma testemunha que escreveu para o Times um compte rendu de todo o movimento:

"O Gabinete reuniu-se, alta noite, no dia 14; e ao romper do dia 15, os ministros da Marinha, das Relações Exteriores, da Justiça, e o chefe do Ministério estavam no Arsenal de Marinha, assistindo ao desembarque do Batalhão Naval que havia recebido ordens para guardar o Quartel General, onde se achavam aquarteladas a maior parte das forças do Exército então no Rio de Janeiro. Às seis e meia da manhã, chegou o batalhão naval à Praça; e todo o Gabinete se reuniu no Ministério da Guerra. Estavam já formados, do lado de fora, ao longo da fachada principal do edifício, três batalhões de Infantaria do Exército; pouco depois, reuniam-se a estes batalhões vários regimentos de Cavalaria e toda a Brigada Policial.

"Às oito horas e um quarto, quando o Ministério pensava ter ao seu dispor força suficiente para obrigar os batalhões recalcitrantes a seguir para onde lhe fora determinado, o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe supremo do movimento, apareceu na Praça. Imediatamente, os outros oficiais comandantes levantaram vivas ao marechal e ao 1º Regimento de Cavalaria e morras ao Ministério. Os oficiais que se achavam no interior do Quartel General juntaram-se logo às forças que se achavam da parte de fora.

"Precisamente nesta ocasião o barão do Ladário, ministro da Marinha, que se havia ausentado e voltara do Arsenal de Marinha, foi intimado a entregar-se como prisioneiro ao marechal Deodoro e ao Exército. A essa intimação respondeu o bravo almirante ao tenente que lha fazia: 'Isto é impossível; quem é ele para me prender?' E, tentando o oficial apoderar-se da sua pessoa, Ladário tirou um revólver e deu do gatilho; mas a arma falhou. Então os soldados fizeram fogo sobre o almirante; e Ladário caiu na calçada, tendo recebido vários ferimentos.

"Em seguida, entrou Deodoro no Quartel General e, dirigindo-se à sala onde se achava reunido o Gabinete, declarou aos ministros que os depunha em nome do Exército. Teve Deodoro expressões amargas para o presidente do Conselho e para o ministro da Guerra, os quais diversas vezes haviam gerido essa pasta; e conquanto permitisse que os outros ministros se retirassem, reteve aqueles dois, como seus prisioneiros. Pouco depois, por pedido insistente d'alguns dos seus companheiros, soltou-os; mas por volta da tarde, havendo tido notícia de que o ex-presidente do Conselho se preparava para ir ter uma conferência com o imperador, mandou novamente prender o visconde de Ouro Preto e conservou-o seu prisioneiro até que fosse possível deportá-lo. Os ministros foram retidos pelo marechal Deodoro no Ministério da Guerra, até as duas e meia da tarde.

"Cerca das 11 horas da manhã, desfilou o marechal à frente das tropas pelas ruas da cidade, indo até o Arsenal de Marinha e voltando em seguida à Praça da Aclamação. Foi durante este desfile que a República foi proclamada nas ruas da capital, pelos oficiais e soldados e pelo grupo de republicanos que faziam parte da conspiração. As notícias do levantamento militar no Quartel General se haviam espalhado por toda a cidade, juntamente com o boato da morte do barão do Ladário, e a população dos bairros comerciais ficou possuída do mais profundo terror. Todos os bancos, edifícios públicos e casas comerciais se conservaram fechados; ninguém calculava o que se ia passar.

"Entretanto, ocupavam-se os republicanos em fazer triunfar a sua causa e com o melhor êxito o conseguiram. Pelas 10 horas, quando as tropas voltaram do Arsenal de Marinha, precediam-nas os chefes republicanos que vinham a cavalo e recebiam os aplausos duma multidão aliás não muito considerável. Só quando viram os oficiais soltando 'Vivas à República' e as antigas bandeiras da Monarquia enroladas, as testemunhas destas cenas compreenderam que a sedição que havia começado por depor o ministério, terminava depondo também a monarquia. Diz-se até que o marechal Deodoro foi arrastado pela força dos acontecimentos... Como a deposição do ministério lhe poderia vir a sair muito cara, resolveu Deodoro, no último momento, fazer causa comum com os republicanos".

Apenas alguns dias antes, havia o imperador transferido a sua residência para Petrópolis, onde, como de costume, pretendia passar o verão. D. Pedro II, que, às 11 horas da manhã, recebeu por telegrama a demissão do ministério, voltou imediatamente à capital, chegando ao palácio de São Cristóvão por volta das 3 horas. O presidente do Conselho, que havia sido solto às 2½, veio imediatamente a palácio, para expor a situação ao monarca, com quem teve longa conferência. Mais tarde, durante a noite, reuniu-se o Conselho de Estado; e foi decidido que o imperador procurasse organizar novo ministério, missão de que foi encarregado o chefe político Saraiva.

Enquanto, porém, o imperador (que ignorava por completo o plano de sedição e as suas verdadeiras intenções, assim como o que se havia passado nos últimos dias) estava conferenciando com Ouro Preto, reuniram-se os republicanos no edifício da Câmara Municipal, cujos vereadores resolveram declarar-se pela República. Foi então enviada uma mensagem ao marechal Deodoro, comunicando-lhe que a dinastia imperial no Brasil havia sido abolida para sempre.

Cerca das 5 horas, o marechal, depois de conferenciar com os chefes do movimento, fez uma proclamação ao povo, anunciando a extinção do regime monárquico e a constituição do seguinte governo provisório da República, de que ele era chefe: Aristides da Silveira Lobo, ministro do Interior; Ruy Barbosa, ministro da Fazenda e interinamente da Justiça; tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ministro da Guerra; chefe-de-esquadra Eduardo Wandenkolk, ministro da Marinha; Quintino Bocayuva, ministro das Relações Exteriores e interinamente da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

Em seguida, expediu o governo provisório o seu primeiro decreto, em cujos 11 artigos ficaram estabelecidas as bases da República Federativa, tal como ela passou a constituir-se definitivamente. Quando, no dia seguinte, pelas notícias dos jornais, se soube do que se havia passado, a população ficou perplexa. A d. Pedro II foi enviada uma intimação cortês, assinada por Deodoro da Fonseca, para que deixasse imediatamente o país. Perante esse ultimatum, viu d. Pedro que não tinha remédio senão ceder; e concordou em receber os chefes republicanos, para ficar definitivamente resolvida a situação.

A conferência é assim descrita pelo sr. Ford: "O imperador apareceu-lhes alquebrado, com a fisionomia profundamente alterada, toda a aparência dum homem a quem fora desferido o golpe que o havia de levar à sepultura. A princesa imperial, em pé, a seu lado, não podia conter-se e chorava amargamente. O conde d'Eu era o único que parecia conservar a calma. Pelo tesoureiro imperial foram alegados os embaraços financeiros do imperador, que o impossibilitavam de partir imediatamente. Pelas informações do tesoureiro, tornava-se necessária, para isso, a quantia de Rs. 2.000:000$000. O ministro da Fazenda prontamente lavrou um decreto garantindo ao monarca deposto a soma de Rs. 5.000:000$000, em um só pagamento, além da sua lista civil regular de Rs. 400:000$000. O senhor d. Pedro II recusou formalmente tal oferecimento; mas assentiu, bem como a princesa imperial, em partir para a Europa, no dia seguinte, levando a sua família".

Conquanto a revolução estivesse consumada na capital e as adesões começassem a chegar de vários centros, havia sinais duma contra-revolução no Rio Grande do Sul e sérios distúrbios haviam já ocorrido na Bahia. Com receio de que estas manifestações se estendessem à capital, o Governo Provisório resolveu que o embarque do velho imperador e sua família se efetuasse durante a noite.

Deveras patética é a narrativa da partida, descrita pelo sr. Ford: "Apenas algumas horas haviam sido concedidas para os preparativos da viagem. Já o médico e várias damas da Corte haviam sido embarcadas numa torpedeira encostada ao cais da Alfândega. O oficial que devia conduzir o imperador, a princesa imperial e o conde d'Eu ao ponto de embarque, dirigiu-se em carruagem a palácio. O imperador recebeu-o com exclamações que traíam a perturbação da sua mente, transtornada pela dor: 'Eu sempre esperei morrer no Brasil. Que fiz eu para merecer isto? Que crimes cometeu a minha família? Digo-lhe, sr. oficial, que estamos todos doidos. O senhor, eu e toda a gente. Nós não sabemos o que queremos. Não compreendemos senão uma coisa e é que o Brasil nos é muito querido!'

"Com estas exclamações e contínuos soluços e suspiros, seguiu o imperador para o ponto de embarque, donde dia deixar o Brasil para sempre. Sua filha, também com a voz entrecortada de pranto, perguntava o que haviam ela, seu pai e seu esposo feito, para assim, ignominiosamente, serem atirados para fora do país e nem ao menos se lhes dar tempo de preparar as suas roupas de viagem. Só o conde d'Eu se conservava senhor de si e procurava acalmar as damas da Corte que acompanhavam os exilados.

"Havia apenas um pequeno grupo de curiosos no ponto de embarque; a comitiva tomou lugar numa pequena lancha a vapor. Eram três horas da madrugada e já as luzes da cidade brilhavam menos intensamente. A lancha levou os deportados para bordo dum torpedeiro que se achava fundeado no porto. Às dez horas, saiu o torpedeiro ao encontro do paquete Alagoas, que havia sido fretado para transportar a família imperial para a Europa. O couraçado Riachuelo comboiou o paquete até a altura do Cabo Frio. Foi esta ponta rochosa que proporcionou ao infeliz monarca o último cenário da sua pátria estremecida".

O visconde de Ouro Preto foi deportado e seguiu, num vapor alemão, para Hamburgo, m ais ou menos ao mesmo tempo que o soberano. Dois outros políticos eminentes do regime foram também deportados; mas, à exceção destas, não houve nenhuma outra proscrição.

Nunca se dera, na história, exemplo duma revolução levada a efeito com menos violências e menor perturbação na marcha ordinária das coisas. A própria facilidade com que o golpe foi desferido bem mostra que havia chegado a hora da mudança na forma de governo do país. A monarquia havia vivido além da sua popularidade no país; e desapareceu à mercê duma ligeira tormenta, porque não havia ninguém com entusiasmo bastante pelo princípio monárquico, que lhe prestasse o apoio do seu braço.

Ruy Barbosa, um dos chefes revolucionários e ministro da Fazenda do Governo Provisório, em conversa com o sr. Ford, autor do trabalho a que nos temos referido, disse-lhe que a proclamação da República fora a expressão da revolta contra o sistema despótico de administração centralizada: "Diz ele que a mais forte razão do descontentamento que lavrava contra o império, era a centralização, com a ausência total dum verdadeiro sistema federal. O povo brasileiro havia perdido todo o interesse pelo império. É possível que o imperador tivesse qualidades capazes de o tornarem estimado, mas o sistema de administração era absolutamente corrupto e incompetente. As províncias não tinham nenhuns direitos, como membros de uma confederação de Estados. Pediam autonomia na administração local.

"O imperador envelhecera; ia perdendo a inteligência e sofria duma moléstia incurável Neste último período, a princesa imperial havia sido o verdadeiro chefe de Estado. Rodeada de jesuítas, a princesa não tinha vontade própria. Os padres rodeavam-na sempre; e o clericalismo parecia vir a tornar-se uma ameaça direta para o Brasil e para a liberdade. O Império tinha cumprido a sua missão; já não correspondia às necessidades da nação; retardava o progresso nacional. Era absolutamente necessário uniformizar as instituições do país com as das repúblicas liberais e progressivas do continente americano.

"Todo o brasileiro previdente compreendia que a revolução estava iminente. A revolta militar teria fracassado, se o país não estivesse há muito preparado para uma mudança de ordem política. A revolução foi uma grande surpresa para aqueles que não estavam familiarizados com as condições em que se achava a opinião pública; mas todos os cidadãos inteligentes haviam aceitado a idéia da revolução, como uma conseqüência inevitável.

"Quando as forças armadas deram o exemplo patriótico, declarando-se em favor da República, em todas as províncias o povo aderiu ao movimento, com uma unanimidade que deu ao Governo Provisório a mais completa autoridade. Nos seus primeiros aspectos, foi uma revolta militar; mas logo o apoio sincero de todas as classes do povo brasileiro, em todas as províncias, a converteu num movimento nacional irresistível".

Estas declarações dum dos mais eminentes chefes revolucionários encerram uma apreciação necessariamente parcial das causas que levaram à ruína a dinastia de Bragança no Brasil; não há, porém, razão para se por em dúvida o fundo de verdade de tal apreciação. Durante o reinado de d. Pedro II, fez o Brasil notáveis progressos em vários terrenos.

Foi em 1850 que, pela primeira vez, o Brasil, como os outros pontos da costa oriental da América do Sul, foi posto em comunicação direta com a Europa, pela navegação a vapor, por uma linha de paquetes entre Southampton e o Rio, comum serviço da capital brasileira para o Rio da Prata. Os navios pioneiros eram verdadeiras cascas de noz comparados aos leviatãs que hoje operam a mesma travessia, mas faziam as viagens com regularidade e, em relação aos antigos barcos à vela, com grande rapidez; e bem depressa desempenhavam papel importantíssimo na vida do Brasil.

As estradas de ferro apareceram logo depois do primeiro paquete. Inaugurada a primeira em 1853, vários projetos foram sendo gradualmente estudados e postos em execução, mas tão vagarosamente, em razão das condições topográficas e também das dificuldades financeiras do Estado que, em 1867, existiam apenas, no país, 427 milhas de estradas de ferro. Em 1875, porém, já existiam no Brasil 22 linhas férreas com a extensão total de 1.143 milhas e oito outras empresas se achavam empenhadas na construção de diferentes linhas representando a extensão de 1.539 milhas.

Por esse tempo, se ia a Europa convencendo das possibilidades comerciais, até então ignoradas, que existiam no Brasil, e os negociantes de todas as nações começavam a procurar estabelecer relações comerciais com o país. Nos vinte anos que se seguiram à introdução das estradas de ferro, subiu o comércio brasileiro de £19.215.000 a £39.330.000; ou em outros termos, o Brasil fez mais que duplicar o valor do seu comércio total. os cinco anos a terminar em 1871, verificou-se o aumento de 33 por cento nas importações e de 40 por cento nas exportações. Mais ainda: o saldo comercial, em favor do Brasil, foi de £23.400.000.

De modo geral, o reinado de d. Pedro II foi um período de desenvolvimento constante e de grande progresso nacional. Marcou a entrada do Brasil para o grêmio das nações. O desenvolvimento do país foi, sem dúvida, em grande parte, devido ao movimento de expansão operado no mundo inteiro e que inevitavelmente levou à América do Sul o segredo do progresso europeu; mas, também, esses resultado deve ser atribuído ao moderado e benéfico governo do bondoso representante da Casa de Bragança.

D. Pedro II protegeu as artes; e pelas suas visitas à Europa, tornou o Brasil ali conhecido favoravelmente. Por todas estas e outras razões, merece o nome de Pedro II a lembrança grata dos brasileiros, mesmo daqueles cujas idéias mais se opuseram ao princípio monárquico que ele representava.


Os presidentes da República: 1) Marechal Deodoro (1889); 2) Dr. Prudente de Moraes (1894); 3) Marechal Floriano Peixoto (1891); 4) Dr. Rodrigues Alves (1902); 5) Dr. Affonso Penna (1906); 6) Dr. Nilo Peçanha (1909); 7) Dr. Campos Salles (1898)
Imagem publicada com o texto, página 91

Capítulo XVI

O início do novo regime

O marechal Deodoro da Fonseca, chefe da revolução triunfante que o levou à posição de chefe da nação, daí por diante conhecida pela denominação de Estados Unidos do Brasil, era, por temperamento e por educação, um soldado, que se distinguira na guerra do Paraguai. Ficou provado que as primeiras intenções de Deodoro eram de conservar a monarquia, ao menos como frontispício a uma forma de governo mais adiantada; mas o seu braço foi forçado pelos chefes republicanos, que aproveitaram o bom êxito do golpe inicial.

O Partido Republicano do Brasil era, nesse tempo, um agrupamento de políticos extremamente hábeis. À sua frente, achava-se Benjamim Constant, que pela sua eloqüência e pelo seu saber, exercidos no professorado, havia adquirido enorme influência entre a mocidade brasileira. Benjamim Constant, compreendendo os inconvenientes duma forma de governo que deixasse o imperador rodeado das aparências do poder hereditário, habilmente desviou o movimento de Deodoro em direção ao alvo que ele e os seus companheiros tinham em vista; isto é, a República Federativa.

Se tivesse querido, Benjamim Constant seria provavelmente o primeiro presidente da República Brasileira; mas, compreendendo que o momento exigia antes força militar do que qualidades de estadista, cedeu o lugar a Deodoro, contentando-se com a pasta da Guerra, para a qual estava bem indicado pela sua carreira de lente da Escola Militar do Rio de Janeiro.

O Governo Provisório não perdeu tempo em pôr em execução os princípios políticos que professavam os seus membros, e nomeou logo uma comissão presidida pelo dr. Joaquim Saldanha Marinho, encarregada de organizar um projeto de Constituição. Quase simultaneamente foi promulgado um decreto, dando o direito de voto a todo cidadão brasileiro que soubesse ler e escrever, e fixando o dia 15 de setembro de 1890 para as eleições gerais dos delegados à Assembléia Constituinte, cuja primeira reunião se marcou para 15 de novembro de 1890.

A questão da separação entre o Estado e a Igreja foi debatida por período considerável de tempo; mas os partidários da separação triunfaram afinal, e a união da Igreja e o Estado, que havia existido desde os primeiros governos portugueses, foi finalmente cortada. Em conseqüência da nova disposição constitucional foi criado o casamento civil, colocados os cemitérios sob a jurisdição das Municipalidades e secularizada a instrução. Todos os vestígios do regime monárquico foram inteiramente suprimidos; abolidos os títulos e mercês honoríficas; mudados os nomes dos navios de guerra, das instituições públicas etc.; e onde pareceu conveniente, substituiu-se o emblema imperial pelo da República.

Na escolha da nova bandeira, o governo provisório resolveu acertadamente manter as cores nacionais, sendo apenas substituído o emblema monárquico pelo republicano. O novo mecanismo político foi posto em movimento com facilidade digna de nota, considerando-se as mudanças radicais que necessitou o estabelecimento da República. Uma colheita de café magnífica, em 1890, a que se juntaram condições gerais de prosperidade comercial, veio prestar ao governo um grande auxílio. O crédito público manteve-se, desde o princípio, sem abalo; e o país inspirava a confiança indispensável para a consolidação do novo regime.

Entretanto, uma reação ia sendo provocada pela política do presidente, em suas relações com os Estados. São Paulo, Pará, Bahia e Pernambuco promulgaram as suas Constituições estaduais em 1890; outro grupo de Estados, porém, se mantinha em condições que em pouco se diferençavam daquelas em que eram governados no tempo do Império. O governo estava, de fato, na maior parte dos casos, em poder de um governador, geralmente um partidário de Deodoro. Esta política produziu má impressão na opinião pública, e começaram a aparecer, aqui e ali, sinais de descontentamento. A promulgação solene da nova Constituição e as eleições a que se procedeu, de acordo com ela, vieram, porém, restabelecer a confiança popular.

Foi aos Estados Unidos que os autores da nova Constituição pediram o modelo da lei básica da República; fato bem natural, pois já os patriotas precursores, Tiradentes e os seus companheiros, se inspiravam no exemplo da grande república do Norte e, desde então, não haviam tido outro alvo as vistas dos republicanos brasileiros.

O novo governo substituiu a centralização dominante no regime imperial por um sistema de autonomia local. Esta transformação foi muito bem recebida por todo o país, pois nada havia desacreditado tanto o governo de d. Pedro II e de seus predecessores, como os obstáculos postos às comunidades provinciais pelos burocratas do Rio de Janeiro, que em regra ignoravam por completo as suas condições e necessidades.

Havia tantas esperanças na jovem República, quando ela saiu do período do Governo Provisório, que um espírito de excessivo otimismo começou a dominar as classes comerciais. Por todos os lados, começaram a surgir empresas de caráter especulativo. Eram tais empresas organizadas de vários modos e para vários fins, mas as mais comuns, neste período de "bolhas de sabão", eram as empresas bancárias ou para mineração.

Em 1890, foram organizadas centenas delas, que se sumiram quase com a mesma rapidez com que haviam surgido. O governo achou-se profundamente envolvido no movimento, devido ao desvario das concessões feitas, muitas delas em condições que pareciam denotar irregularidades. Pode-se fazer idéia da amplitude atingida por estas especulações pelas informações dum escritor inglês que, na ocasião, se achava em visita ao Brasil.

"A área compreendida por 210 concessões de terras - diz ele - era de 119.887 milhas quadradas, ou uma extensão de território aproximadamente igual à das Ilhas Britânicas. Tratava-se de terras do domínio nacional, dadas de mão beijada a especuladores e advogados administrativos. Neste mesmo período, foram feitos contratos nominais para a introdução de 1.415.750 famílias de colonos europeus, o que importava na adição, em perspectiva, de mais de 7.000.000 de habitantes à população do Brasil. As concessões de estradas de ferro eram do mesmo modo absurdas, e centenas de sindicatos de toda espécie recebiam do Tesouro garantias monetárias.

"O país estava inundado de papel-moeda, emitido por centenares de corporações reguladas por uma lei bancária livre, semelhante à da República Argentina, onde, aliás, o sistema havia produzido os mais desastrosos resultados. O tráfico das concessões governamentais e a especulação em ações de novas companhias de estrada de ferro e empresas industriais e de mineração preocupavam a atenção dos políticos ativos e dos homens de negócio de espírito prático. Era um período de delírio, esse, em que todas as classes de antemão descontavam e especulavam sobre a prosperidade material que se devia seguir à implantação da República".

O exemplo da Argentina, porém, tornava prudente o financeiro estrangeiro. "Os capitalistas ingleses, que o crack platino havia escaldado, olhavam com desconfiança para estas perspectivas brilhantes e recusavam-se a crer que o capital subscrito nas diversas empresas representasse realmente dinheiro em caixa".

Devido à abstenção do capital estrangeiro, o movimento de especulação em breve se consumiu a si próprio, deixando atrás de si um amplo legado de dificuldades e de impopularidade para o governo. Já antes de completamente desvanecida a miragem, tinham surgido no Congresso graves dissensões sobre a política financeira do ministério. Essa profusa emissão de papel, sem que lhe correspondesse a devida reserva em ouro, produziu a queda do câmbio a tal ponto que o Congresso votou uma lei restringindo a emissão de papel-moeda. Tentou o presidente vetar esta lei e, em represália, o Congresso apresentou um projeto de lei tendente a privar o presidente do direito de veto.

Seguiu-se então a luta entre Deodoro e as Câmaras: luta que a resignação, a 20 de outubro, dos senadores Saraiva e Wandenkolk, secretários de Estado, exacerbou ainda mais. Estes dois ministros eram homens de posição importante na política nacional e o seu rompimento com o governo tendia a provar as acusações feitas a Deodoro. Devido às infrações à Constituição cometidas pelo presidente, um grupo de políticos eminentes de São Paulo, reunido a 9 de março de 1891, publicou um manifesto, denunciando o procedimento do presidente, principalmente no que dizia respeito àquele Estado.

Poucos dias depois, aparecia outro manifesto, assinado por trinta senadores e deputados que representavam quatorze estados e o Distrito Federal, manifesto esse que fazia acusações especificadas ao presidente. Era este acusado: (1) de conservar ministros do Governo Provisório, sem que tivesse feito as nomeações, depois de promulgada a Constituição; (2) de conservar títulos honoríficos, os quais haviam sido abolidos pela Constituição; (3) de intervir na administração interna dos Estados, com o fim de eliminar os representantes que haviam votado contra ele; (4) de criar lugares remunerados sem a autorização necessária; (5) de estabelecer um sistema de corrupção regularizada, pela mudança constante dos magistrados dum distrito para outro.

O único efeito produzido por estes protestos foi estimular ainda mais as irregularidades constitucionais do marechal Deodoro da Fonseca. A irritação popular foi crescendo e em breve se viu que a explosão era inevitável e não podia tardar. Quando o Congresso se reuniu em junho, eram numerosos os membros dispostos a adotar medidas extremas para desagravar a Constituição. A oposição, rapidamente organizada, concentrou-se em torno do marechal Floriano Peixoto, vice-presidente da República, e resolveu fazer obstrução a todos os atos do presidente e aprovar de novo as leis que ele vetara.

Tendo o sr. Matta Machado renunciado à presidência da Câmara, foi escolhido para seu sucessor o sr. Bernardino de Campos. Foi então apresentada uma medida regulando a sucessão presidencial. Na manhã seguinte, 3 de novembro, uma força enviada para as Câmaras impediu, com ameaças, que os representantes do país se reunissem. Em seguida, expediu o presidente um decreto dissolvendo o Congresso Nacional; e como complemento deste decreto, seguiram-se outros, declarando o Rio de Janeiro em estado de sítio, suspendendo as garantias constitucionais e nomeando uma comissão para julgar as pessoas acusadas como inimigas da República ou perturbadoras da ordem pública.

Deodoro estabeleceu, de fato, um regime de ditadura; e não demorou muito que começassem as manifestações significativas da reprovação popular. Do Rio Grande do Sul, onde, já há algum tempo, se davam distúrbios, chegou a declaração positiva de que o Estado preferia separar-se da União a aceitar a imposição do despotismo federal; mensagens no mesmo teor vieram também do Pará e de Pernambuco.

Deodoro mandou seguir forças para o Rio Grande do Sul, mas em breve compreendeu que já não se tratava de pequenos distúrbios de natureza local. Sob a direção duma junta revolucionária, com o dr. Assis Brasil à frente, tinha-se reunido uma numerosa força militar, disposta não só a defender os direitos do Estado, como até a marchar sobre o Rio de Janeiro, para depor o presidente.

Na capital, entretanto, esforçava-se Deodoro por defender a sua causa, de antemão perdida. A 21 de novembro, lançou uma proclamação marcando o dia 29 de fevereiro de 1892 para as eleições gerais e o dia 3 de maio para a reunião do Congresso. Referindo-se às promessas contidas no decreto de dissolução, de formular propostas para a revisão da Constituição, lembrava ele que deveriam ser introduzidas disposições que assegurassem a independência dos poderes Executivo e Judiciário, e a salvaguarda do direito de veto presidencial; lembrava também que fossem alargadas as atribuições do Executivo e limitadas as do Congresso, e ainda que fosse reduzido o número de representantes.

Foi este o último golpe desferido pelo presidente: imediatamente os almirantes Custódio de Mello e Wandenkolk organizaram uma conspiração e tão bem dirigido foi o movimento, tanto no Exército como na Marinha, que, a 23 de novembro, Deodoro teve de ceder à intimação para renunciar ao seu cargo. Deodoro não sobreviveu muito tempo à sua retirada forçada do cenário político, pois morreu a 23 de agosto de 1892, na idade de 65 anos.

Como estadista, não era decerto Deodoro da Fonseca muito notável. O êxito que obteve na carreira política foi mais devido aos acontecimentos do que ao esforço próprio; e a sua compreensão dos princípios que em toda a parte do mundo constituem a base dum bom governo, era muito limitada.

Apesar disso, mereceu um lugar de honra na História do Brasil e fez jus ao reconhecimento dos republicanos brasileiros, por haver conseguido para o país, pela sua ação enérgica, que não sofria delongas, o que outros políticos, por mais bem dotados que fossem, talvez não houvessem conseguido tão cedo.


Vista geral do Rio em 1839
Imagem publicada com o texto, página 92

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