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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [02-A]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 20 a 23, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Enchente no Amazonas
Foto publicada com o texto, página 21

O Rio Amazonas

Amazonas e seus tributários oferecem a grande via – aliás quase que a única via – aberta ao comércio na imensa região ao Norte do Brasil que compreende os estados de Amazonas e do Pará e as zonas setentrionais de Mato Grosso e de Goiás. A sua bacia colossal compreende, segundo Bludau, uma área de 2.722.000 milhas quadradas, constituídas por terras ricas tanto por sua flora como por sua fauna. Os norte-americanos gostam de designar o Mississipi como "o pai das águas" (the father of waters), mas ele fica muito atrás do Amazonas, não compreendendo sua bacia mais de 984.000 milhas quadradas, quase um terço da do Amazonas.

Pela foz do Amazonas, que mede 158 milhas (254 km), são despejados no Atlântico 500.000 pés cúbicos de água por segundo. O Brasil é um país em cuja formação a natureza realizou grandes coisas, mas nenhuma maior do que o Amazonas. O rio tem suas nascentes nas sombrias alturas dos Andes Peruanos, no lago Lauri-Cocha, um lago que, durante séculos, foi considerado sagrado pelos índios.

A princípio um simples riacho, a corrente desce por encostas pitorescas e declives violentos, por entre montanhas grandiosas na sua terrível solenidade, crescendo em volume e em força. Já soberbo, impetuoso, irrefreável, ele se arremessa por florestas desconhecidas e formosas terras, até que afinal, depois de ter percorrido 3.604 milhas (5.800 km) – das quais 2.500 (4.022 km) em território brasileiro – ele se lança nas águas do Atlântico. Mas, ainda então, não perde logo a sua individualidade, visto como, até uma distância de 180 milhas (290 km) para o mar, suas tenebrosas águas formam no oceano uma esteira revolta e ainda se conservam doces.

Não é de admirar que o descobridor Pinzon, o qual, em 1500, explorou o vasto estuário, tenha anunciado aos seus patrícios ter descoberto um Mar Dulce. Um mundo de romance e de aventura está envolto na história da exploração da bacia amazônica, e ainda hoje não se acha encerrado esse capítulo, visto como existem ali vastas zonas ainda não abertas ao conhecimento dos homens.

Durante o curso do rio em território peruano, ele é conhecido como o Rio Marañon, e à sua entrada no Brasil este nome é mudado pelo de Rio Solimões; só depois de sua junção com o Rio Negro é que ele recebe o nome de Amazonas. Os principais tributários do Amazonas são:

  Extensão Bacia Distância navegável por
      grandes vapores pequenas embarcações
Na margem esquerda km km² km km
Içá 1.645 112.400 1.480 1.600
Japurá 2.800 310.000 1.560 2.500
Negro 1.700 715.000 726 1.100
Trombetas 870 123.500 450 500
Na margem direita        
Javari 945 91.000 800 90
Jutaí 650 38.000 500 600
Juruá 2.000 240.000 1.500 1.825
Purus 3.650 387.000 1.800 2.500
Madeira 5.000 1.244.000 1.060 1.700
Tapajós 1.930 430.000 350 1.400
Xingu 2.100 395.000 120 1.500

A partir da embocadura, o primeiro grande tributário à esquerda (isto é, na margem direita do rio) é o Xingu, que tem sua nascente no planalto central de Mato Grosso, perto de Cuiabá. Antes de juntar-se ao Amazonas perto de seu delta, ele percorre uma distância de 2.100 km com muitas cachoeiras.

As primeiras providências para a exploração de sua bacia foram tomadas pelo príncipe Adelbert da Prússia em 1842, sendo os trabalhos continuados em 1884 por Von Stein, embora até hoje não se conheça todo o curso do rio. Ele representa uma das principais vias fluviais para o estado do Pará e para a parte setentrional de Mato Grosso.

O seguinte, dos tributários da margem direita, é o Tapajós, conhecido na sua origem pelo nome de Arinos, e cuja bacia também abrange o Pará e Mato Grosso. Sua nascente fica no flanco setentrional da Serra dos Parecis, no planalto de Mato Grosso, em cujo flanco setentrional nasce também o Madeira. A navegação é interrompida na parte superior do Tapajós por extensas cachoeiras, mas ele é navegável por grandes navios desde sua junção com o Rio Manoel. Duzentas milhas mais para baixo, onde se forma sua confluência com o Amazonas, ele se espraia num grande estuário, de 9 a 12 milhas.

O Madeira é um rio gigantesco, navegável por navios que vão do Oceano até mais de 1.000 km. Sua bacia abrange a maior parte da Bolívia, uma considerável porção de Mato Grosso e uma grande área no Amazonas. Ele é formado pela junção do Beni com o Mamoré, e na sua confluência com o Amazonas tem uma largura de 2 km e uma profundidade de pouco menos de 75 pés.

O Mamoré é talvez um dos mais pitorescos tributários do Amazonas. Antes de reunir-se ao Beni, ele abre passagem para seu curso por entre as elevações do planalto central, vencendo mesmo rijas formações geológicas. Formou-se assim uma longa série de cachoeiras que vão das quedas de Guajará a Santo Antonio, numa extensão de quase quinhentos quilômetros, as quais, embora tornando impossível a navegação aí, formam uma das mais belas vistas entre as muitas belezas naturais do Brasil central.

Passadas as cachoeiras, o rio prossegue seu curso por entre planícies cobertas de florestas espessas. Grossas e altas, as árvores projetam seus galhos para o céu formando um imenso e quase impenetrável dossel, através do qual os raios solares se coam dificilmente. Em baixo, a terra está perpetuamente envolta num sombrio crepúsculo. A vegetação é uma verdadeira orgia da natureza, e o valor das suas madeiras deve ser enorme.

Até aqui, a natureza tem sido deixada ao seu tranqüilo abandono; mas não passará muito tempo antes que as tranqüilas florestas sejam agitadas pelos sons da indústria; antes que o canto dos pássaros seja abafado pelo silvo da locomotiva e os sons da vida animal substituídos pelo cair do machado dos lenhadores, o ruir das árvores derrubadas e o monótono chiar das serrarias; antes que à terra fecunda seja roubada a fortuna vegetal que, há séculos, ela vem nutrindo e desenvolvendo. As árvores da borracha crescem aí em abundância e, dentro em breve, a impressionante solidão será coisa do passado.

Antes de sua junção com o Amazonas, o Madeira espraia suas águas formando um imenso delta, um de cujos braços, o Canuman, forma com o Amazonas a ilha de Tupinambaranas, que tem quase 300 km de extensão. O outro importante tributário da margem direita é o Purus, que, com o nome de Acre, nasce na banda oriental dos Andes Peruanos e passa por ser o famoso Amarimayu, ou "Rio da Serpente", dos Incas. Ele é navegável em todas as estações apenas em metade do seu curso total, e na sua confluência com o Amazonas mede 6.600 pés de largura. Unido ao Amazonas por nada menos de seis canais, ele forma no seu curso centenas de ilhas.

A história da conquista do Amazonas é um testemunho do espírito de aventura e empreendimento dos brasileiros do Norte. Os portugueses tiveram conhecimento da sua existência e exploraram parte de seu curso. Mais tarde, os ingleses penetraram até mais adiante, e os descendentes dos velhos colonizadores espanhóis das vizinhanças também navegaram em suas águas. Todas essas, porém, foram simples visitas de exploração e pouco contribuíram para chamar a atenção do mundo civilizado para a enorme riqueza armazenada pela natureza na bacia do Purus.

Só algum tempo mais tarde é que Manoel Urbano, um dos veteranos do desenvolvimento amazônico, começou a fazer freqüentes excursões pelo Purus e empreendeu a extração da borracha. Afinal, ele introduziu colonos do Pará e fez incursões pelas terras ribeirinhas em diferentes direções. Em breve, numerosos barracões foram estabelecidos e lançados os fundamentos de várias aldeias, das quais procedem cidades como Boa Vista, Arimari, Canutama, Beruri, Lábrea e outras. Mais de três milhões de toneladas de produtos descem agora pelo rio para Manaus, todos os anos.

A viagem de Manaus ao alto Purus leva 60 dias e cresce constantemente o número de portos em que tocam os vapores. O Acre, o importante afluente do Purus, muito tem feito para aumentar a importância do rio como meio de navegação, visto como o Território do Acre é uma das regiões mais ricas de todo o rico Brasil.

O Juruá tem ultimamente atraído grande atenção pelo fato de sua bacia partilhar com a do Acre a importância de ser uma das mais ricas zonas de borracha do país. Este rio foi conhecido pelos exploradores desde os começos do século XVI, tendo-o Pedro de Ursua, em 1560, percorrido desde suas cabeceiras no Peru. A região do Jutaí é também rica de borracha.

O Javari, que serve de fronteira entre o Peru e o Brasil, é o último dos grandes tributários do Amazonas pela margem meridional ou direita; e sua bacia, embora pouco desenvolvida, é também um grande fator na produção da borracha brasileira. Estes três últimos rios descem todos vagarosamente por terras alagadiças, que se julga terem sido o leito dum oceano medieval.

Os afluentes do Amazonas pela margem esquerda não são tão importantes como os da direita, visto como a área a que eles servem como meio de comunicação é menor. O primeiro desses tributários, o Içá (também denominado Putumayo), que tem mais de 1.500 km de curso, é quase todo navegável por vapores que oferecem meio de comunicação com o Equador. Sua utilidade é acrescida pelo fato de ser ele ligado ao Japurá, o seguinte grande tributário da margem setentrional, por dois canais naturais.

O mais importante dos afluentes da margem esquerda é o Rio Negro, com seu sub-afluente o Rio Branco. Ele tem 1.700 km de extensão e a sua confluência com o Amazonas, perto de Manaus, mede mais de dois quilômetros. Como o nome o indica, suas águas são de aparência negra.

O Rio Negro – diz um escritor no Brazilian Year Book – foi conhecido pelos Jesuítas desde 1668; em 1744 já eles conheciam e navegavam o Cassaquiare, o canal que une o Negro e o Amazonas com o Orinoco e converte numa vasta ilha todo o território a Oeste do Orinoco e do Rio Negro e ao Norte do Amazonas, abrangendo mais da metade da Venezuela, todas as Guianas e largas extensões dos estados de Amazonas e Pará. Esse canal foi novamente descoberto por Humboldt, que fez em torno disso grande rumor.

Supõe-se que nalgum ponto das margens do Parimé, afluente do Rio Branco, tenha existido a lendária Manoa del Dorado, capital das Minas de Ouro, à cuja procura viveu debalde metade da Europa, durante meio século. Entre o Rio Negro e o mar, grande número de rios menores nascem nas serras que separam as Guianas do Brasil, mas nenhum de grande importância.
A região amazônica é uma região de várias distâncias, dificilmente concebíveis pelos europeus que medem suas distâncias por milhas e quilômetros. No Amazonas, elas precisam ser medidas por centenas de milhas e centenas de quilômetros.

A seguinte lista, organizada pelo srs. Sant'Anna Nery, dá uma idéia das distâncias de viagem dum ponto a outro:

Rio Amazonas – De Belém, capital do Pará, a: Breves, 146 milhas; Santa Maria 226, Gurupá 267, Porto de Moz 315, Prainha 411, Monte Alegre 454, Santarém 513, Óbidos 581; Parintins (estado do Amazonas) 676, Fortaleza 692, Itacoatiara 814, Manaus 924.

Solimões (alto Amazonas) e Marañon – De Manaus, capital do estado do Amazonas, a: Codajaz 155 milhas, Coari 239, Baliero 325, Teffé 347, Caicára 362, Jauatá 407, Araras 470, Fonte Boa 486, Tocantins 626, S. Paulo d'Olivença 721, Caldeirão 782, Tabatinga 826, Loreto (República do Peru) 889, Caballo Cocha 924, Piruaté 984, Cochiquina 1.002, Pebas 1.040, Iquitos 1.152.

Rio Negro – De Manaus a: Tauapessaçu 65 milhas, Airão 135, Moura 174, Carvoeiro 201, Barcelos 268, Moreira 314, Tomar 358, Santa Isabel 423.

Rio Juruá – De Manaus a: Manacapuru 55 milhas, Anamá 106, Anori 122, Codajaz 166, Badajós 234, Coari 326, Teffé 435, Fonte Boa 568, Coapiranga 594, Juruapuca 838, Gavião 894, Popunhas 959, Chué 1.057, Marari 1.093.

Rio Purus – De Manaus a: Manaquiri 42 milhas, Boa Vista 47, Manacapuru 57, Paratari 93, Anauna 117, Beruri 133, Perseverança 135, Paricatuba 178, Aiapuá 198, Arumá 233, Campinhas 318, Guajaratuba 338, Boa Vista 357, Abufari 387, Paraná Pixuna 405, Piranhas 411, Andaraí 415, Itatuba 423, Jatuarana 438, Arumá 468, Secutiri 475, Bom Princípio 495, Tauariá 498, Bacuri Pari 513, S. Sebastão 519, Jaturu 542, Nova Olinda 566, Floresta 569, Paripi 683 (N.E.: SIC: notado o valor fora da ordem crescente observada na série), Tapana 594, Caridade 600, Porto Alegre 618, Conceição 642, Cavatiá 645, Salvação 671, Jadibaru 687, Repouso 690, Atalaia 694, Canutama 696, Aliança 699, Boa Esperança 703, Bela Vista 707, Calazans 720, Santo Antonio 723, Jardim das Damas 729, Urucuri 736, Vista Alegre 742, S. Sabastião 752, S. Braz 760, Carmo 763, Assaituba 772, Santa Eugenia 778, Pasiá 801, Teuini 810, Lábrea 818, Ituxi 826, S. Luiz 841, Mabederi 871, Providência 913, Memoriazinha 918, Sepatini 945, Santa Helena 952, Hiutanaha 1.027, Espirito Santo 1.049, Scarihan 1.067, Memória 1.110, Terruha 1.185, Pouso Alegre 1.227, Pauini 1.239, Quiciha 1.354, Sinimbu 1.379, Anajaz 1.437.

Rio Madeira – De Manaus a: Canuman 80 milhas, Borba 116, Retiro 148, Sapucaia 163, Vista Alegre 172, Marajó 191, Tabocal 194, Boa Vista 204, Ilha de Araras (Aras) 214, Santa Rosa 222, Cachoeirinha 247, Manicoré 293, Capaná 324, Onças 334, Marmelo 361, Tirol 369, Uruapiara 374, Baetas 394, Bom Futuro 400, Meditação 407, Porto Alegre 429, Castanhal 436, Tapuru 438, Jurará 439, Carapanatuba 466, Sitio Rafael 471, Pariri 476, Jumas 487, Três Casas 496, Piraíba 515, Missão de S. Pedro 524, Popunhas 540, Crato 544, Humaitá 551, Paraíso 560, Missão de S. Francisco 594, Papagaio 619, Abelhas 631, Boa Hora 643, Cavalcante 653, Mutuns 693, Santo Antonio 711.

De um modo geral, pode-se dizer que a bacia do Amazonas é uma imensa planície rasa entrecortada por canais que se ramificam dos rios e unem uns a outros ou voltam a ligar-se ao rio de que se ramificam. Esta é uma das feições do Amazonas e seus tributários que os tornam por tal forma úteis como meio de transporte, e essas comunicações ainda mais se generalizarão num próximo futuro.

Aqui e ali, montes de pedra arenosa e de ardósia se erguem da planície, tirando-lhe a monotonia. "Dir-se-ia – sugere um escritor – que estas vastas planícies formavam o fundo de um mar cretáceo em que se despejassem as águas de três continentes; um, o mais velho, a Leste, compreendendo o que é agora a cordilheira marítima e central do Brasil; um continente setentrional, compreendendo as montanhas que agora separam o Brasil da Venezuela e das Guianas e se ramificam por esses países; e finalmente, o grande continente ocidental, atualmente as Montanhas Rochosas e os Andes, que se estendiam, com talvez uma interrupção em Darien, quase de pólo a pólo".

O processo de formação está agora, ao que parece, interrompido, e é um fato que o delta do Amazonas está sendo rapidamente tomado pelo mar e convertido em um verdadeiro delta. "O rio – observa o sr. A. H. Keane – perdeu já mais de 400 milhas do seu curso inferior e as antigas margens vivem agora permanentemente inundadas até cem braças. Por isso é que diversos rios que outrora se ligavam ao Amazonas pela margem meridional vão ter agora ao litoral por cursos independentes. O próprio Tocantins já quase deixou de ser um afluente do Amazonas, com o qual só está agora ligado por um intrincado sistema de braços laterais instáveis".

A natureza plana da bacia amazônica e as chuvas quase contínuas, combinadas com a temperatura geralmente alta e constante (a temperatura anual média em Manaus é 27,37º C ou 81.26º F) determinam uma umidade nas condições atmosféricas que tem valido à região uma pouco invejável reputação do ponto de vista da salubridade. A verdade, porém, é que o calor não é ali tão grande como na Índia.

O solo é de excepcional riqueza, porque a produção e decomposição de matérias vegetais durante milhares de anos tem acumulado ali espessas camadas de húmus. Não é, pois, de admirar que a região seja uma das mais ricamente dotadas de vegetação do mundo. Dir-se-ia que tendo a natureza atirado suas sementes por todo o mundo, voltou novamente ao Amazonas para semear as restantes.

Quando se navega por esses rios vê-se uma quase impenetrável rampa de folhagens que lhes cobrem ambas as margens, e as frondes mais longas parecem brotar da água à busca do ar livre. Ao fundo, grossos troncos verdes e prateados se erguem sobre a vegetação em redor, lançando para o sol um dossel vegetal, vermelho e verde, como se sobre a região passassem ao mesmo tempo duas estações. As palmeiras ora isoladas, ora em grupos, erguem majestosamente seus penachos sobre a folhagem em redor.

Aí, vêem-se lado a lado o assabi, longo, esguio e delicado, balançando-se ao sopro de cada zéfiro, e o vigoroso, sólido tucuman. Nessas florestas, dia a dia, ano por ano, século após século, vem sendo travada uma silenciosa peleja, um struggle for life, em que as árvores mais fortes tiram sua seiva da morte das que caem. Em cada canto, os fetos e orquídeas encontram um ponto de apoio. Em cada fenda, pode-se ouvir o zumbir dos insetos. É certamente ali a morada da Natureza que, não perturbada, livre das devastações da Humanidade a que ela deu o ser, pode ali realizar a obra da sua vontade.

As águas do Amazonas são riquíssimas de peixes e as florestas em redor abundam em animais. Segundo Agassiz, o Amazonas alimenta duas vezes mais espécies de peixes do que o Mediterrâneo e muito mais do que o Atlântico de pólo a pólo. Enquanto os rios da Europa reunidos contam pouco mais de 150 espécies de peixes d'água doce, só num lago perto de Manaus, com uma área de 500 jardas (457 metros), foram encontradas mais de 1.200 espécies diferentes, muitas das quais não observadas noutra parte. Está averiguado que, se toda a população do mundo tivesse de adotar uma dieta exclusivamente de peixe, o Amazonas só por si poderia fornecer todo o peixe necessário para isso.

Entre os animais que vivem na bacia do Amazonas, figuram o tapir, o jaguar, o alligator sclerops, medindo 12 a 15 pés de comprimento em média, e várias espécies de cobras, inclusive a boa scytade (jibóia), que chega a medir 60 pés de comprimento.

Mais de 22.000 espécies de plantas da flora amazonense já têm sido catalogadas; o que pode ser o seu total é impossível conjeturar. O Amazonas é o grande reservatório de madeiras do mundo, e com o declínio do fornecimento da América do Norte e outras partes, ele deve brevemente salientar-se como uma região produtora de madeira.

Até agora, a extração da borracha tem sido quase que a sua única indústria florestal; mas o monopólio do Amazonas neste sentido está passando rapidamente. Bastava procurar a árvore da borracha para tirar dela fortunas, mas agora que vastas áreas têm sido cultivadas com borracha em Malaia, Ceilão e outras partes, o aumento de competência oferecerá oportunidade para o desenvolvimento da agricultura e indústrias florestais na bacia do Amazonas.

A árvore do cacau, por exemplo, é indígena da América e, nas proximidades do Amazonas, ela atinge o seu maior desenvolvimento. Já uma área regularmente considerável está plantada de cacau, mas é uma das indústrias que devem se desenvolver extraordinariamente no futuro. Também o algodão dá admiravelmente em certos pontos da região amazônica e conquistará um dia ali o lugar que lhe é devido nas atividades agrícolas.


Picada na floresta
Foto publicada com o texto, página 22

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