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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1553 - por Tomé de Souza

Washington Luiz salienta a diferença entre povoações (núcleos ao acaso,  desordenados) e vilas (povoamentos organizados administrativamente)

Além de governador paulista e presidente do Brasil, Washington Luiz foi eminente pesquisador da história pátria da época colonial. Entre suas diversas obras, destaca-se Na Capitania de São Vicente, que publicou pela primeira vez em 1956, em São Paulo (onde faleceria no ano seguinte).

Nela, transcreve as impressões do governador geral do Brasil, Tomé de Souza, ao fazer em 1553 uma visita à capitania, pouco depois da época em que o povoamento criado por Braz Cubas ganhava foro de vila (a data mais aceita para esse evento é 1546). A obra de cerca de 400 páginas foi republicada em Brasília, pelo Senado Federal, em 2004, em versões impressa e eletrônica, da qual é transcrito aqui o capítulo VI (páginas 107 a 117):

CAPÍTULO VI

A criação das vilas de Santos, Itanhaém e Santo André

EM FEVEREIRO de 1553, já no fim do seu mandato, em navio comandado por Pero de Góis, seu capitão do mar, Tomé de Sousa percorreu a costa do Brasil [1], em inspeção às capitanias, que constituíam o seu governo. De volta dessa inspeção, em carta dirigida a D. João III, datada de 1º de junho de 1553, já na cidade do Salvador, Bahia, Tomé de Sousa relatou o estado em que encontrou a terra.

Nessa carta [2] escrevendo sobre a Capitania de S. Vicente disse:

"S. Vicente, capitania de Martim Afonso é uma terra muito honrada e de grandes aguas e serras e campos. Está a vila de S. Vicente situada em uma ilha de tres Léguas de comprido e uma de largo na qual ilha se fez outra vila que se chama Santos a qual se fez porque a de S. Vicente não tinha tão bom porto; e a de Santos, que está a uma légua da de S. Vicente, tem o melhor porto que se pode ver, e todas as naus do mundo poderão estar nele com os proizes dentro em terra. Esta ilha me parece pequena para duas vilas, parecia-me bem ser uma só e toda a ilha ser termo dela. Verdade é que a vila de São Vicente diz que foi a primeira que se fez nesta costa, e diz verdade, e tem uma igreja muito honrada e honradas casas de pedra e cal e com um colégio dos irmãos de jesus. Santos precedeu-a em porto e em sítio que são duas grandes qualidades e nela está já a alfandega de V. A. Ordenará V. A. nisto o que lhe parecer bem que eu houve medo de desfazer uma vila a Martim Afonso, ainda que lhe acrescentei tres, s. (isto é) a Bertioga, que me V. A. mandou fazer, que está a cinco leguas de S. Vicente na boca (dum) rio por onde os indios lhe faziam muito mal; eu a tinha já mandado fazer de maneira que tinha escrito a V. A., sem custar nada senão o trabalho dos moradores; mas agora que a vi com os olhos e as cartas de V. A. a ordenei e acrescentei doutra maneira que pareceu a todos bem, segundo V. A. verá por este debuxo; e ordenei outra vila no começo do campo desta vila de S. Vicente de moradores que estavam espalhados por ele e os fiz cercar e ajuntar para se poderem aproveitar todas as povoações deste campo e se chama vila de Santo-André porque onde a situei estava uma ermida deste apostolo e fiz capitão dela a João Ramalho, natural do termo de Coimbra, que Martim Afonso já achou nesta terra quando cá veio. Tem tantos filhos e netos bisnetos e descendentes dele e não ouso de dizer a V. A., não tem cãs na cabeça nem no rosto e anda nove leguas a pé antes de jantar e ordenei outra vila na borda deste campo ao longo do mar que se chama da Conceição, de outros moradores, que estavam derramados por o dito campo e os ajuntei e fiz cercar e viver em ordem e alem destas duas povoações serem mais necessárias para o bem comum desta capitania folguei o fazer"...

Nesta carta-relatório, algo minuciosa, Tomé de Sousa mencionou as duas vilas já existentes em 1553 na Capitania de S. Vicente, "Santos" e "S. Vicente", insinuou a extinção desta última e comunicou o acrescentamento, que fez, de mais três outras – Bertioga, Conceição e Santo André –; mas nenhuma referência fez à vila, que dizem fundada por Martim Afonso de Sousa, em 1532, a 9 léguas pelo sertão. Ao contrário notou que os moradores estavam espalhados pelo campo e que ele os reuniu e os ajuntou para, aproveitando todas as povoações desse campo, formar uma vila.

O seu silêncio a respeito mostra que a vila, que se diz feita em 1532, por Martim Afonso, não existiu, ou já não existia em 1553. Aliás o abandono, a extinção, a mudança de sedes de vilas, nos primeiros tempos coloniais, foi fato vulgar. A própria vila que o Governador-Geral acrescentou, a Bertioga, conforme escreveu, também desapareceu; e da mesma maneira, mais tarde, desapareceriam as que D. Francisco de Sousa criou – Cahativa, Monserrate – junto a lugares, onde se esperava que rica fosse a exploração de minas.

Tomé de Sousa não iria acrescentar mais uma vila no campo, se outra próxima já aí existisse, ele que achava demais duas na ilha de S. Vicente, nem ousaria suprimir uma existente, e substituí-la por outra, ele que "houve medo" de desfazer uma vila a Martim Afonso – a de S. Vicente – por se achar perto da de Santos. Entendeu ele e ordenou outra vila, no começo do campo de S. Vicente com os moradores que aí estavam espalhados, que chamou Santo André. São palavras textuais na carta, cujo trecho transcrevi.

Alguns historiadores e cronistas brasileiros, de incontestável autoridade, levaram muitos dos seus continuadores a concluir que João Ramalho fundara uma vila, a vila de Piratininga, povoação em que estava, onde primeiro Martim Afonso povoou, depois chamada Santo André da Borda do Campo, da qual mais tarde se fez São Paulo do Campo de Piratininga. Não está aí a verdade.

Nessa carta de 1º de junho de 1553, Tomé de Sousa informou ao rei – e da veracidade dessa informação não se pode duvidar – que no começo do campo, na Capitania de S. Vicente, acrescentara ele uma vila a Martin Afonso, em lugar onde reunira moradores, que nesse campo estavam espalhados, a fez cercar, deu-lhe o nome de Santo André, porque onde a situou estava uma ermida sob a invocação desse apóstolo e dela fez capitão João Ramalho, natural do termo de Coimbra, que Martim Afonso já achou que "na terra quando cá veio".

Informou ele claramente:

"ordenei outra vila no começo do campo desta vila de S. Vicente de moradores que estavam espalhados por ele e os fiz cercar e ajuntar para se poderem aproveitar todas as povoações deste campo"...

Está aí expresso que povoação não era vila, pois que para formar uma vila fez ele ajuntar todas as povoações do campo. A informação enviada a D. João III é categórica e circunstanciada, designando o lugar em que ele fundou a vila, dando a razão do nome e indicando o motivo da criação.

Por outro lado, Manuel da Nóbrega, em 1554, diz em carta dirigida a D. João III:

"Está principiada uma casa na povoação de S. Vicente onde se recolheram alguns orphãos da terra e filhos do Gentio; e do mar dez léguas, pouco mais ou menos duas léguas de uma povoação de João Ramalho, que se chama Piratinin onde Martin Afonso de Sousa primeiro povoou, ajuntamos todos os que Nosso Senhor quer trazer à sua Egreja, e aqueles que sua palavra e Evangelho engendram pela pregação, e estes de todo deixam seus costumes e se vão extremando dos outros e muita esperança temos de serem verdadeiros filhos da Egreja e vai-se formando formosa povoação e os filhos destes são os que se doutrinam no colégio de S. Vicente".[3]

Nessa carta, cujo trecho vai aqui transcrito, diz Manuel da Nóbrega que "a dez léguas do mar e a pouco mais ou menos duas léguas da povoação de João Ramalho, que se chanta Piratinian, onde Martim Afonso de Sousa primeiro povoou, ajuntamos todos que N. S. quer trazer à sua Egreja". Note-se que Tomé de Sousa informa que Martim Afonso já achou João Ramalho quando cá veio.

O lugar, em que morava João Ramalho, era, pois, uma povoação e não uma vila, como se vê, e aí Martim Afonso primeiro povoou, quer dizer, aí esteve, e, aí, passou a sesmaria de Pero Góis, talvez aí deixasse alguns homens de sua esquadra.

Em 1553, a vila de Santo André já havia sido criada [4] por Tomé de Sousa e instalada por Antônio de Oliveira em nome do donatário com a presença do provedor Brás Cubas.

Manuel da Nóbrega viera ao sul em companhia do Governador Tomé de Sousa, autoridade que ele muito considerava, e cujos atos administrativos não podia ignorar na insignificante capitania de S. Vicente. Entre esses atos estava a fundação de Santo André. Portanto, em 1554, se o Padre Manuel da Nóbrega quisesse marcar a distância que havia entre a formosa povoação, em Piratinim, que se ia fazendo e essa vila de Santo André, escreveria que "a sua formosa povoação estava a duas léguas de Santo André"; e, entretanto, escreveu que ela estava a duas léguas da povoação de João Ramalho.

Em outra carta escrita em 1556 [5], em que informou que a "formosa povoação estava em bom sítio, posto o melhor da terra, de toda a abastança que na terra pode haver, em meio de muitas povoações de índios – e perto da vila de Santo André, que é de cristãos e todos os cristãos desejariam ali viver, si lhes dessem licença, ali foi a primeira povoação de cristãos que nesta terra houve em tempo de Martim Afonso de Sousa (Cartas Jesuíticas, vol. 1º, pág. 154)".

Nesta outra carta de 1556 já se refere ele, e por duas vezes, à vila de Santo André, e afirma que ela era de cristãos; não diz, porém, que fosse ela criada por Martim Afonso; diz que foi a primeira povoação de cristãos que houve em tempo de Martim Afonso, que são coisas diferentes. A povoação de João Ramalho já existia antes da vinda de Martim Afonso de Sousa, e a vila de Santo André foi criada em 1553, depois de sua vinda. É lógico, pois, concluir-se que a formosa povoação de S. Paulo, que se ia fazendo em 1554, e que já estava feita em 1556, ficava situada a duas léguas da povoação de João Ramalho e perto de Santo André, demonstrando conseqüentemente a existência destes dois lugares. Como já fiz notar, Piratininga indicava vasta região no campo, no planalto. Não era uma povoação e muito menos uma vila.

Veja-se que, nas suas cartas aos seus superiores, os primeiros jesuítas designam como de Piratininga a casa e a igreja que nesse planalto haviam estabelecido, e de Piratininga são elas datadas. Só mais tarde o nome de S. Paulo obscureceu o de Piratininga.

Por provisão expedida a 12 de outubro de 1580, o Capitão-mor Jerônimo Leitão, concedeu, como já se disse, uma sesmaria de terras de seis léguas em quadra, aos índios da aldeia de S. Miguel de Ururaí ao longo do rio Ururaí "começando onde acabam as terras que se deram a João Ramalho e a Antônio de Macedo" (a João Ramalho e a seus filhos, esta informação é assim repetida na provisão), e que dizem que era até onde chamam Jaguaporecuba.

É evidente, pois, que as terras de João Ramalho e de seus filhos eram limitadas em certa parte pela sesmaria dos índios da aldeia de S. Miguel, no lugar onde chamavam Jaguaporecuba (Registro Geral, Volume 1º, Pág. 354).

A Capelinha de S. Miguel de Ururaí ainda existe e é bem conhecida em S. Paulo pela sua antiguidade, tendo sido restaurada por diversas vezes; está situada além da Penha, na estrada de rodagem que passando por Mogi das Cruzes vai à Capital Federal, chamada Rodovia Rio–São Paulo. Ficava essa capelinha na aldeia de S. Miguel, então no velho caminho do mar, vereda de índios, que se desenvolvia no vale acidentado do rio Mogi. Foi por ele que Martim Afonso subiu ao planalto em 1532, visto que então não havia outro.

Todos os cronistas de S. Paulo, fundados em documentos paulistas, referem-se à aldeia de S. Miguel de Ururaí, como situada próxima às terras de João Ramalho e de seus filhos. Citando o Cartório da Provedoria da Fazenda de S. Paulo, L. 2º, de Sesmarias, Az. Marques, nos seus "Apontamentos" na parte-cronológica, a 12 de outubro de 1580, informa que Jerônimo Leitão, capitão-mor-loco-tenente de Pero Lopes de Sousa, concedeu três léguas de terras aos índios de S. Miguel em Ururaí.

Na sua Notícia Raciocinada (Rev. I. H. G. B. Vol. 8º, pág. 222 e 223) Machado de Oliveira diz que as léguas concedidas por Jerônimo Leitão aos índios de S. Miguel foram designadas ao longo do rio Ururaí começando onde terminava a data de João Ramalho e de seus filhos. O Marechal Arouche de Toledo Rendon na sua Memória sobre As Aldeias de Índios, na província de S. Paulo (R. I. H. G. B. Vol. 4º, pág. 314 notas 43 e 44), narra que o Capitão-General de S. Paulo, li Luís Antônio de Sousa, por portaria de 29 de Novembro de 1773, mandou medir e demarcar as seis léguas de terras concedidas aos índios de S. Miguel. Os medidores foram "às terras de João Ramalho e de seus filhos, que ficavam juntas à sesmaria da aldeia de S. Miquel de Ururahy"...

Estão aí, pois, indiscutivelmente indicadas a moradia, a povoação, as terras de João Ramalho.

Pedro Taques, na sua História da Capitania de S. Vicente (R. I. H. G. B. Vol. 9, pág. 149) e na sua Nobiliarquia Paulistana (mesma Rev. Vol. 34, pág. 6), conta que Santo André foi aclamada vila em 8 de abril de 1553, em nome do donatário Martim Afonso de Sousa, por provisão do loco-tenente Antônio de Oliveira, estando presente o provedor da fazenda real, Brás Cubas, e fundamenta essa informação citando o caderno nº 1 da vila de Santo André.

Esse caderno desapareceu do Arquivo Municipal; a publicação das vereanças da vila de Santo André começa em julho de 1555 e vai a março de 1558, não existindo mais o das de 1553. Não é possível, pois, verificar os termos da vereança, da qual Taques fez apenas um resumo. Entretanto não há contradição entre as informações de Tomé de Sousa a D. João III e a narração de Taques; as primeiras se referem à criação da vila e a segunda à sua aclamação. Criar uma vila é uma coisa e aclamá-la é outra. Criar uma vila é dar-lhe existência jurídica, é ato do poder legal; aclamar uma vila, conseqüência da criação, é instalá-la, torná-la pública, o que é apenas fato.

Taques refere que a aclamação foi feita em nome de Martim Afonso, o que era de direito, pois que Martim Afonso era donatário da capitania, portanto da vila, e o representante do donatário quis acentuar e fazer reconhecer o direito do donatário, que o próprio Tomé de Sousa, aliás, foi o primeiro a proclamar quando declarou que ele acrescentara essa vila a Martim Afonso [6].

Criou a vila, mas não lhe determinou as divisas. Ela, portanto, compreenderia, com as limitações do Foral, todo o planalto, todo o sertão, onde se iam formar outras povoações. Para confirmação desta tese ainda se encontra, no livro da Câmara de Santo André – vereança de 8 de janeiro de 1557 – em que está publicado, um requerimento-protesto feito ao Capitão e ouvidor da Capitania de S. Vicente, Jorge Ferreira, sobre a demora ou recusa em apurar, nesse ano de 1557, a eleição procedida para oficiais da Câmara de Santo André, no qual expressamente se refere à criação e à aclamação da vila, e não deixa a menor dúvida sobre o fundador e os aclamadores. [7]  Transcreve-se em seguida esse requerimento-protesto conservando a sua áspera redação e a sua não menos áspera ortografia:

"Vosa merse não quer despachar nossa pauta e nos querer tomar nossa jurdyção que nos lleixou ho sor tomé de Sousa, gdor., a quall foy metydo de pose por ãoto. dollyveyra. capptão e Brás cuhas pr veador desta capytanya cõ todas llyberdades cõforme ao regym.to e foralt (q’ue está trelladado no lyvro da canuztra desta vylla) de sua alteza” “e vossa, nerse ho não querer despachar protestamos pr todas as perdas e danos e denefycações desta vylla e bës dórfãos q por falta de justiça se perderem por vosa mer não prover cõ hos ofysios como aquy temos era costume... (Atas da Câmara de Santo André, págs. 57, 58)".

Em linguagem tosca, mas com dizer sólido e firme, a Câmara de Santo André reclamou a jurisdição que Tomé de Sousa deixou, quer dizer a sua criação, da qual fora metida de posse por Antônio de Oliveira e Brás Cubas, isto é, a sua aclamação pelos representantes do donatário e do rei. Reclamou ela os seus direitos e o Capitão-mor e ouvidor, Jorge Ferreira, apressou-se em reconhecê-los, alimpando a pauta, apurando a eleição feita pelos homens bons, pois que a 5 de fevereiro de 1557 (Atas de Santo André, Fls. 58) foi, em Santo André, aberta tal pauta saindo por Oficiais Simão Jorge, juiz, João Ramalho, vereador e Francisco Pires, procurador do conselho.

E a Câmara de Santo André, criada por Tomé de Sousa, em 1553, aclamada em 8 de abril desse ano por provisão de Antônio d’Oliveira, Capitão-mor em nome do donatário, e com a presença de Braz Cubas, provedor da fazenda real, funcionou no lugar, em que a situou o primeiro Governador Geral do Brasil, até 1560.

Tomé de Sousa, que, nos seus relatórios ao rei, não usava de eufemismos e inequivocamente dava os verdadeiros nomes às coisas que via ou observava, diz claramente, na sua carta da Bahia a 1º de junho de 1553, que ele acrescentara uma vila a Martim Afonso ajuntando algumas povoações do campo em lugar onde havia uma ermida sob a invocação do apóstolo Santo André. Ora, ermida significava naquele tempo, ainda significa hoje e sempre significou, uma capela, de ordinário em sítio ermo, descampado, pequeno templo em lugar ermo.

Sendo ermo o lugar onde Tomé de Sousa fundou a vila de Santo André, não poderia ter sido na povoação de João Ramalho, pois que, nesta morava o régulo com a sua numerosa descendência.

João Ramalho não fundou, pois, a vila de Santo André; nem na povoação, em que ele morava, foi criada a vila de Santo André por Tomé de Sousa.

Os moradores, que ele aí juntou, foram em pequeno número. Consultando-se as Atas da vila de Santo André, vê-se que em 1555, chamado todo o povo, e cada um de per si, para escolher um procurador do conselho, o candidato mais votado teve onze votos (Atas, pág. 21). Ainda em 1556 tendo que eleger um juiz, o povo dá ao candidato mais votado onze votos (Atas de Santo André, pág. 52).

Em 31 de março de 1558, e é nesse dia que se lavra a última ata publicada dessa Câmara, os oficiais dela chamando o povo para cuidar da defensão da vila, ameaçada por ataques de índios inimigos, só comparecem ou pelo menos só assinam tal ata, 16 pessoas (Atas de Santo André, pág. 74).

A Câmara de Santo André compunha-se apenas de um vereador, um juiz e um procurador do conselho e nomeava um escrivão, um porteiro e um almotacé. Os homens bons da governança, segundo parece, eram apenas uns vinte ou pouco mais e se revezavam na administração, como se pode deduzir e da relação dos nomes que comparecem ao chamado e que constam nas atas publicadas.

Na vila não havia telheiros nem pedreiros. Mesmo na vila de S. Paulo, que absorvera inteiramente Santo André, ainda em 1575, as casas eram cobertas de palha e só nesse ano se contratou com Cristóvão Gonçalves a feitura de telhas "para enobrecimento das moradas" (Atas de S. Paulo, Vol. 1º, pág 67) o que, entretanto, só muito mais tarde se realizou. As casas de Santo André eram cobertas de palha, em cujas paredes só havia taipa de mão, quando as havia. Os seus vestígios no terreno deveriam desaparecer com facilidade. Era a vila cercada de muros, que se desfaziam com as chuvas, preocupando continuamente os oficiais da Câmara sobre a necessidade de os cobrir para evitar desmanchos.

Entre as insignificantes vilas das costas do Brasil, Santo André da Borda do Campo, foi, sem dúvida, uma das mais insignificantes.

Santo André, porém, teria existência efêmera; estava destinada a durar pouco mais de sete anos, e dela não ficariam vestígios no campo, nem na história a não ser o magro volume de atas contendo magríssimas sessões, como adiante se vai ver.

Nenhuma relação tem com a atual Santo André, grande centro industrial nas proximidades da Capital de S. Paulo, criado distrito de paz pela Lei nº 1222-A, de 14 de dezembro de 1910 e reconhecido município pelo Decreto 9.775, de 30 de novembro de 1938.

Mapa do Litoral Sudeste: de c.1600, integra o códice da Biblioteca da Ajuda (Lisboa/Portugal)

Reproduzido da Enciclopédia Mirador Internacional, 1980 (página 10.218), 
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda., São Paulo/SP


[1] Em 8 de fevereiro de 1553, a sua esquadra sob o comando do seu capitão do mar, Pero de Góis, estava surta no porto de Santos (Frei Gaspar, Memórias para a Capitania de S. Vicente, § 66, citando o Cartório da Provedoria da R. F. de S. Paulo).

[2] Arquivo da Torre do Tombo, Gav. 18, maço 8, nº 8, publicada na História da Colonização Portuguesa no Brasil, vol. 3º, págs. 364 a 366.

[3] Cartas Jesuíticas, vol. 1º, pág. 146.

[4] Tomé de Sousa esteve na capitania de S. Vicente pelo menos desde 8 de fevereiro de 1553 até antes de 1º de junho de 1553, estando nesta última data, na Bahia.

[5] O anotador dessa carta no volume 1º pág. 155, das Cartas Jesuíticas, diz que ela foi escrita em 1556, de Piratininga. Esta anotação não está certa quanto ao lugar – Piratininga – o que é fácil de se verificar. Nóbrega escreve nesta "capitania de São Vicente", onde ele se encontrava e onde estavam situadas a vila de S. Vicente e a casa de Piratininga; mas por duas vezes e escreva nesta vila de S. Vicente e por vezes se refere àquela casa de Piratininga. Esta é um demonstrativo que indica proximidade ou presença, e aquela é outro demonstrativo que indica distância, afastamento do lugar em que se está. Portanto, Manuel da Nóbrega dizendo nesta vila de S. Vicente estava em S. Vicente, e referindo-se àquela casa de S. Paulo de Piratininga, mostra que nela não se achava. Ainda, referindo-se a Piratininga, emprega o advérbio ali, que também mostra distância, e não aqui se estivesse em S. Vicente, como estava.

Essa carta trata principalmente "de indagar" se aquela casa de Piratininga devia ser para meninos, ao que aos padres não parecia bem, mas se assim o quisesse o rei fazer, deveria a sentença pertencer-lhe, ficando aos jesuítas somente a direção espiritual; ou, então, se devia ela ser colégio da Companhia, o que seria melhor para o rei. O que é interessante de fazer notar é que em 1556, ainda os padres da Companhia não sabiam se aí se faria casa ou colégio.

[6] No tempo de Varnhagen ainda existia qualquer coisa a esse respeito e disso dá ele conta em uma carta ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, lida na sessão de 14 de novembro de 1840 (V. 2º da Rev. desse Instituto, pág. 529 a 531) na qual se encontra o seguinte período: "No Arquivo da Câmara (de S. Paulo) acham-se livros bem antigos e cuja letra já pertence à Paleografia. Entre esses deve-se contar o caderno que contém as vereanças da extinta Villa de Santo André nos anos de 1555 a 1558", "este livro de Santo André é rubricado em todas as suas folhas por Antônio Cubas. Começa contendo, em fragmento, o fim do foral da vila dado por Martim Afonso em Lisboa em 5 de abril de 1558", por seu representante "seguem as vereanças de 1562 a 1563".

Há aí evidentemente um erro tipográfico ou de cópia, quanto ao último algarismo da data quando é citada a de 5 de abril de 1558, fácil de produzir-se visto a rudimentar e fantasiosa grafia dos escrivães quinhentistas e a semelhança dos algarismos 3 e 8 em fragmentos finais de escritos estragadíssimos. É o próprio Varnhagen quem afirma ter visto atas de "1555" a "1558", e assim o foral dessa vila não poderia ser expedido em 1558, pois que a Câmara já funcionava pelo menos desde 1555, antes de 1558. Taques, que examinou esse livro ainda mais conservado, leu 1553.

[7] Jorge Ferreira, capitão e ouvidor, que foi da Capitania de S. Vicente, estando na cidade do Rio de Janeiro, em 1º de outubro de 1573, requereu e obteve terras nas cabeceiras de Antônio de Mariz, e no sertão da banda de Cabo Frio, alegando que ajudara a Mem de Sá na expulsão dos franceses e tamoios da fortaleza de "Virgalham", e, a pedido de Salvador Correia de Sá, o socorreu com mantimentos e armas, seus filhos, netos, cunhados, parentes e amigos, "e ora veio com toda a sua casa, mulher, filhos e criados para ajudar a povoar e enobrecer esta terra" (Anais da Biblioteca Nacional – Vol. 57, págs. 262 a 266).


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