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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1587 - BIBLIOTECA NM
1587 - Notícia do Brasil

Clique na imagem para voltar ao índice desta obraEscrita em 1587 pelo colono Gabriel Soares de Souza, essa obra chegou ao eminente historiador Francisco Adolpho de Varnhagen por cópias que confrontou em 1851, para tentar restabelecer o texto original desaparecido, como cita na introdução de seus estudos e comentários. Em 1974, foi editada com o mesmo nome original, Notícia do Brasil, com extensas notas de importantes pesquisadores. Mais recentemente, o site Domínio Público apresentou uma versão da obra, com algumas falhas de digitalização e reconhecimento ótico de caracteres (OCR).

Por isso, Novo Milênio fez um cotejo daquela versão digital com a de 1974 e com o exemplar cedido em maio de 2010 para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá. Este exemplar corresponde à terceira edição (Companhia Editora Nacional, 1938, volume 117 da série 5ª da Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira), com os comentários de Varnhagen. Foi feita ainda alguma atualização ortográfica:

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Tratado descritivo do Brasil em 1587

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Apresentação por Varnhagem, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa

Ao Instituto Histórico do Brasil

Senhores:

Sabeis como a presente obra de Gabriel Soares, talvez a mais admirável de quantas em português produziu o século quinhentista, prestou valiosos auxílios aos escritos do padre Cazal e dos contemporâneos Southey, Martius e Denis, que dela fazem menção com elogios não equívocos.

Sabeis também como as Reflexões Criticas que sobre essa obra escrevi foram as primícias que ofereci às letras, por intermédio da Academia das Ciências de Lisboa que se dignou, ao acolhê-las no corpo de suas memórias, contar-me nos do seu grêmio. Sabeis como aquela obra corria espúria, pseudônima e corrompida no título e na data, quando as Reflexões Críticas lhe restituíram genuinidade de doutrina e legitimidade de autor e de título, e lhe fixaram a verdadeira idade.

Sabereis, finalmente, como nada tenho poupado para restaurar a obra, que por si constitui um monumento levantado pelo colono Gabriel Soares à civilização, colonização, letras e ciências do Brasil em 1587.

Essa restauração, dei-a por enquanto por acabada; e desde que o sr. Ferdinand Denis a inculcou ao público europeu, com expressões tão lisonjeiras para um de vossos consócios, creio que devemos corresponder a elas provando nossos bons desejos, embora a realidade do trabalho não vá talvez corresponder à expectativa do ilustre escritor francês quando disse: "Ce beau livre... a été l'object d'une... (permiti-me, senhores, calar o epíteto com que me quis favorecer)... dissertation de m. Adolfo de Varnhagen. Le... écrivain que nous venons de nommer a soumis les divers manuscrits de Gabriel Soares à un sérieux examen, il a vu même celui de Paris, et il est le seul qui puisse donner aujourd'hui une édition correcte de cet admirable traité, si précieux pour l'empire du Brésil".

Sem me desvanecer com as expressões lisonjeiras que acabo de transcrever do benévolo e elegante escritor, não deixo de me reconhecer um tanto habilitado a fazer-vos a proposta que hoje vos faço de imprimirdes o códice que vos ofereço.

Não há dúvida, senhores, que foi o desejo de ver o exemplar da Biblioteca de Paris o que mais me levou a essa capital do mundo literário em 1847. Não há dúvida que, além deste códice, tive eu ocasião de examinar uns vinte mais. Vi três na Biblioteca Eborense, mais três na Portuense e outros na das Necessidades em Lisboa. Vi mais dois exemplares existentes em Madrid; outro mais que pertenceu ao convento da congregação das Missões e três da Academia de Lisboa, um dos quais serviu para o prelo, outro se guarda no seu arquivo, e o terceiro na livraria conventual de Jesus. Igualmente vi três cópias de menos valor que há no Rio de Janeiro (uma das quais chegou a estar licenciada para a impressão); a avulsa da coleção de Pinheiro na Torre do Tombo, e uma que em Neuwied me mostrou o velho príncipe Maximiliano, a quem na Bahia fora dada de presente. Em Inglaterra deve seguramente existir, pelo menos, o códice que possuiu Southey; mas foram inúteis as buscas que aí fiz após ele, e no Museu Britânico nem sequer encontrei notícia de algum exemplar.

Nenhum daqueles códices, porém, é, a meu ver, o original; e baldados foram todos meus esforços para descobrir este, seguindo as indicações de Nicolau Antônio, de Barbosa, de Leon Pinelo e de seu adicionador Barcia. Na Biblioteca de Cristóvão de Moura, hoje existente em Valência e pertencente ao Príncipe Pio, posso assegurar-vos que não existe ele, pois que, graças à bondosa amizade deste cavalheiro, me foi permitido desenganar-me por meu próprio exame. A livraria do conde de Vila-Umbrosa guarda-se incomunicável na ilha de Malhorca, e não há probabilidade de que quando nela se ache ainda o códice que menciona Barcia, possa ele ser o original. A do conde de Vimieiro foi consumida pelas chamas, as quais pode muito bem ser que devorassem os cadernos originais do punho do nosso colono.

Graças, porém, às muitas cópias que nos restam — a uma das de Évora, sobretudo —, creio poder dar no exemplar que vos ofereço o monumento de Gabriel Soares tão correto quanto se poderia esperar sem o original, enquanto o trabalho de outros e a discussão não o aperfeiçoem ainda mais, como terá de suceder.

Acerca do autor talvez que o tempo fará descobrir na Bahia mais notícias. Era filho de Portugal, passou à Bahia em 1570, fez-se senhor-de-engenho e proprietário de roças e fazendas em um sítio entre o Jaguaribe e o Jequiriçá. Voltando à península, dirigiu-se a Madrid, onde estava no 1° de março de 1587, em que ofertou seu livro a Cristóvão de Moura, por meio da seguinte carta: "Obrigado de minha curiosidade fiz, por espaço de 17 anos que residi no Estado do Brasil, muitas lembranças por escrito do que me pareceu digno de notar, as quais tirei a limpo nesta corte em este caderno, enquanto a dilação de meus requerimentos me deu para isso lugar; ao que me dispus entendendo convir ao serviço de El-Rei Nosso Senhor, e compadecendo-me da pouca notícia que nestes reinos se tem das grandezas e estranhezas desta província, no que anteparei algumas vezes, movido do conhecimento de mim mesmo, e entendendo que as obras que se escrevem têm mais valor que o da reputação dos autores delas.

"Como minha tenção não foi escrever história que deleitasse com estilo e boa linguagem, não espero tirar louvor desta escritura e breve relação (em que se contém o que pude alcançar da cosmografia e descrição deste Estado), que a V. S. ofereço; e me fará mercê aceitá-la, como está merecendo a vontade com que a ofereço; passando pelos desconcertos dela, pois a confiança disso me fez suave o trabalho e tempo que em a escrever gastei; de cuja substância se podem fazer muitas lembranças a S. M. para que folgue de as ter deste seu Estado, a que V. S. faça dar a valia que lhe é devida; para que os moradores dele roguem a Nosso Senhor guarde a mui ilustre pessoa de V. S. e lhe acrescente a vida por muitos anos. Em Madri o 1.° de março de 1587 - Gabriel Soares de Sousa".

Para melhor inteligência das doutrinas do livro acompanho esta cópia dos comentos que vão no fim. Preferi este sistema ao das notas marginais inferiores, que talvez seriam para o leitor de mais comodidade, porque não quis interromper com a minha mesquinha prosa essas páginas venerandas de um escritor quinhentista. Abstive-me também da tarefa, aliás enfadonha, para o leitor, de acompanhar o texto com variantes que tenho por não-legítimas.

Esta obra, doze anos depois, já existia em Portugal ou por cópia ou em original; e em 1599 a cita e copia Pedro de Mariz na segunda edição de seus Diálogos. Mais tarde, copiou dela fr. Vicente de Salvador, e, por conseguinte, o seu confrade fr. Antônio Jaboatão. Simão de Vasconcelos aproveitou do capítulo 40 da 1ª parte as suas Notícias 51 a 55, e do capítulo 70 a Notícia 66.

Assim, se vós o resolverdes, vai finalmente correr mundo, de um modo condigno, a obra de um escritor de nota. Apesar dos grandes dotes do autor, que o escrito descobre, apesar de ser a obra tida em conta, como justificam as muitas cópias que dela se tiraram, mais de dois séculos correram sem que houvesse quem se decidisse a imprimi-la na íntegra. As mesmas cópias por desgraça foram tão mal tiradas, que disso proveio que o nome do autor ficasse esgarrado, o título se trocasse e até na data se cometessem enganos!

Pesa-nos ver nos tristes azares deste livro mais um desgraçado exemplo das injustiças ou antes das infelicidades humanas. Se esta obra se houvesse impresso pouco depois de escrita, estaria hoje tão popular o nome de Soares como o de Barros. O nosso autor é singelo, quase primitivo no estilo, mas era grande observador, e, ao ler o seu livro, vos custa a descobrir se ele, com estudos regulares, seria melhor geógrafo que historiador, melhor botânico que corógrafo, melhor etnógrafo que zoólogo.

Em 1825 realizou a tarefa da primeira edição completa a Academia de Lisboa; mas o códice de que teve de valer-se foi infelizmente pouco fiel, e o revisor não entendido na nomenclatura das coisas da nossa terra.

Ainda assim muito devemos a essa primeira edição; ela deu publicamente importância ao trabalho de Soares, e sem ela não teríamos tido ocasião de fazer sobre a obra os estudos que hoje nos fornecem a edição que proponho a qual, mais que a mim, a deveis à corporação vossa co-irmã, a Academia Real das Ciências de Lisboa.

Madri, 1.° de março de 1851.

F. A. de Varnhgen