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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TELECOMUNICAÇÃO
Um século de telecomunicações (7)

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Datam dos anos finais do século XIX as primeiras referências sobre os serviços de telecomunicações em Santos. E, apesar de ser importante porto e estar próxima a centros de negócios como a capital paulista, só na década de 1980 (como o resto do Brasil) começou a ter serviços como a discagem direta à distância. Passou pelas eras dos telegramas, do telex, do fac-símile (fax ou telefax), do videotexto, dos BBSs e desembarcou na Internet, com todos os seus recursos.

Este é o depoimento - especial para Novo Milênio - de um dos antigos funcionários da Telesp, a empresa encarregada das telecomunicações no Estado de São Paulo:

Crachá de identidade funcional do autor na Telesp - frente e verso
Acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

A Central 04 ou Tocantins

Francisco Carballa (*)

Tenho orgulho de ter feito parte da história da telefonia em Santos, onde trabalhei por 14 anos, sendo que de 1994 até 1998 fiquei trabalhando na Central 04, dali fui para a central 296, até a demissão involuntária pela qual passaram todos os funcionários.

Existe ainda hoje o prédio do tipo getulista na Rua Tocantins, 133, onde funciona a estação telefônica, chama-se atualmente de Central Tocantins devido ao nome da rua onde se encontra, mas já se chamou de Central 04 e popularmente Batcaverna. Essa alcunha surgiu entre os ligadores e instaladores devido à semelhança com a caverna da série de televisão e quadrinhos Batman, dos anos 60, por ser muito fria devido ao ar condicionado que - segundo a chefia - "era para os equipamentos e não para os funcionários" e à meia escuridão, associada ainda ao constante barulho dos relês funcionando, acionados pelos assinantes (quando discavam números em suas casas).


Desfile de funcionários da Telesp, no Sete de Setembro de 1991, pela orla da praia santista
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Passo a passo - Devido ao prefixo dos telefones que ali funcionavam, o nome oficial era 04, seu equipamento era do tipo "Passo a Passo", denominação cuja história me foi contada pelo funcionário Arnaldo de Oliveira, REE 35.850-5 (falecido em 21 de dezembro de 2007, aos 62 anos): estaria ligada ao tempo em que na cidade de Chicago (EUA) havia dois agentes funerários e toda ligação necessitava de uma telefonista, para interligar ou completar com a localidade ou número com o qual se desejava falar. Este sistema telefônico era conhecido como serviço magnético, pois precisava-se acionar uma manivela para dar energia ao aparelho e assim acioná-lo.

Toda vez que morria alguém, ligava-se para a telefonista pedindo o serviço de uma funerária, e era justamente a esposa de um dos agentes funerários que trabalhava na empresa de telefonia; assim, passava todos os pedidos desse tipo de serviço para seu marido. O outro agente funerário, sr. Stronger, com o tempo disponível para se ocupar em eletrônica, da qual gostava, e sentindo-se lesado, acabou por inventar um sistema mecânico onde a telefonista não seria mais necessária e as ligações seriam completadas segundo um código de números discados, nascendo assim o tal sistema "Passo a Passo".


Técnico de Telecomunicações da Central 4, Arnaldo de Oliveira, falecido em 21/12/2006
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Ângela Maria - Esse funcionário, o Arnaldo, trabalhou nessa central do final dos anos 60 até 1997, quando se aposentou; era um negro natural de Sorocaba, conhecido como "Ângela Maria", pois conseguia imitar a voz dessa artista que admirava muito, de forma que muita gente acreditava estar ouvindo uma gravação, ficando muito surpresa ao se deparar com o técnico trabalhando e cantando muito feliz no DG.

Quando Arnaldo veio trabalhar na empreiteira em Santos, seu serviço era justamente o de fazer buracos, com enxada, para a colocação de postes de orelhões ou para a passagem de fiações em calçadas e suas caixas. Devido à sua pontualidade e responsabilidade, num teste feito pela empresa obteve boa pontuação, e assim acabou sendo contratado como funcionário efetivo da empresa.

Naquela época, quem preparava o concurso para admissão dos funcionários novos era o setor administrativo local, sendo comum que pessoas que trabalhavam nas empreiteiras fossem escolhidas para esses testes, assim como ocorreu comigo em julho de 1988. Arnaldo era conhecido por ser bom cozinheiro, sendo que seu primeiro emprego fora de açougueiro em Sorocaba.

Gostava muito de crianças e era muito emotivo: uma vez começou a chorar vendo o livro Arte Sacra do Convento de Nossa Senhora das Mercês da Bahia, ao ver o Cristo Jesus todo chagado. Quando lhe perguntei o por quê do choro, ele, me mostrando a Virgem com o menino no colo me disse: "
Imagina essa mãe ao ver seu filho assim desse jeito, sendo que um dia foi criança em seu colo...".

Arnaldo também era conhecido por contar histórias para crianças e adultos. Em uma delas, brincando com a vida além-túmulo, contou: "Aí 'tá você no céu com seus amigos tomando chá de lírio branco e comendo torradas de trigo celeste, nesse momento o Arcanjo Miguel fala que vai mostrar os pobres pecadores no inferno. Tocam as trombetas a marcha do Zé Pereira e uma grande cortina é afastada, revelando uma janela; nesse momento todos puderam ver uma festa  em estilo romano, com porcos, bois, carneiros e frangos sendo assados no espeto, pessoas comendo e bebendo, muitos dançando no que parecia um baile de carnaval; aí, ao escutarem um barulho, era eu e minha amiga desmaiando, enquanto que o chefe da seção falava baixinho que as torradas estavam amanhecidas...". Assim era a criatividade do ligador Arnaldo.


Arnaldo de Oliveira era conhecido como Ângela Maria, por sua capacidade de imitar a cantora
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Histórias à parte dessa central... Segundo alguns, foi o penúltimo lugar onde esse sistema funcionou - até 10 de janeiro de 1995, quando entrou em atividade a central moderna, com mais capacidade para números telefônicos aumentando a oferta de linhas disponíveis, sendo um serviço totalmente eletrônico.

Mas ocorreu um imprevisto, quando da troca de todos os assinantes a partir do número 284-0101 até o 284-9999 (antigos 4-0101 até o 4-9999). Esse fato, motivo de muitas reclamações no jornal A Tribuna, foi um inferno na vida dos ligadores - que entravam às 08h00 e só saíam depois das 24h00, tudo para sanar o problema que ficava mais grave à medida que - para favorecer os assinantes mais importantes (hospital, bombeiro, polícia, farmácia etc.) - não se usou uma solução mais prática, proposta pelos ligadores, que seria a de identificar cada assinante e retornar sua fiação à facilidade correta, o que foi rejeitado.


Desfile de funcionários da Telesp, em 7 de setembro de 1990, pela orla da praia santista
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Preservação e destruição - A antiga central foi demolida por dentro, mantendo-se o prédio externo com algumas alterações, mas seu telhado preservado está parado no tempo, onde os vigamentos de pinho inglês possuem grandes números em algarismos romanos para servir como um quebra-cabeça na hora da montagem, em muito lembrando a construção naval inglesa do tempo de navios de madeira.

Já os seus antigos equipamentos eram uma mistura de nacionalidades: ingleses até o início da 2ª Grande Guerra, quando por motivo do afundamento de navios britânicos foi necessário importar equipamentos do Canadá, para suprir a demanda da expansão telefônica em Santos, surgindo posteriormente os equipamentos estadunidenses.

Tudo foi cortado com possantes serras e levado para carros de entulho, pois (curiosamente) existiam muitos equipamentos de cobre, inclusive seus parafusos. Assim desapareceu essa antiga central, cuja grande sala foi dividida em salas menores e o espaço reaproveitado.

A Central Hum (1) funcionou na Rua Itororó N° 58. A Central Dois (2) era na Rua Brás Cubas nº 340 - em prédio onde ainda hoje podemos ver o alto-relevo de um sino (logomarca de antiga empresa de telefonia) acima da porta principal - e foi inaugurada em 15 de janeiro de 1935, pondo fim ao serviço magnético em Santos.

Na Central Dois funcionaram também as linhas do prefixo 03, pois as centrais tinham o nome do primeiro prefixo de telefone implantado e não um número de identificação cronológica.


Central dos telefones da linha 4. O equipamento à direita era chamado "Horizontal" - DG (Departamento de Geradores) e à esquerda, os relês (um para cada número telefônico), chamado de "Vertical". Uma área bastante barulhenta...
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

O DG - DG ou Departamento de Geradores era onde estava a "horizontal" ou saída do número telefônico para a rede externa, começava no número 4-0000 e ia até o número 4-9999, sendo os assinantes identificados por uma numeração de código.

Quem trabalhava aqui era o Auxiliar Técnico de Rede - popularmente chamado de "ligador", que tinha de soldar a fiação para instalar a linha, e retirar a solda e a fiação quando um assinante requeria mudança de endereço. Havia o cuidado de verificar as "Caloríficas", uma espécie de pequeno fusível que protegia dos raios a casa do assinante e a central, pois era muito comum eles atingirem a rede ou ocorrerem altas voltagens, geradas por acidentes com a fiação elétrica. Em tais casos, as caloríficas se soltavam e caíam, sendo necessário verificar as lâmpadas que se acendiam como alarme e procurar pelo defeito para saná-lo, recolocando a calorífica correspondente.

Podemos ver a fiação que deles saía para os cabos nas "verticais", e delas - pelo subterrâneo ou "Galeria de Cabos" - ia para as ruas. Nesse local ainda hoje existe muita cabeação externa de cobre encapada por pano ou papel, que foi abandonada devido à sua substituição por materiais mais modernos.

O CT - CT ou equipamento da central era o local onde se gerava a alimentação de cada linha e era marcado o consumo de cada assinante. Ocorria muitas vezes de um desses equipamentos - o popular relê - emperrar durante a discagem do telefone na casa do assinante. Então, no maquinário era disparado um alarme e o conservador (técnico da central) rapidamente ia verificar o que estava ocorrendo e sanar o problema. Hoje em dia a informatização eliminou os seis conservadores que trabalhavam em escala de revezamento nessa central, sendo necessário se adaptar à chamada era da informática para assumir o posto de serviço.


Mesa de testes de instalações telefônicas, remanescente da II Guerra Mundial (exceto o telefone branco, mais moderno). Foi salva da destruição a machadadas e enviada para museu
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Mesa de testes - A Mesa de testes era o local onde eram testados os números com defeito. Ali era apurado se o "APA" ou aparelho telefônico estava fora do gancho, motivo pelo qual era acionada uma espécie de sirene, que muitas vezes chamava a atenção do proprietário para rapidamente colocar o fone no gancho.

Ocorriam problemas de voltagem ou cruzamento com outras linhas, o que dificultava a ligação, sendo um problema que, ao ser constatado, era solucionado com os instaladores na rede externa. Também problemas relacionados ao excesso de extensões eram detectados, ou o mau funcionamento do disco do aparelho doméstico (hoje trocado pelo teclado digital).

A antiga mesa de testes foi usada até que chegaram as modernas. Pertencente ao início do séc XX, a meu pedido foi levada para o Museu do Telefone em São Paulo, para que escapasse da marreta. Infelizmente, o aparelho telefônico antigo e preto, chamado popularmente de "Pé de Elefante", foi levado alguns dias antes dessa foto, por uma pessoa influente, sendo colocado em seu lugar um aparelho mais frágil dos anos 70.

Para ligar a cabeação externa à mesa de testes era usado um cordão elétrico recoberto por pano chamado de Gigher, com um dispositivo nas pontas dos fios chamado popularmente de jacaré por se assemelhar a esse animal. Na outra extremidade ficava um pegador para conectar ao encaixe e assim poder testar a voltagem da linha externa com o instalador, pois somente com a isolação limpa era que a linha funcionaria perfeitamente, sem o popular barulho de "mastigar bolachas" (estática).


Mecanismo de relojoaria marcador dos pulsos telefônicos, que comandava a contagem desses pulsos (um a cada 4 minutos) para a cobrança das ligações locais feitas pelos assinantes
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Pulsos - O relógio marcador dos pulsos era um equipamento inglês com dois enormes pêndulos que ficavam constantemente balançando a esquerda para a direita, e possuíam uma engrenagem que, a cada minuto, movimentava uma pequena trava numa roda dentada que marcava um pulso elétrico; dessa forma eram marcados os minutos de consumo de cada ligação. Era por isso que as pessoas escutavam um "clic", durante as ligações. Tal equipamento, por fim, passou a enfeitar a parede de uma seção.

A Central do 102, 103 e 104, ou central de "Auxílio à Lista", funcionava antes no andar superior da Rua Braz Cubas, 340, sendo transferida para Av. Washington Luiz, 233 (esquina da Avenida Rodrigues Alves), no início da década de 70, até a digitalização e terceirização do serviço no ano 2000, quando foram as telefonistas remanejadas para outros setores e dispensadas em 2003.


Mesa da monitora das telefonistas, que controlava as chamadas em espera
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

Na foto, vemos em primeiro plano a mesa da supervisora, que prestava atenção em uma numeração que aparecia no visor, referente ao número de pessoas aguardando atendimento, e não podia passar de 5 senão ela falava com as demais telefonistas para sanar o problema. A mesa das telefonistas usava o equipamento do início do séc XX, mas apenas com as "Pegas", para captar a ligação e o fone moderno vulgarmente chamado de "Miguelão", devido ao nome da firma que os produzia no Brasil.

Eram conhecidas as telefonistas tanto pelos seus préstimos para a população quanto na Telesp pelos lautos festins de bolos, doces e salgados que, unidas, promoviam nas datas de aniversário, dia da telefonista, dia da mulher, dia do aumento de salário, dia da meta mensal atendida, Carnaval, Páscoa, dia da Pátria, Natal, Ano Bom, feriados prolongados e outras datas escusas a meu conhecimento. Existia até um quadro de avisos, onde podiam ser afixadas novas receitas para as demais fazerem uso delas: ficava ali bem pertinho do quadro de escala de revezamentos.

Trabalhando em regime de plantão e escala de revezamento, elas desempenhavam seu serviço por seis horas diárias, existindo até um pequeno quarto com camas para seu descanso, que muito serviu durante os piquetes das greves, nas quais as valorosas operárias mantiveram o serviço com o próprio sacrifício voluntário, para não privar a população do atendimento de 102, 103, e 104. Também ocorriam eventuais dobras de serviço, principalmente na temporada de férias ou em datas festivas, quando a quantidade de profissionais era totalmente insuficiente para atender à demanda, surgindo assim uma ótima oportunidade de se ganhar horas extras.

(*) Francisco Carballa, ex-funcionário da Telesp, é pesquisador e professor de História em Santos.


O autor, trabalhando em uma antiga central telefônica
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP


Em dezembro de 2002, o autor e a colega Carmen, baixando boletins de Ordem de Serviço (BOS) relacionados a instalações, retiradas, mudanças de números ou consertos de linhas
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP


O autor, baixando os boletins de Ordem de Serviço, também em dezembro de 2002
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP


Ainda no último mês de 2002, o supervisor Vitor, o autor e a colega Marta Alcântacara, na sala em que eram baixados os boletins de Ordem de Serviço (BOS)
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa, de Santos/SP

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