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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Em 2010, surgem os documentos secretos (2)

Arquivos da polícia política dos tempos da repressão aparecem no Palácio da Polícia em Santos
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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna em um sábado, 27 de fevereiro de 2010, nas páginas 1ª e A-8:
 


Funcionários do Arquivo Público do Estado examinam o material encontrado em Santos. Mais de 6 mil dossiês foram enviados para a Capital

Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria, na primeira página

DEOPS

A história que a poeira encobriu em Santos

Esquecidos no tempo, eles estavam em uma sala do Palácio da Polícia, em Santos, e ontem foram levados ao Arquivo Público do Estado, na Capital. São documentos secretos do Departamento Estadual de Ordem Pública e Social do Estado de São Paulo (Deops). O conteúdo: um riquíssimo acervo de um longo período da história do País.


Representantes da OAB e do Arquivo Público do Estado de São Paulo vistoriaram a documentação localizada em uma sala do Palácio da Polícia
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

HISTÓRIA
No Palácio, os arquivos secretos

Mais de 6 mil dossiês referentes a presos políticos foram removidos para a Capital. Estavam abandonados em Santos

Tatiana Lopes e Renato Santana
Da Redação

Arquivos secretos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops-SP), encontrados esta semana em uma sala do Palácio da Polícia, no Centro de Santos, foram levados ontem à noite para o Arquivo Público do Estado. Três caminhões fizeram o transporte, para a Capital, das 600 pastas e caixas contendo mais de 6 mil dossiês.

"É uma documentação riquíssima, com amplo espectro de interesse histórico. Compõe o fundo do Deops que nós mantemos desde 1994", disse o coordenador do Departamento de Preservação e Difusão de Acervo do Arquivo Público do Estado, Lauro Évila Pereira. O Deops era a polícia política do Estado de 1924 a 1983.

Pereira afirmou que, por conta do estado de conservação, há pequenas perdas de informação. Cupins e traças atacaram os documentos durante os aos, mas com totais possibilidades de estancar o problema. "O valor histórico do material para a memória social é grande", comemorou.

A documentação passará agora por tratamento de recuperação para ser aberta ao público. "A lei é clara: documentação de caráter permanente, produzida pelo Governo do Estado, tem que ser recolhida ao arquivo. Nesse caso, o mais rápido possível, devido ao nível de infestação do material", explicou.

Ao comentar o abandono do arquivo, Pereira disse nunca ter visto algo semelhante em órgãos públicos: "Com esse perfil de documentação, especificamente, eu nunca vi".

Abandono - O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Martim de Almeida Sampaio, disse que irá pedir ao Ministério Público (MP) que apure as razões pelas quais arquivos importantes estavam jogados e não foram entregues ao Arquivo do Estado. "São documentos que fazem parte da nossa história recente", argumentou o advogado. A deputada estadual Maria Lúcia Prandi (PT) representará ao MP pedido de mesma natureza.

Almeida também pretende procurar o secretário de Justiça do Estado para ver que providências serão tomadas. "Queremos que toda a população, pesquisadores, jornalistas e demais interessados tenham acesso ao acervo".

O delegado Waldomiro Bueno Filho, diretor do Departamento de Polícia do Interior (Deinter-6), disse que não sabia da existência dos documentos até a semana passada, quando foi procurado pela Folha de S. Paulo. O jornal fez a denúncia na edição de ontem.

O diretor do Deinter acredita que os arquivos estejam no prédio desde a sua construção, há 58 anos. Segundo o delegado, a sala onde estão guardados os documentos funciona como um arquivo generalizado, que contém não só arquivos da época da ditadura militar (1964 a 1985). "Era um arquivo da Comunicação Social que guarda a história da Polícia. Tem documentos da prisão de escravos, tudo que era de interesse da Polícia na região era arquivado ali", explica Bueno Filho.

"Mas nunca foi secreta, não fica trancada a oito chaves. A sala é secreta por um motivo só, ela foi atacada pela maior variedade de artrópodes que é possível imaginar: barata, cupim, pernilongo, traça. Se você espirrar na sala, ela desmonta".

Quando tomou conhecimento da importância histórica dos arquivos, Bueno Filho solicitou a formação de uma comissão de expurgo de documentos e contatou o Arquivo Público do Estado para analisar o material.

Vladimir Herzog - Bueno Filho se defende da acusação citada pela Folha de S. Paulo de que ele teria participado de sessões de tortura do jornalista Vladimir Herzog, morto em 25 de outubro de 1975.

Segundo o delegado, na época, sua suposta participação foi apurada e esclarecida publicamente. "Me confundiram com um tal de japonês, que foi o carcereiro do Vladimir Herzog, porque eu tenho o olho puxado e os investigadores sempre me chamavam de japonês. Eu nunca nem passei na porta do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), nem sei onde fica. Nem nunca tive acesso ao Vladimir Herzog. Na época, eu era investigador de roubo a banco. Não tinha nada a ver com a Polícia Política", disse.


Pastas localizadas em Santos foram levadas em caminhões para Capital
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria

Arquivo do Estado mantém acervo aberto ao público

"Quem tiver interesse em pesquisar documentos do Deops-SP pode procurar o Arquivo Público do Estado. O acervo é formado por 1 milhão e 100 mil fichas policiais, 150 mil prontuários, 9 mil pastas com dossiês, 1.500 pastas de ordem política e 2.500 de ordem social.

Criado em 30 de dezembro de 1924 e regulamentado em 17 de abril de 1928, o Deops tinha como objetivo prevenir e reprimir delitos considerados de ordem política e social contra a segurança do Estado.

Após sua extinção, em 4 de março de 1983, até o final do ano de 1992, seu arquivo ficou sob a guarda da Polícia Federal. Por meio de decreto de 19 de novembro de 1991, o acervo passou à guarda do Arquivo Público do Estado.

Até 1994, seu acesso ficou restrito aos familiares de presos e desaparecidos políticos. Depois desse ano, com base na resolução nº 38, de 27 de dezembro, o arquivo foi aberto à consulta pública, mediante a assinatura de um termo de responsabilidade pelo consulente.

O Arquivo Público do Estado fica na Avenida Cruzeiro do Sul, 1.777, em Santana, São Paulo, ao lado da estação Tietê. A consulta pode ser feita de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas. Não é preciso agendar horário.

Quem tiver interesse pode pedir a digitalização ou microfilmagem de documentos. O material é pago e fica pronto em 15 dias. Também é permitida a reprodução fotográfica dos arquivos, desde que não seja usado o flash da câmera. Informações pelo telefone (11) 2089-8100.

A mais recente descoberta sobre arquivos do Deops de SP tinha ocorrido em agosto do ano passado, na região de Bebedouro. Os documentos estão em processo de higienização e dentro de alguns meses poderão ser consultados pelo público. Provavelmente esse será o destino da documentação encontrada em Santos.

PESQUISA

O Deops funcionou de 1924 a 1983. Seu acervo pode ser consultado de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas

 

Material revela vigilância constante

Os agentes do Deops estavam em todos os lugares. Bastava ter o mínimo indício do que eles consideravam resistência política. Nos arquivos do Palácio da Polícia, há desde relatórios detalhados sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, guerrilheiros dos mais temidos pela ditadura que tinham bases na região, espiões nazistas que poderiam, em 1943, chegar ao Porto disfarçados, até uma simples reunião da Sociedade Amigos do Morro do Pacheco.

A imprensa também era vigiada. Em pelo menos duas pastas relativas ao jornal O Diário, matérias grifadas em vermelho com anotações apontando críticas ao governo golpista. Quando foi fechado pela direção dos Diários Associados, grupo de Assis Chateaubriand, em 1967, foi alvo de um episódio curioso.

Os jornalistas de O Diário se reuniram em assembléia, no dia 4 de março, para exigir o pagamento de seus direitos. O agente infiltrado no encontro escreveu um relatório detalhado. Nele, concorda com as reivindicações dos jornalistas, que não receberam o prometido.

Contudo, condena a escolha dos advogados: "O dr. Dante Leoneli, advogado dos jornalistas, é reconhecidamente subversivo, comunista e doutrinador marxista-leninista. (...) Já o dr. Gilberto Marques de Freitas Guimarães chegou a fugir da Cidade com medo de ser preso por suas atividades subversivas".

Pode-se verificar investigações sobre padres, políticos, líderes estudantis (são dezenas de documentos sobre ações do movimento estudantil), sindicalistas e militantes. Até empresas eram monitoradas pelos agentes. O material estava dividido por temas, incluindo todo material que saiu da Cadeia Velha, principalmente com dossiês da ditadura do Estado Novo, liderada por Getúlio Vargas. Há ainda material relativo ao século 19.

Além dos documentos, alguns livros. Entre eles, as obras completas do líder comunista soviético Lênin, um livrete com a nova orientação aos comunistas, de 1962, ano do racha no Partido Comunista do Brasil (PCB) e uma obra em espanhol com a ação subversiva na Argentina - estima-se que seja por conta da Operação Condor, plano de cooperação entre as ditaduras da América Latina.

Luiz Carlos Prestes tem pelo menos três pastas de relatórios e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), candidato a governador do Estado nas últimas eleições, foi vigiado de 1962 a 1967. Até idas ao cinema eram monitoradas, com suspeitas de reuniões subversivas. Como em todos os relatórios, não estava assinado pelos agentes.

Marilu Maffei Penna, atual coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Santos, estava no show que Chico Buarque fez em 1972 no Colégio Canadá e foi vigiada a pedido do chefe da polícia política na época, Romeu Tuma.

A apresentação foi promovida pelo Centro Acadêmico da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos (UniSantos), vigiado em vários momentos, sendo o último documento encontrado datado de 1984.

Na ocasião, os estudantes organizaram um debate com os candidatos a prefeito.

Os documentos da Academia de Polícia da região também serão encaminhados ao Arquivo do Estado.

Em Praia Grande, o material conta com o inquérito original do Crime da Mala (o assassinato de Maria Fea) e da morte de Santos Dumont. [RS]


Ex-vereador Nélson Fabiano é citado em documento sobre Prestes
Imagem: reprodução por Alberto Marques, publicada com a matéria

Revelação

A suspeita sobre um arquivo secreto do Deops abandonado no Palácio da Polícia, em Santos, veio à tona há duas semanas. O radialista João Carlos Alckmin, que apresenta um programa semanal na Rádio Piratininga, de São José dos Campos, região do Vale do Paraíba, recebeu um telefonema anônimo.

"O senhor tem interesse em saber onde estão escondidos os arquivos do Deops que não vieram a público?", indagava uma voz masculina do outro lado da linha.

Ao responder que sim, o interlocutor continuou: "Eles estão em uma sala, no Palácio da Polícia, em Santos, no segundo andar, perto do elevador, ao lado do gabinete do diretor de Polícia".

De posse dessa informação, o radialista formalizou a denúncia ao conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Arley Rodrigues, que encaminhou o caso ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem, Martim de Almeida. [TL]


Ficha confidencial sobre Lamarca estava no acervo encontrado
Imagem: reprodução por Alberto Marques, publicada com a matéria

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