Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0285z3.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/26/05 17:24:18
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Corvo e a anistia, 40 anos depois

AI-2 legalizou todos os atos do Legislativo Santista que levaram à cassação
Leva para a página anterior
Matéria publicada no jornal santista A Tribuna em 15 de setembro de 2004:
 
RESGATE
40 anos depois

Cassado pela Câmara em 6 de abril de 1964, Luiz Rodrigues Corvo foi homenageado ontem, na Sala Princesa Isabel

Luiz Gomes Otero
Da Reportagem

Quarenta anos depois de ter tido o seu mandato cassado, no primeiro mês de vigência do regime militar no Governo Federal, o advogado e ex-vereador Luiz Rodrigues Corvo teve sua trajetória na política reconhecida pelo Legislativo santista. Em uma sessão realizada na noite de ontem, ele retornou ao plenário, desta vez, para receber uma homenagem, viabilizada por meio de uma indicação do vereador Uriel Villas Boas (PCB).

Em 1963, com apenas 22 anos, Corvo, então um estudante universitário de Direito, filiado ao então Partido Republicano (PR), obteve uma votação expressiva, com 1.734 votos, ficando atrás somente do vereador Fernando Oliva, que registrou 1.739 votos, ou seja, cinco a mais do que o jovem estreante.

Entretanto, ele acabou sendo cassado pela Câmara no dia 6 de abril de 1964. Exatamente três dias antes do primeiro Ato Institucional decretado pelo regime militar do Governo Federal, que sucedeu o período da renúncia do presidente Jânio Quadros e a deposição do seu vice, João Goulart. Na prática, Corvo pode ser apontado como um dos primeiros políticos cassados no País naquela ocasião.

Ele relembra como surgiu o interesse pela política. "Meus pais eram admiradores de Getúlio Vargas. Nós morávamos em uma casa modesta no Centro, na Rua São Francisco. E lembro de ver minha mãe chorando, ouvindo no rádio a carta-testamento e a notícia de seu suicídio. Foi a partir desse instante que eu passei a me interessar pela política".

Corvo estudou nos colégios José Bonifácio e Santista, antes de ingressar na Faculdade de Direito de Santos. E sempre esteve engajado com os movimentos estudantis e sindicais, antes de se lançar como candidato a vereador.

"A minha entrada na política foi algo bem natural. Muitos se surpreenderam com a minha votação, até mesmo pelo fato de ser um estreante. Mas o fato é que sempre fiz um trabalho de base forte com o eleitorado", afirmou o ex-vereador.

LEMBRANÇA

"Muitos se surpreenderam com a minha votação,
até mesmo pelo fato de ser um estreante"

Luiz Rodrigues Corvo
Advogado e ex-vereador

Naquela época, a realidade da Câmara era bem diferente da atual. Ao invés das 21 vagas atuais (para a próxima legislatura, devem ser eleitos 17), havia 11 vereadores eleitos na Cidade. "Apesar disso, a eleição era bastante disputada. Também havia muitos partidos políticos, como hoje".

Ao assumir o cargo, em janeiro de 1964, o PR, partido de Corvo, mantinha uma bancada com dois integrantes (Carlos Morais Carneiro era o outro vereador). O Legislativo era presidido por João Inácio de Souza (PTB), o Joãozinho de Instituto, pai da atual deputada federal Telma de Souza (PT), que concorre atualmente na eleição municipal.

A Câmara contava ainda com os então vereadores Oswaldo Justo (pelo PDC), José Gonçalves (coligação PTB-PSD), Matsutaro Uehara (PSP), Aristóteles Ferreira (PSP), Benjamin Goldenberg (PRT), entre outros.

Entretanto, com o advento do Golpe Militar, ocorrido no final de março de 64, Corvo passou a enfrentar resistências ao seu trabalho dentro da própria Câmara. "Esta mobilização culminou com o pedido de um grupo denominado Movimento de Arregimentação Feminina, que exigiu a minha cassação. O vereador Renato Ferreira Rocha foi o autor do projeto de resolução, que acabou sendo aprovado por unanimidade, em uma sessão extraordinária do dia 6 de abril".

A partir deste instante, ele passou a sofrer pressões de vários setores. "Solicitei um afastamento por licença médica, que acabou sendo negado. Depois disso, entrei com uma ação na Justiça para garantir o exercício de meu mandato. O lado irônico é que, depois que eu obtive a vitória na Justiça, em abril de 1965, o Governo Militar decretou o Ato Institucional nº 2, que tornou legais todos os atos do Legislativo que cassaram o meu mandato".


Corvo foi eleito em 1963, aos 22 anos, pelo então Partido Republicano (PR), obtendo 1.734 votos
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria

Corvo acabou preso em 1965

Em abril de 1965, Luiz Rodrigues Corvo acabou sendo preso e levado para o 2º Batalhão de Caçadores (2º BC) de São Vicente, onde permaneceu por cerca de um mês, até ser transferido para a Cadeia Pública do Centro, na Avenida São Francisco. Neste local, ele ficou detido por mais três meses, até ser solto depois da aprovação de um habeas corpus pela Justiça.

"Depois desse episódio e do trauma da cassação, me desiludi com a política, embora nunca tenha deixado de permanecer interessado pelo assunto. Montei um escritório na Capital, onde me especializei em Advocacia Empresarial. E continuo atuando nesta área até hoje", informa o ex-parlamentar.

Atualmente, Corvo se considera um observador atento da evolução política do País. "Colaborei com as campanhas do Mário Covas para o Governo do Estado e do Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República. Mas sempre atuando de forma discreta. Nunca mais quis entrar na vida política, de forma efetiva".

Sobre a atual política do Governo Federal, conduzida pelo presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, Corvo lembrou a trajetória do PT até a chegada ao poder. "Depois de tanto criticar os governos, o PT acabou fazendo exatamente o mesmo que as administrações que o antecederam. Tudo isso em função da questão da dívida externa e da característica globalizada da economia mundial".

Comparando a sua época com a atual, Corvo lembra que o momento que o mundo atravessava era bem diferente da realidade atual. "A década de 60 foi o auge da chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, que hoje não existe mais. Some-se isso ao fato de que estávamos sob um regime de governo que coibia a liberdade de expressão, em vários aspectos".

No que se refere à questão da fidelidade partidária, Corvo relembra que, até o Golpe Militar, os vereadores permaneciam por mais tempo em seus respectivos partidos.

"Havia uma troca mais intensa de legendas em outras esferas, ou seja, na Assembléia Legislativa do Estado e no Congresso Nacional. Hoje em dia, o vereador é eleito por um partido e termina o mandato em outra legenda. Acho que deveria haver uma fiscalização mais rigorosa no País, com o objetivo de garantir a fidelidade partidária".


Ladeado pelos vereadores Uriel e Gonzalez,
Luiz Corvo (à dir.) diz que Legislativo corrigiu equívoco
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria

Homenageado tenta controlar a emoção na Câmara

Evandro Siqueira
Da Reportagem

Na sala da Presidência do Legislativo, Corvo tenta controlar a emoção. Recebe os amigos com abraços longos e sorriso no rosto. Mas não consegue esconder: está ansioso por voltar ao plenário da Sala Princesa Isabel pela primeira vez após a cassação do mandato, em 1964.

Entre um cumprimento e outro, ele conversa com jornalistas. Repete exaustivamente que a homenagem é, para ele, uma forma de a Câmara corrigir um equívoco cometido há 40 anos.

São 19h51. O presidente da Câmara, Odair Gonzalez, abre a sessão solene. Ao ser anunciado, Corvo entra calmamente no plenário onde teve o mandato cassado. De terno preto, ele segura uma rosa. E toma seu lugar à mesa.

O autor da homenagem, vereador Uriel Villas Boas (PCB), discursa primeiro. Relembra a trajetória do então jovem político que, embora tenha ficado apenas 44 dias na Câmara, "travou debates memoráveis" com figuras já experientes.

Em seguida, Corvo recebeu a placa em que o Legislativo santista tenta reparar o erro que cometera. Deixou-a sobre a mesa, tomou meio copo d'água e dirigiu-se à tribuna, ainda carregando a rosa.

Sem alterar o tom calmo de voz, falou durante aproximadamente 30 minutos, usando sempre a terceira pessoa do singular. "Esta homenagem não é para mim", explicou. "É para aquele rapaz de 22 anos que sofreu uma injusta cassação de mandato".

Após descrever o curto período em que atuou como vereador, fazer críticas a governos atuais e prestar uma longa declaração de carinho por Santos, Corvo pediu permissão para quebrar o protocolo. Desceu da tribuna e entregou à mulher Cleide - a quem chamou de "rainha do coração" - a rosa que segurava desde o início.

Na platéia, as filhas do homenageado choravam a cada palavra do pai. Mas Corvo manteve-se firme. Não deixou escorrer uma única lágrima. E terminou dizendo ter esperança de que um dia a política seja do jeito que ele planejava: "O sonho não acabou".


Imagem: reprodução, publicada com a matéria

Memória

Na edição do dia 7 de abril de 1964, A Tribuna noticiava a cassação do mandato do vereador Luiz Rodrigues Corvo, aprovada por unanimidade em uma sessão extraordinária realizada no dia anterior.

A matéria reproduzia o relatório da Comissão de Justiça e Redação, presidida pelo vereador Renato Ferreira Rocha, também autor do projeto que originou a cassação, cujo parecer foi concluído da seguinte forma: "A ninguém é lícito duvidar que a posição ideológica do vereador Luiz Rodrigues Corvo, perfeitamente integrado nas forças que ameaçaram a segurança e a soberania nacional, razão pela qual manifestamo-nos favoráveis ao projeto de resolução". O cargo de Corvo foi deixado vago, "como medida de salvação nacional".

Leva para a página seguinte da série