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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Autonomia e imprensa (1)

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.

Essa história pode ser contada através das capas e principais páginas dos jornais locais. Uma seleção dessas páginas consta na obra Sombras Sobre Santos - O Longo Caminho de Volta, de Ricardo Marques da Silva e Carlos Mauri Alexandrino (ed. da Secretaria Municipal de Cultura, Santos/SP, 1988).

A primeira data relevante é 16 de junho de 1964, uma terça-feira. O jornal é o extinto O Diário, de Santos:

Prefeitura de Santos
Cassado José Gomes
Empossado Ridel

Em sessão extraordinária, com a presença de todos os vereadores, a Câmara, por unanimidade de votos (31), elegeu ontem, pela manhã, o novo prefeito, Capitão-de-Fragata Fernando Horta Ridel e o vice, Major do Exército, José Amaral Garboggine.

O ex-prefeito José Gomes, que teve o seu mandato cassado domingo último, não assistiu nenhuma das solenidades realizadas no dia de ontem, tanto na Sala "Princesa Isabel", como no Salão Nobre do Paço.


PODER MILITAR E CIVIL - O primeiro, da esquerda para a direita, representa o poder militar na foto: comandante Júlio de Sá Bierrenbach, Capitão dos Portos. Os segundo e quarto do flagrante, no mesmo sentido, são militares que galgam o poder civil: Capitão-de-Fragata Fernando Ridel e major José Amaral Garbogine, eleitos prefeito e vice de Santos. O último, à direita, é outro representante do poder civil, o Delegado Auxiliar, da 7ª Divisão Policial, sr. Bolivar Barbanti. Ao centro o radialista Carlos Baccarat.

RIDEL ASSINA POSSE - O novo Prefeito de Santos, Capitão de Fragata Fernando H. Ridel (clichê) quando assinava o termo de posse, em solenidade realizada no Plenário da Câmara Municipal, na manhã de ontem. Santos viveu ontem sob intensa expectativa, surgindo algumas tristezas (por parte dos correligionários do ex-chefe do Executivo) e alegrias estampadas na fisionomia dos opositores do sr. José Gomes.


JOSÉ GOMES: "AGUARDO A JUSTIÇA DE DEUS - A DOS HOMENS FALHOU" - Com exclusividade, o ex-prefeito José Gomes concedeu entrevista a O Diário, abordando os lances dramáticos da cassação do seu mandato, frisando em determinada oportunidade que "espera agora somente a Justiça de Deus, pois a dos homens falhou completamente". Não pretende se ausentar da cidade, cogitando apenas repousar uns dias para recuperar as energias perdidas nos últimos dias. Outros importantes pormenores foram abordados pelo ex-chefe do Executivo santista que, estimulado pela cassação do seu mandato, pretende voltar para sentir nas urnas o julgamento do povo de sua terra.
No clichê, o sr. José Gomes recebe de sua esposa e do júnior (alheio ao que se passa) o estímulo tão necessário nessa hora de amargura vivida intensamente pelo ex-prefeito.

AO POVO DE SANTOS

Ao deixar a Prefeitura, por determinação de ato do Exmo. Sr. Presidente Humberto Alencar de Castelo Branco, que me cassou o mandato de Prefeito Municipal e os meus direitos políticos pelo prazo de dez anos, dirijo-me ao povo de Santos para afirmar publicamente:

1 - Acusado por notórios inimigos políticos, desde o dia em que fui investido no cargo, não me desviei da preocupação de administrar retamente o Município, que procurei servir no limite extremo de minhas forças.

2 - De origem muito humilde, trabalhei árdua e lealmente para merecer o respeito de meus concidadãos. Honrado, extremamente honrado, pela investidura do cargo de Prefeito Municipal desta nobre cidade, cumpri o dever, governando numa quadra extremamente difícil, mas em que não me deixei perturbar pela agitação dos grupos políticos radicais que sempre se arremeteram contra o meu governo, menos por divergência política do que por capricho e obstinação de afastar-me do cargo, levado por interesses subalternos.

3 - Houvesse transigido com a fraqueza ou me acumpliciado com os grupos passionais que tomaram a empreitada de atacar-me leviana e injustamente, hoje teria motivos para arrepender-me, ainda que a transigência significasse minha permanência no cargo.

4 - Saio tranqüilo, sem mágoa, com minha consciência cívica íntegra e em condições de pedir a meu sucessor que devasse os atos de minha administração e a minha vida privada antes, durante e depois de ter sido Prefeito.

5 - Às autoridades civis, militares e eclesiásticas de Santos e ao meu secretariado agradeço o respeito com que sempre me honraram.

Aos leais senhores vereadores que prestigiaram o meu governo confesso a minha gratidão.

À imprensa de Santos reitero o respeito que sempre lhe prestei.

Às entidades representativas da cultura, do comércio e da indústria, e aos clubes de servir, testemunho os meus agradecimentos pelas constantes manifestações de confiança com que prestigiaram a minha administração.

Aos leais funcionários e servidores da Prefeitura, agradeço a lealdade de sua colaboração.

Aos trabalhadores de Santos proclamo a certeza de que as conquistas sociais são irreversíveis.

6 - Tudo fiz para administrar com eficiência. Prestigiei o quadro funcional da Prefeitura, liberando-o, com justiça e na medida das possibilidades financeiras do Município, de situação de quase penúria em que o encontrei. Obras de reconhecida expressão foram realizadas em meu governo, com guarda dos princípios da mais severa probidade administrativa.

O que mais me conforta, porém, é deixar o cargo podendo assegurar ao altivo e nobre povo de Santos a certeza de que o Prefeito que sai está em condições de responder por todos os seus atos perante a autoridade constituída.

Essa tranqüila e confortadora certeza é a maior homenagem que, nesta hora, posso oferecer ao povo de Santos.

Santos, 15 de junho de 1964.

(a) JOSÉ GOMES

Ex-Prefeito José Gomes, com exclusividade
"Espero a justiça de Deus porque a dos homens falhou"

Após distribuir um manifesto ao povo santista, a reportagem de O Diário manteve contato reservado com o ex-prefeito José Gomes, em sua residência, onde repousava dos desgastes físicos provocados pelas constantes viagens dos últimos dias e em vista da intensa expectativa que viveu desde a deposição do sr. João Goulart, da chefia da Nação.

Com semblante abatido e em trajes esportes, ao lado de sua esposa, sra. Lidy Gomes e do filho caçula, o sr. José Gomes declarou: "Nada me pesa na consciência. Não traí meus amigos. Não persegui meus inimigos políticos e soube honrar a minha descendência humilde, mas de tradição de trabalho e honradez".

Justiça de Deus - "Espero a justiça de Deus porque a dos homens falhou profundamente. Acredito ter cumprido fielmente o meu dever e servido a criança da minha terra.

"Os moradores dos bairros e morros - prosseguiu o chefe do Executivo - são testemunhas dos meus esforços que visaram tão somente o bem estar da coletividade. Se o meu sacrifício representa o bem estar da cidade, abençoado sacrifício. Pretendo agora descansar ao lado de minha família, para voltar mais tarde à vida normal, dirigindo as emissoras Clube e Cacique.

"Fui surpreendido com a notícia da cassação do meu mandato, e falo isso porque há dias conversei com o Marechal Taurino Rezende, pedindo inclusive ao presidente Castelo Branco uma devassa total na minha vida pública e particular".

Respondendo a uma pergunta, o sr. José Gomes esclareceu que "não pretende abandonar a cidade, não tendo também pensado em pedir exílio político. Os Fuzileiros Navais que estão à minha porta, foram por mim solicitados ao Capitão dos Portos, visando proteger meus entes queridos. Tenho plena liberdade de locomoção".

Voltará à política - "Se apenas cassaram o meu mandato, e não os meus direitos políticos (essa parte ainda não foi suficientemente esclarecida), eu serei candidato a deputado estadual, pois tenho imenso desejo de sentir o julgamento do povo da minha terra, através das urnas.

"Todos sabem que criei dentro de Santos um governo de equipe, não olhando cores partidárias. Se terminasse normalmente o meu mandato, não iria jamais concorrer a futuros pleitos eleitorais. Entretanto, essa cassação me serviu de estímulos para retornar brevemente às lides políticas, quebrando um juramento que fiz perante minha esposa e meus filhos.

"Nas greves eclodidas durante a nossa gestão, jamais entrei para agitar e sim para mediar nas démarches e esse fato ninguém poderá contestar.

"Por essa razão é que, enquanto em cidades tranqüilas do Brasil houve quebra-quebra, na chamada agitada cidade de Santos, não houve sequer um distúrbio de ordem material" - frisou o sr. José Gomes.

Comunistas no Gabinete - "Diziam que eu recebia no meu Gabinete de trabalho, dirigentes sindicais comunistas. Mas, para esclarecer melhor a situação de um administrador público, ressaltarei um trecho do discurso pronunciado no Salão Nobre pelo Governador Carlos Lacerda quando aqui esteve.

"Naquela ocasião, eu disse publicamente: - 'Sou um homem identificado com o PTB, mas presto-lhe neste instante as homenagens que merece o representante do povo da Guanabara, com todas as honras'. Em resposta, o governador Carlos Lacerda salientou:

"'Quando levamos escolas aos diferentes bairros do meu Estado, não examino se as crianças aí residentes são filhos de comunistas, de trabalhistas ou de udenistas'

"Recorda-se ainda - disse o sr. José Gomes - o vibrante discurso de posse do Marechal Castelo Branco, na Presidência da República: - 'Serei Presidente de todos os brasileiros e não de uma facção'.

"Como então eu, como prefeito de uma cidade tipicamente sindicalista e no seu auge, poderia deixar de receber pessoas de tendências de direita ou de esquerda?", concluiu.

MADRUGADA HISTÓRICA - Militares, representando a Marinha e o Exército, reunidos com vereadores, escolheram na madrugada de ontem, após reunião que durou sete horas, os novos prefeito e vice-prefeito de Santos, Capitão-deFragata Fernando Ridel e major José Amaral Garbogine. Foi também escolhido para presidir a Câmara, em substituição ao sr. João Inácio de Sousa, que teve seu mandato cassado, o sr. Júlio Moreno, do PSD. Nenhum nome civil foi cogitado no encontro. Os elementos indicados pelo Exército e Marinha foram aprovados sem maiores problemas pelos vereadores.

 

MAJOR VICE-PREFEITO - Momento em que o Major do Exército, José Amaral Garboggine (clichê), assinava o termo de posse. Segundo ficou acertado, tanto o prefeito como o Vice, poderão se revezar nos postos máximos do Executivo santista.

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