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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - A MAIS ESPORTIVA
Memórias dos cronistas esportivos

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Estes artigos foram publicados na edição especial comemorativa do cinqüentenário do jornal santista A Tribuna (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), em 26 de março de 1944 (grafia atualizada nesta transcrição):
 
Saudade...

De colarinho alto, duro, magrinho, pequenino, nervoso, andando muito rapidamente, apareceu certa noite na A Tribuna um moço pelo qual desde logo senti simpatias, percebendo também desde logo que estava à frente de um moço inteligente e com quem iria fazer a mais estreita das camaradagens. Não tardou que conversássemos, eu e ele, como se fôramos velhos companheiros. Conhecia muito bem o ambiente esportivo do país, principalmente de tudo quanto se referia a assuntos cariocas. Ele também jogara futebol. Pertencera ao Vila Isabel. E, apesar de seu físico "peso mosca", garantia, depois, aos muitos e muitos amigos que logo conquistara, que era violento.

E era mesmo. Em vários "jogos" em que tomamos parte, pudemos todos avaliar que o moço recém-chegado do Rio era mesmo um jogador violento. Dava duro, como se diz na gíria e rebelava-se contra tudo que fosse injusto. Não tardou que ingressasse na A Tribuna. Trabalhou também na Folha de Santos e durante algum tempo secretariou o Jornal da Noite, quando este tinha sua redação na Praça da República.

Espírito muito lúcido, vivo, inteligente, sabia esgrimir magnificamente com a ironia e sabia, também, versejar com muito humorismo. Sempre tinha uma anedota para contar. Tinha sempre um fato semelhante ao que lhe estavam contando. Era estimadíssimo de todos. Como cronista esportivo tinha sua predileção por determinado grêmio local, mas em tempo algum fez injustiça a outros em benefício do clube do seu coração. Também não gostava de outro grêmio de Santos, mas igualmente a este não fazia injustiça.

No Rio, depois que deixou o Vila Isabel, quando trocou as calças curtas pelas outras, o seu grêmio era o Botafogo. Muito fez, muito trabalhou, pelo esporte em Santos. Era muito pelos pequenos. Certa vez, no campo do Espanha, rebelou-se todo contra um cavalariano, pondo-se valentemente à frente da alimária, para contender com o soldado, que vinha fazendo diabruras. Era impulsivo e corajoso. Era todo do esporte. Conhecia bem todos os esportes e deles fazia boas crônicas.

E não era apenas teórico. Em companhia de Rocha, que se cobrira de glórias fazendo a travessia Santos-Buenos Aires, fez a travessia Santos-Rio em frágil embarcação. Na redação não queriam que ele isso tentasse. Os próprios chefes eram contra. Entretanto, certa madrugada, quando se soube, a frágil embarcação já ia longe, levando seus dois tripulantes que, felizmente, dias depois, chegavam sãos e salvos às águas guanabarinas.

Esse moço bom, magrinho, inteligente, que tanto e tanto trabalhou pelo nosso esporte, hoje não existe mais.

Foi um bom amigo. Foi um bom e leal companheiro. Foi um excelente camarada e ótimo colega de redação.

Brincalhão, impenitente fazedor de trocadilhos, para tudo tinha uma frase de bom humor, como bom e leal carioca que era.

Esse moço amigo e bom, não existe mais.

Não existe, mas vive na mais carinhosa lembrança e saudade de todos nós. Recebe, Du Pain, nestas linhas, a lágrima sentida de minha homenagem à tua memória, neste dia em que o teu querido jornal completa cinqüenta anos de vida. - P.


A paixão do jornalista esportivo

Manoel Domingues
(Especial para A Tribuna)

Há dez anos, escrevendo numa edição especial da A Tribuna, do seu quadragésimo aniversário, colaborei na iniciativa original de Antônio Guenaga e Licínio Mota, reunindo em duas páginas deste órgão os artigos de todos os cronistas então militando em São Paulo e Santos. Agora, a A Tribuna, por parte dos mesmos colegas, repete a iniciativa, embora sob aspectos diferentes. De fato, muitas águas rolaram nestes dois lustros e também vários entre aqueles que apareceram subscrevendo artigos na edição de há dez anos já não trabalham mais no jornalismo esportivo.

É, por exemplo, o meu caso, que passei para outro setor da imprensa, sem, todavia, jamais renegando minhas experiências, minha luta e esforços na crônica esportiva, como "propulsor anônimo" dos esportes", conforme se dizia outrora, enfaticamente. Invés disso, retorno sempre àqueles tempos e lembro-me, com saudades, do bom futebol que acompanhei, profissionalmente; das tardes ruidosas do Parque Antártica, no campo do Paulistano, na Vila Belmiro, na tradicional Floresta, no Parque São Jorge, que era a "Fazendinha"; das impressionantes temporadas internacionais do Ferencvaros, do Lazio, do Torino, do Bologna, do Montherwl, do esquadrão luso do Setúbal (e vejo ainda seu guardião ostentando insólito par de luvas...), do Penarol, do Huracan etc., etc..

Lembro-me também de que foi no meu tempo que ocorreu a mais importante revolução no futebol brasileiro, quando se admitiu a implantação do profissionalismo, substituindo o amadorismo "marron", responsável por tantas mazelas que os meus colegas e eu sabíamos condenar com a máxima veemência e sinceridade.

E é exatamente sobre os meus colegas que quero dirigir o principal desta página de recordação. Ao sol e à chuva - pois não haviam os reservados modelares como os de hoje, embora já existisse o problema da penetração dos pseudos jornalistas esportivos - estavam eles, nos nossos precários estádios, a desempenhar seu estafante mister: o mestre Leopoldo Santana, descrevendo em gráficos as condições da marcação de pontos, o exaltado Anhangüera (dr. Oscar da Mota Mello), o saudoso Antônio Figueiredo, que de raro em raro aparecia nas tribunas de imprensa, o bulhento Artur Capodaglio, Gino Resteli, do Fanfula, o veterano Raul Viololdo dos tempos do Diário Nacional, Renato dos Santos, do São Paulo Jornal, ex-presidente da Associação dos Cronistas, Honorino Fabri, que é médico no interior; dr. Américo Neto, Renato Pantoja, Álvaro Vieira, dr. João Silveira, dr. Osvaldo Santiago, médico-veterinário no Rio Grande do Sul; Mário de Macedo, já falecido, do São Paulo Esportivo; Enzo da Silveira, que também foi presidente da entidade dos cronistas; Lido Piccinini, especialista ardoroso do pingue-pongue; dr. Alfredo Egídio, o Saracura do Correio Paulistano; Licínio Mota, Salatiel de Campos, ainda na primeira dos cronistas e um dos primeiros com quem privei em São Paulo; Taciano de Oliveira, menos formalizado e naturalmente mais colega de quando se viu guindado de jornalista a dirigente de futebol, o humorista Genaro Rodrigues (Nage), que conserva plenamente a "verve" inesgotável; Paulo Meireles, ainda brilhando na crônica diária; José Barbosa Passos, que abandonou de vez esse setor jornalístico; Rubens Torres, Mário Miranda Rosa, atualmente técnico esportivo; Antônio Guenaga e o malogrado Du Paim, expoentes da crônica santista; Júlio Francfort, perito em natação e box; Euclides Mugnaini, o popular "Bilu"; Tomaz Mazzoni, sempre nervoso, apressado e eficiente; Pimenta Neto, vitoriosamente estreante na crônica e no gasto perdulário de adjetivos; Eduardo Jardim, também estreante; Ângelo Calabresi, das Folhas, ágil e feliz nos comentários modernos e escorreitos; o prof. José Rodrigues de Barros, o robusto Melo Monteiro, o Rolando das imprevistas crônicas varzeanas; José de Moura, o "anavalhante" Santos Melo, que era um "assunto" permanente no nosso jornalismo esportivo, e tantos outros, entre os quais quero citar ainda Paulo Várzea, dividido entre seus encargos aqui e no Rio.

Tudo se transformou: o panorama geral esportivo, os nomes dos clubes, a voga dos craques, as hegemonias técnicas, financeiras e políticas no futebol, as praças de esportes, homens, coisas... Nos reservados de imprensa, encontramos poucos daqueles apontados nominalmente. Mas, não mudou uma característica dos nossos cronistas: a paixão com que exercem a sua função jornalística especializada. Será um bem ou um mal? A questão não foi e nem será solucionada. Já no meu tempo, increpava-se certos cronistas de serem mais torcedores do que jornalistas. Mas, quem poderia atirar a primeira pedra? Com efeito, o jornalista, como antena que é e precisa ser, não pode fugir ao irremediável de sensibilizar-se com aquilo que é o fator número um da animação das competições esportivas: a paixão. Todos têm seu partido; cada qual torce com maior ou menor exaltação, de acordo com seu temperamento, sendo poucos os indiferentes a cores e clubes.

Hoje, transcorridos alguns anos em que não faço jornalismo esportivo, sinto que a paixão não faz mal ao cronista, antes incentiva-o no afã da crônica ou da reportagem. O que faz mal é a desonestidade, a injustiça conscientemente praticada, e a intenção de dolo na distribuição de noticiário ou na escolha de adjetivos. Já gritei contra os jornalistas que torciam nos reservados. Hoje, desculpo-os e deploro que já tenha exigido deles a mesma compostura da mulher de César.

Aliás, parece-me que se trata de escusa em causa própria, pois, num dos últimos jogos em São Paulo, eu me surpreendi torcendo freneticamente, embora instalado na tribuna de imprensa do Pacaembu. Não me surpreendi, propriamente dito: alguém me surpreendeu... E fê-lo de forma tão pouco amável, tão de inopino, que tive de replicar e, dessarte, na defesa de minha paixão, não fugi à polêmica, felizmente terminada bem, porque meu adversário era gentil e deu razão às minhas razões. Dou aqui, porém, como que me penitenciado, um testemunho de honra: se eu estivesse na crônica esportiva, não poderia deixar de torcer, mas, findo o jogo, saberia pesar as emoções do "torcedor" e compará-las com as obrigações do "jornalista", impedindo que o sentir do primeiro obscurecesse ou deslustrasse o cumprimento do dever do segundo.

Realmente, é bem assim que compreendo agora a paixão esportiva do cronista. Compreendo-a e a justifico. Se ele a controla pelo senso de dever do jornalista, nada pode diminuí-la ou empaná-la. Ao contrário, julgo-a um bem para o jornalista esportivo, porque é a única virtude ou a única compensação que ele aproveita, dentro das exaustivas e ingratas lides da profissão.


Manoel Domingues
Foto publicada com a matéria


Ontem e hoje...

Alberto de Carvalho

Recebendo uma solicitação amiga e honrosa do meu velho companheiro Antônio Guenaga, para prestar a minha modesta colaboração à sua bem orientada e apreciada seção esportiva, avivou em mim gratas recordações dos tempos idos em que, mal ou bem, eu sei lá - não está na minha alçada julgá-lo - desempenhei a tarefa de cronista esportivo em algumas folhas locais, inclusive na A Tribuna, e dispondo de uma vontade firme, inabalável e resoluta, aliada à melhor das intenções, procurei sempre, no terreno da crítica, defender os interesses do esporte, orientar e amparar os seus desígnios, dentro das rigorosas normas da imparcialidade e da justiça.

Fui um dos poucos que combateram ardorosamente a implantação do profissionalismo no nosso futebol e, com escrupulosa intransigência, procurei demonstrar e firmar doutrina sobre o caso, estabelecendo, de uma vez para sempre e iniludivelmente, que o futebol no Brasil só podia, naquela época, ser praticado por amadores, uma vez que os nossos clubes não estavam aparelhados financeira e esportivamente, para a prática do regime profissionalista, assim como os nossos futebolistas também não tinham a exata compreensão dos deveres que essa profissão lhes impunha e nem tampouco estavam ambientados para tal regime.

Conhecedor do nosso meio esportivo e das possibilidades que dispunham e se ofereciam aos nossos clubes, demonstrei, então, com argumentos sólidos e irrefutáveis, quanto funesta viria a ser para o popular esporte bretão a adoção do profissionalismo, pois criaria uma legião de mercenários, que ficaria ligada ao clube, não pelo amor ao seu pavilhão, e sim pelos interesses que dele pudessem auferir.

Não combati o profissionalismo por simples aversão, ou por mero sensacionalismo; combati-o, sim, por julgá-lo, naquele momento, impróprio às nossas organizações esportivas e pela falta do meio-ambiente que ele necessitava adquirir para que a sua marcha se fizesse gradativamente e sem maiores entraves.

Aplaudi o projeto apresentado pelo dr. Elpídio de Paiva Azevedo, presidente então da Apea, que regulamentava a prática do "enxerto" de jogadores profissionais nos quadros amadoristas, à semelhança do que então se praticava na Itália, obrigando, entretanto, o jogador profissional a usar em campo um distintivo que o destacasse como tal, dos atletas amadores. Assim, iríamos paulatinamente adaptando-nos ao novo regime das remunerações e preparando para ele os clubes financeiramente, a fim de evitar o caos que fatalmente os ameaçaria no dia de amanhã.

O amadorismo, é fato, tinha também seus erros e os seus senões, visto que muitos dos seus dirigentes eram os primeiros a desvirtuar-lhe a finalidade, na ânsia insopitável de alcançarem triunfos fáceis e por vezes bem pouco honestos. Mas assim mesmo havia uma grande diferença entre ele e esse profissionalismo reumático, que por aí se arrasta.

No amadorismo, o clube era para o atleta como uma pequena pátria, à qual se dedicava e se sacrificava com o coração livre de outro interesse que não fosse o da glória. Quando pelejava pelo seu pavilhão, ia com a alma abrasada de entusiasmo, levava no peito o estímulo, a fé e o ardor combativo, tudo fazendo para conseguir os louros de um triunfo brilhante, que elevasse bem alto a fama do seu clube.

***

Se nos debruçarmos sobre o passado, desfilarão diante da nossa retina prélios cheios de emoção, de vigor, de entusiasmo e da mais apurada técnica, dando-lhes um aspecto verdadeiramente deslumbrante e sensacional, facilitando, até, ao cronista, a sua tarefa descritiva.

Um prélio amadorista como aquele que fora disputado em Vila Belmiro, entre o Santos e o Paulistano, quando do seu regresso da estupenda excursão feita à Europa, pode, por acaso, igualar-se com qualquer desses encontros sonolentos que por aí se disputam entre os quadros profissionais?

Mas acontecimentos dessa ordem reproduziam-se, entre nós, a cada passo, como, por exemplo: o estupendo encontro entre o Coríntians, campeão da Liga Paulista de 1915, e o S. Paulo Railway, da Liga Santista de Futebol, que marcou um verdadeiro acontecimento esportivo; o magnífico prélio travado entre a Portuguesa e o Vitória, de Setúbal, que foi, indiscutivelmente, um belíssimo espetáculo esportivo; as acirradas disputas entre as seleções santista e campineira, que proporcionavam aos nossos fãs belíssimas tardes esportivas; os jogos do campeonato paulista, disputados em Vila Belmiro, entre o Santos, o Palestra, o Coríntians, o Palmeiras, o Sírio, o S. Bento etc., em que foram marcados brilhantes triunfos e exibido um futebol acadêmico; enfim, uma série esplêndida de disputas internacionais, em que o Santos elevou bem alto o nome do esporte paulista, e que não tem paralelo com as atuais disputas profissionais, levando-nos à conclusão imediata de que os atletas amadores suplantavam incondicionalmente essa turma de mercenários que rói as magras reservas econômicas dos nossos clubes.

Para fortalecer esta minha afirmativa, não preciso recorrer a outros meios esportivos, basta-me a prata da casa... relembrando os nomes de vários dos nossos amadores: - Arnaldo Silveira, Ari Patusca, Haroldo, Mílton, Pintanela, Jarbas, Ricardo, Arantes, Tufí, Siriri, Constantino, Camarão, Cícero Rato, Randolfo e Agne, do Santos; Milton, Blandi, Pinheirinho, Aldo, Sérgio, Nestor e Melo, do Atlético; Aníbal, Alfredinho, Cretela e Zezé, da Americana; Ascânio, Nezinho, Nogueira, Rabica, Abílio, Eduardinho, Picurú, do S.P.R.; Atanázio, Cotô e Marreiros, do Espanha; Brandino, Arnaldo, Otávia, Felisberto, Borracha, Assunção, Cruz e Gonzalez, da Portuguesa; Perth, Adão e Romeu, do S. Vicente.

Qualquer desses atletas, na sua época, suplantava a classe dos que agora recebem polpudas gratificações e avantajados ordenados, além de outras pingues remunerações dadas pelos clubes e pelas entidades.

Que diferença entre o passado e o presente!

É que o amador lutava por um ideal - o engrandecimento do seu clube - enquanto que o profissional entra em campo apenas para fazer jus a uma paga; não é dedicado a uma bandeira, é um ajustado.

***

O futebol assim como os demais esportes, tem uma finalidade louvável, uma vez que objetiva o aprimoramento racial e contribui, ademais disso, para desenvolver em seus praticantes qualidades morais, em meio das quais avulta o civismo, o patriotismo e o culto da Pátria.

Ora, essa finalidade poderá alcançar-se num meio em que predomina o mercantilismo, a ganância, a usura e com eles o suborno com todo o cortejo de imoralidades?

O esporte é um hino que todos devem entoar, cheios de entusiasmo. É um culto que todos devem professar. É uma espécie de ídolo que todos devem adorar. Mas para tanto necessário se torna que os seus adeptos o pratiquem com alma, porque o esporte sem alma é trabalho sem fé.


Alberto de Carvalho
Foto publicada com a matéria


Um episódio bonito do futebol santista

Antonio Gomes Andrade
(Antigo redator esportivo da A Tribuna)

O certame esportivo da Asea decorrera empolgante, naquele ano de 1921, com o clássico grupo de clubes rivais a lhe emprestarem um cunho de grande interesse. Movimentando sobremodo os arraiais futebolísticos da cidade, em vésperas da grande efeméride centenária do Brasil.

Vitoriou-se, afinal, nesse cotejo de esportistas de fibra e de devoção aos seus clubes - atributos que nos dias de hoje causam inveja à moderna geração - o valoroso grêmio de Abílio, o São Paulo Railway A. Clube, de gente da empresa ferroviária que lhe empresta o nome e de um punhado de esportistas, dedicados quanto o termo possa significar, e que, a par dos rapazes que defendiam as cores rubro-negras, contribuíram para dignificar e popularizar Brasil afora o querido clube santista.

E essa popularidade do S.P.R. espraiou-se, como dissemos, pelo país além, sendo muito grande entre a guapa rapaziada da nossa Armada, também, até certo ponto, pela circunstância de que as cores do grêmio que Ascânio defendia no arco se assemelhavam às do Clube de Regatas Flamengo, da capital do país, e que goza, até hoje, de imenso prestígio entre os nossos militares.

Daí, e sempre que alguma das unidades navais brasileiras aportava a Santos, em sua missão de patrulhamento ou em viagem de instrução da respectiva marinhagem, os contínuos jogos de futebol que se realizavam entre os locais e os quadros que os futebolistas marujos organizavam, para melhor cimentar as boas relações existentes entre os esportistas daquele tempo.

Nasceu, também desse fato, a idéia de levar ao Rio uma delegação da agremiação rubro-negra, já de posse do título honroso de campeã santista de futebol, para ali defrontar o Villegaignon F. Clube, um quadro que ostentava o nome da fortaleza que guarda a entrada da capital e que, em sua maioria, era formado por elementos inscritos nos vários clubes da antiga Liga Metropolitana.

Aproveitou-se, para a viagem, em fim de abril, pelo vapor Bahia, do Lloyd Brasileiro, e mesmo sem acomodações de espécie alguma, porque só se obteve "praça", por muito empenho, em tais condições, lá rumou para a Cariocolândia a caravana representativa do S. P.R., para fazer a sua apresentação perante os esportistas da capital e para resgatar compromissos celebrados com as várias delegações da Armada, que aqui aportavam amiúde.

Escusado é dizer-se que a viagem, da forma por que foi realizada, tornou-se extremamente penosa, e, a 30 de abril, ao vislumbrar-se a Guanabara - um espetáculo inédito para a maioria dos componentes da delegação - um grande alívio se apossou da rapaziada toda, que mais parecia ter-se enfiado por muitas horas numa dessas "casas de loucos" dos circos da época...

Alguns dos jogadores não alimentavam nenhuma esperança de poder jogar, e mal se tinham de pé. Contudo, a direção do clube, cônscia das suas obrigações, logo se pôs em campo, proporcionando aos seus rapazes os recursos indispensáveis, e, só assim, no dia seguinte, o Dia do Trabalho, o S.P.R., com o seu onze campeão da cidade de Santos, estava frente a frente ao quadro carioca, na praça de esportes do Flamengo.

Alinharam-se os santistas, para a memorável pugna, que teve assistência considerável, com a seguinte organização:

Ascânio
Carlitos - Eduardo
Nerino - Nelson - Nino
Rabica - Abílio - Vaz - Leônidas - Eduardinho

Este quadro teve que fazer prodígios para vencer o nervosismo de alguns dos seus rapazes, que vinham de quadros secundários, e para fazer frente ao jogo estupendo dos seus adversários, que eram eméritos jogadores do futebol daquele tempo. Contudo, com um arqueiro que se antepunha a todos os intentos dos cariocas, a ponto de assombrar a assistência, e com o conjunto em grande disposição para a luta, pôde o S.P.R. proporcionar ótima exibição, que lhe mereceu francos aplausos, e que lhe valeu por um honroso empate frente ao valoroso adversário, não obstante a sensível inferioridade física em que se apresentou, depois de uma viagem estafante e com alguns dos rapazes completamente abatidos pelos efeitos da travessia.

Deve destacar-se aqui a esplêndida recepção que o S.P.R. teve por parte dos seus amigos do Rio, com o sargento Augusto à frente, dedicado e amável sempre, proporcionando à caravana uma estada magnífica, e dando-lhes a conhecer as instalações dos melhores clubes da Capital Federal, com o Fluminense à frente, e que tributou à gente santista uma porção de gentilezas. Foram também hóspedes de honra num jogo de campeonato entre Botafogo e Bangu, na Rua General Severiano, e não foi esquecido o clássico passeio ao Pão de Açúcar, para melhor ver a encantadora Metrópole, já que o tempo não permitia visitá-la de maneira a melhor conhecer-lhe os encantos.

Para festejar o aniversário de fundação de A Tribuna, em que colaborei, como encarregado de "Esportes", durante vários anos, determinou-me o atual redator, sr. Guenaga, que relembrasse um acontecimento daquela época. Desempenho-me, assim, da incumbência recebida, prestando uma homenagem ao jornal A Tribuna, que já é um brilhante patrimônio do periodismo nacional, a palmilhar sempre à vanguarda das suas melhores realizações, e outra à inesquecível falange "esseperreana", capitaneada por Abílio, essa extraordinária figura das nossas seleções, e aos seus dirigentes máximos, destacando-se em primeira plana os nomes de Cordovil Lopes, Ovídio Peres, Cabral, Florêncio, Conceição e tantos outros cujos nomes os vinte e tantos anos decorridos nos fizeram esquecer...

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