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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS
Saúde!?!

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Um panorama do setor de Saúde em Santos e no Brasil foi traçado em matérias preparadas por estudantes de Jornalismo da Universidade Monte Serrat (Unimonte), que integraram o livro-brochura Vidas em Pauta - o cotidiano narrado por futuros jornalistas, lançado em 2008 por aquela universidade santista, com a coordenação da professora Helena Gomes e impressão pela Gráfica Guarani, de Santos. O material, compreendido nas páginas 147 a 172, é a seguir transcrito:


Imagem: ilustração na página 147 do livro Vidas em Pauta

[Páginas 149 a 152]

Um passeio pelo hospital

Por Bruno Santana

Quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Hospitais tendem a ser lugares estranhos para estar ou até mesmo andar, o que não é o caso deste. Desde a entrada, através de seu jardim com árvores antigas e muitas plantas, já se pode respirar um ar diferente. A Beneficência Portuguesa se diferencia em muitos aspectos dos outros hospitais que existem pela Baixada Santista. Ela ainda abriga dois hospitais em seu complexo: Santo Antonio e Santa Clara.

A história começou quando alguns negociantes portugueses tiveram a idéia de fundar uma sociedade beneficente, no meio do século XIX. Foi convocada uma reunião de todos os lusitanos que moravam na cidade, onde foi declarada a fundação da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos.

No início, não possuíam uma sede própria. Então, contratavam os serviços da Santa Casa de Misericórdia. O tratamento dos sócios era feito em quartos particulares, com o médico da Beneficência e as diárias pagas por ela.

Foi decidida a compra de um terreno para construção do hospital. Mas, antes de concretizado o negócio, houve a doação de um terreno no bairro do Paquetá, em frente à Rua João Otávio, entre a Amador Bueno e a Rua do Rosário (atual João Pessoa). A inauguração foi no dia 6 de janeiro de 1878.

Ali a Beneficência funcionou até o início do século XX, quando foi construído o novo hospital da Sociedade na Avenida Bernardino de Campos. Atualmente, a Sociedade Portuguesa de beneficência mantém, no mesmo terreno, dois hospitais: o Santo Antonio, na Avenida Bernardino de Campos, e o Hospital Santa Clara, com entrada pela Rua Monsenhor de Paula Rodrigues.

A Sociedade mantém pronto-socorro, serviços clínico e cirúrgico em geral e especialização em cardiologia, além do atendimento pelo SUS e 30 suítes de alto padrão em funcionamento, destinadas aos seus associados e conveniados.

Entrando pelo portão da Avenida Bernardino de Campos, prédio da administração, Guilherme (meu companheiro de matéria no dia) e eu (Bruno) chegamos à recepção. Há dois balcões de atendimento com quatro moças em cada um. Nós nos apresentamos para conseguir a identificação de acesso ao Departamento de Enfermagem. Logo ali já podemos ver os detalhes da arquitetura portuguesa em pedra sabão, balcões, portas, janelas e repartições em madeira talhada escura, além dos vitrais.

Depois de conseguir os crachás de identificação, subimos até o primeiro andar pelas estreitas escadas que circundam um antigo elevador de grades. Lá tem um amplo hall com duas grandes pilastras em pedra-sabão cor de vinho, com detalhes em preto e dourado. Na frente de um deles, há um busco do dr. Bernard Frederick Browne, um dos entusiastas na construção da Santa Casa de Misericórdia de Santos (início do século XIX) e também responsável por muitas outras contribuições para a Baixada Santista. O ambiente é adornado com várias telas que retratam antigos presidentes do lugar e de outro quadro onde se vê o primeiro hospital da SOciedade Portuguesa de Beneficência, que funcionava no bairro do Paquetá.

Saindo do hall, vemos duas placas na parede: uma com todos os fundadores da Sociedade e outra com os membros que a compõem hoje em dia. Ao lado, há a capela, onde todos os domingos são rezadas missas. Virando à esquerda, passamos por um corredor aberto com inúmeras portas e janelas altas, de madeira, pintadas de branco. O piso exibe um mosaico nas cores vinho, preta e branca. No térreo, avistamos um pátio interno com um bonito jardim de gramado bem aparado e um chafariz ao centro. Ao virarmos à direita, no final do corredor, nos deparamos com a sala do Departamento de Enfermagem.

Batemos à porta de madeira e ouvimos uma voz baixa lá de dentro:

- Pode entrar.

Era a assistente Darcilene, uma enfermeira de meia idade de cabelos cacheados, baixa estatura e óculos redondos. Ao entrar, vou em direção à sua mesa. Ela se levanta e me cumprimenta com um aperto de mão.

- Bom dia, eu tenho uma entrevista marcada com a Chefe das Enfermeiras - disse eu.

- Ela está resolvendo uns problemas - respondeu, apontando para a sala que se escondia depois da porta ao lado de sua mesa. - Daqui a pouco ela já atende vocês. Podem esperar ali, sentados. Algum de vocês quer água?

- Sim - respondemos Guilherme e eu.

Aproximando-se do canto da sala, junto a um bebedouro, a enfermeira pergunta:

- Gelada?

- Sim - respondi.

- Tem natural? - Indaga Guilherme.

Balançando a cabeça de forma afirmativa, Darcilene nos serve água e volta a se sentar atrás de sua mesa. Por sinal, ela devia estar meio ocupada, pois ao mesmo tempo que atendia aos telefonemas de outras repartições do hospital, imprimia documentos e organizava os vários papéis espalhados sobre sua mesa.

passam-se os minutos. Impaciente, eu olho as horas no celular. A entrevista fora marcada para as 10 horas da manhã. Já são 10h25. "Alguma coisa muito importante deve ter acontecido para estar havendo tanto atraso", pensei.

Já havia cansado de medir centímetro por centímetro daquela ante-sala, até que, depois de uns 35 minutos de espera, somos atendidos.

Numa pequena e apertada sala de paredes brancas, nos espera, com um sorriso simpático, Denise Tanaka Sposito, a gerente do Departamento de Enfermagem. Meia altura, aparenta uns quarenta e poucos anos, tem cabelos avermelhados e expressão serena. Cumprimenta os dois visitantes com aperto de mão e o tradicional "bom dia".

- Estamos fazendo um livro-reportagem sobre saúde pública e estamos focando nos hospitais da Baixada Santista - explico. - Entre outras coisas, estamos contando um pouco sobre a vida dos profissionais da área e pacientes.

- Como eu poderia ajudar vocês?

- Primeiramente, eu gostaria de saber como é a vida do profissional, como atua no dia-a-dia.

- Bom... os enfermeiros são divididos em escalas, de 8 a 10 horas, e por setores. Cada setor, por sua vez, tem sua especialidade no tratamento de pacientes. Os enfermeiros se dividem em escalas de 8 horas, sendo que à noite ficam quatro enfermeiros em cada hospital, Santa Clara e Santo Antonio. Um tem que ficar na UTI, pelo que é previsto em lei.

- A senhora poderia contar como é o tratamento de um paciente? - pergunta Guilherme.

- Um bom tratamento por parte do profissional da Saúde é algo fundamental para uma breve recuperação. Mas esta não é uma tarefa fácil. O importante é ter dedicação. Um paciente é diferente do outro, por isso é tão difícil tratar as pessoas.

- A senhora poderia dar um exemplo?

- Tem o paciente que gosta de um tipo de comida, outro já não. Uns querem mais conforto. Uma tendência hoje em dia é o hospital se tornar cada vez mais familiar e aconchegante para melhor acomodar o paciente. Mesmo porque o clima em qualquer hospital é sempre muito pesado e praticamente transformar o ambiente num hotel dá uma melhor sensação para os pacientes.

- Existe algum fator fundamental que a senhora destacaria para se melhorar a saúde? - pergunto.

- Penso que não apenas para a área da Saúde, bem como na área de vocês, é importante ter especialização. Se cada profissional se dedicar a um setor específico, ele poderá trabalhar melhor e também será melhor no que faz.

- Quais os tipos de atendimentos mais comuns na Beneficência?

- Problemas cardiovasculares e pessoas com fraturas, mesmo porque temos uma ala com alta especialização em fraturas.

- E há um dia da semana que tenha um maior movimento de pacientes aqui?

- Não há muita regularidade para isso. Mas posso lhe dizer que perto dos feriados o hospital simplesmente esvazia. Isso porque alguns pacientes pedem alta para aproveitar alguns dias fora da internação - diz ela rindo. - Além disso, existem também os pacientes que agendam operações para o feriado porque trabalham muito e não têm tempo em outros dias.

- Mais alguma dúvida sobre o assunto? - indagou Denise.

- Acho que é só. Muito obrigado pela entrevista.

- Agora vamos descer que eu preciso ir lá ao ambulatório e aproveito para mostrar a vocês um pouco do interior do hospital.

Saímos da sala. Denise avisou a secretária que estava saindo e tinha que resolver alguns problemas no ambulatório. Chegamos novamente no corredor de acesso à sala no primeiro andar. Dessa vez caminhamos na direção contrária de onde viemos para ver o setor onde é o hospital Santo Antonio. Aqui se tratam pacientes cardiovasculares, além de ser o setor especializado em traumas.

Vamos apenas até a entrada, pois o tempo dela também era escasso. Depois, um lance de escadas para chegar novamente ao primeiro andar, passando em frente ao mesmo jardim interno dito antes. Continuamos caminhando em direção ao hospital Santa Clara.

Ainda ali logo abaixo de onde estávamos, está um setor do hospital que está sendo ampliado para ser reativado. Onde é a câmara hiperbárica que fora desativada há algum tempo, mas agora retornará com novos equipamentos, larga especialização, para melhor tratar os que precisam dela.

Vamos passando por muitos lugares, são tantas voltas e caminhos que mais nos fazem lembrar um labirinto. Entramos em um corredor que dá acesso a uma das salas de espera do hospital. Ao longo dele, nenhuma janela nem porta. Mais ou menos no meio, uma entrada para a lanchonete: médicos, enfermeiros e funcionários estão lá dentro, sentados nas cadeiras, conversando e se distraindo em seu tempo vago.

Ao fim, chegamos à sala de espera do hospital Santa Clara, cuja entrada fica pela rua ao lado da Beneficência, Monsenhor de Paula Rodrigues. Deve ter cerca de 50 pessoas, todas devidamente aconchegadas em cadeiras estofadas, com suas senhas na mão, esperando atendimento. Uma grande sala de paredes largas, onde à frente fica apenas uma atendente num balcão de mármore. Para passar o tempo que aguardam o atendimento, um televisor de plasma, aparentemente de 32 polegadas, onde passam desenhos animados.

- Este é o setor do SUS, qualquer pessoa que precise de atendimento ou que esteja passando mal pode vir até aqui e será bem atendida. As pessoas pegam as senhas e esperam até serem atendidas naquela sala ali ao lado - diz Denise, apontando para uma sala de vidros pretos do outro lado do ambiente. Aqui também podem ser agendadas as consultas para o sistema público.

Caminhando mais um pouco por mais alguns corredores e portas, mais uma área aberta onde tem uma quadra de futebol, mais à frente uma brinquedoteca. Por fim, chegamos a uma sala comprida, mas não tão larga. Bem arejada, com muitas plantas em pequenos jardins suspensos. Três televisores de plasma iguais ao outro e ao fundo um piano de cauda. Cerca de 20 pessoas sentadas em sofás que circundam canteiros de plantas.

- Aqui fica o ambulatório. Os pacientes do sistema particular podem agendar suas consultas aqui. Como vocês podem ver, aqui nem parece um hospital e essa foi a intenção mesmo: criar um clima aconchegante para o paciente se desligar do aspecto frio de um hospital - ressalta Denise. - Bem... por aqui termina a nossa visita, meninos, qualquer dúvida podem entrar em contato que estarei ajudando no que precisarem.

Esta manhã no hospital foi normal como qualquer outro dia na vida de um aluno-repórter. Aparentemente nenhum caso de emergência, pelo menos que nós tenhamos visto. Enquanto estivemos sentados em um dos bancos da entrada algumas pessoas chegavam, umas para se consultarem, outras visitando parentes. E um detalhe observado por nós foi que ali parecia mais uma entrada de hotel que de um hospital. Os carros paravam e as portas se abriam para os "hóspedes" se acomodarem. Não fosse o letreiro que anunciam, poucos diriam que a Beneficência é uma casa de saúde.


[Páginas 153 a 157]

Os profissionais da Saúde

Por Ivan Belmudes

Ao falar de Saúde, antes de mais nada, se deve falar dos profissionais que atuam na área. Sem uma boa e bem treinada equipe, por mais que a estrutura do hospital seja eficiente, os resultados finais do serviço médico serão ruins. Fazendo uma análise superficial, tomamos médicos e enfermeiros como principais componentes de uma equipe de profissionais da Saúde.

Mas, como definir um médico? Um homem sisudo, com mais de 60 anos, olhar sério e penetrador, personalidade cética e um tanto quanto distante de seus pacientes?

Quem entra no consultório da médica psiquiátrica Tânia Gaio muda um pouco esta visão. É uma mulher que atende os pacientes com um sorriso no rosto, aparenta 30 anos, tem voz calma, mas ao mesmo tempo em um tom responsável. Ou seja, totalmente o contrário do estereótipo de sua classe.

Para Tânia, a mulher vem ganhando cada vez mais espaço na área médica. "A Medicina está ligada ao instinto maternal, pois o paciente chega ao médico com o sentimento de dor", explica. "A mulher ganha espaço por isso e por ter uma multiplicidade de ações, gerada pela gestão do lar aliada ao trabalho. ALém do mais, foi comprovado que as mulheres têm menos neurônios que os homens, mas a mesma capacidade de realizar as funções que eles dominam, logo podemos dizer que, apesar de termos menos, os nossos são mais eficientes", acrescenta, descontraída.

É justamente o perfil de Tânia que está se tornando cada vez mais comum. Segundo dados do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o perfil do médico paulista vem mudando neste início de século XXI. Nas turmas de formandos de 2006, as mulheres se tornaram maioria. ALém disso, mais de um quarto dos médicos em atividade no Estado estão na profissão há menos de nove anos, sendo que o número de médicos nos últimos dez anos cresceu duas vezes mais do que a população do país.

São dados que comprovam uma mudança no perfil dos médicos. No entanto, o mercado ainda é masculino. Algumas médicas reclamam do preconceito, de acordo com informações do Cremesp. Tânia, porém, diz não ter sofrido com o preconceito pelo fato de ser mulher. "Em geral, os homens só não querem ser atendidos por mim quando o caso é de lesão no órgão genital, mas isso não é preconceito e sim algo cultural".

Tânia atende, uma vez por semana, no consultório localizado em suntuoso prédio comercial na Avenida Conselheiro Nébias, onde é possível compreender a realidade de um consultório particular. Ao invés das confusões dos hospitais públicos, envolvendo várias pessoas tentando ao mesmo tempo o atendimento, na sala de espera havia apenas três pacientes. A sala de atendimento é um ambiente agradável, rodeado de obras de arte nas paredes, além de um divã, uma escrivaninha e diversas poltronas, tudo em estilo clássico. "O ambiente proporcionado a um paciente psiquiátrico deve ser o mais sereno possível, pois muitas vezes ele está envolvido com uma grande carga de estresse", salienta Tânia.

Ao falar sobre a Medicina e sobre o dia-a-dia dos profissionais da área, ela é enfática. "Muita dedicação, abnegação, compromisso, retorno pessoal muito grande. Mas do ponto de vida econômico, principalmente no que diz respeito ao que é pago pelas prefeituras, o retorno é muito pequeno, muito aquém das necessidades do médico". Tânia chama a atenção para um lado difícil da profissão. "Para o médico conseguir uma boa renda, ele deve desdobrar-se em várias funções. Eu, por exemplo, atendo em consultório particular, sou perita da Justiça Federal e médica concursada nas prefeituras de Santos e São Vicente".

Muitos pacientes reclamam do atendimento muitas vezes displicente dos médicos nos centros de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), alegando que os profissionais atendem com pressa, sem escutar seus problemas de saúde.

A médica concorda em parte com eles. "Eu posso assegurar para você que o serviço prestado pela saúde pública está muito aquém do que a população merece". Mas, com um firme semblante, ela também lembra que o médico é muito mal remunerado pelo setor público e isso atrapalha todo o sistema. "A população merece encontrar um profissional responsável, atualizado, e isso só se torna possível se ele puder se dedicar a poucas funções, menos áreas de atendimento. No entanto, ele não possui nem o mínimo para exercer suas atividades. O médico fica muito sobrecarregado e cansado. É impossível ele atender bem a alta demanda de pacientes que recebe".

Conforme o assunto foi tomando o rumo do setor público de Saúde, o clima da entrevista foi ficando mais tenso, ganhando polêmica. A indignação com o sistema tornava-se clara no olhar da médica.

A saturação de trabalho é mesmo preocupante. Tânia chega a atender, no setor de psiquiatria de hospitais públicos, 40 pessoas por dia, o que, para sua profissão, é um verdadeiro absurdo. Dados da Organização Mundial de Sáude (OMS) mostram que um psiquiatra, para manter a qualidade do serviço prestado, deve atender no máximo 40 pacientes por semana. "Fica muito complicado dar um atendimento de qualidade, pois em uma consulta psiquiátrica o médico precisa entrar na mente do paciente e isso só se torna possível se eu tiver minha saúde mental preservada".

O problema citado pela médica gera situações como a vivida por Rafael Cabral, de 20 anos. Durante o expediente de seu trabalho, em 12 de outubro, Dia das Crianças, ou seja, de grande movimento na lanchonete onde trabalha, ao pegar uma caixa extremamente pesada, Cabral sentiu uma enorme dor na parte de baixo de sua coluna, dor tão forte que mal conseguiu se levantar no primeiro momento. Prontamente, o responsável do plantão o dispensou do dia de trabalho, mas o avisou que necessitaria de atestado para cobrir o dia de dispensa e um outro caso tivesse que faltar no dia seguinte.

Preocupado com sua coluna, que não parava de doer, e com o dia de salário que perderia, Cabral foi à procura de atendimento médico no Centro de Referência em Emergência e Internação (CREI), localizado no centro de São Vicente. Chegando lá, esperou por cerca de 2 horas e 30 minutos pelo atendimento, em um desconfortável corredor rodeado de pessoas com os mais diversos problemas de saúde.

Ao ser atendido pelo médico, Cabral notou certa falta de vontade. O homem nem olhou nos olhos dele e, sem ao menos examiná-lo, receitou um analgésico comum. E lhe deu um atestado pelo dia de consulta.

No dia seguinte, mesmo tomando o remédio receitado, a coluna de Cabral continuava a doer, dificultando inclusive a sua locomoção. |Se não quisesse perder o dia de trabalho, deveria retornar ao hospital.

O pai levou-o na sua perua de transporte urbano até o atendimento do SUS da Santa Casa. Novamente Cabral teve que esperar muito até ser atendido. Como da última vez, mal teve tempo de explicar seu problema ao médico. Teve um remédio receitado e mais um dia de atestado.

No terceiro dia, Cabral continuou a sentir dor em suas costas, mas, com medo de retornar ao hospital e ter novamente um atendimento como o que recebeu nos dias anteriores, preferiu trabalhar.

A saturação de pacientes é algo alarmante. Em um hospital como o CREI de São Vicente, são atendidas 2 mil pessoas por dia. Há apenas 10 profissionais de plantão. Não é difícil imaginar por que tanta espera por um simples atendimento.

Por incrível que pareça, esses não são os únicos problemas enfrentados pelos médicos. "O grande problema é que temos no nosso país no mínimo 45 milhões de habitantes vivendo em um estado de miserabilidade, vivendo abaixo da linha da pobreza", afirma Tânia. "Isto é muito complicado para os médicos, pois a grande maioria destas pessoas vai atrás do atendimento na rede pública de Saúde. E a miséria é uma desgraça para a vida de qualquer um. As pessoas ficam empobrecidas de tudo, até de alma. Ficam com a capacidade de atenção rebaixada, de aprendizado. Ficam violentas, têm a característica de desafiar muito. No momento em que essas pessoas sentem uma dor de cabeça, ou um familiar fica doente, os médicos são alvos da violência delas".

Segundo a médica, cada vez mais seus companheiros de profissão abandonam o setor público com medo de terem sua integridade física atingida, deixando assim o setor cada vez mais desprovido de bons profissionais. "É mais arriscado do que recompensador".

A falta de equipamentos necessários, somada à falta de tempo, faz, segundo Tânia, com que os médicos tenham que recorrer a métodos pouco científicos, como a pressuposição e a desconfiança constante dos resultados obtidos nas análises clínicas do SUS. "Um médico que atende no SUS desenvolve um faro especial. Para trabalhar no setor público tem que ser herói". A opinião de Tânia ganha mais sentido se analisarmos de maneira completa a situação de sua classe:

- É mal remunerada;

- É exposta a trabalho excessivo;

- Sofre com a violência da população;

- Faltam equipamentos necessários para um diagnóstico exato.

Estas dificuldades fazem com que o profissional muitas vezes seja submetido a situações-limite.

Certa vez em que Tânia estava de plantão no atendimento a pacientes psiquiátricos, chegou ao hospital um homem com distúrbio psicomotor, que nada mais é do que uma pessoa descontrolada, com força sobre-humana. Um paciente nestas condições já é naturalmente difícil de se conter. Com falta de estrutura, a dificuldade se multiplica. "O grande problema nesta situação é que um paciente com problemas psiquiátricos requer um local separado para seu atendimento", explica Tânia. Mas, ao contrário do que era necessário, o hospital tinha um único setor de atendimento para emergência, em que um paciente enfartado, que precisa de tranqüilidade, dividia sala com o que estava em surto. "Como já disse, uma pessoa em ataque psicomotor tem uma força fora do comum. Este, por exemplo, se pendurou no lustre da sala de emergência. Por mais que tentassem, ninguém conseguiu tirá-lo de lá".

Vários enfermeiros, um médico e até guardas municipais tentaram puxá-lo do lustre, mas não tiveram sucesso. Tânia ficou preocupada em acalmar o paciente enfartado, enquanto o que sofria o ataque não conseguia ser retirado do lustre. "Ele só saiu quando conseguiu arrancar o lustre que, ao cair, machucou diversos funcionários que o ajudavam. Só com o paciente no chão foi possível começar um atendimento".

Situações como a relatada pela médica, infelizmente, são comuns em hospitais que não apresentam a estrutura mínima para um atendimento eficaz. Fica no ar uma pergunta: o que leva um médico a continuar na profissão, mesmo com tamanhas dificuldades?

Para Tânia, a resposta é simples. Com um sorriso e um brilho no olhar, ela retoma um tom de voz carregado de leveza e responde repetitivamente. "Salvar vidas, salvar vidas, salvar vidas". E complementa, depois de um segundo de reflexão. "A cura, colaborar para promover a longevidade. Fazer com que uma pessoa de 17 anos que esteja entrando na loucura, na esquizofrenia, volte a viver normalmente. Esta sensação é indescritível".

Mas, e os enfermeiros? Como é a vida dos profissionais da enfermagem, que dão o auxílio aos médicos no atendimento de Saúde?

Paulo Ferreira é professor de enfermagem há 15 anos, sendo que há 8 meses ministra aulas no Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte). Trabalhou durante 6 anos, nos hospitais Universitário e Oswaldo Cruz, ambos em São Paulo. É claro que não há ninguém melhor para falar da profissão do que um professor da área.

A serenidade e a fala pausada são fortes marcas na personalidade de Paulo, que tem cerca de 35 anos. Para ele, um enfermeiro deve ter acima de tudo a capacidade de acolher o ser humano, mas não é esse o único pré-requisito para o profissional da área. É necessário também:

- Ter um projeto de vida, levando em conta sua profissão;

- Capacidade para lidar com as diferenças culturais, sociais e econômicas, entre outras;

- Liderança;

- Capacidade para solucionar problemas;

- Visão crítica da sociedade.

Paulo afirma que o campo da enfermagem é bastante amplo. "O enfermeiro trabalha seis horas por dia, com ou sem plantão, ou no esquema 12/36, ou seja, trabalha 12 horas e folga nas próximas 36".

Assim como nos casos relatados por Tânia, o grande problema de sua profissão é a falta de condições de assistência. "Como você deve saber, existe uma saúde para os ricos e uma saúde para os pobre", afirma Paulo.

Com o olhar um pouco mais triste e sem perder o tom de voz sereno, Paulo explica o grande erro que, para ele, existe na Saúde pública. "O problema da Saúde no Brasil vem desde a colonização e, ao contrário do que muitos pensam, vem de sua lógica, que é voltada para a cura e pouco para a prevenção. De que adianta investir em tratamento se a maioria das doenças que matam são doenças que podem ser prevenidas?" Ele vai além. "Devem existir campanhas fortes para que a população se habitue a ter um estilo de vida mais saudável. Segundo a OMS, existem quatro pontos básicos para um melhoramento da saúde da população. São eles: aprender a se alimentar, desenvolver atividades físicas, não fumar, beber ou usar drogas ilícitas e ter uma vida ativa participante, onde o indivíduo possa ter escolhas. Tudo isso só se faz possível através da educação".

O problema não se extingue simplesmente educando a população, Paulo chama a atenção para o fato de o profissional de enfermagem ser formado para a cura. "Como diz a OMS, investir somente na cura é jogar dinheiro fora. Os países que investem na educação para a saúde, como o Canadá, percebem a diferença". Ele lembra que o Estado está desenvolvendo um programa de saúde da família que é uma tentativa de mudar a situação.

Os problemas da profissão dos enfermeiros são similares aos enfrentados pelos médicos. "O maior empregador é o setor público, mas os salários são ridículos". A violência contra os enfermeiros também se faz presente. "A população tem como escape essas medidas violentas". É inevitável não chegar à mesma questão: o que leva, apesar de tantas dificuldades, uma pessoa a se formar em enfermagem?

Antes da resposta, Paulo abre um breve sorriso e reflete um pouco sobre o assunto, ensaia uma resposta, mas desiste logo em seguida. "Eu queria responder que era para brigar por um país melhor, mas pensei mais um pouco e vi que este valor já está perdido", responde, após alguns segundos. "Hoje uma pessoa escolha a área pela questão da empregabilidade e o país ainda necessita de enfermeiros". Ele ainda fala sobre sua missão acadêmica. "Embora eu ainda tente fazer com que meus alunos reflitam sobre suas missões...". Novamente ele esmorece em meio a mais alguns segundos de reflexão, com ar nostálgico e, a seguir, visivelmente decepcionado. "Eu penso que a última geração que se preocupava em mudar a situação do país através da profissão foi a minha. Claro, esse assunto gera muita polêmica, pois ainda existem muitos jovens que ainda fazem sobreviver o sentimento de querer ajudar as pessoas".


[Páginas 158 a 162]

Duas vidas diferentes, uma mesma busca

Por Samuel Rigueiral

Jardim Casqueiro, Cubatão, Brasil. Antes mesmo de o sol aparecer, Glória (nome fictício) acorda às 5h30 e segue para a cozinha para preparar o café-da-manhã. O marido e a filha, que ainda dormem profundamente, nem se incomodam com a movimentação pela casa, Os únicos sons percebidos são dos seus passos, ecoando de um lado para o outro. Também é possível notar na rua um silêncio absoluto e uma paz que reflete que o dia ainda não começou para a maioria das pessoas do bairro.

Enquanto aguarda a água ferver, ela caminha até a área de serviço e estende a roupa que ficou de molho durante a noite. Após alguns minutos, retorna para colocar a mesa para a família e terminar de fazer o café. Neste intervalo, o despertador toca pela segunda vez. O marido se levanta para tomar banho e colocar o uniforme da firma onde trabalha há pouco tempo. Emprego este que foi conseguido por ele depois de muita persistência e de realizar vários "bicos" sem a certeza de um salário no fim do mês.

Na refeição, tudo muito simples. Pão, manteiga, café, leite e algumas bolachas doces sobre a mesa pequena. A família sempre agradece por nunca ter faltado nada e se lembra do período de dificuldade que ficou para trás. Tempo passado, onde somente Glória, 34 anos, tinha um emprego fixo de empregada doméstica e conseguia sustentar a casa com muito esforço. Serviço que até hoje realiza por ser sua única opção de trabalho, mas nada que tire sua responsabilidade e alegria de viver.

Após o marido e a filha saírem para o trabalho e a escola, respectivamente, Glória corre apressada para se arrumar e chegar a tempo no seu serviço. Chegando ao ponto perto das 7 horas da manhã, ela espera o ônibus com outros passageiros que dividem a mesma rotina durante a semana. Jornada esta encarada por ela com muita garra e esperança de que dias melhores estão por vir. Sabendo que cada dia que termina é mais um passo em direção a um futuro mais promissor do que a realidade atual.

Boqueirão, Santos, Brasil. Por volta das 8 horas é que a aposentada Maria (nome fictício) acorda e se prepara para encarar o dia. Como a empregada ainda não chegou, ela desce as escadas de seu sobrado em direção à cozinha. Sem nenhuma pressa, liga a TV e começa a arrumar a mesa do café enquanto ouve aqueles típicos programas matinais. Às 8h30, a moça que trabalha em sua casa toda terça e quinta chega e começa a ajudá-la. As primeiras palavras trocadas dizem respeito às tarefas que serão realizadas durante o período da manhã.

A mesa está pronta e Maria convida a outra mulher para sentar e tomar café. Como a viagem de ônibus foi longa e já está acordada há um bom tempo, ela aceita o convite de forma sincera. Na casa, a refeição matinal sempre conta com pães integrais, frutas, leite e iogurtes. Tudo regulado conforme uma dieta seguida por Maria desde que esta sofreu uma cirurgia cardíaca há exatos 14 anos. Além do rigor na hora de se alimentar, ela também tem que tomar cinco diferentes medicamentos logo cedo.

Assim que as duas acabam de tomar o café, começam a arrumar a cozinha e já discutem o que será feito para o almoço. Mesmo tendo quem faça e pagando por isso, Maria, 73 anos, não deixa de lado a responsabilidade de dona-de-casa e sempre acompanha o trabalho bem de perto. Não é daquelas "patroas" que pegam no pé e ficam reclamando de tudo, mas gosta de deixar tudo do seu jeito e que a limpeza seja feita de modo ideal. Como trabalha na casa há mais de 10 anos, esta situação já é encarada de maneira mais do que normal pela diarista.

Com tudo mais ou menos organizado e com alguém em casa, Maria se arruma para caminhar na praia e realizar seus primeiros exercícios do dia. Prática que realiza desde muito jovem e que dá a energia necessária para enfrentar a correria da vida. Mesmo já sendo uma senhora de idade e tendo que tomar certos cuidados, ela esbanja a vitalidade e a vontade da juventude. Além das caminhadas diárias, ainda pratica ioga, costura e faz aulas de pintura em telas com outras senhoras. Todas estas atividades a ajudam a ter contato com outras pessoas e se sentir viva novamente, sensação que estava esquecida desde que seu marido faleceu recentemente.

Mas qual será a relação entre Maria e Glória, duas pessoas com rotinas tão diferentes entre si? Será que realmente alguma coisa existe de parecido em suas vidas? Na verdade, Glória é a diarista que trabalha na casa de Maria. Juntas, lidam com a mesma situação: a dependência de medicamento de alto custo e do atendimento do serviço público de saúde. Por não terem condições de pagar um plano de saúde particular, elas fazem parte desta triste realidade compartilhada por grande parte da população brasileira.

Conforme pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde, o fato mais observado e freqüente no Brasil é o paciente sair de sua consulta médica e ser informado de que os medicamentos que lhe foram receitados não estão disponíveis gratuitamente. E pior: se tentar comprá-los, acaba percebendo que não tem condições financeiras para adquiri-los. Isto é o que ocorre com pelo menos 53% dos brasileiros atendidos nos serviços públicos de Saúde do País. Certamente esta situação é criada pela falta de um melhor planejamento político em relação à Saúde e aos programas do governo.

No Brasil, cerca de 150 milhões de pessoas dependem diretamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento ambulatorial e para o caso de internação. Este cenário representa um grupo de aproximadamente 80% da população brasileira, mas o atendimento do sistema está longe de atender a todos de forma satisfatória. Atualmente, as pessoas que dependem de medicamentos específicos para o tratamento de doenças como tuberculose, hanseníase, saúde mental, diabetes e hipertensão arterial conseguem obtê-los também através do SUS e de farmácias populares.

Estudos apontam que somente 20% dos brasileiros dispõem de assistência médica e hospitalar de planos particulares. Este é mais um dado preocupante da realidade diária do SUS e da urgência que se tem em investir mais na saúde pública. Projetos com esta finalidade, desenvolvidos pelo Ministério da Saúde e com parcerias dos estados e municípios, podem começar a resolver o problema da falta de remédios, instalações precárias e mau atendimento nas unidades públicas de saúde de todo o Brasil.

Os medicamentos chamados de excepcionais ou de alto custo para o tratamento de doenças como câncer, Aids, hepatite crônica, esclerose múltipla, entre outros, o Estado tem o dever de adquiri-los e posteriormente distribuí-los a quem necessita. É neste último caso que se enquadram as duas personagens desta história e outras tantas pessoas. Maria descobriu há pouco tempo que sofre da Doença de Parkinson e precisa diariamente de determinados remédios. Já Glória, portadora de hepatite C, depende da medicação para manter a doença sob controle.

Surge uma nova realidade - Segundo Maria, descobrir que tinha Parkinson foi receber mais uma "pancada" da vida, pois já tivera problema com o alcoolismo e até hoje participa das reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Já são mais de 30 anos mantendo-se sóbria, mas com uma nova batalha pela frente. Diagnosticada há quase dois anos como parkinsoniana, ela consegue ter uma vida saudável devido ao tratamento que segue e pelo descobrimento da doença a tempo de retardar o surgimento dos sintomas.

A Doença de Parkinson foi descrita pela primeira vez em 1817, pelo médico inglês James Parkinson. É uma doença neurológica que afeta os movimentos da pessoa, causando tremores, lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio e alterações na fala e na escrita. Estas manifestações ocorrem por causa da degeneração de células situadas numa determinada região do cérebro. Elas produzem uma substância chamada dopamina, que conduz as correntes nervosas pelo corpo. A falta ou diminuição desta substância afeta os movimentos do paciente, provocando todos os sintomas citados.

A doença pode afetar qualquer pessoa independentemente de sexo, raça ou cor, mas tende a afetar as pessoas mais idosas. A grande maioria tem os primeiros sintomas geralmente a partir dos 50 anos de idade ou mais. No caso de Maria, ela somente começou a perceber os sinais quando completou 70 anos de vida. Embora os casos sejam raros, o mal de Parkinson também pode ocorrer em pessoas mais jovens como, por exemplo, o ator Michael J. Fox. Conforme pesquisas realizadas, 1% da população mundial com mais de 654 anos sofre desta doenças em algum nível de gravidade.

O diagnóstico da doença se faz baseado na história clínica do doente e no exame neurológico. Isto é necessário para que o médico descubra o Parkinson através da exclusão de outras patologias, pois não há nenhum teste específico para a doença e nem mesmo para preveni-la. Normalmente, quem é acometido por esta enfermidade percebe um aumento gradual dos tremores, dificuldade em andar e uma maior lentidão nos movimentos. Foram nestas tarefas básicas que Márcia sentiu os primeiros sintomas da doença. Segurar com firmeza determinados objetos e até mesmo escrever em talões de cheques tornaram-se atividades de difícil execução.

Talvez a lentidão dos movimentos seja o maior problema para os parkinsonianos, pois, na maioria das vezes, este sintoma não é notado por outras pessoas. Somente é percebido que o idoso demora mais tempo para fazer as mesmas coisas que fazia antes e mesmo assim todos acham que são sinais da velhice. Para Maria, a realidade foi bastante diferente da apontada por seus familiares. Era ela quem sentia que a evolução destes sintomas ocorria de forma mais acentuada e que não estava exclusivamente relacionada à sua idade.

Mesmo com os grandes avanços que a ciência e a medicina obtiveram nos últimos tempos, a doença continua sem cura e a sua causa, desconhecida até os dias de hoje. Não existem nem mesmo evidências e comprovações de que seja hereditária. A única certeza existente é que a Doença de Parkinson evolui de modo progressivo e a gravidade dos sintomas é variável em cada indivíduo. Porém, ela pode e deve ser tratada através de cirurgias, remédios e fisioterapia para que os sintomas sejam combatidos e o progresso da doença, retardado.

Apesar disso, a Doença de Parkinson não é fatal e nem contagiosa. O parkinsoniano pode viver de forma normal, pois não afeta em nada sua capacidade intelectual e nem sua memória. Como já relatado aqui, Maria vive fazendo tudo aquilo que gosta e precisa. Lógico que algumas atitudes extras foram tomadas, mas a continuidade de suas atividades é que a faz encarar a doença de frente e passar por cima de qualquer dificuldade imposta pela vida.

Principais medicamentos para a Doença de Parkinson

Princípio ativo Nome comercial Mecanismo de ação
Levodopa Sinemet - Cronomet - Prolopa Precursora da dopamina
Bromocriptina Parlodel - Bagren Agonista dopaminérgico
Pramipexol Mirapex - Sifrol Agonista dopaminérgico
Biperideno Akineton Anticolinérgico
Trihexifenidil Artane Anticolinérgico
Amantadina Mantidan Dopamina endógena
Entacapone Comtan Inibidor da COMT

Uma doença silenciosa - A hepatite C é a inflamação do fígado causada por um tipo de vírus da hepatite e é transmitida através do contato com sangue contaminado. Esta inflamação ocorre na maioria das pessoas que adquire o vírus e, dependendo da intensidade e tempo de duração, pode levar à cirrose e ao câncer de fígado. Ao contrário dos demais vírus que causam a doença, o da hepatite C não gera uma resposta imunológica adequada no organismo. Esta característica da doença faz com que a infecção aguda seja menos sintomática nos portadores, mas também faz com que a maioria das pessoas infectadas desenvolvam hepatite crônica e com conseqüências de longo prazo.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, cerca de 3% da população mundial ou 170 milhões de pessoas são portadoras de hepatite C crônica. É considerada atualmente a principal causa de transplante hepático no mundo. No Brasil, a doença, que atinge hoje um número aproximado de 3 milhões de indivíduos (o equivalente a 1,5% da população), é também a principal causa de transplante de fígado. Glória, a outra personagem desta história, faz parte desta triste estatística. Há muito tempo luta contra a doença e necessita de medicamentos caros para manter a carga viral em um baixo nível. Atualmente, ainda espera o dia em que conseguirá realizar o transplante tão aguardado.

A diarista conta que demorou muito para descobrir que tinha a doença, pois diferentemente das hepatites A e B, uma grande parte das pessoas que adquirem hepatite C a desenvolvem de forma crônica e lenta, sendo que a maioria é assintomática. Assim, o diagnóstico só é possível através de exames para doação de sangue, exames de rotina ou quando os sintomas surgem já na fase avançada de cirrose.

No Brasil, pessoas que receberam sangue antes de 1993 têm grandes riscos de estarem contaminadas e não terem conhecimento. Antes desse período, o sangue destinado às transfusões não era analisado em relação ao vírus da hepatite C, pois não se conhecia completamente essa forma da doença. De acordo com os dados da Sociedade Brasileira de Infectologia, aproximadamente 90% das pessoas com o vírus HCV não sabem que estão infectadas. Os modos mais comuns de contaminação são o uso de drogas endovenosas, transfusões de sangue (antes de 93), acidentes com agulhas e transmissão perinatal (de mãe para o filho, durante o parto). Apesar de relatos recentes mostrando a presença do vírus em outras secreções (leite, saliva, urina e esperma), a quantidade do vírus parece ser pequena demais para causar infecção e não há dados que sugiram transmissão por essas vias.

Apesar dos esforços para conter a epidemia atual, especialmente com a realização de exames específicos em sangue doado, a hepatite C é uma doença crescente. Estima-se que o número total de casos só atingirá os eu pico em 2040 e, à medida que o tempo de infecção aumenta, a proporção de novos pacientes não tratados com cirrose pode dobrar até 2020. Assim, as medidas de prevenção e tratamento precisam ser tomadas antes desta previsão, ou nas próximas décadas este cenário na saúde pública atingirá níveis insustentáveis.

Fatores de risco para contágio da hepatite C:

- Transfusão de sangue, hemodiálise e derivados.

- Uso de drogas ilícitas.

- Exposição a sangue por profissionais da área de saúde.

- Receptores de órgãos ou tecidos transplantados.

- Recém-nascidos de mães portadoras.

- Contatos sexuais promíscuos ou com parceiros sabidamente portadores.

- Exposição a sangue por material cortante ou perfurante de uso coletivo sem esterilização adequada.

Exemplos:

Procedimentos médico-odontológicos, acupuntura, manicure e pedicure, body piercing e tatuagem, contato social ou familiar com material de uso pessoal, como barbeadores, escovas dentais e barbeiros e cabeleireiros.


[Páginas 163 a 170]

A saúde de Santos contada por um hospital

Por Guilherme Pradella

A primeira vez...

Debaixo de um sol escaldante, a pino - os termômetros marcam 41ºC - toda Santos foi aproveitar o domingo na praia mais cedo, pois é dia do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1. A avenida da orla está movimentada e o que mais se vê são carros com famílias inteiras lutando por uma vaga para estacionar.

Quanto mais se avança para dentro da cidade pelo Canal 4, mais tranqüilo e silencioso se torna o ambiente ao meu redor; toda a agitação e a música alta vão ficando para trás. Na altura da Avenida Afonso Pena, o movimento não tão intenso como de costume. O mesmo se aplica ao Hospital Guilherme Álvaro (HGA).

A entrada do hospital parece mais a de um prédio abandonado, com uma faixa explicando que "a partir do dia 1º de novembro de 2003 todas as consultas novas deverão ser marcadas pelo serviço de saúde do seu município".

Duas mulheres sentadas em um banco de concreto - uma tenta dar apoio à outra, visivelmente com a saúde fragilizada - e um segurança em frente às portas de vidro, todas cobertas, sendo impossível ver a parte interna, são as únicas figuras humanas presentes no local. Nada diferente dos hospitais que eu, um rapaz que passou praticamente uma parte da infância e toda a adolescência numa cidade do interior de São Paulo, estou acostumado a ver.

Na segunda entrada do hospital, na Rua Oswaldo Cruz, o movimento também é pequeno, porém há mais pessoas. "Fim de semana é dia de visita", explica o guarda que vigia o entra-e-sai de motos e carros.

Algumas barracas de lanches e montes de bicicletas disputam os poucos postes que fazem sombra na frente do belo, mas não tão conservado, portal do HGA. Estava muito calor. Ótima idéia ter saído de casa de bicicleta com blusa preta.

Na parede direita deste portal, vêem-se os dizeres, em azulejo: "Hospital de Isolamento de Santos" e, no lado esquerdo, Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Logo na entrada, ao lado esquerdo, quatro cadeiras de plástico ficavam diante de um bebedouro e da sala onde uma senhora com óculos escuros lista e entrega os crachás para os familiares dos doentes. A visão que se tem por esse pequeno corredor é completamente diferente da visão dos hospitais a que, pelo menos eu, estou acostumado. Parecia mais a entrada de uma chácara, ou uma sede de alguma fazenda de um milionário. "Por que tanta diferença entre uma entrada e outra do mesmo hospital?", pensei.

Três semanas mais tarde, voltei ao HGA para levar o ofício com o pedido para visitar o local e colher informações para escrever este capítulo. Na entrada onde há o portal, sou cadastrado e recebo o obrigatório crachá de visitante para poder entrar - toda essa precaução com quem entra e sai começou depois que Filipe, um bebê de apenas dois dias de vida, foi seqüestrado da maternidade do hospital, no dia 20 de abril de 2001. O caso mexeu com toda a cidade e só foi solucionado 2 anos e nove meses depois, em 21 de janeiro de 2004.

Passo pela catraca e um segurança careca e com um cavanhaque bem cortado me explica o caminho que devo fazer para chegar à Diretoria Administrativa. É a primeira vez que entro no hospital. As palavras que mais definem o que vejo são "inusitado" e "surpreendente". É possível ver alguns bancos e árvores em meio a vários pavilhões, espalhados por toda a área.

Pavilhões estes mais parecidos com casas térreas e antigas, quase sempre com uma varanda, um porão na parte de baixo e a escada que leva até a porta principal. Faz-me lembrar minha antiga casa, em São João da Boa Vista. Os formatos dessas casas variam, mas mantêm o padrão arquitetônico da época de construção do hospital, no início do século XX. Além disso, há muitos, mas muitos carros estacionados por todos os caminhos que levam de um lugar a outro.

Em meio a tudo, uma pequena capela disputa a atenção das pessoas. Quando entro, apenas o silêncio e uma paz interna se fazem presentes. Algumas poucas cadeiras e imagens de santos como decoração. Fora do local, dezenas de funcionários, vestidos de branco, passam, descansam ou fumam nos vários bancos junto aos jardins.

Semanas depois, retorno ao hospital. É uma sexta-feira quente de novembro, perto da hora do almoço. Chegando pela entrada do Canal 4, o movimento é visivelmente maior do que da primeira vez em que estive lá. Agora reconhecia o tal Hospital Guilherme Álvaro que meus amigos me diziam. Ambulâncias paradas e pessoas sentadas na frente e na pequena mureta do canal. A faixa que explicava que as consultas novas deveriam ser marcadas pelo serviço de Saúde do município continuava exposta.

- Moça, essa faixa aqui em cima está atualizada? - pergunto.

A tal moça que conversa com um rapaz gordo, ambos sentados - estão ali para dar informações às pessoas - diz, com uma cara de desprezo, que é para eu desconsiderar tal mensagem.

Agora é possível entender o porquê das portas estarem cobertas. O lugar está em reformas. Quando se entra, é possível ir para a direita ou para a esquerda - uma parede de madeira tampa a parte onde ocorre a reforma. Há muitas pessoas à espera de atendimento, tanto no primeiro quanto no segundo andar.

É um lugar frio, pálido, melancólico. Impossível não sentir um desconforto em um lugar desses, com suas linhas quadradas que fazem lembrar prédios públicos falidos.

Na parte Oeste deste prédio, fica uma porta que dá acesso às outras alas do HGA. Porém, para entrar, também é preciso pegar o crachá com os dois seguranças. Um deles, inclusive, era o mesmo que, semanas antes, havia me indicado o caminho à Diretoria Administrativa.

Passando por essa porta, há um longo corredor e uma pequena passagem por entre dois prédios, um antigo e outro novo, que também leva à Diretoria Administrativa e ao pequeno casebre do Protocolo, que é meu destino neste dia. Os aparelhos de ar condicionado estão presentes em todas as construções, independente da data de construção.

Dentro dessas, digamos, "casas", todo o chão é de madeira, com o teto e as portas bem altas, o mesmo se aplicando às janelas. Na parte de cima, no lado externo, pares de azulejos portugueses decoram e acrescentam um discreto charme.

Mas por que hoje ele tem essa aparência, esses prédios novos bem ao lado dos antigos? Analisando a história e a evolução que o HGA passou, e ainda passa, e a situação em que Santos vivia na época da sua construção, descobri a resposta.

Histórico e evolução do HGA - A história do Hospital Guilherme Álvaro está diretamente ligada à de Santos. A cidade sempre sofreu com a falta de saneamento; é uma região plana e de solo formado por mangues. Quando chovia, a geografia da ilha não (N.E.: SIC: correto seria o contrário) impedia que houvesse o escoamento das águas, pela ausência de inclinação, elementos que somados eram propícios para que uma infinidade de doenças, como a febre amarela, varíola, impaludismo, tuberculose e disenteria, se desenvolvessem e contaminassem milhares de pessoas. Pesquisas dizem: no ano de 1891 epidemias ocasionaram mil mortes, quase 9,8% da população santista.

Para combater essas epidemias e tornar a cidade saudável, muito foi feito. O médico Raimundo Soter de Araújo, que nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 22 de abril de 1853, foi um dos pioneiros na melhoria do estado sanitário da cidade e muito se esforçou para a criação de um hospital de isolamento. Posteriormente foram criadas duas comissões, ambas no final do século XIX, por volta de 1890 (a idéia da construção do hospital foi durante aquele ano): a Comissão do Saneamento, chefiada pelo engenheiro Francisco Saturnino Rodriguez de Brito, idealizador do internacionalmente famoso projeto dos canais (uma das principais obras na luta pelo saneamento, pois impede até hoje que a água dos córregos que passam por dentro de Santos fique parada), e a Comissão Sanitária, dirigida por Guilherme Álvaro, médico e pessoa extraordinária que, com uma equipe com poder de polícia, esvaziava a superpopulação dos cortiços do Centro, usando, se preciso, a força. Os dois trabalharam juntos e contribuíram para a salubridade da região.

Guilherme Álvaro lançou até o livro A Campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos, em 1919, contando todo o processo de seu trabalho, a evolução das doenças e dos óbitos em decorrência das mazelas existentes. Mazelas essas em decorrência da escassez de água, os maus hábitos da população que crescia cada vez mais, junto com o número cada vez maior de navios que atracavam no porto, trazendo, por meio dos seus tripulantes, doenças de outros países que aqui não existiam. Guilherme Álvaro teve participação decisiva na construção do hospital e por 20 anos lutou pelo saneamento em Santos.

A necessidade de sanear, porém, não era só para melhorar a vida das pessoas. A economia acabou tendo uma grande influência - devido ao comércio de café - para que ações fossem tomadas. A Associação Comercial de Santos (de 1870), em representação ao presidente da Província de São Paulo, resumiu a situação em 8 de maio de 1889: "O saneamento de Santos torna-se uma necessidade inadiável para garantir não só a vida da população, mas altos interesses de ordem econômica". Assim o governo paulista tomou providências, escolhendo, entre outros, o projeto de Saturnino de Brito para sanear a cidade santista. A seguir encontram-se os anos em que as epidemias atacaram a população da Cidade de Santos:

Epidemias principais em Santos de 1850 a 1919:

- Cólera: 1855

- Coqueluche: 1851-64, 1912, 1915

- Disenteria: 1869-70, 1888, 1890

- Febre amarela: 1853, 1857-61, 1869-70, 1872, 1873, 1876, 1878-80, 1889-1900

- Febre tifóide: 1884-85

- Gripe espanhola: 1918-19

- Impaludismo: 1883-84, 1915-17

- Peste bubônica: 1899, 1900, 1901-03, 1906-07, 1909, 1911, 1913

- Sarampão: 1887, 1907, 1909, 1911, 1915

- Varíola/alastrim: 1859, 1863, 1865, 1872, 1873-78, 1887, 1889, 1892-94, 1897-99, 1904, 1906, 1908, 1912-14

- Doenças endêmicas, com média constante de casos: ancilostomose, impaludismo/malária, febres malignas, tifo/febre tifóide, disenteria, difteria, cancro, pneumonia e tuberculose, angina e escarlatina, sarampão, mal de sete dias, tétano e tétano dos recém-nascidos, varicela, hidropsia.

Depois de essa comissão ter se reunido - passou a ser chamada de Junta de Higiene Municipal - alguns estudos foram propostos para a melhoria da saúde da população. Foram eles: organização do serviço sanitário municipal; condenação dos cortiços e substituição deles por habitações salubres, por familistérios; construção de hospedaria para imigrantes; limpeza perfeita das praias e da cidade e a construção de um hospital municipal - embrião do HGA.

A construção desse hospital começou em 1911 e sua fundação ocorreu dois anos depois, em 11 de abril de 1913, na Rua Oswaldo Cruz, 197. Ocupava uma área de 55.000 m² e era destinado aos pacientes que sofriam com as doenças que assolavam Santos na época (já citadas anteriormente).

Ele continha 6 pavilhões: necrotério, farmácia, lavanderia e desinfetório regulamentares e com 80 leitos, sendo que dos 20, ficaram quartos individuais e o restante, pequenas enfermarias com seis camas.

Ao longo do tempo, outros "pavilhões de isolamento" foram sendo integrados aos já existentes, para manter separados os pacientes com doenças contagiosas.

No mesmo ano foi construído outro Hospital de Isolamento, junto à Santa Casa de Misericórdia, na encosta do Monte Serrat. Chamava-se "Hospital Sanatório Soter de Araújo", e era destinado à internação de pacientes portadores do Bacilo de Cock - bacilo que causa a tuberculose. Porém, em 10 de março de 1928, um desmoronamento destruiu parte da Santa Casa, decretando sua mudança para um novo edifício que seria inaugurado em 1945. Neste mesmo ano ocorre a demolição do Hospital Sanatório Soter de Araújo para a construção do túnel que ligaria a cidade (centro) à orla da praia. Essa desativação começou em 1930.

Posteriormente, o hospital passou a ser, quase que exclusivamente, direcionado para o tratamento da tuberculose. Fez isso por 26 anos, até que, com o avanço das pesquisas e com o aparecimento de medicamentos eficazes no tratamento da tuberculose, no final da década de 60 e início dos anos 70, definiu-se o tratamento. Assim, não era mais necessário o isolamento dos enfermos, podendo o tratamento ser feito em nível ambulatorial, cessando a transmissão da doença com o uso da medicação específica. Iniciava-se assim, em todo o país, a transformação de todos os grandes sanatórios em hospitais gerais.

Em 13 de agosto de 1973 o hospital inicia sua transição de Hospital Sanatório Guilherme Álvaro para Hospital Geral Guilherme Álvaro, seguindo as novas diretrizes do Governo, com a implementação de um ambulatório destinado ao atendimento especializado nas seguintes áreas: Endocrinologia, Ginecologia, Cardiologia, Dermatologia, Urologia, Pneumologia e Neurologia.

Naquele mesmo ano foi firmado convênio entre a Secretaria de Estado da Saúde e a Fundação Lusíada, visando à utilização do Hospital Guilherme Álvaro pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos para treinamento de estudantes de Medicina. Assim, a Secretaria adequou o funcionamento do hospital às necessidades do ensino médico. Um laboratório foi criado para atender a demanda de um Hospital Geral, o Banco de Sangue, inteiramente gratuito, e ainda adaptação do serviço de Raios X, que só atendia a tuberculose.

Em 31 de janeiro de 1975 foi criado o Pavilhão V, destinado à Obstetrícia, sendo o primeiro parto feito neste hospital em abril. A criança foi batizada de Guilhermina e ainda recebeu uma bolsa de estudos da Fundação Lusíada. Posteriormente, a Obstetrícia foi adaptada para cirurgia. Sendo assim, o pavilhão ficou com a maternidade, a cirurgia geral e a clínica médica, além de uma ala que ficou para administração. Também foi criado o Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME), usado para fornecer os dados estatísticos necessários ao próprio hospital e com a finalidade de ensino e pesquisa científica e uma área de enfermagem com características definidas.

Com todas essas transformações, o HGA passou a ser subordinado ao Departamento de Hospitais Gerais e Especiais da Coordenadoria de Assistência Hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado.

O hospital ainda passou por outras modificações durante o passar dos anos, como: residência em Pediatria e Cirurgia Pediátrica, nomeação da Comissão de Controle das Infecções Hospitalares do Hospital Guilherme Álvaro, sendo uma das pioneiras no Estado; ampliou o atendimento dos serviços de Raios X e implantação de programas de residência médica.

Em 21 de março de 1985, foi criado o Centro de Convivência Infantil (CCI), que funciona como creche para os filhos dos funcionários; e em 1985, implantaram-se no HGA dois projetos, até então pioneiros no Estado de São Paulo. O Pronto-Socorro Psiquiátrico e a enfermaria de Saúde Mental de curta permanência (72 horas), com 14 leitos destinados a corrigir a falta de leitos aos pacientes psiquiátricos, que eram encaminhados aos presídios de Santos e da região, e o Centro de Saúde do Trabalhador (Cesat), um ambulatório destinado ao atendimento das doenças ocupacionais, tanto em seus aspectos médicos quanto administrativos e previdenciários. Hoje, este ambulatório consta de equipe de médicos especialistas, atendendo uma média de 517 consultas mensais.

Já em 1986 foi inserido o setor de reabilitação com atendimento aos pacientes internados nas áreas de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.

Na data de 25 de março de 1988 surgiu mais um importante projeto. A introdução de uma ala de isolamento para portadores do vírus HIV, construída dentro dos padrões necessários para atender este tipo de doença. Esta ala contava com 23 leitos e duas enfermarias (19 leitos adultos e 4 leitos infantis), onde são internados os pacientes que apresentam esta patologia clínica. A primeira UTI do HGA foi implantada somente em 24 de agosto de 1989.

Centro de aleitamento - O HGA também é referência mundial com seu programa de aleitamento materno. O Centro de Lactação, depois de aprovado e construído com a ajuda do Governo Federal, em 15 de agosto de 1990, depois de receber uma bolsa de especialização em San Diego, na Califórnia, da Organização Mundial de Saúde (OMS). Porém, desde 1974 o hospital já é comprometido com essa iniciativa, dando toda a assistência e acompanhamento às mães.

São oferecidos vários cursos, entre eles alguns que incentivam os hospitais a serem "Amigos da Criança". Este curso para gestores vem para dar maior incentivo, pois existem 3.000 hospitais que poderiam ser "Amigos da Criança", mas apenas 10% aderiram a essa causa. Além desses cursos, existem os de aconselhamento em amamentação, os destinados às faculdades, cursos pedidos por prefeituras e governos estaduais e para alunos ou profissionais de enfermagem. Já são cerca de 8.000 multiplicadores formados pelo Brasil, além dos cursos ministrados em outros países.

Além desse Centro, o HGA também possui o Banco de Leite Humano. Esse Banco visa atender os recém-nascidos que mais precisam - geralmente internados na UTI. O procedimento para a coleta do leite é feito da seguinte forma: a mãe recebe um kit (N.E.: = conjunto) esterilizado e as informações necessárias de como proceder de forma higiênica; a primeira coleta deve ser feita no hospital, para que a mãe receba todas as instruções corretas, assim nas próximas vezes ela só vai ao hospital para entregar o leite. Depois de recebê-lo, ele passa por um processo de pasterurização, para então servir de alimento aos bebês. O hospital também dá toda a assistência às mães até o sexto mês da criança, que, de acordo com a OMS, é o ideal. E até os dois anos, ou mais, com o acompanhamento de outros alimentos adequados.

A importância da amamentação é muito grande, e construção da saúde da criança. O leite materno contém 250 elementos de proteção.

O HGA recebeu em 5 de agosto de 1993 a placa de "Hospital Amigo da Criança", homenagem que é motivo de orgulho para todos os funcionários. Pelo trabalho pioneiro na humanização do atendimento - vale lembrar que este título foi concedido pela primeira vez no Estado de São Paulo. Também o primeiro a aplicar o "Método Canguru" com alta precoce para prematuros. No mesmo ano, em janeiro, foi inaugurada a unidade de Psiquiatria com 50 leitos e área de lazer específica para estes pacientes.

No mês de julho, em 1994, implantou-se o Programa de Estomaterapia que abrange toda a Baixada Santista.

Pet Terapia - Um dos tratamentos que o HGA tem desde 2000 é o da Pet Terapia. A idéia é levar cães para socializar com os pacientes internados. Em 2004, dando continuidade a essa ação, o HGA firmou parceria com a organização não-governamental (ONG) Doutor Auau, de Santos. A idéia é levar cães ao hospital, na ala da Pediatria e na Psiquiatria, para que, junto com outros procedimentos, o tratamento dos pacientes em geral seja mais humano.

Mas quem achar estranho animais transitando dentro de um hospital, pode ficar tranqüilo. Todos os mascotes são limpos, bem cuidados e não há problema de contaminação, pois eles ficam passeando pelos corredores por apenas 1 hora.

Em 2000, com a demanda do hospital como referência para crianças de alto risco, a Cirurgia Pediátrica, Maternidade de Alto Risco e Medicina Fetal fez-se necessária a ampliação do serviço com a implementação de 16 leitos de Enfermaria para 22 pessoas, 3 leitos de UTI Pediátrica para 8 pacientes, assim divididos: 3 pediátricos e 5 neonatais para atender a demanda.

Hemonúcleo - 3 de junho de 2002: acontece a inauguração do Hemonúcleo, dentro das normas mais modernas que existem na Hemoterapia. Ele, na verdade, faz parte apenas "fisicamente" do HGA; ele é um órgão independente do hospital e também fornece sangue para os outros hospitais que eventualmente precisem, não só o HGA. É o caso do CREI de São Vicente. Porém, os vicentinos ainda não estão conscientizados da importância da doação de sangue. De acordo com uma pesquisa feita pelo próprio Hemonúcleo do HGA, 50% das pessoas que doam têm 18 e 30 anos. Existe até o Dia Nacional do Doador de Sangue, 25 de novembro.

Geralmente o estoque é de 150 a 180 bolsas de sangue, mas o ideal seria de 300 bolsas. Para aqueles que sentem medo de doar, não há motivo. TOdos os equipamentos são esterilizados, são feitos testes, entrevistas, e a pessoa só doa se estiver em boas condições de saúde. Deve ter entre 18 e 65 anos e no mínimo 50 kg e não é necessário estar em jejum. O repouso antes da doação deve ser de no mínimo 6 horas, entre outros critérios, além de outras recomendações.

O Hemonúcleo também desenvolveu o processo de código de barra, possibilitando maior agilidade e precisão em todo o caminho do sangue doado, desde o cadastro até o resultado de exames e a aplicação no receptor.

Nos anos de 2002 e 2003 a Unidade de Neonatal passou para 14 leitos exclusivamente para atender a maternidade e o hospital começou a disponibilizar Certidão de Nascimento para as famílias gratuitamente; iniciou o Projeto de Humanização, valorizando o funcionário, atendimento prioritário em consultas e exames, premiações, programas educacionais, atividades de integração e lazer, jornal, ouvidoria etc.

Durante seus 94 anos de história, o HGA foi sendo montado em blocos, como se fosse uma única e grande construção: um grande Lego hospitalar. Desta forma, o processo foi integrando a arquitetura de um século inteiro, ou seja, o clássico do início, os prédios quadráticos dos anos 60 e 70 e, por fim, a arquitetura contemporânea.

O Hospital Guilherme Álvaro, da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo, na região metropolitana da Baixada Santista, oferece vagas para pacientes exclusivamente do SUS. Presta assistência médica ambulatorial especializada e é um hospital de referência à população dos nove municípios que integram a região da Baixada Santista e municípios do Vale do Ribeira.

Ocupa uma área física de 45.210,79 m², sendo 17.998,94 m² de área construída, mantendo a estrutura dos pavilhões. É referência em diversas áreas, como:

- Oftalmologia

- Geriatria

- Mal de Alzheimer

- Ambulatório de Obesidade Mórbida e Distúrbios do Crescimento

- Hepatite (atendendo biópsias)

- Cirurgias Pediátricas (em urgência e emergência)

- Acidentes com animais peçonhentos

- Intoxicações

- Dispensação de soro antiofídico

- Cirurgias de alta complexidade, inclusive cirurgia cardíaca, ortopedia e bariátrica, iniciadas em 2003.

Além disso, também realiza os seguintes atendimentos: alergia pediátrica, acupuntura, anestesiologia, angiologia, cardiologia adulto e pediátrica, cirurgia geral, cirurgia plástica, cirurgia vascular, cirurgia cardíaca, cirurgia pediátrica, cirurgia torácica, climatério, dermatologia, endocrinologia adulto e pediátrico, fonoaudiologia triagem, gastrologia adulto e pediátrico, geriatria, ginecologia, hematologia, hepatologia adulto e pediátrico, imunologia, moléstias infecciosas, nefrologia adulto e pediátrico, neurologia adulto e pediátrico, nutrição, oncologia, ortopedia, otorrinolaringologia, pediatria, pequenas cirurgias, planejamento familiar, pneumologia, proctologia e urologia, reprodução humana, reumatologia, sexualidade.


[Páginas 171 a 172]

Sofrimento que vem de longe

Por Antonio Pereira

7/8/2007 - Um dia antes: Josilmar Cordeiro de Toledo, 36 anos, preferiu sair de Bertioga e ir para a casa de uma amiga, em Santos. Ela é uma das muitas pessoas que moram em cidades vizinhas e procuram a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, em Santos, para tratar um problema de saúde. Na maioria dos casos, isto ocorre devido à má estrutura dos hospitais da Baixada Santista.

Josi, que trabalha como ajudante geral, precisava de uma cirurgia para retirar a vesícula através de uma videolaparoscopia, mas a falta de um hospital capacitado em sua cidade, somada ao risco de morte provocado por uma cirurgia por incisão, a levou à Santa Casa de Santos.

A cirurgia videolaparoscópica é... - ... realizada na cavidade abnominal, através de mini-incisões (0,5 e 1 cm), utilizando material cirúrgico especial e um sistema videoendoscópico constituído de uma microcâmera, processadora de imagens, monitor, videocassete e insuflador eletrônico de gás.

Fonte: Hospital Santa Lúcia, Brasília - DF.

16 h: "Eu estava saindo de Bertioga para a casa da minha amiga Simone, no bairro do Macuco. O medo era muito grande. Parecia que eu estava indo para não voltar mais".

21 h: "Fiz a última refeição, já que a partir das 22 h eu não poderia comer mais nada e nem beber água".

23 h: "Já na casa de Simone, minha amiga, eu tentava dormir, mas estava difícil. Cada vez que eu fechava os olhos, me lembrava dos meus filhos, do meu trabalho, enfim, passava um filme na minha cabeça e o sono não chegava. Dormi muito mal".

8/8/2007 - O dia da cirurgia: Josi acorda às 6 h com muito sono e vai para a Santa Casa.

Pré-operatório - "Cheguei ao pré-operatório às 7h30. A enfermeira me aplicou o soro e lá fiquei assistindo à televisão até 11h30. Eu sequer sabia o que estava passando na TV. Estava com medo de morrer. Era a minha primeira cirurgia".

Centro cirúrgico - "Fiquei aproximadamente uns 15 minutos no corredor, esperando a equipe do dr. Michel Bastouly preparar a sala. O medo só aumentava. Às 11h30, fui trocada de maca e a anestesista aplicou a anestesia no soro. Em segundos, apaguei".

Pós-operatório - "Acordei muito tonta e a primeira coisa que fiz foi perguntar para a enfermeira se eu estava viva. Ela me tranqüilizou e me levou para um quarto onde recebi uma medicação e, pouco mais tarde, jantei. No dia seguinte, tive alta".

A cirurgia por videolaparoscopia não é abrangida pelo SUS, uma vez que ela  passa a ser considerada como estética. Com isso, Josilmar teve que desembolsar cerca de R$ 3.200,00 pela operação.

Segundo Miguel Bastouly, médico responsável pela cirurgia, a cicatrização externa demora aproximadamente um mês, e a interna, cerca de um ano.

Atualmente, as policlínicas não estão atendendo moradores de outras cidades, tendo seu uso destinado apenas aos moradores de Santos, sendo que estes moradores serão tratados somente na policlínica mais próxima. Confirmado pela assessoria de imprensa da Prefeitura.

No ano de 2005, cerca de 86.738 pessoas que residem desde Registro (litoral Sul) até Caraguatatuba (litoral Norte) foram atendidas na Santa Casa através do SUS.

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