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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f46)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

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Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

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EUGENIA , A GUERRA CONTRA OS MAIS FRACOS

No Anchieta, a visão dos iguais

 

Em uma época pós-Anchieta, em que seres são rebaixados e em que se projeta o aperfeiçoamento genético, esta história é necessária

 

Separar pessoas entre boas e más, ricos e pobres, úteis e inúteis, produtivas ou improdutivas, loucas ou sãs, diferentes ou iguais, velhos ou novos e bonitas ou feias, é cruel. Foi esta separação que se fez no Anchieta e se faz nos hospícios brasileiros, nas velhas políticas de Saúde Mental. Lá se depositavam os inúteis. Eram os exclusos, como no livro de Ary Chen - os marginalizados, os incômodos, os diferentes, os que vinham ocupar o lugar deles.

 

São formas diferenciadas de racismo, originárias do medo e produtoras de políticas equivocadas, que ao mesmo tempo quer produzir seres perfeitos, negando Marx quando disse que o homem é produto do meio. É a chamada eugenia que, com outros nomes desde sua origem, ainda nos ameaça, em uma época em que tanto se pesquisa o aperfeiçoamento genético e se descobre, ao mesmo tempo, que a união de raças fortalece o tipo humano. Houve o tempo em que se postulava que a doença mental era evidência de uma corrente degenerativa hereditária, que se tornaria gradativamente mais profunda nas gerações sucessivas, causando sua extinção.

 

Era o que pensavam, por exemplo, os psiquiatras Benedict Morel (1809-1873) e Valentin Magnan (1835-1916). Na Itália, Cesare Lombroso (1836-1909), considerado o pai da antropologia criminal, achava características físicas degenerativas nos criminosos. No Brasil, o médico Nina Rodrigues abriu o cérebro de Antonio Conselheiro, o líder de Canudos - a revolução social do século XIX no Nordeste contra a opressão dos coronéis do sertão -, para encontrar "sintomas degenerativos". Desafiar o poder era loucura impregnada naqueles seres mestiços, relata o positivista Euclides da Cunha no início do livro, na visão que se modifica em seu transcurso, mesmo tendo construído o paraíso de Belmonte - uma utopia de Morus.

 

A Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada em 1934, foi acusada de utilizar métodos eugênicos, no livro de Jurandir Freire Costa, contestado por outros grupos, pois tinha a meta de criar indivíduos brasileiros mentalmente sadios. O psiquiatra Walmor Piccinini discorda dessa rotulagem que se atribui aos psiquiatras de então da LBHM, disparada a partir do momento em que as atas da entidade publicaram a legislação eugênica hitlerista na íntegra.

 

Para ele, a visão genética da melhoria de raças era anterior ao nazismo e as práticas deste regime se isolaram neste momento histórico, retirando a rotulagem do movimento que, para ele, tinha como meta o que seu fundador Ridel desejava, ou seja, melhoramento e humanização da assistência psiquiátrica aos doentes. Os psiquiatras da eugenia americana acreditavam nas teorias mendelianas da hereditariedade. Desprezavam Marx, que definiu que o homem é produto do meio.

 

Os fatores exógenos eram desconsiderados na composição das feições humanas e a sucessão seria imutável. Adolf Meyer, ícone da psiquiatria americana, em dado momento de sua vida considerava a eugenia uma maneira de compreender e tratar de doenças mentais, afastando-se destas idéias por volta de 1917.

 

Mas em 1914, dizia Carlos Mcdonald, na posse da American Medico-Psychological Association, que era preciso deter a doença mental do mesmo modo que a varíola, o que se faria mediante vacinação em massa. Foi a época de testes de Q.I., segregação institucional, restrições ao casamento, esterilização involuntária, controle da imigração e outros. Trinta estados americanos tinham leis de esterilização eugênicas, foram realizadas cerca de 15 mil esterilizações cirúrgicas.

 

Em Nuremberg, no julgamento dos criminosos nazistas, estes argumentos, os das ações americanas para melhorar a raça, foram usados na defesa dos criminosos nazistas.

 

O combate a estas idéias veio de parte de psiquiatras como Abraham Myerson e do ex-higienista Aron Rosanoff, que em 1911 havia concluído que a insanidade era hereditária, teoria que se afastou em 1915. Estes já foram contrários à lei que fora aprovada em 1924 - a US Imigration Restriction Act -, diagnosticando determinadas regiões de imigração européia como fontes de doença mental, tese que tinha defensores como Charles Goddard com seu Eugenic Record Office. Os psiquiatras americanos se afastariam destas idéias e abraçariam o movimento de Saúde Mental, defendendo a integração na comunidades destes pacientes.

 

Mas, naquele tempo, na expansão racial e social, decorrente do desenvolvimento econômico, trazendo novos contingentes humanos às sociedades, trouxe o medo dos membros das classes dominantes de dividir espaço e sucumbir aos anseios destas novas massas. No desejo do retorno ao passado, na ideologia do que chamamos da direita, à política de rejeição às minorias étnicas constituiu-se a base teórica do racismo e da discriminação, separando pessoas iguais.

 

O exemplo retrata a origem remota da discriminação, no princípio da divisão dos espaços disponíveis de ocupação reservados aos seus donos, ameaçados de dividi-lo com os diferentes. A estratégia seria reduzi-los por esta suposta diferença. Na expectativa de corrigir os diferentes e seus males, os defensores das políticas corretivas aos diferentes aproveitaram as teses do cientista Francis Galton (1822-1911), que propunha, nos Estados Unidos, a melhorar a raça através de casamentos selecionados, "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as futuras gerações seja física ou mentalmente", como escreve em seu livro publicado em 1865, Hereditary talent and Genius.

 

Era a eugenia positiva, cuja ideologia política dominante conservadora e racista iria negativar e impor seus valores de modo mais grave e desumano: pretenderia corrigi-los. A sociedade que escravizara negros, que considerava seres inferiores, radicalizava sua ação. Lembremo-nos do psiquiatra Benjamim Rush, que dizia que os negros tinham lepra e podiam ser curados.

 

Por exemplo, entre 1907 e 1940, atacados pela incorporação dos ex-escravos, índios, mexicanos e outros imigrantes à sociedade americana que se expandia, no domínio destas teses, vários estados daquele país (como a Carolina do Norte e Michigan) realizaram milhares de castrações e esterilizações. Na Califórnia, 14.568 intervenções cirúrgicas desse tipo foram realizadas. O Estado de Virgínia proclamou sua lei de esterilização em 1924, como discorre Edwin Black em seu livro A guerra contra os fracos. A eugenia usada por Hitler e praticada pseudo-cientificamente por Joseph Mengele (1911-1979), em Auschwitz, é originada nos Estados Unidos, na idéia dos campos de concentração domésticos - e estava idealizada para liquidar os diferentes em câmara de gás, substituída pela esterilização por questões culturais, em climas políticos que radicalizariam estes procedimentos na Alemanha.

 

Sua origem remonta aos ingleses, que tiveram campos de concentração na Guerra dos Bôers, entre o Exército inglês e os colonos sul-africanos, de 1899 a 1902. Houve manifestação na imprensa americana, em 1934, um ano depois de Hitler assumir o poder na Alemanha, por parte de um superintendente de hospital na Virginia. A reclamação era que eles, os alemães, estavam "nos vencendo em nosso próprio jogo". Eram as práticas de eugenia usadas pelos nazistas, que mataram 50 mil pessoas, inclusive em hospitais psiquiátricos.

 

A eugenia é uma forma de encarar a procriação como uma forma de gerar seres melhores, encorajando a produção de bons genes e desencorajando aqueles com maus genes. Os eugenistas trabalharam para criar legislações separando grupos étnicos e os modelos americanos foram base da eugenia praticada na Alemanha, de acordo com a lei que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1934, obrigando a esterilização compulsória de doentes transmissores de taras. Nascida na Inglaterra, desenvolvida nos Estados Unidos, a eugenia consagrou-se como barbárie na Alemanha, mas com raízes americanas.

 

Baseadas no darwinismo e nas teses de seleção natural, era determinada a acelerar os desígnios da natureza para formar seres perfeitos – algo que se avança hoje, à espera do momento político ideal para sua efetivação, que se dará na continuidade do processo de concentração de riqueza, criando dois tipos de ser humano.

 

A aceitação de que existem seres imperfeitos e que se pode corrigir a natureza humana é a base da eugenia, cujo ideal pertence a fórmulas sociais em desuso, fruto do autoritarismo e do elitismo. É nesse diapasão que se enquadrou o tratamento aos internos do Anchieta: como iguais.