Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260r10f20.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/14/10 17:43:06
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f20)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

Leva para a página anterior

Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

Leva para a página seguinte da série

20

A CAUSA E OS MÉTODOS

As contradições do modelo antigo e as palavras-chave da psiquiatria democrática. Basaglia  é uma "mentira"?

 

"A criatividade vale mais que o conhecimento" (Einstein)

 

A ecologia da loucura: o Estadão reporta Santos, a primeira cidade do país a humanizar a  questão Saúde Mental

 

"A Casa de Saúde Anchieta foi o primeiro manicômio brasileiro a trocar, em 1989, o excesso de medicação, tratamentos com eletrochoques e o confinamento dos internos pelo atendimento descentralizado e aberto nos núcleos espalhados pelos bairros de Santos. 'Na época, segundo Auro Lescher (o psiquiatra Auro Danny Lescher, da Universidade federal de São Paulo,  que então montava um espetáculo teatral com o grupo ‘Biruta’, encenando teatro como terapia), não passava de um depósito de excluídos', diz, 'até a rua em que estava localizado mudou, porque historicamente as pessoas tem medo de se aproximar da loucura', afirma o psiquiatra, que propõe, com o Biruta e com a abertura dos manicômios, o que chama de ecologia da loucura. 'Quando o hospital se abre e as pessoas retornam para sua comunidade, elas tem que lidar com esta situação nova', explica. 'De certa forma, a sociedade se ‘birutiza’, olha para suas loucuras, os pacientes são acolhidos e também acolhem. E isto é a própria cura'". (jornal O Estado de São Paulo, 20/11/1995, reportagem de Maria Lygia Pagenotto)

 

Como o psiquiatra Edmundo Maia, figura de destaque não apenas em Santos, em que era o principal dirigente do Anchieta e professor da faculdade de Medicina, foi uma referência na prática dos antigos métodos da psiquiatria baseada na internação e tratamentos de choque - e ser um dos antigos donos do Anchieta e seu inspirador -, utilizamos suas palavras como contraponto das novas políticas do setor.

 

Ele disse, na ocasião da intervenção municipal, em reportagens publicadas, que "estes jovens que estão aí não entendem nada de Psiquiatria", na medida em que se propunham novos métodos alternativos ao modelo hospitalocêntrico de internação compulsória, cuja realidade trágica já era pública.

 

Em Santos foi feita uma experiência inédita sobre o tema, o da não-reclusão de seres humanos por seu estado mental, como política pública disposta a não submeter pessoas humanas a tratamentos cruéis que, por menos, apenas cronificavam seu estado – além de significar uma espécie explícita de violência.

 

Os novos métodos e seus papéis revelam as contradições do modelo antigo

 

Os novos métodos: a internação apenas em momentos de crise ou surto; hospitais/dia, muito próximos aos ambulatórios de hospitais-gerais, onde as pessoas não são trancadas, mas ficam um pequeno período em um ambulatório quando em crise; Centros de Atenção Psico-Sociais – os CAPS, em que o paciente é levado e trazido pelos familiares, passando ou não o dia. São apenas pacientes ambulatoriais, incluídos na vida da cidade como quaisquer outros cidadãos. Além de reintegrarem os pacientes na sociedade, economizam dinheiro da saúde, tratando dois pacientes com o que era (mal) pago para apenas um.

 

Maia disse à imprensa na ocasião, à moda antiga, que "não se pode dar liberdade ao louco porque ele não tem capacidade para discernir".

 

Se reconduzido à sua condição humana, com o acompanhamento por uma equipe de interprofissionais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psiquiatras, enfermagem, voluntários. Centros de Convivência – um espaço que não tem como objetivo atendimento clínico e sim com o fazer artístico e de coisas do cotidiano – isto não apenas se inverte, como se prova que a liberdade recupera. Cooperativas, acompanhamento do psiquiatra à distância.

 

Os NAPS – Núcleos de Atenção Psico-Social, muito parecidos com os CAPS, mas com leitos e enfermaria, menores do que os CAPS mas possibilitando um melhor acompanhamento para os tratamentos mais intensos. Psicodrama, terapias individuais em grupo substituem os remédios.

 

Abertos 24 horas por dia, inclusive fins-de-semana e feriados, os NAPS e os CAPS substituem o antigo manicômio – atendendo, prioritariamente, pessoas com sofrimento mental grave e aquelas que se sentem deprimidas, ansiosas ou que estão passando por problemas familiares e/ou sociais.

 

O processo terapêutico individualizado de reabilitação é baseado em métodos científicos de revalorização da "parte sadia" da pessoa adoecida – e tem visitas e terapias familiares, atividades artísticas e ressocialização com atendimento médico. Ao contrário do manicômio que cronifica, as atividades dos NAPS são, por não provocarem isolamento e desagregação dos asilos, curativas e preventivas.

 

"Basaglia é uma mentira"?

 

Outra frase de Edmundo Maia, ideólogo de uma era na psiquiatria santista e com estabelecimento em São Paulo. Ao revés do "tratamento secular, faça-se o resgate da cidadania, jogos, arte, música, como propôs o realizador da terceira revolução mundial da psiquiatria. Artesanato, terapias ocupacionais eram métodos da reversão dos "tratamentos" aplicados como castigo há séculos, aos que Basaglia fez mudanças. Teatro, pintura, Projeto Tam-Tam, criação local.

 

São fórmulas simples que caracterizam a caminhada para o desmanche do manicômio e a libertação da loucura, compreendida, como diria Nise da Silveira, como um dos "variáveis estados do ser". Residências terapêuticas, voltadas para pessoas que perderam todo o convívio familiar, profissional e social em geral e não podem se manter inicialmente, funcionando como uma república ou pensão, sendo a casa delas. Pessoas que ficaram muitos anos no manicômio são os casos mais comuns destes moradores, que se deparam com os "incômodos" dos vizinhos que não querem "os loucos"  por perto.

 

"Louco é todo aquele que não sabe viver", disse Edmundo Maia.  Mas com movimentos culturais, festas, aniversários comemorados, negação a exclusão, integração, contato, se observa o inverso, o apego. Oficinas terapêuticas e de produção, hospitalidade noturna/internação. Consulta ambulatorial ou domiciliar, atendimento terapêutico individual. Atendimento à família ou grupal, reabilitação psico-social, ações sócio-assistenciais, interconsultas.

 

Há muito o que se fazer e que foi feito aqui. Casas e lares abrigados. Atendimento em postos de saúde. Uma rede de trabalhos substitutivos que reduz pela metade as milionárias verbas para sustentar os empresários da loucura no país que mantém os manicômios impositores de sofrimento para tantos, que consome a terceira maior despesa do SUS. São palavras-chave que sintetizam uma escola de solidariedade social na psiquiatria. É sobre esta causa que escrevemos.