Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260r10f17.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/14/10 17:42:54
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f17)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

Leva para a página anterior

Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

Leva para a página seguinte da série

17

UM FILME DE TERROR, TEMA DE MOJICA

MARINS: você já se imaginou trancado no Anchieta?

 

Locum religiosum et sacrum non possumus possidere etsi contemnamus religiosum et pro privatum erum teneamus. (Não podemos possuir o lugar religioso e sagrado, ainda que o desprezemos como religioso e o tenhamos como particular)

 

O princípio do Direito, gravado em latim para que seja eterno, diz respeito aqui ao espaço público, o do relacionamento com seres humanos. É o conteúdo da sociedade organizada – que não admite tratamentos diferentes, sob pena de se atentar contra ela.

 

Da apropriação de funções públicas e sociais como empreendimentos particulares, em busca do lucro,  decorrem os desvios de finalidade, a arbitrariedade e o tratamento desumano – e o lugar das pessoas é religioso e sagrado, o lugar do ser. Exigindo, pois, a intervenção da poder popular que, em uma circunstância temporal e extraordinária, estava no poder em Santos nestes fatos narrados próximos à década final do século XX.

 

Imagine-se trancado no Anchieta: esta ameaça estava presente sobre todos os cidadãos e poderia ser diagnosticada sua loucura por qualquer policial, diante de qualquer confusão, com envio imediato para a casa de saúde da rua São Paulo. Existem casos registrados dessa situações. "Se você não é louco fica", declaram profissionais que já trabalharam no Anchieta, ao jornal A Tribuna em 15 de junho de 1980.

 

Sobre a entrada diretamente para o choque elétrico temos depoimentos e testemunhas. Há o caso descrito pelo jornal A Tribuna nessa reportagem sobre uma adolescente que chegou chorando, porque havia brigado com os país – e foi diagnosticada como louca rapidamente pelo médico.

 

Outro caso foi da tia de uma depoente, que fora internada no Anchieta pelos gritos espantosos que dava. Mas depois de doses cavalares de "medicamentos" e de muito choque elétrico, que já tinham transformado a paciente em doente mental, descobriram que ela tinha câncer avançado. Mas já era tarde. Estagiários depõem sobre os conflitos com os médicos em função dos diagnósticos feitos em cinco minutos. "Era gangsterismo mesmo", escreve a reportagem.

 

Para reverter isso, foi feita a intervenção, modelo mundial de ação humanitária, política e de Saúde Mental, mundialmente premiada e indicada como exemplar pela Organização Mundial de Saúde. A intervenção, que exigiu disposição e forte vontade política, introduziu uma equipe multiprofissional com atividades não apenas médicas, mas esportivas, culturais, associativas e recreativas. Foi um mundo novo para os de dentro e também para os de fora, enfim, que nunca tinham visto o manicômio de altos muros sem janelas.

 

O novo Anchieta teve assembléias constantes, muitas festas – reintegrando pessoas e refazendo/fortalecendo laços familiares e comunitários. Uma nova sociedade nascia ali, no projeto de construção de um novo mundo daquelas pessoas que integravam o novo governo municipal santista comandado pela militante Telma de Souza. Estava na raiz ideológica do partido político que a levara ao poder este compromisso de solidariedade. O resultado é que os loucos simplesmente desapareceram do cenário da cidade, embora aqueles assim catalogados estejam entre nós – vivendo e contribuindo.

 

A estratégia aplicada em Santos baseou-se em duas idéias, simples, baseadas nas reformas dos manicômios da Itália por Franco Basaglia nos anos 70: a primeira é que estas pessoas sofrem de uma doença crônica – ou não -, sem perspectiva de alta hospitalar. Se sofrem, não adianta interná-los, porque não vão ser curados, nunca terão alta. Se sofrem desajuste, devem ser reenquadrados, reintegrados, como nos programas que foram desenvolvidos.

 

A segunda idéia é que eles não são perigosos e não merecem ficar presos, sendo torturados, submetidos a fortes medicamentos, eletrochoques, privações - que podem melhorar sensivelmente apenas com a evolução dos seus níveis de qualidade de vida, de contato uns com os outros, com os de fora, com a família, com atividades esportivas, culturais, sociais.

 

Santos foi notícia no país e no  mundo inteiro por sua ação redentora de seres e sistemas produtores de vida. Por este episódio importante da história a cidade é que fazemos este registro do resgate de pessoas humanas, rumo à construção de um novo paradigma social que exige novas formas de procedimento não-egoísta e mais solidário, que respeite o outro como a si mesmo.

 

Nos tempos em que atuou como diretor do Hospício de Gorizia, na Itália, o autor do exemplo modelar de Santos Franco Basaglia, refletindo sobre a natureza da instituição, propõe a destruição da instituição psiquiátrica, propondo, como método de cura, a devolução da liberdade que havia lhe sido tomada pelo próprio psiquiatra, que deveria recusar a idéia da institucionalização do manicômio – não apenas melhorá-lo, mas extingui-lo, o que foi feito em Santos.