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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA - BIBLIOTECA NM
Santa Casa de Misericórdia (30-K)

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Em 1943, o mais antigo hospital e a primeira Irmandade da Misericórdia do Brasil completou 400 anos de atividade, sendo redigidas e compiladas por Álvaro Augusto Lopes estas Memórias dos Festejos Comemorativos do 4º Centenário da Fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos - Novembro de 1943. A obra de 235 páginas foi impressa na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, em 1947.

Um exemplar foi preservado na Biblioteca Pública Alberto Sousa, que por sua vez o cedeu a Novo Milênio para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010 (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 158 a 175):

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Santa Casa de Misericórdia de Santos

Memórias dos festejos comemorativos do 4º centenário da fundação do hospital - Novembro de 1943

Alvaro Augusto Lopes

Redação e compilação

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13 de novembro de 1943

Homenagem do Corpo Judiciário de Santos

Incorporados, os juízes de Direito, promotores públicos, advogados, serventuários da Justiça e demais funcionários forenses desta comarca fizeram na manhã de 13 de novembro, às 11 horas, uma visita de cortesia e cumprimentos à Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, por motivo do transcurso do quarto centenário de fundação da benemérita instituição de caridade.

Os promotores da expressiva manifestação de simpatia foram cordialmente recepcionados pelo sr. Benedito Gonçalves, provedor, e demais membros da Mesa Administrativa e Conselho Deliberativo do tradicional estabelecimento hospitalar fundado por Braz Cubas.

Constituídos em sessão, realizada no Consistório da Irmandade, tomaram lugar à mesa as seguintes pessoas: dr. Euclides de campos, diretor do Fórum, e juiz da 2ª Vara Cível; dr. Sebastião de Vasconcelos Leme, juiz de Direito da 1ª Vara Criminal; dr. Otávio Guilherme Lacôrte, juiz de Direito da 2ª Vara Criminal e presidente do Tribunal do Júri; dr. João de Deus Mena Barreto de Barros Falcão, 1º promotor público; dr. Francisco Cardoso de Castro, juiz adjunto da 2ª Vara Cível; dr. Lincoln Feliciano, presidente da Sub-Seção de Santos da Ordem dos Advogados do Brasil; sr. Benedito Gonçalves, provedor; dr. Ascendino de Rezende; dr. Adail de Oliveira, delegado adjunto, representando o dr. Afonso Celso de Paula Lima, delegado auxiliar divisionário; sr. J. J. Azevedo Marques, sr. Sival Barros Coelho e Melo, sr. Josino Maia e sr. Vidal Sion.

Em nome dos juízes, promotores e advogados, fez uso da palavra, saudando a Mesa Administrativa da Santa Casa, o dr. Arquimedes Bava, que proferiu a expressiva oração seguinte:

"Aqui estão juízes, promotores de Justiça e advogados, verdadeiros clínicos e terapeutas sociais, espíritos formados da mesma amálgama, possuídos da mesma destinação de realizar a Justiça, que é o supremo ideal humano, em visita a esta gloriosa instituição que está comemorando o seu 4º centenário.

"Aqui vemos erigida e cultuada a palavra mais bela do Cristianismo, que é sem dúvida alguma caridade, que exprime a um tempo o Amor de Deus e o Amor do Próximo, unidos entre si em admirável harmonia.

"Depois do Evangelho, depois daquele memorável dia dos anais do mundo, em que a Caridade, do coração de Jesus Cristo passou para o coração dos seus discípulos e espalhou os seus raios benéficos sobre todas as dores, sobre todas as misérias humanas, não há dia em que a Caridade não tenha podido dizer: 'Quem está doente que eu não esteja doente? Quem está sofrendo que eu não sofra também com ele?'

"Esta sempre foi a divisa de todos os grandes corações que por aqui passaram, esse é o lema seguido pela atual direção desta benemérita Santa Casa, composta de homens de grandes afetos e de grandes aspirações cristãs. Há quatro séculos,não houve nesta terra uma tristeza que procurasse um consolador e que não o achasse; uma fraqueza, uma enfermidade, a dor mais recôndita da alma que não tivesse encontrado, na expressão da caridade cristã, o doce segredo de ver, por caminhos desconhecidos, penetrar até nos abismos da desolação, a mão do próprio Deus, porque a Caridade é Deus:

"A Santa Casa da Misericórdia de Santos, há 400 anos, tem vivido sempre para a Caridade, mas daquela Caridade que não conhece credos e nem partidos, e não admite neste campo dispersões de forças, porque as paixões e as lutas não podem aninhar-se debaixo do seu manto protetor e piedoso. Inter omnia charitas.

"Vós todos que me escutais, não precisareis que vos fale dos benefícios que este hospital presta no combate à dor,porque eles vivem no coração de todos aqueles que sentiram quanto valem, nas horas más da solidão, de desespero, o conforto e o cuidado de mãos amigas.

"Caiam as bênçãos do céu, sobre a obra de inconfundível beleza que esta casa pratica. Há quatro séculos que o bem se espalha, abafando lágrimas, reprimindo sofrimentos, sufocando misérias. Que esta cruzada Santa prossiga, com a mesma generosa vitalidade; e que os corações agradecidos de tantos infelizes que amparou continuem a prostrar-se pelas gerações afora, em genuflexões de reconhecimento e gratidão,não só para os seus iniciadores, como para aqueles que continuaram e continuam, meritoriamente e com os aplausos gerais, a dirigir-lhe os gloriosos destinos.

"Mas que seria desta grandiosa obra, se não fosse a abnegação de uns e a solidariedade de outros, a sustentá-la? 'Não se firma o edifício, disse alguém, se não estão bem ajustadas todas as suas partes. Uma pedrinha é o reforço no momento; um pouco de barro é resistência na parede. E onde falha a união, por aí entra a ruína'.

"O que chamamos solidariedade é a defesa de cada um por amor de todos. 'Um tijolo sustenta outro e todos juntos formam a muralha que defende a cidade'.

"'A desarmonia é o desequilíbrio. Só o imprudente pensa em derrubar os que estão de cima, sem se lembrar de que a queda dos maiores expõe os mais fracos à miséria e o edifício inteiro à ruína'.

"Senhores mesários da Irmandade da Santa casa da Misericórdia de Santos, a cidade vos proclama beneméritos, porque esta instituição é modelar no Brasil e a ela tendes dedicado o melhor dos vossos esforços e dos vossos carinhos.

"Para alguns, a única lei consiste em multiplicar, universalizar, e se possível imortalizar o prazer, a ele entregando as suas forças e as suas fortunas, elas que lhes foram dadas para mais nobre emprego. E enquanto isso, almas irmãs que tinham o direito de contar com elas, morrem à míngua, por falta de luz, de compaixão e de amor.

"E a vossa dedicação, senhores deste hospital, dirá a esses egoístas inconscientes qual o seu destino e a sua missão. Ela lhes dirá: 'ide até onde está a miséria, a fome, a doença; mas não vos contenteis de vê-la apenas de longe. Aproximai-vos e entregai-vos!'

"Já diziam os salmos: 'Feliz daquele que está sempre atento às necessidades do pobre e do indigente. O Senhor o assistirá no seu leito de dor'.

"Esta é, senhores desta Santa Casa da Misericórdia, a vossa nobre missão, e este será o vosso maior merecimento perante Deus e perante os homens.

"O vosso devotamento abrirá o coração do moribundo, e quando ele vir com que carinho o estais tratando, ele escutará embevecido as boas palavras que saírem dos vossos lábios e do vosso coração. A paz voltará a possuí-lo, e se vós não puderdes fazer voltar um filho à sua mãe, um pai aos vossos filhos, vós havereis de conduzir mais um habitante para o céu. E longe de haver diminuído o vosso bem estar, vos achareis melhores, e entrareis em vossas casas mais reconhecidos e mais felizes.

"Senhor provedor e mais membros da Mesa da irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, continuai a obra que vos propuseste. Deus vos acompanhará. E, meus senhores, repitamos as palavras de Santo Agostinho: 'Dilatentur spatia charitatis'. Alarguemos o espaço da caridade. E isso nós o faremos, amparando com todas as nossas forças esta quatro vezes centenária instituição, que é o reflexo da bondade brasileira".

Falou depois, em nome dos servidores da Justiça, o dr. José Alves Mota, tabelião do Cartório do 3º Ofício, que improvisou significativa saudação, dizendo que a Santa Casa de Santos, valioso patrimônio moral do Brasil, é credora da estima e veneração do povo santista.

Em nome da Mesa Administrativa da Santa Casa, o sr. Benedito Gonçalves agradeceu, em ligeiro improviso, a manifestação que era tributada, assim concluindo: "A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, por sua Mesa Administrativa e seus 4.000 irmãos, agradece, apenas dizendo: 'Deus lhe pague'".

Sessão solene da Semana Médico-Social

Realizou,se, na noite de 13 de novembro, mais uma sessão da Semana Médico-Social, comemorativa do 4º centenário de fundação da irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.

Presidiu a solenidade o professor Clementino Fraga, sentando-se à mesa, também, os srs. Benedito Gonçalves, provedor; monsenhor Luiz Gonzaga Rizzo, representando o bispo diocesano, dr. Sales Gomes, diretor geral do Departamento de Assistência Social do Estado, dr. Horácio Vieira de Melo, dr. Oton Feliciano, dr. Pedro Xisto Pereira de Carvalho e dr. Dias de Morais.

Saudou o conferencista da noite, dr. Sales Gomes, o dr. Hugo dos Santos Silva, ilustre médico do Corpo Clínico e vice-presidente do Conselho Deliberativo, que proferiu brilhante peça, exaltando a personalidade do ilustre homem de ciência com as seguintes palavras:

"Vai nos falar, hoje, nesta sessão que tem a presidi-la a inteligência resplendente de Clementino Fraga – o doutor Sales Gomes.

"De ótima formação espiritual, bebida em boas fontes antigas, alma iluminada de claridade crítica, o conferencista desta noite é um cavalheiro extremado da Medicina Social, que exerce com impressionante sinceridade!

"Brasileiro por todas as suas fibras, confiando nos superiores destinos da Pátria, tem servido o País, na penumbra discreta de um sadio heroísmo, com fervor apostolar!

"Envolto numa muralha de modéstia, absorvido pelo piedoso labor de cuidar dos grandes flagelos coletivos, num período de incontestável enfraquecimento gregário, sempre enalteceu a profissão, dentro do ângulo misericordioso do bem!

"Temperamento fulgurante, tendo no íntimo uma centelha ardente, admirável potencial de energia, Sales Gomes no combate às adversidades terrenas, tem sido um condutor cheio de fé na grandeza da terra brasílica, onde as estrelas do Cruzeiro – lumes consoladores da esperança – espalham bênçãos de luz!

"São Paulo, o nosso estremecido São Paulo, que lhe deve uma imensa gratidão. O primoroso trabalho, em que Sales Gomes se agigantou, da erradicação da lepra, fez conhecer o homem de engenho e de vontade, norteado pelos seguros propósitos da profilaxia, a cumprir, com uma notável coragem mental, o mandado da Higiene.

"Observador arguto, de índole tolerante, tocado por um condoído sentido humanista, jamais se desviou das rotas que preestabeleceu nas campanhas em prol da saúde pública.

"Sem conhecer os ruidosos favores de uma publicação extensa, tão do sabor da época, esse varão, centro irradiador de simpatia, é uma transfiguradora força afetiva, cristalina e transparente!

"Longe dos tumultos dos horizontes cotidianos, na quietude pensativa de seu gabinete, adianta-se pela noite, na solene presença de seus livros, amigos constantes das horas de vigília...

"Na Assistência Social, esplêndida organização que visa a robustez física, intelectual e moral do indivíduo na comunidade civil, Sales Gomes entardece, sob tão magnânimos imperativos, no esplendor de uma atividade benemérita!

"Minhas senhoras, meus senhores.

"Em uma notável palestra sobre Martins Fontes, 'o humanitário irmão de toda gente', o fúlgido Bastos Tigre afirmou: 'Bem-aventurados os que podem recordar, porque esses serão consolados!'

"No conceito do poeta exímio, essa seria a undécima bem-aventurança do catecismo católico...

"Dr. Sales Gomes, estou em que vos deveis considerar, nesta rápida evocação, imensamente feliz: alcançastes, em prêmio de uma vida agitada, a alegria da paz interior. Sede bem-vindo, nesta Santa Casa, Matriz e Santos!".

Ao terminar a sua brilhante e eloqüente saudação, o dr. Hugo dos Santos Silva foi muito aplaudido. Tomando a palavra, logo a seguir, o dr. Sales Gomes deu início à sua magnífica palestra, abaixo transcrita:

"Quarto centenário da Santa Casa de Santos

"Em dias consecutivos, vem a Santa Casa de Santos, por seus compromissos, realizando reuniões festivas, comemorativas ao quarto centenário da sua fundação.

"No prosseguimento do programa de conferências, em que se tem, com a máxima justiça, exaltado a alta benemerência desta instituição, a recordação da audácia desta raça de navegantes e descobridores portugueses do século XVI, e dos sentimentos de solidariedade humana, de que eram possuídos, fala bem fundo em nosso coração, no momento em que realizamos esta palestra, dedicada à classe médica desta cidade.

"A classe médica, esta colaboradora indispensável das instituições assistenciais, com a finalidade de repor o indivíduo em condições normais de saúde.

"Homenagem a estes obreiros, que há quatrocentos anos palmilham diariamente as escadarias do velho hospital, percorrendo consultórios e enfermarias, laboratórios e salas de curativos, com os conhecimentos e recursos de épocas sucessivas, dando o máximo dos seus esforços, o maior do seu desprendimento, o mais acurado da sua observação e o mais lídimo do seu sentimento, para o renome desta Santa Casa, aliviando a dor dos que sofrem, confortando os incuráveis, salvando muitas e muitas vidas.

"Isto, durante quatro séculos, de dias contados, com a passagem das gerações, uma após outras, numa continuidade sublime de abnegação, no exercício da caridade e que hoje, no alevantamento do próprio assistido, chamamos 'Serviço Social'.

"No século anterior ao da fundação desta instituição, a Medicina Ocidental passou por um período de insignificante produção e de pequeno prestígio, numa verdadeira época de descanso, como que a se preparar para as lides extraordinariamente produtivas, que trouxeram uma exuberância de progresso no correr do século XVI.

"Foi o século da fundação desta Santa Casa, o século XVI, o marco de uma nova era, em que a luta entre as doutrinas médicas então dominantes em todo o ocidente, não satisfazendo mais aos reformadores, entrou em choque numa porfia vivíssima de revisão dos trabalhos dos antigos médicos e a criação de novas teorias e explicações para os fatos mórbidos.

"Os trabalhos de Hipócrates e Galeno são novamente traduzidos e comentados; os livros de Oribase, que haviam classificado metodicamente todos os conhecimentos médicos, até a sua época, levaram os médicos do século XVI a uma tentativa semelhante, com a publicação das Institutiones Medicas, uma das maiores, ou talvez, a maior contribuição do século, para o desenvolvimento da Medicina e consolidação da ciência médica.

"Publicado inicialmente por Leonhard Fuchs, em 1530, de modo incompleto, foi o 'Instituto de Medicina' revisto por Fernel e novamente publicado em 1544 e 1569, marcando uma era na sistematização dos estudos da ciência de Hipócrates.

"Além desta contribuição altamente significativa, para o progresso da Medicina, em todos os recantos da civilização ocidental, as obras dos grandes mestres, sempre revistas e publicadas, esclarecidas e interpretadas em seus aforismas, constituíram grande preocupação dos médicos do século XVI.

"Leonhard Fuchs – 1501-1566 -, além da sua colaboração no 'Instituto de Medicina', escreveu vários volumes sobre matéria médica e botânica, e Jean de Gorris, em 1548, deão da Faculdade de Medicina de Paris, fez a valiosa publicação do Dicionário das Definições, onde espelhou a Medicina do seu tempo, além de muitos outros trabalhos sobre Medicina, principalmente sobre o uso de sangria.

"Louis Duret e Jacques Houllier (1526-1586), um deão da Faculdade de Medicina de Paris, outro professor do Colégio de França, Anutius Fo'es em Mayença (1510-1573) em Cambridge, Montanes em Pádua, Christophe da Vega em Alcalá, são outros tantos nomes gravados na história da Medicina, pelos seus estudos e observações, construtores e operários, no desenvolvimento da ciência médica no século XVI.

"As duas correntes filosóficas da época, tão familiares aos esculápios, ambas procedentes de uma mesma escola, a de Alexandria, por caminhos diferentes, o Neo-platonismo e o Neo-peripatetismo, esta através dos gregos e aquela através dos árabes, que tinham em comum suas concepções astrológicas e sua oposição ao peripatetismo, ambas as correntes vincularam bem nítidos, nos reformadores de então, no campo da Medicina.

"Saídos destas duas fontes, de um lado, o grupo idealista e realista no sentido escolástico, e de outro os observadores e experimentalistas, uma grande série de reformadores aparecem durante o século, destruindo e criando novas teorias em Medicina. Giovani Argenterio de Castel-Nuovo foi o primeiro que se rebelou abertamente contra os ensinamentos de Galeno, quanto à explicação da ação das diversas faculdades do homem, negando as causas de moléstias e explicando-as 'como uma falta de harmonia, uma ametria, resultante da complicação das diversas partes do corpo'.

"De um lado, Galenistas e Humoralistas, a sustentar os antigos dogmas da Medicina, e de outro os reformadores, tendo à frente Lourent Joubert e Rouoelet de Montepelier, a justificar e defender as idéias reformadoras.

"No período desta agitação, em que foram abalados os alicerces das antigas teorias médicas e vicejaram as novas idéias reformadoras, Cornelius gripa von Nettsheim, como precursor de Paracelso, une a Medicina à magia.

"Esta nova teoria, atacada e defendida com igual energia, deu em resultado a publicação de numerosos trabalhos sobre astrologia e quiromancia, tendo entre os mais célebres da época se destacado Michel Nostradamus, médico da Faculdade de Montpellier, por seus trabalhos sobre a astrologia e a Medicina, até hoje freqüentemente lembrado, na imprensa leiga.

"Ainda neste século, aparecem as grandes obras de Frascator - De contagionibus, que teve uma grande influência no desenvolvimento da Medicina, e o seu famoso poema Syphilis, sive morbo Gallico, sobre a sífilis -, publicadas em 1530, e o minucioso estudo clínico desta moléstia, feito em 1546, e incorporado ao seu tratado sobre moléstias contagiosas.

"A alquimia florescia nos primeiros escritos de Basile Valentin, monge beneditino alemão, e Theophrastus Bombastus von Hohnheim, mais conhecido pelo pseudônimo de Paracelso, e seus discípulos, tentam um síntese, em que um médico deve ser alquimista, mágico e teósofo. Reformador revolucionário, na primeira conferência que fez em Basel, onde foi professor de Medicina em 1526-1527, queimou publicamente as obras de Galeno e de Avicenne, atacando todos os antigos, não respeitando senão Hipócrates.

"Paracelso ajudou o progresso da Medicina popularizando a teoria dos germes mórbidos e a introdução de substâncias minerais na terapêutica.

"Entre os seus discípulos, Pierre Séverin é o mais conhecido, sendo célebres os seus estudos, combinando as teorias de Paracelso e Frascator sobre a contagiosidade de determinadas moléstias - levantando o véu de propagação da moléstia pelo contato direto, evidente na varíola, no sarampão e na sífilis.

"O século foi marcante no desenvolvimento da Medicina, com estudos de Anatomia, que se separava cada vez mais da Fisiologia, devido aos dois centros de dissecação criados respectivamente em Veneza e Montpellier (1566), onde se desenvolveram com extraordinária rapidez os conhecimentos anatômicos.

"São desta época as descobertas anatômicas de Fabricius Aquapendente, Gunther D'Andernch Fallope, André Vesale, Jean Philipe Ingrassias, Bartholomeu Eutaschios e Bauhin, para citar somente os mais conhecidos no campo da Anatomia e que a ela têm os seus nomes ligados, e os achados anátomo-patológicos, em autópsias feitas por Alexander Benedictius, que observa pela primeira vez as osteítes e periostites no cadáver de uma mulher sifilítica, e Nicola Massa, quase ao findar o século XVI, em 1592, em autópsia, registrou pela primeira vez a observação de uma goma sifilítica.

"A Patologia foi enriquecida com o estudo descritivo e minuciosa observação da sífilis, da coqueluche, da raiva e de outras moléstias, com  separação de causas e sintomas, estudo do pulso e das urinas, além de outras conquistas, sempre baseados na observação e na experimentação.

"Na terapêutica, o uso da sangria, que tão apaixonadas discussões despertou, para o conhecimento de seu modo de agir, se por derivação ou repulsão, em que se empenharam Brissot, Botali e muitos outros, também os progressos foram bastante significativos, com o emprego por Porta da digitalis nas moléstias do coração e do fígado, além do uso da ipécacuanha, da salsaparrilha, do guaico e dos sais-mercúrio inteiramente, sobre a forma de pílulas de precipitado vermelho.

"Firmada a contagiosidade de algumas moléstias e o paralelismo entre infecção e contágio, o desenvolvimento das idéias de higiene e profilaxia já aparecem em Alexandre Benedictius, que, fazendo alusão ao vírus genital da sífilis, prognostica que 'o vírus das prostituídas infestará logo o universo', e a proposta de Gaspar Porela ao papa e aos reis, para 'a criação de um serviço sanitário de matronas, para examinarem as mulheres públicas, e quando infectadas serem encaminhadas a um hospital especial'.

"Foram propostas, ainda, medidas de isolamento, executadas para a peste bubônica, nesta época retirada do grupo das doenças pestilenciais, e muito bem descritas por Mercuriali nos fins do século XVI, com o estabelecimento de hospitais especiais onde permaneceriam os enfermos pelo espaço de 40 dias, origem da denominação até hoje usada de quarentena.

"Nos outros ramos da Medicina, foram os progressos registrados com conquistas não menos valiosas, tais como o tratamento dos estreitamentos da ureter por meio de velas dilatadoras, e em 1560 Franco fez a primeira cristotomia superbiana, para extração de pedras da bexiga, e registrando-se na mesma época a primeira operação cesariana em mulher viva.

"A escola cirúrgica representada por Ambroise Pasé e Felix Würtz alicerçou os fundamentos da cirurgia moderna.

"Foi um século em que a Medicina saiu enriquecida de grandes conquistas, mesmo das extravagantes idéias alquimistas de 'espírito aventureiro e insaciável curiosidade', diante o dogmatismo da escola de Galeno.

"Eis, meus senhores, o ambiente médico da época em que se inaugurava a Santa Casa de Santos.

"Falassem estas vetustas paredes, ou despertassem os arquivos desta Casa, com o estudo da documentação escrita, dos médicos que aqui exerceram a sua nobre profissão, seria bastante a troca dos nomes citados em nossa palestra e teríamos conhecimento das intensas lutas do intelecto, dos esculápios da cidade de Santos, na interpretação das doutrinas filosóficas da Medicina ou da observação dos doentes, das moléstias, dos sintomas e, enfim, de tudo que se relaciona com a ciência médica ou a arte de curar, na época a que nos referimos.

"E neste perpassar sucessivo de anos, lustros e séculos nas enfermarias deste velho hospital, muitas das conquistas do século XVI ainda encontraram ampliação diuturna, muitas outras serviram de degrau para a escalada de conhecimentos atuais e em muitos dos nossos clientes ainda estão gravadas as crenças de antepassados, na astrologia, na cabalística e na magia.

"E o médico é o mesmo em todas as épocas. Sempre em contato com a doença, e sendo a moléstia uma das causas mais freqüentes da miséria, está o médico na sua faina diária em contato com os desajustados sociais, afeito, portanto, a conhecer e a sentir mais facilmente do que qualquer outro, o sofrimento da humanidade, conseqüente à doença, à miséria e ao vício - e os meios de socorrê-los com o Serviço Social.

"Se não bastasse esse tirocínio diário com a miséria, em que se procura desvendar no corpo humano as causas de suas doenças, e sempre que possível removê-las, para restituir o indivíduo ao trabalho, no corpo social, é indispensável que estes alvires do bem exercitem a mesma atividade, porque muitos consideram a sociedade como um organismo vivo.

"Não um ser organizado como descreve M. Schaeffle em seu tratado sobre a Estrutura e a vida do Corpo Social, mas um organismo vivo na acepção biológica, como descreve Paul de Lilienfield, grande sociólogo russo, em seus Elementos de Economia Política e nos Pensamentos sobre a Ciência Social do Futuro, onde estuda a sociedade humana, considerando como um organismo real, assim como as leis sociais, a psicofísica social e a fisiologia social.

"Posteriormente, o grande sociólogo, em nova publicação, Patologia Social, livro de especial agrado para os que se dedicam à cultura médica e aos estudos de Serviço Social, em uma demonstração inteligente e persuasiva, estuda o homem como a célula do organismo social.

"Entre muitas outras passagens sobre o seu ponto de vista de considerar  sociedade 'um organismo vivo de forma concreta', diz: 'toda a associação humana, como todo o organismo na natureza, é formada por seres primários indivisíveis como unidade orgânica'. As células do organismo social são representadas pelos indivíduos dos dois sexos, que, associando-se, 'formam a família, a tribo, as classes, as cidades, os estados etc.'.

"Explica o profundo sociólogo: 'A propagação das moléstias, sobretudo aquelas que são conhecidas sob a denominação de moléstias epidérmicas, é freqüentemente causada pela penetração de parasitas no organismo vegetal ou animal. Estes seres de dimensões mínimas tornam-se, quando encontram um terreno favorável à sua multiplicação, perigosos, devido à sua tendência de se alimentar às custas das forças vitais do organismo que infestam e sobretudo por causa das substâncias venenosas que eles secretam'.

"'O parasitismo é igualmente a causa de uma série de moléstias sociais. Tanto mais freqüentes e espalhadas na sociedade humana, quanto a mobilidade das suas células e a falta de uma conexão mecânica entre elas, facilita aos elementos estranhos e inimigos, de penetrar e se espalhar em seu seio'.

"Discorre o grande sociólogo russo, depois de princípios gerais sobre as anomalias sociais causadas pelo sistema nervoso social, que classifica como moléstias psico-físicas, comparando doenças sociais à histeria, às monomanias, à amnésia, apresentando sempre os exemplos por analogia entre as moléstias humanas e sociais. Estuda as anomalias na esfera econômica, jurídica e política, para apresentar por fim o homem de Estado no Serviço Social, como o médico na Medicina.

"É a esta classe de abnegados servidores da Humanidade que quero saudar neste momento, reproduzindo palavras que proferimos na instalação do Serviço Consultivo do Departamento do Serviço Social, realizado no dia 28 de setembro do corrente ano, no Salão Vermelho do Palácio dos Campos Elíseos, a fim de disputar, entre os colegas, a responsabilidade de todos nós, dos problemas sociais de após-guerra.

"'A geração atual está vivendo um período marcante da Humanidade, na certeza de, após a contenda, arcar com problemas dos mais complexos, diante dos fatos que se lhe apresentem para o reajustamento consciente e individual do homem ao meio social'.

"'A carta do Atlântico, cogitando da preparação dos países dela signatários, para este futuro próximo, entre os seus objetivos emprega a expressão Segurança Social, no quadrante das promessas asseguradoras de readaptação do homem às condições normais de existência. Segurança Social, expressão ampla, tem o grande mérito de se adaptar aos fatos, abrangendo todos os métodos racionais e dados científicos na congregação de esforços conscientes, para remediar as necessidades reais no domínio das relações sociais, assegurando a adaptação do indivíduo a um nível satisfatório de existência e prevendo as causas da miséria'.

"Esta existência de quatro séculos, de incessante labor e de progresso continuado, no campo da Medicina, em favor dos desajustados sociais pela doença, nesta terra em que floresceu a mais brilhante das inteligências nos arroubos e no encanto da paixão das musas e na dedicação ao enfermo, esta terra que desmentiu as afirmações de Humboldt sobre o clima onde cresce a bananeira e o conceito de Rudyard Kipling sobre o caráter do homem de clima quente, aí está, patenteando neste monumento, que representa a constância e o trabalho do povo santista, em 400 anos, e se não bastasse a mais brilhante constelação de instituições de serviço social, que sustentada por este povo, num testemunho de sua grandeza de sentimentos da solidariedade humana, que honra a cidade de Santos, orgulho do estado de S. Paulo, no torrão intrínseco da pátria brasileira".

Encerramento da solenidade

O prof. Clementino Fraga elogiou o trabalho do prof. Sales Gomes. Acompanhando, como vem acompanhando, a trajetória da carreira do dr. Sales Gomes, observou o milagre que realizou na sua admirável campanha contra a lepra e nas suas atividades na Medicina Social. Louvando a personalidade visceralmente patriótica do dr. Sales Gomes e exalçando sua formação mental, o prof. Clementino Fraga encerrou a sessão solene.

- Na imprensa local foi feita a publicação infra:

Convite

Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos

Encerrando-se, no próximo dia deste, os festejos comemorativos do 4º Centenário de Fundação da Santa Casa, a mesa administrativa cumpre o indeclinável dever de agradecer às dignas autoridades civis, militares e eclesiásticas e ao povo em geral o generoso concurso dado ao programa realizado e convidá-los a comparecer os seguintes atos  se realizarem:

Dia 14 - Às 21 horas, no Consistório da Irmandade, conferência do professor de Souza Campos, do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e da Faculdade de São Paulo, que será saudado pelo dr. José da Costa e Silva Sobrinho.

Dia 15 - Visitação pública ao novo hospital, às 9 horas.

Às 10 horas - Colocação da placa comemorativa da passagem do 4º Centenário. Discurso em nome da Irmandade pelo dr. Silvio Fortunato.

Às 13 horas - Almoço oferecido pela Prefeitura Municipal aos visitantes, em homenagem à passagem do 4º Centenário. Discurso pelo dr. Antônio Gomide Ribeiro dos Santos e dr. Gervásio Bonavides, que agradecerá em nome da Irmandade.

Às 17 horas - Te Deum, na Capela da Irmandade; orador, padre Antônio Almeida de Morais.

Às 21 horas - Sessão solene de encerramento no Consistório da Irmandade. Entrega de medalhas de ouro aos Irmãos Jubilados (50 anos) pelo presidente do Conselho Geral, e diplomas de Irmãos Beneméritos e Benfeitores aos seguintes:

Beneméritos: Alvaro Pinto da Silva Novais, dr. Armando de Salles Oliveira, Alvaro Augusto Peixoto, dr. Antônio Gomide Ribeiro dos Santos, dr. Antônio Ezequiel Feliciano da Silva, Belmiro Ribeiro Morais e Silva, Bernard F. Browne (dr.), dr. Cesar Lacerda de Vergueiro, Dóra Alves de Lima, Evaristo Machado Neto, Francisco Bento de Carvalho, Francisco da Costa Pires, dr. Fábio de Sá Barreto, Francisco de Barros Melo, dr. Fernando Costa, dr. Flôr Horácio Cirilo, dr. Gastão Aires, Guiomar Whitaker Carneiro, Helena Conceição Alves de Lima, Henrique Soler, dr. José Dias de Morais, major José Evangelista de Almeida, dr. Julio Prestes de Albuquerque, José Vaz Guimarães Sobrinho, embaixador dr. José Carlos de Macedo Soares, José de Souza Dantas, Lino Vieira, Matilde Fonseca Macedo Soares, Oscar Sampaio, dr. Roberto Catunda, Renée da Silva Prado, Sofia de Sousa Queiroz Ferreira e dr. Vitor de Lamare.

Benfeitores: O Diário, A Tribuna, dr. Roberto Cochrane Simonsen, Valentim Bouças, Constança Pereira de Carvalho, Sociedade Portuguesa de Beneficência, Associação Protetora da Infância Desvalida, Asilo de Inválidos, Cruz Vermelha Brasileira, Hospital São José, Associação Cívica Feminina, Associação Feminina Santista, Instituto de Radium de São Paulo, João Fraccarolli, Domingos Fernandes Alonso e Tácito de Toledo Lara.

Discurso do professor dr. Candido Mota Filho, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que será saudado pelo dr. Lincoln Feliciano. Encerramento, pelo provedor.