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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (H)
Pensar Santos (6)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Esta série de matérias especiais foi publicada nesse período pelo jornal santista A Tribuna, na edição em que comemorava seu 90º aniversário, em 26 de março de 1983:
 
A idéia surgiu após alguma discussão: por que não entregar Santos a várias pessoas e saber o que elas pensam a respeito da Cidade onde vivem ou trabalham? Foi assim que se fez. Sob o mesmo tema - Pensar Santos -, elástico e livre, deixamos nas mãos dessas pessoas e com suas cabeças a incumbência de traçar um perfil desta Cidade de muitos contrastes. O que cada um fez a seu critério, dentro ou fora de suas profissões. Aqui está o resultado. Veja o que pensam de Santos uma historiadora, um administrador de empresas, uma arquiteta, um advogado e poeta, um médico, um engenheiro e um agente de viagens.

Cultura exige debate

Narciso de Andrade (*)

Roldão Mendes Rosa, um dos grandes poetas desta terra e que foi também presidente da Comissão Municipal de Cultura pelos idos de 60, afirmava, recentemente, que o problema cultural em Santos era de difícil solução porque a Cidade não soube manter e cultivar as suas tradições.

De difícil solução, com tarefa a enfrentar, o problema cultural da região santista é até de difícil abordagem.

Começar por onde? Dizer o quê? Colocar o problema em qual nível? Quais as soluções a propor? Existirão, realmente, soluções?

Como se vê, ao abordar o assunto, a impressão que se tem é a de abrir-se à nossa frente um leque múltiplo de colocações negativas. E a verdade é uma só. Santos necessita, também no campo cultural, de uma corajosa e radical revisão de conceitos e posições para poder pretender aproximar-se daquilo que se convencionou chamar, bem ou mal, de um centro de atividade cultural válida e permanente. Estes dois adjetivos já indicam que nem tudo que se faz sob o rótulo de "atividade cultural" é válido, assim como não "marcam" nem "definem" acontecimentos eventuais e realizações esporádicas.

E esta é a grande característica local: as coisas acontecem, quando acontecem, sem obedecerem a uma programação baseada em estudos e análises das necessidades e reais possibilidades locais. E curioso é verificar-se que, também no aspecto cultural, a Cidade veio perdendo muito no correr dos anos, bastando lembrar que houve tempo em que Santos possuía dois importantes teatros, revistas de periodicidade efetiva, vespertinos, suplementos literários de renome nacional, ótimas escolas de piano, os conhecidos e saudosos conservatórios musicais, clubes de arte, isto servindo de exemplo apenas.

Mas, deixemos de lado esse ranço de saudosismo e lembremos que Santos possui hoje o que nunca teve em seu passado: um ensino universitário prestado por estabelecimentos criados de trinta anos para cá, em número suficiente, ao que estou informado, para atender às necessidades regionais a curto, médio e longo prazo.

E exatamente esse fato é que mais causa espanto: justo seria que a linha de realizações culturais tivesse aumentado e atingido um nível estável e altamente satisfatório, o que, na realidade, não ocorreu. As faculdades parece que se colocaram à margem dos problemas locais, isolando-se completamente. E o que se vê? Os prédios históricos caindo, esfacelados pela ação do tempo e pela omissão dos homens, inclusive relegando-se ao abandono até o local onde a Cidade nasceu, identificado, marcado, comemorado; os teatros fechados, inúteis, inexistentes, tristes espectros ou fantasmas, escombros; os meios de comunicação literária ausentes do cenário local; a cultura enfim, alimentada exclusivamente por galerias particulares, felizmente de boa linha, em sua maioria, e o sacrifício de alguns eternos abnegados. Isso, e nada mais do que isso, é tudo.

Não cabe aqui uma análise das causas de tal estado de coisas, que não seriam somente de ordem local, é claro: o que pretendemos é tentar uma meditação em voz alta ou em letra de forma, se preferem, sobre o problema. O mais urgente é exatamente isso: abrir-se o debate sobre o assunto e ouvir-se todas as camadas da população pelas suas entidades representativas, das classes liberais e obreiras às entidades estudantis e universitárias, para aferir-se das suas necessidades mais urgentes e dos seus apetites artísticos e culturais para, em etapa posterior, tentar atendê-los, reerguendo o que foi derrubado, reconstruindo o que foi demolido, renovando o que foi abandonado, tentando encontrar o fio que atravessa os tempos e chega até os nossos dias e se chama "tradição". Não no sentido pomposo e vazio que alguns outorgam ao vocábulo, mas no autêntico e basilar de busca constante e ardente da verdade. A nossa verdade, a verdade de nossa gente, a verdade da nossa terra.

É preciso reavivar e despertar a memória desta terra e desta gente para as coisas da cultura e do espírito, abrindo-se nas faculdades um espaço próprio para a discussão dos temas locais e, em contrapartida, oferecer aos jovens a oportunidade de participar dessa tarefa de reconstrução que, já há longos anos, se faz necessária.

Assim eu "penso Santos", em termos culturais, neste momento: vamos abrir o debate, iniciar uma "conversa" longa e séria, discutir o problema como se apresenta hoje, antes de mais nada. Assim se age no terreno das idéias: propõe-se, ouve-se, discute-se. Atinge-se uma conclusão e, a partir deste instante, começa a tarefa de construção. Um simples e salutar exercício de liberdade.

(*) Narciso de Andrade é advogado e poeta

Praia entre os canais 5 (Av. Almirante Cochrane) e 6 (Av. Cel Joaquim Montenegro), em 2003
Foto: Anderson Bianchi, publicada no Diário Oficial de Santos em 19 de junho de 2003

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