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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A santa e o outeiro (3)

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Marco do início de Santos, o Outeiro de Santa Catarina quase foi demolido totalmente numa época em que a mentalidade era de abrir espaços para o progresso, sem muita preocupação com a história. No alto desse pequeno monte, retratado por Benedito Calixto em suas telas, existiu na época do início da povoação uma ermida em homenagem a Santa Catarina, depois destruída. No final do século XX, o local foi restaurado. Sobre o outeiro e a capela, o pesquisador de História e professor Francisco Carballa escreveu em julho de 2018 esta monografia:


A segunda capela, no alto do outeiro, em detalhe de quadro do pintor Benedito Calixto

Outeiro e Capela de Santa Catarina de Alexandria

Francisco Carballa

Os povoadores lusitanos trouxeram, com seu modo de vida renascentista, sua fé cristã, sua culinária, tradições de arquitetura e fizeram casas para Deus, onde unidos pudessem confraternizar e fazer suas orações - mesmo antes da data oficial conhecida por 22 de abril de 1500 devido ao descobrimento ou posse do Brasil por Portugal [01].

Com a vinda de colonos, a paisagem vai mudar e ganhar povoamentos e várias ermidas, sendo uma delas a capela de Santa Catarina - uma das primeiras eretas na região hoje conhecida por Centro de Santos.

Há referências a outras na povoação, anteriores, mas devido à localização próxima ao novo local do porto - com seus armazéns, comércios e moradias - esta capela se tornou a principal usada pelos colonos. Muitos afirmam ter feito o papel de matriz, mas para ter esse título e função, teria de ser reconhecida pelo bispado responsável pela região, sediado na Diocese de Funchal, na Ilha da Madeira, onde podem haver documentos, sendo que os daqui se perderam ou foram destruídos nas constantes incursões de piratas na região.

Considerar a capela de Santa Catarina a matriz da Igreja na região - ou primeira entre todas na futura vila de Santos - requer estudos mais profundos entre as edificações, como o local da capela de São Jerônimo anterior à vinda de Martim Afonso de Souza e Braz Cubas [02]; a capela de Nossa Senhora do Desterro (posteriormente Mosteiro de São Bento), de Bartolomeu Fernandes o ferreiro; a capela de Nossa Senhora da Graça, de José Adorno; e qualquer outra que o bacharel Cosme Fernandez possa ter mandado fazer, sendo ele morador daqui já em 1502 (também se cita a data 1501), mesmo pairando sobre ele a desconfiança de ser cristão novo (N. E.: judeu ou muçulmano convertido ao Cristianismo em Portugal e Espanha).

A devoção, dos primeiros colonos cristãos, foi trazida para o Brasil com o casal que se instalou na nossa região. Seria uma capela edificada semelhante às que existiram na época, de pequeno porte em comparação com a atualidade. Sendo um templo cristão com as funções religiosas, poderemos imaginar que foram suas festas muito ruidosas no início da colonização, com missa, procissão, fogos de artifício e danças típicas, principalmente sendo conhecida essa santa como “amansadora de homens brutos”, fossem estes maridos, parentes ou amigos de seus devotos [03].

Ainda existem e sempre existiram muitas mulheres com o nome de Catarina na cidade, inclusive entre as mulheres dos colonizadores. Como podemos observar, em quase todas as vilas das capitanias havia uma imagem de Santa Catarina de Alexandria [04].

Temos como certa a data mais aproximada da construção que aparece como 1540 por Luiz de Góis e sua esposa Catarina Andrade de Aguillar - que passaram a ser os possuidores desse lote de terra em 1532, e se empenhariam em edificar um local para as preces, como era comum naqueles tempos, onde capelas e igrejas eram locais de sepultamento de cristãos e, portanto o local de inumação dos seus fundadores [05].

Teria sido nesse local da capela que o capitão-mor Braz Cubas, por direito a ele concedido pela Coroa, oficialmente fundou em 1543 o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Todos os Santos, da qual seria seu provedor, na Vila que já existia.

Assim se explica de se retornar à possível data de pelo menos dez anos do início da construção e do acabamento no sopé (ou no cimo) do outeiro, que recebeu o mesmo nome da heroína cristã e da esposa do proprietário - e que posteriormente, em obediência ao progresso, desapareceu no final do século XIX.

Padre Pedro Martins Namorado passou a celebrar na igreja da Misericórdia somente em 1º de março de 1544, não havendo referências se esse sacerdote celebraria missas na igreja de Santa Catarina.

Existirão sobre ela referências que merecem ser pesquisadas na Torre do Tombo (N. E.: situada em Lisboa, Portugal) onde possa haver arquivos e até a planta da obra, para confirmar, como pensam alguns pesquisadores, que a primeira capela foi ereta no sopé do outeiro. Só poderemos ter certeza se forem descobertos relatos de ossadas humanas encontradas no local apontado como possível endereço desse templo cristão. Igualmente, quando houver obras públicas e eventualmente encontremos vestígios de sepultamentos, como devem ter ocorrido dentro de suas paredes até a sua destruição.

Ocorre que mesmo sendo apenas paredes delimitadoras de um terreno, tais locais seriam usados para essa finalidade, como na Igreja de Santa Marinha Dozo de Cambados [06].

Quando foi atacada na noite da véspera de Natal pelos piratas, a capela santista deveria estar bem adornada para tal evento, o que não impediu a pilhagem dos invasores - que costumavam incendiar os prédios católicos - principalmente quando os atacantes eram de origem protestante (hoje chamados de evangélicos), numa clara ofensa à fé cristã lusitana, que nada tinha a ver com as brigas entre Espanha e Inglaterra, durante o período da União Ibérica.

ATAQUE DA MISSA DO GALO EM 1591

Muito se fala desse evento que culminou com a profanação de um símbolo religioso do povo, mas pouco se explica em detalhes o que foi feito por esses invasores ou como ocorreu esse ataque do corsário em 1591, estão reunindo vários relatos podemos aclarar melhor os fatos:

A região sofreu a pilhagem do capitão Thomas Cavendish, no navio Leicester. Esse corsário - que servia à coroa inglesa, da Rainha Elizabeth I - arquitetou o ataque e o saque e seus vários navios estiveram ancorados antes na Ilha de São Sebastião (Ilha Bela) vindo para a Vila de Santos - onde fizeram, em sua breve ocupação, todo tipo de pilhagem, destruição e mortes pela região. Há notícias da destruição dos engenhos (que foram incendiados), documentos destruídos etc.

Os demais navios eram comandados por John Cocke, capitão do navio Roebuck, e capitão Randolff Cotton, do navio Dainty. Estes aguardaram as notícias dos dois outros capitães que rumaram para a Vila de Santos, sendo o capitão Cocke do navio Black Pinnace e o capitão John Davis do navio Desirre.

Muitos tripulantes embarcaram em botes aproximadamente às 22 horas do dia 24 de dezembro de 1591. Já pelo caminho começaram a apreender embarcações simples - pirogas e canoas com moradores. Os piratas estavam instruídos pelo português traidor da Coroa, o piloto Gaspar Jorge, e os 23 homens esperaram o toque do sino anunciando que era a hora da Consagração quando as pessoas estariam ajoelhadas, portanto vulneráveis. Assim, nesse momento atacaram a igreja onde estava os habitantes e os mantiveram reféns.

Segundo o relato de um integrante desse grupo de corsários, eram cerca de 300 homens, mulheres e crianças mantidos até as 7 horas da manhã, quando foram libertados, permanecendo os atacantes com os reféns de importância - o que permitiu ao resto da população (que aguardava nas casas) fugir.

Alguns padres deixaram relatos do episódio:

Padre Marçal Beliarte afirma que queimaram uma vila inteira, acreditando eu se referir a São Vicente (pelo relato existente por parte dos espanhóis), e parte da outra (que pode ser Santos), causando desacato aos templos, imagens, relíquias, insultando, furtando ou roubando o que teria de valor, informando ele a data de partida ou fuga como 3 de fevereiro por estarem aqui 40 dias. Decerto, nesse período, pelo ódio contra a religião, como era comum, destruíam as alfaias e os adornos das igrejas, durante a pilhagem, para pegar tudo que tivesse algum valor.

Padre Serafim Leite nos relata que a Vila de São Vicente foi atacada dia 22 de janeiro de 1591 e ficou arrasada, vindo assim a maior parte de sua população a se concentrar em Santos. Até então, a povoação dependia das fortificações da Vila de Santos; após esse evento, decidiu viver em um local fortificado, que ofereceria mais segurança contra piratas e nativos agressivos.

Padre Tolosa conta que levaram todo o dinheiro que havia na vila de Santos, artilharia e demais bens que puderam pilhar. Os padres esconderam algumas coisas, mas nem tudo foi possível salvar e assim o relicário com uma cabeça das Onze Mil Virgens [07], que estaria bem ornado, foi levado e - segundo o religioso acreditou - teriam sido atirado ao mar. Tal afirmação na certa se deve ao que iria acontecer com a imagem de Santa Catarina de Alexandria.

Ainda nos informa que o comandante se alojou na capela mor e sacristia do Colégio dos Jesuítas, dos quais fez seus aposentos, ficando uma dúvida se esse relicário que estaria na Matriz de São Vicente teria sido transportado para a Vila de Santos para alguma festividade, visto que no calendário litúrgico o dia seria 21 de outubro.

John Knivet relata sua estadia aqui no Pátio do colégio dos Jesuítas, que lhe ofereceram um quarto - que verdade seria uma cela; como encontrou debaixo de uma cama uma caixa pregada cheia de moedas de prata e suja de farinha - o que indica que o serviçal nativo ou padre jesuíta estaria na cozinha preparando alimentos e fugiu abandonando-a ali, talvez por acreditar que em breve estariam socorridos e livres desses invasores. Também nos relata que se serviu das roupas encontradas no prédio e de muita farinha para fazer pão; que comeram os doces cristalizados (que havia em grande quantidade) e até que comeram carne de um rebanho de 300 bois que seriam de alguma fazenda local.

Tomas Cavendish tinha por rota navegar para o Estreito de Magalhães e se demorou muito em Santos, mas não para dominar a região para sua Coroa - inclusive vieram até ele dois nativos inimigos dos portugueses, pedindo que ficasse e os ajudasse contra os colonos, ao que ele se negou. Esses mesmos nativos mostraram onde havia dinheiro em sacos escondidos pelos portugueses em raízes de árvores e demais bens de valor - entre eles ouro.

Decidiu partir, havendo informações de que na verdade fora alertado que os bandeirantes, ao voltarem do sertão, foram avisados do que ocorrera e desciam a serra para retomar a vila aos corsários.

Foi provavelmente no dia da partida que o corsário se dirigiu até a capela de Santa Catarina, pegou a oraga do altar, retirando suas joias - que comumente se davam nas igrejas naqueles tempos -, levou-a ao seu navio e atirou ao mar, como era o costume desses desordeiros. Sustento essa tese devido ao relato de que ficaram alguns habitantes em Santos, em suas casas, e não mexer nesse símbolo sagrado seria a melhor forma de enganar quanto a suas intenções e não provocar brigas ou represálias desnecessárias durante seu domínio.

Ficou até 3 de fevereiro de 1592, sendo essa a data que temos por informação de sua partida. Navegando, teve oportunidade de jogar a imagem da Santa ao mar enquanto seu navio avançava pelo canal de Santos e chegava aos Outeirinhos, segundo diziam os mais antigos, na década de 1960. Podemos comprovar por fotos a presença dos dois outeiros à beira mar; hoje estão derrocados e suas bases dentro do limite do cais. Atualmente no local está o monumento de Nossa Senhora de Fátima do porto.

Tudo o que fazemos neste mundo nos é cobrado e o mesmo pirata passou a sofrer prejuízos e desastres em sua rota até o Estreito de Magalhães, indo em época imprópria para a navegação naquele lugar.

Com a perda significativa de bens e membros da tripulação, pensa com muito ódio em novamente invadir e dominar a vila de Santos, no que será mal sucedido devido à defesa organizada por aqui, que não contava apenas com as armas e munições que eles levaram ou com poucos homens de fogo, mas com a presença de um grande contingente de homens - que em 1591 não estavam na região e sim em uma missão no sertão para dizimar e escravizar as aldeias dos nativos que atacavam São Paulo do Piratininga [08], conforme vemos em relatos dessa época.

Mandando seus homens à terra, foram vencidos e seu navio rechaçado pelas defesas da Vila, assim relata John Knivet em seu livro. Ele foi mal sucedido em suas incursões, abandonando muitos de seus marinheiros pelas praias da região. Enfermo ou ferido, morreu em 1592, sem poder ser atendido no Hospital da Misericórdia que teria se prestado a destruir, como os demais prédios públicos.

REENCONTRO DA SANTA NAS REDES DE PESCADORES

Por ser popularmente a primeira padroeira popular da Vila [09], foi adquirida do Reino outra imagem de Santa Catarina de Alexandria Mártir, esculpida em madeira de um tronco de árvore oco e muito mais pesada que a antiga, e que hoje está em veneração na Igreja do Rosário dos Pretos.

Foi reencontrada por pescadores dos jesuítas em 1643 (também existe a data de 1644), por sorte ou intenção divina, ou - como observei - pelo formato da mão esquerda da imagem. Esta mão está com a palma voltada para baixo, em posição arqueada como para segurar uma roca e com o rosto voltado para cima e o corpo deitado sobre o leito marinho. Isso demonstra que ficaria facilmente presa na rede quando passada arrastando naquele local.

Assim, eles acabaram por pescar em suas redes a antiga imagem, que foi novamente colocada em veneração pública até a nova construção ou restauro de sua capela (ocorrida em 1663, por empenho do reitor do Colégio dos Jesuítas, o padre Alexandre de Gusmão, junto com o povo). Isso demonstra uma devoção popular forte entre a cristandade santista, tanto pela quantidade de mulheres com o seu nome quanto pelo culto. Essa capela teria pequenas proporções, pelo que se pode observar em mapas de meados do século XVIII.

Temos uma questão para resolver, quanto ao local da escolha da capela de Santa Catarina, em meados do século XVII:

01 – O local do outeiro e arredores, como se comprova no desenho de 1825, era despovoado e do lado esquerdo da capela, vista no cimo do outeiro, havia até charcos - o que indica desocupação urbana, portanto terreno livre para edificar. Por que não o fizeram?

02 – Se a primitiva capela era na parte comum da vila e a região era ocupada por construções, por que foi escolhido o alto do outeiro para instalar a capela, então?

03 - Era comum usar ruínas e refazer os templos em locais de outros que já estariam abandonados, como ocorreu com a capela santista de São Jerônimo que deu lugar à capela de São Francisco de Paula, tanto por ser lugar de inumações antigas como por se entender que é sagrado. Será que é esse o motivo da nova construção no alto?

04 - Por ter sido local de culto, todas as igrejas de nossa região não mudaram de endereço nesse período. De quem era a propriedade desse terreno em 1663, para que o padre jesuíta tivesse a liberdade de instalar no alto do outeiro a capela?

05 - Não seria o caso de apenas refazer o que já existia, considerando que - com o nosso clima - estariam bem arruinadas todas as suas madeiras, mas as paredes e os alicerces estariam todos firmes, permitindo uma reconstrução?

06 – O outeiro recebeu esse nome no começo da povoação devido à proximidade da capela ou por tê-la em seu topo?

07 – Na nossa região só temos a mudança de lugar de um templo cristão nos registros da Irmandade da Misericórdia; conhecemos os quatro endereços que existiram, mas sempre serão uma nova construção e aumento do seu hospital localizado no século XVI na atual Praça Antônio Teles, no século XVIII na atual Praça Mauá, no século XIX na atual saída do túnel e no século XX no bairro do Jabaquara. Também é o caso da capela de Santo Amaro do Guarujá: após o sinistro que destruiu a igreja de madeira, teve um terreno próximo e maior para sua construção, issp já no século XX.

OUTRA IMAGEM DE SANTA CATARINA DE ALEXANDRIA

Na Igreja do Rosário dos Pretos existe a imagem de Santa Catarina, a qual teria substituído a primeira no episódio do saque da Vila de Santos, por estarem com a mesma em seu poder e não da Matriz podemos até supor que foram os lusos, negros, índios e pardos pertencentes à Irmandade do Rosário que se empenharam em arranjar outra imagem da padroeira, sendo que devido ocorrer à divisão da irmandade em duas no ano de 1652, ficaram os negros com ela em seu poder.

Já a primitiva imagem da Santa Catarina de Alexandria, com a ruína de sua capela e a destruição do outeiro de alguma maneira passou ao poder de Quintino de Lacerda, no quilombo do Jabaquara, confirmado logo após sua morte em 10 de agosto de 1898, pois consta no seu inventário - ficando a questão entre as duas imagens antigas existentes na cidade; depois a Santa reaparece na Matriz.

Quando a igreja dos negros serviu de matriz temporária, até a construção da Catedral (entre 1906 a 1924), a mesma devoção foi ignorada pelo clero e demais irmandades. Com a remodelação da igreja em 1930, os altares foram destruídos e Nossa Senhora da Conceição e Santa Catarina passaram a ser mantidas nas partes dos nichos que antes estavam em cima dos altares, conforme se via em fotos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Santos

Agora esses fragmentos dos altares estavam servindo como oratórios dentro da sacristia, onde era comum muita gente ir oferecer velas para a mártir - o que levou a Irmandade a instalar dentro da igreja a segunda imagem desta Santa existente na nossa cidade, em uma peanha, conforme se pode ler em suas atas [10] ou ver a mesma em exposição na igreja - a qual não foi retirada em 1969.

A Santa do outeiro - que está na Catedral de Santos e foi exposta pra veneração pública até o ano de 1969 durante a famosa “caça ao Santo” [11] - foi retirada por ordem do bispo Dom David e guardada debaixo do altar de Nossa Senhora  do Amparo. Com a criação do Museu de Arte Sacra de Santos a imagem foi levada para lá, onde pode ser contemplada atualmente. Aparenta ser feita de barro, o que leva muitas pessoas que não a examinam mais de perto a se equivocar com o material de moldagem, mas se trata de madeira e estuque com traços artísticos simples, do início do século XVI.

Com a fundação do Museu de Arte Sacra de Santos, em 11 de julho de 1981, a imagem foi levada para o acervo, onde pode ser vista atualmente.


A Capela e o Outeiro de Santa Catarina mereceram, em 1826, o registro de William Burchell

Imagem: reproduzida no livro de Gilberto Ferrez: O Brasil do Primeiro Reinado Visto pelo Botânico William John Burchell, 1815/1829. Rio de Janeiro, Fundação João Moreira Salles/Fundação Nacional Pró-Memória, 1981

REFERÊNCIAS HISTÓRICAS SOBRE O OUTEIRO

Poderemos ver várias referências da capela em desenhos ou mapas. Entre eles temos:

Praça de Santos em 1765, assinalada com a letra A, com a localização perfeita em cima do outeiro, sendo então a nova capela e sem torre.

Vila da Praça de Santos em 1775: assinalada com a letra D, igualmente sem torre.

Plano da Vila de Santos em 1798: identificada com o número 28 e mostrando sua forma de retângulo, com o presbitério na parte do fundo.

Existe um desenho feito Charles Landseer de 1825 que mostra a capela com adornos no seu frontão e a porta com verga reta sendo alguém que lá esteve e conheceu essa casa de Deus.

Foi feito um registro mais de perto, mas com vista lateral, sem ver a fachada pela frente. Temos o desenho feito por Willian John Burchell em 1826, onde aparece uma lagoa com vegetação de água doce (criadouro de mosquitos e causador de constantes epidemias pela falta de saneamento, o que matava muitas pessoas) e a igreja de Santa Catarina - por onde comprovamos que o seu frontão era todo adornado, o que pode ser posterior à época da sua reconstrução.

Notamos que a capela teria uma diminuta nave, seguida do presbitério; na parede direita há uma janela (seja o original ou reprodução? Em outro desenho tem a forma de T como se fosse uma seteira), daí haveria a passagem para o lado esquerdo do prédio, onde estaria uma sala possivelmente dividida em duas partes, servindo de sacristia e outra finalidade, pois quando se vê de frente nos desenhos percebemos que seria uma parte sobressaindo. Não ficou claro se totalmente contígua ao lado da construção ou ocupando uma parte apenas. A torre sineira ao lado esquerdo não aparece: mesmo sendo diminuta deveria ser vista sua presença.

Essa capela pode ter sido semelhante à antiga capela de São Sebastião do Rio Grande da Serra/SP, por ser data próxima de 1611. Sua construção não tem grande proporção, mas abriga um grupo grande de fiéis em missas ou orações e o único acesso interno à sacristia e torre é feito pelo presbitério, pela época seria algo comum.

Nas fotos que existem de Militão de Azevedo, cerca de vinte anos passados podemos ver um pequeno monte onde já não há construção em cima ou a iluminação não a mostrou de forma nítida para o fotografo como mostrou duas vezes a construção que existia em cima da Ilha Barnabé onde em uma é nítida e em outra quase apagada.

Em outra de suas fotos vemos um monte pequeno o que leva a crer ser o outeiro. Este vai ter seu desmanche aprovado pela Câmara em 1869, para retirada de terra pelos moradores para seus usos, retirada de pedras para construções, uso de sua massa para aterrar ruas, charcos e quintais. Também serviu à expansão do cais. Verificou-se a ocupação das áreas ao seu redor por moradias, devido à expansão urbana e dos atracadouros em direção do Paquetá; abertura de ruas e demarcação das quadras ou alargamentos; e principalmente por iniciativa pública, pois a retirada desse e de outros outeiros era vista naqueles tempos como modernidade, semelhante ao que foi feito aos Outeirinhos do cais, restando apenas naquele local o rochedo usado por João Éboli.

Em fotos do final do século XIX o mesmo outeiro ou não é percebido ou já não existe, reforçando a informação de seu desmonte e posteriormente onde João Éboli construiu seu famoso castelinho, em cima do que restou do monte, como ainda pode ser visto.

Benedito Calixto, quando fez o desenho da capela de Santa Catarina, pode ter se baseado no desenho de Charles Landseer de 1825, onde vemos a porta com a verga reta.

Da torre sineira representada na pintura de Benedito Calixto e da qual não temos informação, se existiu temos a ideia que a capela teve de dois a quatro sinos, mas seu paradeiro é ignorado, pois o mais comum seria seu reaproveitamento entre as igrejas locais que fossem ligadas a Matriz [12].

Deixam-nos os desenhos uma vaga ideia daquelas que nos retorna ao tempo passado onde ficamos pensando como seria fresco ao sopé desse outeiro, o barulho de grilos, pererecas, cigarras, periquitos e demais bichos que habitavam aquele pequeno mundo verde próximo do meio urbano.

No mapa da planta de Santos de Jules Martins datado de 1878 - e, portanto, devemos dar um espaço de cerca de um ano pra sua composição -, percebemos que o outeiro não existe mais, havendo ruas retilíneas e não mais becos formados pelo pequeno monte.

O mapa do Canal e Porto de Santos de 1881 mostra o Caminho da Barra já traçado e o local sem a presença do outeiro. No mapa do Atlas do Saneamento de 1895 vemos a Rua da Constituição que está com o local voltado para o outeiro loteado e um enorme terreno na Rua Visconde do Rio Branco que é o conhecido castelinho construído nos rochedos remanescentes do outeiro.

LUIZ DE GÓES

Mas quem é Luiz de Góes, devoto de Santa Catarina, que tanto pesquisamos sua presença na Vila da Misericórdia de Todos os Santos, no Enguaguaçu?

A palavra Gói, para os judeus, significa “alguém que não nasceu judeu” sendo um gentio, mas que se converteu ao judaísmo ou faz parte da comunidade judaica por agregação de adoção ou casamento. Assim podemos até acreditar que a antiga origem dessa família seria judia e, portanto, de cristãos com o nome assinalando que no passado foram cristãos, judeus e agora novamente cristãos.

Temos as referências de Frei Gaspar da Madre de Deus de muitas pessoas com o sobrenome Góes, o que demonstra que a família deixou muitos descendentes ou trouxe parentes, mas ao que parece o fidalgo Luiz de Góes se retirou de Santos com sua esposa, dizem relatos que o casal optou por uma vida de religião e assim ele se tornou jesuíta e foi pregar na Índia e sua esposa se recolheu a um mosteiro.

Em 5 de dezembro de 1548 escrevia Luíz de Góes uma carta, enviada da vila de Santos para o rei de Portugal, Dom João III, pedindo que socorresse urgentemente as capitanias do litoral do Brasil para que a coroa portuguesa não perdesse esta sua conquista americana, constantemente ameaçada pelos nativos, ingleses ou franceses. Uma das temidas ameaças ocorreu na tarde de 24 de janeiro de 1583, com o naufrágio de dois navios na barra [13].

Existe a Rua Luís de Góis em São Bernardo do Campo/SP, que nada mais é do que um beco; outra rua maior com o mesmo nome se encontra no bairro de Mirandópolis, em São Paulo, mas não existe nada que recorde esse personagem em Santos, onde viveu - apenas temos a praia do mesmo nome do outro lado do canal marítimo santista, com uma fonte de água bem fresca, na encosta do morro, que hoje está rodeada de casas e canalizada, ficando o enorme tanque de alvenaria vazio. Igualmente seu acesso está muito restrito, sendo que até o ano de 2005 se chegava à frente da mesma, dos terrenos cheios de árvores que se dizia que um dia foram um local de plantações e no século XVI um ancoradouro.

Era uma localidade com poucas casas e muitas árvores frutíferas - que ainda existem em menor quantidade - o que se modificou com o crescimento urbano, sendo atualmente o local muito ocupado por residências de forma desordenada, entre construções da década de 1930, com construções mais humildes de madeirite e demais materiais disponíveis para se começar a construir o próprio lar, sendo um bairro com os mesmos problemas de grandes centros urbanos [14].

A fortaleza da praia do Góis consta como sendo ereta no século XVIII e ainda estava lá quase completa nos anos 1970 quando conheci a praia, sendo já pelos idos de 1988 construída uma residência em cima de suas pedras - o que levou a demolição da guarita feita em cantaria semelhante às que existem na Fortaleza da Barra, mas em menor tamanho.

SANTA CATARINA DE ALEXANDRIA MÁRTIR

É a mártir cristã e filósofa, de Alexandria/Egito, considerada a protetora dos filósofos e professores cristãos, dos que trabalham com rodas, contra acidentes de trabalho, outrora invocada como amansadora de homens violentos. Viveu no Egito já governado pelos romanos e em Alexandria frequentou a biblioteca da cidade [15] sendo de uma época em que mulher com posses podia estudar e se tornar professora ou filósofa.

Existe uma passagem bíblica que impede a mulher de ensinar dentro da igreja de forma a se dividir a participação no culto onde o homem o realiza e a mulher o prepara para que seja celebrado. Essa mesma passagem bíblica foi usada contra a filósofa Hipácia, séculos mais tarde, por exercer também o cargo de ensinar, o que na época de Santa Catarina era bem conhecido e aceito, sendo sua profissão respeitada pelos cristãos daquela época.

Foi conhecida como cristã convicta e desafiada por 50 sábios, aos quais convenceu de que o cristianismo era a fé verdadeira; eles foram testemunhas. Como se diz em grego mártir, finalmente passaria ela pelas torturas, inclusive para renegar sua fé em Jesus Cristo. Em uma dessas provações ocorreu o evento milagroso da roca de tortura que se destrói de forma misteriosa - este acabou sendo seu atributo mais conhecido. Como se recusou a se oferecer ao imperador ou renegar sua fé cristã, foi condenada à decapitação reservada aos nobres, assim ela se torna mártir aos 18 anos de idade, dando o sangue pelo Evangelho no dia que é festejada em 25 de novembro do ano 305 d. C.

Após sua morte, seu corpo foi levado para o Monte Sinai. Ali existe o Mosteiro de Santa Catarina, onde os monges guardam suas relíquias. É o mesmo lugar em que pela tradição o santo profeta Moisés esteve falando com Deus e notou a planta sarça - que, ao contrário das outras, não se consumia pelo fogo [16].

IMAGEM DE SANTA CATARINA

A imagem de Santa Catarina de Alexandria é um pálido reflexo da verdadeira personagem que está na glória de Deus. Tem um porte próprio das imagens produzidas para procissões e nicho de altar, com 90 cm de altura por 36 cm de largura e 34 de profundidade, representada em pé, numa posição reta, com o corpo calculado em aproximadamente cinco vezes o tamanho da cabeça - que é relativamente grande [17].

A mão esquerda se apresenta em posição de segurar algum objeto com a palma voltada para baixo, denotando que a mesma foi prejudicada pelo tempo ou recolocada. Fica a dúvida se ela seguraria a roca - o mais provável - ou a espada. Tal objeto, por ser adereço, se perdeu, não ficando claro se foi durante o período da profanação do pirata ou posteriormente.

Com a mão direita, segura firmemente uma espada de madeira com pouca arte e desproporcional: podemos perceber que seria maior, havendo até pequenos furos em posição retilínea, o que nos leva a crer que seria a mesma espada maior, em madeira, fixa no manto ou metal segundo o que se representava nessa época, ou ainda uma palma de prata, que é um atributo da vitória dos mártires em Cristo segundo citação na bíblia [18].

Sendo uma representação de uma moça na época da transição do Renascimento para o Barroco, apresenta um adorno na testa que recordaria pérolas, tão comuns na época, centralizado acima dos olhos, bem no meio dos cabelos repartidos e caídos entre os ombros e costas. Seu rosto é sorridente e atualmente está prejudicado pela pintura ou retoque da imagem, o que lhe tirou essa expressão mais nítida e lhe conferiu uma pele avermelhada que recorda o barro - motivo pelo qual na descrição de frei Gaspar da Madre de Deus ele assim fala equivocadamente do material com que é feita. Outra característica seria a de uma nativa, numa época em que era mais comum a população ser natural do Brasil do que da Europa, os chamados negros da terra, um simples cordão usa na cintura de sua túnica ao contrário de um cinto ou tecido que é comum em outras imagens.

A base da imagem é pequena, recordando-se que nesse período muitas imagens ou têm a base pequena e sem forma regular ou não têm uma base definida, terminando na própria roupa sua parte inferior. A Santa Catarina de Alexandria do Outeiro segue o panejamento cheio dobras que se sobrepõem umas às outras na extremidade inferior de sua túnica, que foi pintada de verde com adornos de flores; o manto foi pintado de vermelho quase bordô, com dobras em verde escuro. Tem a escultura drapeados simples no manto, de forma que recorda a transição do Renascimento para o Barroco, como era comum nessa época, podendo ser esta imagem uma cópia de outra de menor tamanho trazida do Reino e usada como referência pelo artista.

Se as ostras estavam fixadas na imagem, como existem menções, já foram há muito tempo removidas para recolocar a imagem em veneração [19]. Se houver uma pesquisa mais minuciosa, talvez sejam encontradas marcas dessa fixação dos moluscos.

NOTAS DE RODAPÉ

[01] – "Descobrimos na Torre do Tombo de Portugal vários documentos relatando que o Brasil foi encontrado cerca de 157 anos antes da viagem de Cabral.

"Ainda conseguimos escritos reveladores em outras fontes históricas, principalmente em Roma, descobrindo-se que as terras brasileiras eram conhecidas desde que o navegador Sancho Brandão por estes mares passou, antes de 1343, quando levou para Portugal o pau brasa que daria o nome à Ínsula do Brazil ou Ínsula de Brandan, que passaria a figurar em mapas e cartas de navegação em pleno século XIV.

"Isso numa época em que as pessoas ainda acreditavam que o mundo era plano e havia um grande abismo no horizonte, além dos monstros que povoavam a ignorância das pessoas daqueles tempos.

"Existe no Vaticano uma carta com a notícia do descobrimento relatada ao Papa Clemente VI.

"Na carta de Pedro Alvarez (Gouveia) Cabral ao rei Dom Manuel de Portugal, relatando o sucesso de sua missão em demarcar as terras conhecidas pelos portugueses, diz ele que '“...em obediência à instrução de Vossa Alteza navegamos no Ocidente e tomamos posse com padrões, da terra de Vossa Alteza que os antigos chamavam de Brandam ou Brasil'...” (Trechos escritos da Crônica “A descoberta do Brasil”, por Armando Areias, 1998, Porto, Portugal).

[02]– Foi ereto esse cômodo, capela ou igreja - que não teria grandes dimensões - pelos primeiros povoadores que residiam na região do porto de São Vicente, não havendo comprovação de que as ruínas da capela seriam de Gonçalo da Costa, genro do bacharel Cosme Fernandes Pessoa, embora exista quem o afirme, mas carecemos de pesquisas e documentações, pois todas as propriedades foram incendiadas em 1531 quando o bacharel se retirou da região para Cananéia, depois de 20 anos vivendo na área onde estaria essa edificação, assim anterior à fundação oficial da Vila em 1543 por Braz Cubas, e que os antigos chamavam de oratório e que deu o nome ao morro e ao ribeiro de São Jerônimo, originado ali. A elevação também já foi conhecida como Morro da Vigia. Finalmente, após o milagre de 1614, segundo a tradição da igreja, seria chamado de Monte Serrat por causa da oraga da capela.

Sabe-se pelas informações de frei Gaspar da Madre de Deus O.S.B. que, quando ocorreu a distribuição de terras aos colonos, dois deles - Pascoal Fernandes e Domingos Pires - se instalaram no Enguaguaçu, fixando moradia no lado oriental do Ribeiro de São Jerônimo e entronizaram no sopé do monte (Monte Serrat) a imagem do santo doutor da igreja. Eles receberam o título da propriedade em 1º de setembro de 1539 pelo capitão-mor António de Oliveira. Passando o tempo e deteriorada pelos anos, foi doada pela Irmandade da Misericórdia, que a requereu e - aumentada - se transformou na Igreja de São Francisco de Paula, constando em mapas da metade do século XVIII.

O senhor Clóvis Benedito Farias de Almeida (falecido em 2015) que com sua família frequentava a igreja da Santa Casa Velha, dizia sobre São Jerônimo que a imagem não era muito grande e parecia de pedra (pelo jeito como fora feita), ficava em uma fonte ou bica que pertencia ao hospital, onde pessoas pegavam água por devoção ou para usar em casa. Essa imagem desapareceu com a mudança de endereço da Santa Casa para os lados do Jabaquara, segundo disseram vendida em um leilão em favor da instituição no final do século XX.

[03] - Existia ainda nos anos 1960 o curioso costume de se colocar uma pequena imagem de chumbo ou um santinho com sua oração debaixo do leito da pessoa à qual se desejava mais paz ou para evitar a violência doméstica.

[04] – Entre as mulheres com esse nome ligadas a Vila de Santos no século XVI podemos citar: Catarina, duquesa de Bragança e rainha de Portugal; Catarina em Portugal esposa de João Ramalho; Catarina em Portugal esposa do bacharel Cosme Fernandes Pessoa. Na Vila de Santos: Catarina Cubas, esposa de André Dias Ferraz, Catarina de Paraguaçu, esposa de Diogo Álvares, Catarina Monteiro, esposa de José Adorno; Catarina Andrade de Aguilar, esposa de Luís de Góis etc.

[05] – A Capela de Nossa Senhora  da Graça foi local de sepultamento da família de José Adorno e sua esposa dona Catarina Monteiro, bem como do negro africano devoto dessa Virgem Senhora, de nome Julião, em 4 de agosto de 1825 - falecido aos 24 anos de idade e que ali foi inumado por pedido seu e consentimento da família ao cirurgião mor Manuel José de Faria, que teve esse carinho e cuidado com o sepultamento de seu escravo.

Esses mesmos ossos eu os achei em setembro de 2000, quando chamei o Instituto do Patrimônio Arquitetônico (IPARQ), por conhecer uma responsável dessa instituição. Porém afirmaram eu ser um desconhecido e transeunte; na época, eu trabalhava na Telesp (para instalar uma caixa no solo de passagem de fiação) e soubera que ali haviam encontrado ossos que foram jogados fora. Como iriam fazer nova obra, fui ver e vi os ossos, observando ainda que se se tratasse de um negro seria o Julião, como assim o era.

[06] - Essa igreja de Santa Marinha era do século XII, Daí o nome DOZO, na cidade de Cambados em Pontevedra, na Galícia. Atualmente é usada como cemitério, seja no adro, nave ou presbitério tendo sido destruída durante a Guerra Civil Espanhola pelos comunistas, que não pouparam inocentes no lugar.

[07] - Santa Úrsula, nobre natural da Inglaterra - onde nasceu em 362 d.C. -, é uma mártir (testemunha) da igreja pelo evangelho de Jesus Cristo. Ela e outras onze virgens embarcaram com o objetivo de levar o Cristianismo a outros locais, indo parar em Colônia, na Alemanha, onde se depararam com Átila, que martiriza suas amigas e se enamora dela. Sendo rejeitado, por ela ser virgem consagrada, ele mesmo a degola em 21 de outubro de 383 d.C.

Sua devoção era muito usada pelos jesuítas como exemplo de castidade e fé. De alguma forma, das 11 moças que a acompanhavam se afirmou serem 11.000 virgens mártires e se disse que cada nobre teria 1.000 moças virgens junto consigo. Isso vai em desacordo com a quantidade de pessoas que um navio da época comportaria e favorece os mercadores de relíquias, tanto que em 1969 a devoção passa pela famosa Caça ao Santo, quando a biografia e o culto são revistos. Hoje se aceita que são onze virgens e que a virtude de cada uma valia por mil. Elas foram também representadas em iconografias medievais e barrocas antigas, onde vemos apenas onze moças e às vezes uma a mais relacionada a uma homenagem a outra mártir ou para alguém do lugar.

A chegada de um dos seis relicários, sendo que um deles foi para São Vicente/SP, tem a menção do padre São José de Anchieta. Em 1577, sendo o 3º bispo do Brasil Dom Antonio Barreiro, que aqui chegou em 1576, ele determinou que as Onze Mil Virgens fossem patronas de seu bispado, assim seriam as padroeiras do Brasil. Mas o povo tinha seus padroeiros, sendo essa devoção imposta pela vontade do bispo e não por aclamação popular, e assim não foi adiante, sendo no século XX reconhecida como padroeira do Brasil com o título mariano de Nossa Senhora Aparecida, que surge em meio ao povo no século XVIII.

[08] – Nas cartas de Anchieta ele nos relata que ocorreu mais um ataque de nativos inimigos a São Paulo do Piratininga em 1590, o que deve ter levado os bandeirantes da vila de Santos a adentrar o sertão para dizimar e escravizar essas aldeias inimigas dos Tupis e portugueses (Carta do Espírito Santo - 1594 - pág. 291)

[09] - Para ser reconhecido um herói ou heroína como o exemplo de fé e protetor (a) de uma localidade, tem que haver primeiro essa devoção popular entre o povo local e ser estudada por um bispo e assim registrado como tal, sendo a mesma reconhecida de forma oficial em Roma, como ocorreu posteriormente com a padroeira de Santos.

[10] – Pág. 100, onde lemos que de 1936 a 1938 foram colocadas as imagens de Santa Catarina de Alexandria e Nossa Senhora da Conceição em peanhas laterais. Eram as mesmas imagens que em 1909 o arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva - que estava organizando o Museu de Arte Sacra de São Paulo - pediu a doação, negada pela Irmandade do Rosário dos Pretos.

Este livro foi feito durante o bispado de Dom David (16 de dezembro de 1966 a 20 de julho de 2000). O último provedor, senhor Quintana (alcunhado de Ebenezer Scrooge - personagem do filme de 1970 “O adorável Avarento” - por suas manias, avareza e incrível semelhança com o personagem, portanto controlador excessivo do que tinha valor para ele), reclamava que muitas fotos dos três álbuns existentes na Irmandade desapareceram durante a elaboração desse livro, levadas por pessoas que se diziam pesquisar para compor o escrito. Das fotos remanescentes, fiz algumas cópias.

[11] - O famoso episódio da “Caça ao Santo” ocorreu em 1969, durante o mal interpretado Concílio Vaticano II, quando um monte de devoções que eram pilares da fomentação da fé em Jesus Cristo e seu Evangelho foram acusadas de ser lendárias, pela falta de uma pesquisa e pelo empenho de pessoas que participaram desse Concílio e não eram Católicos mas de outras religiões protestantes.

Assim, Santa Catarina sofreu um injusto ataque, mas - depois de estudos que contradisseram o equívoco causado durante o Concílio - se comprovou sua real existência e autenticidade histórica, retornando a mártir a ser mencionada na memória do Missa Romana pelo papa João Paulo II, assim como outros Santos nessa época injustiçados. Recorda-se que houve no passado o reconhecimento e a comprovação das relíquias, principalmente no decorrer do século XV, onde era até necessário a aprovação do bispo como ocorreu em Saint Marie de La Mer, na França, em 1448 d.C., com os restos mortais de Santa Maria Jacobé, Santa Maria Salomé (não confundir com a famosa dançarina) e Santa Saráh a Negra.

[12] – Os sinos de igrejas arruinadas ou demolidas, quando não eram necessários para a igreja principal do lugar, eram cedidos ou vendidos pelo vigário responsável de uma cidade para as irmandades, igrejas e capelas pertencentes a essa paróquia ou matriz ou particulares que os pudessem pagar. Recorde-se que a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos não tinha torre e nem sinos e o único que colocaram na frente da igreja foi furtado, pois não é de hoje que o bronze tem valor. Também sabemos que era muito comum os sinos passarem por nova fundição. Este é o motivo de tantos sinos nesta região serem datados da metade do século XIX, explicando-se assim a sua substituição e nenhuma presença dos anteriores.

Os sinos da velha Matriz de Santos, com a demolição iniciada em 1906, hoje estão na torre da Igreja do Rosário dos Pretos. Para comprovar o que ocorria com a demolição de uma igreja recordamos os vários itens da igreja do Pátio do Colégio São Miguel de São Paulo, que hoje estão espalhados por várias igrejas paulistanas.

[13] - Vemos aqui que as capitanias estavam enfrentando problemas, pela falta de verbas, leis, incursões de estrangeiros pilhadores ou ameaças antropofágicas dos nativos - como ocorreu com o cativeiro de Hans Stadem e de outros que viriam posteriormente.

O naufrágio do navio espanhol Santa Maria de La Begoña, ocorrido em 1583, é relatado em uma carta do Padre José de Anchieta que se intitula: Informações do Brasil e suas capitanias 1584: “Nesta barra estiveram ano passado de 1583 dois galeões ingleses que queriam contratar com os moradores e, vindo de arriba três naus da dita armada maltratadas das tormentas, meteram os ingleses uma delas no fundo com morte de alguma gente e foram se acolhendo” (Cartas de José de Anchieta 1554-1594, páginas 301 e 302).

No relato da armada de Valdés afirma que: “Ao chegarem a Santos, em janeiro de 1583, os três navios capitaneados pelo castelhano André Higino se depararam com os dois galeões do inglês Edward Fenton. A peleja, que teve como resultado a vitória de Higino, redundou no afundamento de um navio inglês e um espanhol”.

[14] - Durante um estudo que eu estava fazendo nos restos do fortim do Góis, no dia 30 de junho de 2018, relataram moradores que um senhor faleceu dentro de sua casa e começou a se decompor, o que alertou os vizinhos pelo mau odor. Eles ficaram , aterrorizados quando encontraram os cães do finado se servindo de sua pútrida carne. Esses animais andam soltos por ali, segundo me mostraram, assim como citaram desentendimentos entre vizinhos e os problemas com esgoto, água potável e caminhos mais delimitados de forma a facilitar a locomoção de moradores e turistas. O local vai perdendo aquele ar de bairro caiçara e se tornando mais um aglomerado urbano.

[15] - Existiram três bibliotecas em tamanhos diferentes, mas com a mesma importância, pelas cópias importantes ali contidas e que sofreram a mesma destruição pela ação humana: a primeira foi queimada em 48 a. C. durante ataque a Alexandria; a segunda foi destruída em 385 d. C. por ordem do patriarca Teófilo ao bispo Kirolos, com o aval do imperador Teodósio, quando destruiu o templo de Serapis e suas dependências; a terceira foi em 642 d. C., quando o islã dominou o Egito onde havia a outra biblioteca, por ordem do Califa Omar.

[16] - A sarça ou Solanum coagulans, que é citada no livro do Êxodo cap. 3 vers. 1 e cap. 4 vers. 17, é uma planta que devido à sua oleosidade durante o calor entra em combustão e se consome rapidamente. A planta que o profeta Moisés viu não se consumia por horas - o que foi identificado como algo estranho e depois como miraculoso.

[17] - No Renascimento, por influência da arte grega clássica e dos estudos de simetria, se fixa a altura do corpo usando como medida da cabeça em nove vezes; já na Idade M édia essa altura varia de quatro a cinco vezes o tamanho da cabeça; no Barroco esse cálculo fica entre cinco e seis vezes o tamanho da cabeça, havendo exageros.

[18] – Sinal da vitória dos mártires; uma passagem bíblica se refere ao prêmio que seria descritp na Carta aos Filipenses cap. 3 vers. 14: “Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”.

Outra passagem descreve os mártires diante de Deus: Apocalipse cap. 6 vers. 9/11: “Quando abriu o quinto selo, viu debaixo do altar as almas dos homens (entenda-se também das mulheres) imolados por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho de que eram depositários. E clamavam em alta voz, dizendo: ‘Até quando, tu, que és o Senhor, o Santo e o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra?’ Foi então dada a cada um deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam como eles para ser mortos”.

[19] – Adoração - quando a pessoa se prostra com o rosto encostando o chão e se submete a uma divindade qualquer. Veneração - quando a pessoa se prostra de joelhos e reconhece respeito por algo ou alguém.

CRONOLOGIA

1532 – Concessão das terras Luiz de Góis e sua esposa Catarina Andrade de Aguillar.
1540 – Provável data da conclusão da construção da capela.
1540 – Primeira menção da imagem de santa Catarina de Alexandria.
1543 – Menção oficial da capela durante o reconhecimento da fundação da Vila.
1591 – 24 de dezembro - Invasão do corsário Tomas Cavendish vila.
1592 – 3 de novembro - partida do pirata e possível data da santa ter sido atirada ao mar.
1592 – Possível encomenda da outra imagem da santa que está na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (I.N.S.R.P.)
1643 – Pescadores resgatam a santa em suas redes.
1663 – Reconstrução da capela.
1765 – Desenho da Praça de Santos.
1775 – Desenho da Vila da Praça de Santos.
1798 – Desenho: Plano da Vila de Santos.
1822 - Planta da Villa de Santos por Benedito Calixto assinala o outeiro e capela.
1825 - Desenho da capela por Charles Landseer.
1826 – Desenho da capela por Willian John Burchell.
1830 (+-) - Mapa Planta da vila de Santos e das fortalezas assinala o outeiro.
1869 – Demolição do outeiro autorizada pela Câmara Municipal.
1869 – Provavelmente a imagem do Outeiro já estava no Quilombo do Jabaquara.
1878Mapa de Jules Martin - o Outeiro não existe mais.
1880/84 – Menção da construção da casa de João Éboli no Outeiro.
1881 - Mapa do Canal e Porto de Santos mostra o caminho da barra sem o Outeiro.
1895 - Mapa do Atlas Saneamento, onde o local está loteado.
1898 – 10 de agosto - A Santa do outeiro é mencionada no espólio de Quintino de Lacerda.
1898 – Santa Catarina na Matriz.
1906 – Imagem de santa Catarina na Igreja do Rosário dos Pretos.
1924 – Imagem de santa Catarina vai pra Catedral.
1930 – Altar de madeira de santa Catarina da I.N.S.R.P. na Igreja é demolido.
1936/38 – A imagem da I.N.S.R.P. é colocada em peanha dentro da Igreja do Rosário.
1969 – Na Catedral a imagem de santa Catarina é guardada debaixo do altar do Amparo.
1981 – Imagem vai para o acervo do Museu de Arte Sacra de Santos.
2018 – Permanece no acervo Museu.

BIBLIOGRAFIA

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SOBRINHO, Costa Silva – Santos Noutros Tempos - 1953.
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Museu de Arte Sacra de Santos.
Hemeroteca do Jornal A Tribuna de Santos.
Hemeroteca do Teatro Municipal de Santos.
Pesquisas de campo.