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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A arquitetura do café

Nos séculos XIX e XX, a economia cafeeira deixou suas marcas na Cidade

A segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX foram marcadas pela grande expansão santista, que deixou os limites acanhados do atual centro da cidade (ainda chamado pelos santistas de a Cidade) e começou a se espalhar pelo resto do território insular santista. Ao mesmo tempo, a prosperidade proporcionada pela economia cafeeira permitiu a construção de inúmeras edificações, marcantes por representarem bem aquele período de convulsão nas artes em geral em todo o mundo ocidental.

Sobre esse período de rápidas mudanças é a monografia apresentada a seguir, extraída do livro Café - Santos & História (vários autores, Editora Leopoldianum/Universidade Católica de Santos, Santos, 1995):

Torre maior da Bolsa do Café, defronte à Praça Azevedo Júnior e ao porto

Aspectos da arquitetura de Santos no Ciclo do Café

Fábio Serrano (*)

A cidade de Santos deve sua estrutura urbana e acervo construído fundamentalmente ao ciclo do café. Mas a compreensão do processo de formação da cidade nesse período e o deslindamento de suas causas ainda estão para ser pesquisados em profundidade. Muitas perguntas, algumas mais simples e outras mais complexas ainda não tiveram suas respostas colocadas no papel. Qual é a herança urbana e arquitetônica do café? Quais as razões e origens das soluções estéticas, tecnológicas e funcionais adotadas? O exame de alguns exemplares que resistem à dinâmica transformadora da cidade permite esclarecer diversos aspectos dessa arquitetura.

É ilusão procurar uma expressão arquitetônica homogênea durante o ciclo em que predominou como atividade econômica em nosso país a produção e a exportação do café. As transformações sociais ocorridas no mundo e a revolução industrial aceleraram de tal forma a sucessão dos fenômenos econômicos, políticos e culturais que a produção da arquitetura nesse período se transformou a partir das expressões mais tradicionais da arquitetura colonial até o que se convencionou denominar arquitetura moderna. Para ressaltar essa faceta de diversidade, o apogeu do ciclo do café corresponde ao período da história da arquitetura denominado ecletismo, em que justamente a variedade de soluções é a característica predominante.

O café começou a aparecer como produto exportado pelo porto de Santos na segunda década do século XIX e é até hoje um importante item da pauta de exportação brasileira. Entretanto, a predominância que justificou a caracterização de um ciclo desse produto se verificou a partir do início da terceira década do século passado (N.E.: século XIX) e somente veio perder essa posição provisoriamente durante a Segunda Guerra Mundial e definitivamente após o golpe de 1964.

Mas, em termos políticos, as classes dominantes ligadas à produção e exportação de café foram alijadas do poder pelo golpe de 1930, enfraquecidas economicamente pela quebra da Bolsa de Nova York que fez as cotações do café perderem 60% do valor. Dessa forma pode-se considerar que o ciclo do café no Brasil corresponde de uma maneira genérica aos períodos políticos conhecidos como Segundo Reinado e Primeira República, mas com reflexos econômicos e expressivos que se estendem até o início da década de 60 deste século (N.E.: século XX), quando perdeu a posição para produtos manufaturados e semimanufaturados.

Santos havia sido reanimada na segunda metade do século XVIII pelo segundo ciclo do açúcar, cujas atividades haviam trazido riquezas que se traduziram em novas construções, assim como na melhoria das já existentes, da infra-estrutura urbana e das ligações com o Planalto. A arquitetura praticada até então se filiava às tradições construtivas coloniais renovadas pelo barroco pombalino e, com a vinda da família real, liberadas de elementos considerados arcaicos, como os muxarabis. As paredes se levantavam em alvenaria de pedras brutas, abundantes nos morros da Ilha de São Vicente, assentadas com argamassa de saibro e óleo de baleia, revestidas e caiadas. As aberturas tinham umbrais e vergas de madeira, estas com desenho em arco abatido. Os telhados com duas águas para a rua e para o fundo do lote eram visíveis nos beirais com cimalhas trabalhadas. As casas térreas ou assobradadas não tinham porão, postavam-se sobre o alinhamento e encostavam-se às vizinhas, resultando desse partido cômodos intermediários sem iluminação e ventilação. Não havia instalações hidráulicas.

No ciclo do café, novos padrões de arquitetura se manifestaram dentro do que se conhece como período neoclássico. Na Europa e na América do Norte, o neoclassicismo surgira em meados do século XVIII, conhecido como século das luzes, caracterizado pela valorização da razão, pelo abandono de preconceitos, pelo respeito à liberdade de pensar e pela crença no progresso das atividades humanas. A Revolução Industrial trouxe renovação tecnológica e, em termos políticos, a Revolução Francesa e a Independência Americana. Se o Rococó já prenunciava a queda da monarquia absolutista e da nobreza decadente, o neoclássico foi o estilo da burguesia revolucionária que lutava pelos direitos humanos e pela democracia política. Para isso, foi buscar na Grécia Antiga, berço da idéia da democracia, a linguagem de uma arquitetura para a nova sociedade.

Paralelamente, a afirmação de valores nacionais fez ressurgir o gótico na linha de um historicismo ainda romântico. Também as conquistas coloniais, principalmente inglesas e francesas, trouxeram a importação de estilos exóticos como o chinês, o indiano e o egípcio. Foram características da arquitetura neoclássica uma vontade de ruptura e o desrespeito às normas dos mestres do passado. O projeto neoclássico buscou uma independência dos elementos frente ao todo, um racionalismo radical, a geometrização e o desejo de transformar a arquitetura em ciência exata. Expressou a preocupação funcionalista. Foi nesse período que se deu a separação da engenharia e da arquitetura com a criação, pela Convenção Revolucionária, da Escola Politécnica de Paris, em 1784.

No Brasil, o neoclássico surgiu ainda no século XVIII com Landi no Pará mas ganhou força com a vinda da Missão Francesa que, entre outros artistas, trouxe o arquiteto Grandjean de Montigny, iniciador do ensino regular de arquitetura na Escola de Belas Artes criada por D. João VI no Rio de Janeiro. O neoclássico fundiu-se com a tradição colonial, surgindo uma arquitetura peculiar nas cidades brasileiras. São seus elementos mais característicos as platibandas escondendo os telhados, portas e janelas com vergas em arco pleno e, em muitos casos, frontões triangulares no eixo central das fachadas. Assim como foi adotado por Napoleão, deixando de ser a estética da democracia burguesa para abrigar o expansionismo imperialista francês, no Brasil foi adotado como o estilo do império por suas qualidades de grandeza e austeridade que serviam a um governo constitucional e parlamentarista, embora conservador, escravista e preso a um modelo agro-exportador dependente do capitalismo inglês.

Em Santos, o principal conjunto neoclássico está situado no bairro do Valongo, porque ali se instalou o terminal ferroviário em 1867. Como o cais do porto só foi construído 25 anos depois, as mercadorias a serem exportadas eram descarregadas no local e transportadas em carroças para os trapiches dispostos ao longo da "praia". A Estação Ferroviária então inaugurada não tinha as características atuais, mas apenas dois antecorpos e não três como atualmente, nem a cobertura à inglesa nem o corpo elevado central com o relógio.

A construção da estação estabeleceu o modelo de desenvolvimento urbano a ser adotado no ciclo do café em Santos: a substituição ou a transformação dos elementos constitutivos da estrutura urbana existente, ou seja, a construção de uma nova cidade sobre a existente, o que implicou na destruição quase total da cidade colonial - ao contrário, por exemplo, da opção feita anos mais tarde pelos mineiros, cuja nova capital preservou a Ouro Preto colonial.

A construção da Estação provocou o primeiro movimento preservacionista de Santos, porque implicava na demolição do conjunto do Convento e Igreja de Santo Antônio do Valongo, vendido à ferrovia pelo superior franciscano. A Ordem Terceira só conseguiu salvar a Igreja através da intervenção de forças sobrenaturais e do Imperador. O convento foi demolido. É curioso observar que nesse embate inicial confrontaram-se as duas visões do mundo mais antagônicas da época, a pobreza franciscana contra o capitalismo internacional inglês.

Nas proximidades da Estação, o português Manoel Joaquim Ferreira Netto ergueu na Rua do Comércio um grande sobrado para sua casa comercial no térreo e residência no pavimento superior. Na fachada simétrica, um frontão triangular encimando o corpo central domina a composição. Vergas em arco pleno e umbrais em pedra lavrada se destacam nas paredes revestidas com azulejos coloridos esmaltados em relevo.


Casa da Frontaria Azulejada, de Manoel J. Ferreira Netto, no início do século XX
Foto: Poliantéia Santista, 1986/1996, Editora Caudex, São Vicente/SP

O mesmo empresário construiu no Largo Marquês de Monte Alegre, em frente à Estação Ferroviária, um edifício comercial de grande porte. Ocupa uma quadra inteira, com dois blocos laterais com três pavimentos e um bloco central de união com um pavimento. Aberturas em arco pleno, platibanda, cimalhas com friso azulejado, guarda-corpos em grades de ferro no segundo e terceiro pavimentos, ressaltam as características neoclássicas do edifício.

A falta de elementos dominantes em qualquer dos eixos de simetria e a implantação com frente para quatro ruas com inúmeras entradas e janelas atendeu à função de abrigo de inúmeras atividades distintas em setores locados independentemente. Mas resultou um conjunto binário indiferenciado que chega a causar inquietação ao observador pela ausência de referências em relação aos acessos e usos internos. Certamente não se adequava ao abrigo do Poder Público Municipal que ali se instalou de 1895 a 1939.

Uma observação interessante em relação ao estilo desses dois edifícios é o contraste estabelecido com o túmulo do seu proprietário, um dos maiores do Cemitério do Paquetá, na quadra da Ordem Terceira do Carmo. Foi erigido em estilo gótico, em mármore primorosamente esculpido.

O edifício precursor do neoclassicismo em Santos é a Casa de Câmara e Cadeia na Praça dos Andradas, que junto com o Teatro Guarany e o sobrado na esquina fronteira da Rua Amador Bueno constituem um importante conjunto arquitetônico.


Teatro Guarany e o sobrado na esquina fronteira da Rua Amador Bueno, cerca de 1990
Foto publicada com o texto

A Câmara, cujo projeto é de 1836, só foi concluída por escassez de verbas em 1860, graças ao café. Tem sido classificada como colonial, mas, na verdade, é um exemplar do Império e tem muito das características do neoclassicismo, como os cunhais, pilastras, embasamento e cornija em pedra lavrada, embora ainda ligado à tradição, como indicam, por exemplo, as vergas das aberturas em arco abatido.

É interessante comparar sua semelhança com os modelos sugeridos por J.N.L. Durant, em seu livro Précis des leçons d'architecture données à l'École Polytechnique, publicado em 1802, onde defende a preocupação com a economia na obra pública. Esse edifício estaria filiado à filosofia de construção de obras públicas da Escola Politécnica, que derivava das escolas de engenharia militar, diferenciando-se portanto da tradição das escolas de belas artes à qual pertencia Grandjean de Montigny. Muitas de suas características de obra do século XIX, como ornamentos sobre as vergas e as esquadrias em vidro das fachadas com os caixilhos desenhados foram retirados na restauração realizada na década de 60, que procurou dar-lhe um aspecto colonial que nunca teve.

O Teatro Guarany foi construído, em 1882, na antiga tradição neoclássica do Teatro S. Carlos de Lisboa de 1792 e do Teatro São João do Rio de Janeiro de 1810. Sua austera fachada apresentava um frontão no corpo central da fachada subtraído na reforma do início deste século (N.E.: século XX) que modificou a fachada para um desenho eclético. O sobrado do outro lado da Rua Amador Bueno na esquina com a Praça dos Andradas é dos mais importantes do estilo em Santos, com a série de aberturas em arco pleno.

Ainda no Bairro do Valongo encontramos diversos sobrados e armazéns que preservam sua fachada neoclássica, em especial nas ruas José Ricardo, Gonçalves Dias e Conde d'Eu. São comuns a todos as aberturas em arco pleno, os umbrais e vergas em granito, as cornijas e platibandas, paredes em alvenaria de pedra e revestimento com argamassa de cal, podendo ser pintados ou revestidos com azulejos.

Um exemplar de 1884 que desperta interesse é a casa do médico italiano João Éboli. Sua construção sobre a rocha que restou da demolição do Outeiro de Santa Catarina, local onde se originou a cidade, inspirou ao proprietário a solução romântica de uma casa acastelada com ameias e merlões na platibanda e aberturas com arcos góticos. É de se notar também que o gótico tem exemplares em edifícios destinados ao setor da saúde, como o demolido hospital da Beneficência Portuguesa, no Paquetá, e o da Santa Casa em São Paulo.

Edifício do banco italiano na Rua XV de Novembro, depois sede da Construtora Fenix
Foto: cartão postal do início do século XX

A expansão do cultivo do café pelo Estado de São Paulo se deu em grande parte através da introdução de mão-de-obra imigrante. À Inglaterra interessava liquidar a escravidão para ampliar os mercados consumidores de seus produtos manufaturados. O Império, enfraquecido pelo descontentamento dos militares, da Igreja e dos setores urbanos, caiu com a abolição da escravatura ao perder o apoio dos cafeicultores fluminenses e do vale do Paraíba. O neoclássico passou a ser identificado como a expressão formal do regime arcaico deposto.

Com a República, diversos aspectos sociais, econômicos e culturais promoveram transformações na arquitetura. A Inglaterra perdeu sua posição privilegiada de fornecedora de materiais manufaturados, sofrendo a concorrência de outros países europeus, em especial Alemanha, França e Bélgica. Essa situação está registrada na arquitetura de alguns edifícios, como o banco francês da Praça Mauá, fazendo frente também para a Rua XV de Novembro, um projeto erudito com uma bela serliana e diversos elementos decorativos simbólicos, como o escudo da Republique Française, o busto de Mercúrio, cornucópias, frontão, tudo com forte inspiração palladiana. Na Rua XV, esquina com Rua D. Pedro, outro edifício, construído por banco italiano, ostenta uma fachada cujo desenho remonta às tradições renascentistas florentinas. A Ponte Pênsil, em São Vicente, construída para sustentar os dutos para descarga da rede de esgotos de Santos na ponta de Itaipu, é obra da indústria alemã.


Na Praça Mauá, a sede do Banco Sudameris do Brasil guarda, na sua fachada restaurada, elementos da influência francesa na arquitetura eclética em Santos
Foto publicada com o texto

A Igreja, separada do Estado, passou a buscar sua identidade própria. Isso ficou expresso na construção da nova catedral inaugurada em 1924 segundo projeto do arquiteto Maximiliano Hehl, que também projetou o Quartel do Corpo de Bombeiros, mas com linguagem clássica. A catedral, na Praça José Bonifácio, circundada por ruas por todos os lados, seguiu o estilo neogótico, retomando a linguagem medieval, período de predomínio da Igreja no Ocidente. A planta em cruz latina forma um octógono central coroado por uma cúpula com oito lados e seção formando arco em ponta como a de Brunelleschi em Florença, mas revestida com chapas metálicas. A reduzida extensão das naves faz predominar o espaço octogonal sob a cúpula. A cúpula e o espaço interno centralizado contraditoriamente acrescentam à linguagem neogótica um caráter volumétrico e espacial renascentista.

Duas torres e uma galilé com três arcos góticos avançam além da fachada da nave principal. As duas torres têm desenho e altura diferenciadas. A da esquina da Rua Amador Bueno é mais alta, com planta quadrada, posicionada a quarenta e cinco graus com cobertura piramidal de base octogonal acompanhada por agulhas nos quatro cantos. A outra, mais baixa, tem planta octogonal e cobertura piramidal. A posição das torres e as naves curtas provocam o tumulto no posicionamento dos arcobotantes.

É interessante comparar a solução da Catedral com a da Basílica de Santo Antônio do Embaré, da década de 30, projetada pelo mesmo arquiteto e tão semelhante na sua volumetria tranqüila às catedrais francesas. O que teria levado o arquiteto a duas soluções tão distintas? Exigências dos clientes, por ser uma para o clero secular e outra para o regular? Não é provável, pois a liturgia era a mesma. O espírito da época não seria, pois são quase contemporâneas. Parece mais provável que o arquiteto, defrontando-se com uma localização ingrata, em que o terreno ocupa uma esquina de praça sem tomar toda a frente da quadra, optou por uma solução em que o eixo central vertical é dominante, o que foi conseguido através da cúpula, das naves curtas, dos arcobotantes deslocados e do eixo a quarenta e cinco graus da torre da esquina.

Com a imigração, vieram trabalhadores não só para a agricultura mas também para a indústria e para a construção civil. Trouxeram novas técnicas construtivas e uma capacidade de executar obras mais complexas em pedra, madeira, estuque, metais. Em São Paulo, fundou-se a Escola Politécnica que passou a formar engenheiros civis e engenheiros-arquitetos, assim como o Liceu de Artes e Ofícios, que formava artífices qualificados e produziu em suas oficinas o que se fez de melhor em mobiliário e componentes para a construção civil.

Novos materiais importados passaram a ser largamente empregados. O ferro em vigas foi empregado nas estruturas internas, assim como colunas em ferro fundido com uma decoração clássica abastardada, tijolos de barro cozido, tijolos laminados recozidos, telhas francesas de Marselha, telhas de ardósia, calhas etc. Vinte anos após a implantação da ferrovia já começaram a aparecer edifícios com características totalmente novas em relação à antiga tradição construtiva que o neoclássico não conseguira alterar em profundidade.

Alguns arquitetos estrangeiros passaram a atuar em São Paulo. Iniciou sua atuação profissional Ramos de Azevedo, engenheiro arquiteto que fora estudar em Gand na Bélgica (N.E.: cidade portuária também chamada Ghent ou Gent) em 1875. Foi grande a influência de Bezzi que veio do Rio indicado pela Corte para projetar e construir o palácio que hoje abriga o Museu do Ipiranga. A arquitetura erudita que apareceu em Santos foi praticada por profissionais radicados em São Paulo, fenômeno que perdurou até meados deste século (N.E.: século XX). Os novos estilos chegaram a Santos com algum atraso em relação a São Paulo. Iniciou-se o período chamado eclético.

O ecletismo foi a cultura arquitetônica própria de uma classe burguesa que dava primazia ao conforto, amava o progresso (especialmente quando melhorava suas condições de vida), amava as novidades, mas rebaixava a produção artística e arquitetônica ao nível da moda e do gosto. O projeto arquitetônico, dentro do ecletismo, seguiu três correntes principais: a da composição estilística, baseada na adoção de formas que no passado correspondiam a um estilo preciso; a do historicismo tipológico em que o estilo se orientava segundo a finalidade do edifício; a dos pastichos compositivos que, com uma maior liberdade, inventava soluções historicamente inadmissíveis.

O ecletismo e o urbanismo no século XIX desenvolveram-se na mais perfeita simbiose. A cidade teve que enfrentar uma nova escala de fenômenos, com o crescimento de habitantes, veículos e serviços. O urbanismo se ateve a duas linhas de atuação: a intervenção na cidade preexistente, com a abertura de novas praças e artérias por razões de trânsito, higiene e estética; a segmentação das funções urbanas, com a expansão de novos bairros residenciais, em especial os burgueses, separados dos bairros administrativos e comerciais.

Casa de João Éboli, sobre os restos do Outeiro de Santa Catarina
Foto: Prefeitura Municipal de Santos, 1998

Uma característica foi o isolamento dos novos "monumentos" que passaram a dominar a cena urbana não tanto em função do estilo ou da qualidade arquitetônica como pela grandeza e exaltação das três dimensões. A burguesia compôs as fachadas de suas casas com colunas, pilares, frontões etc., buscando a monumentalidade. A proliferação da grandiosidade acabou empobrecendo a potencialidade expressiva e simbólica e produzindo a monotonia. O que permitia o destaque eram as torres e cúpulas utilizadas nas esquinas.

O ecletismo teve seus primeiros exemplares devidos à iniciativa privada, seja em edifícios destinados ao comércio do café, seja em residências nos novos bairros e avenidas em desenvolvimento, como Vila Mathias, avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa e nas chácaras da praia da barra.

Um dos mais notáveis edifícios ecléticos da cidade é o da Bolsa Oficial do Café, levantado pela Companhia Construtora de Santos em 1922. O edifício ocupa um terreno com frente para as ruas XV de Novembro, Frei Gaspar e Tuiuti, ponto de maior prestígio social da Santos colonial. Com quatro pavimentos, sua fachada está organizada em três faixas: embasamento, plano nobre e ático.

O plano nobre se divide em dois pavimentos. As janelas do plano nobre são desmembradas em duas, sendo as inferiores valorizadas com frontões triangulares e de segmento (curvos), alternados, e as superiores tratadas como aberturas de mezanino. O corpo central da fachada da Rua Frei Gaspar tem uma arcada com cinco vãos no pavimento térreo encimado no plano nobre por uma loggia com colunata jônica. O corpo central é demarcado por dois blocos destacados encimados no plano nobre por frontões de segmento e prolongado com alas com janelas em arco no térreo e pilastras no plano nobre.

As fachadas da Rua Tuiuti e da Rua XV têm tratamento semelhante mas sem destaque em função da pequena extensão, apenas um pequeno frontão de segmento. Nas esquinas foram dispostas duas torres. Na esquina da Rua Tuiuti, a mais alta, que dominava a cidade à sua época, com o dobro da altura do prédio, com relógio e cúpula. Na esquina da Rua XV, a outra torre, em que somente a cúpula sobressai do prédio, apresenta a solução de servir de acesso principal ao prédio. (O acesso pela esquina foi também utilizado no Teatro Coliseu e no Atlântico Hotel).


Atlântico Hotel. Cerca de 1920, um prédio substituiu as edificações de frente para a praia

A planta circular dividida em seis partes permitiu a disposição de quatro pares de colunas com rusticação palladiana, dispostas radialmente. A torre está disposta no eixo do trecho da Rua XV que liga à Rua do Comércio, onde fervilha o comércio do café, dominando-o visualmente. Trabalhando com os elementos clássicos, em um tratamento barroco, a Bolsa é um exemplar típico do ecletismo por diversas características: as torres nas esquinas como elemento de composição urbana, o agrupamento de corpos diferenciados, a falta de um elemento dominante central e a destruição da simetria do conjunto pelas torres díspares. A Bolsa foi um dos primeiros edifícios em concreto armado na cidade.

A Primeira República, para demonstrar suas preocupações sociais, deixou registradas ações nos campos da saúde e da educação. Ainda temos o testemunho do antigo Hospital do Isolamento, hoje Guilherme Álvaro, com sua solução em pavilhões distribuídos em meio a grande parque. Temos também os edifícios da Escola Barnabé e da Escola Cesário Bastos, este se destacando pela riqueza da ornamentação das fachadas.

O ecletismo também deixou uma vasta herança disseminada pela cidade, em especial nos bairros centrais em residências burguesas, de classe média e até algumas tentativas frustradas de moradias populares. Em geral a cargo de profissionais práticos, apresentam uma linguagem que foi se afastando cada vez mais de seus modelos eruditos, mas que não deixam de ter interesse por alguns momentos de criatividade ou por caracterizarem conjuntos urbanos.

A última grande obra pública eclética, erudita e de linguagem clássica foi a nova sede da Prefeitura e da Câmara Municipal, um projeto que incluiu não só o edifício, mas também o paisagismo da Praça Mauá e a regulamentação do gabarito dos edifícios com frente para a Praça. Com sete pavimentos, sua fachada, como a da Bolsa, está organizada em três faixas horizontais: embasamento com dois pavimentos, plano nobre com três e ático com dois. O corpo central destacado inclui o acesso principal através de galilé com três arcos triunfais, que se atinge através de rampas e escadarias adornadas com luminárias em bronze trabalhado e as figuras recostadas de Atena e Hermes, deuses gregos protetores das cidades e do comércio. A galilé é encimada no plano nobre por uma loggia com colunas e pilastras de ordem colossal coríntia. Seu eixo de simetria domina longitudinalmente a Praça. A forte hierarquia centralizante que caracteriza a composição do edifício talvez decorra do espírito fascista e autoritário então vigente no País e na Europa.

Cabe lembrar três tendências que podem ser enquadradas dentro do período do ecletismo. A primeira, de pouca difusão mas interessante, foi o Art Nouveau, um movimento romântico e individualista, neobarroco e anti-histórico, que afetou a Europa entre 1890 e 1910. Exprimiu uma tendência essencialmente decorativa, visando colocar em relevo o valor ornamental de uma linha de origem floral ou geométrica, determinando formas tridimensionais, delicadas, sinuosas, ondulantes e sempre assimétricas.

O Art Nouveau estendeu-se a todos os campos das manifestações artísticas (arquitetura e urbanismo, gráfica, publicidade e desenho de objetos). Recebeu diferentes nomes nos países onde se manifestou: Style Nouille (estilo macarrônico) na França; Style Coup de Fouet (estilo golpe de chicote) na Bélgica; Modern Style (estilo moderno) na Inglaterra; Jugendstil (estilo de juventude) na Alemanha; Style Liberty (estilo livre) na Itália e Modernismo na Espanha. Chegou ao Brasil nos primeiros anos da República, com o nome de Arte Floral, estendendo-se até quase o Modernismo.

Em Santos o Art Nouveau se manifestou em alguns poucos edifícios e monumentos. Restou uma residência situada à Avenida Ana Costa, 77. O monumento a Braz Cubas na Praça da República tem um friso esculpido no mármore branco da base com motivo floral art nouveau. A residência da Avenida Bartolomeu de Gusmão que abriga a Pinacoteca Benedito Calixto tem diversos detalhes decorativos art nouveau mesclados com a decoração clássica.

A segunda tendência teve larga difusão, a arquitetura neocolonial que surgiu em São Paulo por volta da segunda década deste século (N.E.: século XX...). Dentro do quadro mais amplo do ecletismo, procurava retomar a arquitetura colonial como expresão dos valores formais nacionais. Por ironia, teve como pregador o arquiteto português Ricardo Severo e como um dos arquitetos mais importantes Vitor Dubugras, francês educado na Argentina. Não foi uma tendência exclusivamente brasileira, mas permeou toda a América nos anos 20 e 30, preconizando a independência das culturas nacionais.

Dubugras projetou, em 1922, os edifícios do Caminho do Mar. Em Santos, os edifícios de maior expressão no estilo neocolonial são o Hospital Santo Antônio da Sociedade Portuguesa de Beneficência e a fachada reformada da Escola Escolástica Rosa. São neocoloniais ainda: o Aquário Municipal, na Ponta da Praia; a Estação da Estrada de Ferro Sorocabana, na Avenida Ana Costa; o Asilo de Inválidos, na Avenida Francisco Glicério; um sobrado comercial, na Rua do Comércio; dois edifícios de mais de 9 pavimentos: um de escritórios na Rua Amador Bueno e outro residencial, na praia; o edifício Copacabana; diversas residências em Santos. A igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Praça Rui Barbosa, teve suas fachadas reconstruídas em estilo neocolonial quando sofreu o recuo para o alargamento da Rua João Pessoa.

O estilo neocolonial resistiu ao modernismo e tem sido utilizado até hoje, principalmente em residências. Também teve difusão o estilo colonial latino-americano (missões, californiano mexicano) que foi extensamente utilizado em residências isoladas e geminadas e que marca até hoje os bairros de Santos.

Por último, pode ser citado o estilo Art Déco, que teve sua denominação oriunda da realização da Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas em Paris em 1925. Desenvolveu-se plenamente ao longo dos anos 30. O art déco sofreu influências do art nouveau, cubismo, futurismo, Bauhaus e artes asteca e egípcia. Apresenta tendência ao geometrismo, conciliando linhas retas e curvas. O art déco teve ampla difusão na arquitetura santista. Inúmeros edifícios comerciais construídos na terceira e quarta décadas deste século (N.E.: XX...) têm suas fachadas resolvidas neste estilo. Como destaques podemos citar a Matriz de Cubatão; a Alfândega em Santos; o saguão do antigo Rádio Clube, hoje Cine Alhambra e o Grill do Atlântico. Um caso interessante é a sede da Sabesp, na Avenida São Francisco, que tem uma composição volumétrica clássica, com detalhes art déco.

(*) Fábio Eduardo Serrano é mestre em Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP) e professor de Teoria da Arquitetura e Urbanismo (UniSantos).


Hospital Santo Antonio, da Sociedade Portuguesa de Beneficência, em estilo neocolonial
Foto publicada com o texto

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DUCLOS, Adail Jarbas. A Estação de Santos e as suas Reminiscências. Ferrovia, janeiro/fevereiro 1992.

FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano. 1º Volume. Estrutura de Poder e Economia (1889-1930).

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MORAIS, Frederico. Panorama das Artes Plásticas, séculos XIX e XX. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1991.

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REVISTA DA SEMANA. Número especial dedicado à Cidade de Santos. Rio, Jornal do Brasil, 1902.

SANTOS, Paulo F. Quatro séculos de arquitetura. Barra do Piraí, Fundação Educacional Rosemar Pimentel, 1977.

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